Melissa acordou com uma fortíssima dor de cabeça, ficou um bom tempo deitada criando coragem para enfrentar o dia que estava apenas começando. Sabia que havia sido o centro das conversas de seus colegas e não estava nem um pouco com vontade de ser motivos de especulações. Não estava arrependida de ter ido com Annie, ela foi uma maravilhosa companhia, só não esperava que a noite terminasse daquela forma e para o bem de Annie e o seu próprio a coisa certa a ser feita seria encerrar aquela história de uma vez por todas.

Annie acordou cedo apesar de não ter dormido bem, estava decidida a não se entregar a angústia que estava sentindo, gostava muito de Melissa mas não se deixaria abalar pelo que iria acontecer futuramente. Melissa não seria a primeira nem a última pessoa a entrar em sua vida e sair sem aviso, já estava ficando expert nisso e por mais doloroso que pudesse ser, a única forma de não sofrer era simplesmente aceitar o que estava acontecendo.

Foi para a associação e procurou não pensar em Melissa, mas estava sendo difícil concentrar-se nas atividades que precisava desenvolver, lembrava das sensações que sentiu ao ser beijada por Melissa, a reação do seu corpo em contato com o dela, os lábios quentes da delegada em sua pele, os seus beijos desejosos. Era a primeira vez que havia sido beijada por uma mulher e foi tão envolvente e delicioso. Respirou fundo. Sentiu que uma lágrima escorria pelo seu rosto. Respirou fundo mais uma vez e levantou-se, teria uma manhã cheia e não poderia ficar ali chorando.

Estava abrindo a porta de casa quando escutou o telefone tocar, apressou-se para que a ligação não encerrasse e deu passos rápidos até o aparelho.

- Alô – disse com a respiração acelerada.

- Oi Annie – houve um breve silêncio – É a Melissa...

- Eu sei, reconheci a sua voz – disse tentando não demonstrar emoção.

- Você está bem? Está um pouco ofegante...

- Estou bem, cheguei agora da associação e andei rápido para atender a ligação.

- Hum..

- Você está bem?

- Sim..estou...

- Fui à praça hoje... passei por lá....

- Hum...

Um silêncio torturante instalou entre as duas, tinha tantas coisas que Annie gostaria de falar e perguntas a fazer, mas Melissa estava tão seca e fria, não parecia aquela mulher tão alegre e divertida que passava horas conversando com ela.

-Annie, eu estou ligando para dizer que provavelmente demoraremos a nos encontrar outra vez.

- Melissa, eu...

- Terei que fazer uma viagem a trabalho e possivelmente irei substituir um delegado que terá que fazer uma cirurgia. Irei para alguns treinamentos e não sei quando voltarei aqui, então não iremos mais nos encontrar ou manter contato – disse seca – Acho que irei demorar um tempo maior.

-E porque você não me disse isso ontem? Não comentou nada dessa viagem?

- Porque não estava nada certo... e também – fez uma pausa – Eu não tinha que dar explicações....

-...

-Bom Annie, é isso, eu quis avisar para você não ficar me esperando aparecer na praça, em sua casa ou em outro lugar.

- Isso tudo por causa de um beijo? Não precisa mentir Melissa, eu sei que você está afastando de mim por causa do beijo de ontem.

-Não, não é. Aquele beijo não significou nada Annie e não teve nenhuma importância, foi apenas um beijo e nada mais. Não crie expectativas com isso, não irá mais se repetir.

- Se foi sem importância porque você saiu daquela forma? Porque simplesmente não agiu de forma tranquila?

-Aquele beijo nunca poderia ter acontecido Annie, foi um erro, esquece isso, ok! Eu realmente não me importei. Preciso desligar agora, preciso resolver várias coisas, se cuida.

- E quando irei te ver?

- Não sei. Fica bem. Adeus Annie.

Annie ouviu o barulho seco da ligação sendo encerrada e seu coração acelerou, Melissa foi tão áspera e fria a sua voz não demonstrava nenhuma emoção. Por que ela estava tão diferente? Se não queria porque havia lhe beijado?  

“ Se perceber que irei te magoar sairei da sua vida.”

Annie percebeu que Melissa estava cumprindo a promessa que havia feito.... estava saindo da sua vida e mal sabia ela que essa atitude lhe magoaria tanto... E sem mais o que poder fazer permitiu-se chorar.

Melissa desligou o celular e recostou-se na cadeira, havia pensado mil vezes se telefonava ou não para Annie e quando escutou a sua voz suave por pouco não deixou de lado o que havia planejado, mas tirou forças e fez o que era preciso ser feito mesmo estando com o coração apertado. Annie havia tornado seus dias tão coloridos e leves, a sua companhia era perfeita e o que sentia quando estava ao seu lado era algo intenso, mas aí surgiu o beijo e se ela não parasse ali sabia que não teria forças para terminar e não iria magoar Annie daquela forma, preferia que ela sentisse raiva logo, seria mais fácil...

Não iria viajar muito menos substituir algum colega, disse aquilo apenas para que Annie não a procurasse nem a esperasse na praça, começou a se arrepender por ter entrado na vida daquela mulher tão especial, não sentia-se digna dos sentimentos que Annie deixou transparecer naquele beijo. Ela não tinha o direito de atrapalhar ainda mais a vida de Annie, sabia que depois da morte de Liz aqueles dias ao lado de Annie haviam sido os mais divertidos. Sentia-se tão bem ao lado dela.... mas a culpa que sentia por estar tão feliz era enorme principalmente depois da promessa que fizera a Liz, não iria quebrar o juramento que fez ao seu amor e não iria amar ninguém além de Liz.

Annie estava tentando acostumar-se com a ausência de Melissa e mesmo sabendo que a delegada não queria mais contato  telefonou algumas vezes, e em todas elas as ligações caíram na caixa postal e não foram retornadas. Não deixou de ir à praça, tinha a esperança de que Melissa pudesse aparecer por lá, mesmo que não fosse para vê-la, mas não sentia mais a presença dela. Sentia muita falta de Melissa e a saudade aumentava a cada dia, foi pouco tempo de aproximação, mas o suficiente para deixar marcas em sua vida e em seu coração.

- Annie, você tem visto a Melissa? – Márcia perguntou.

- Não – respondeu enquanto tomava café – Ela anda muito ocupada.

- Antes ela não saia daqui e agora você nem toca mais no nome dela....

- Está tudo bem – levantou para colocar a xícara na pia.

- Annie, o que está acontecendo minha irmã? – parou atrás de Annie.

- Não está acontecendo nada Márcia – fingiu um sorriso – está tudo bem.

- Não, não está! Olhe para você! Está triste, calada, séria demais você não é assim Annie... algo me diz que aquela mulher é a causa disso!

- Marcia, eu estou bem e não tem nada de errado. Por favor! Eu sou adulta – disse irritada – Pare com essa mania idiota de querer me proteger de tudo e de todos, eu sei me cuidar.

- Eu me preocupo com você Annie, não admito que uma estranha te faça sofrer! Você é a minha Annie, minha irmã amada...

- Não precisa cuidar de mim – disse séria.

- Annie, você é...

- Sou cega! Eu sei disso Márcia! – falou irritada – E isso afasta todas as pessoas que eu gosto, não deixa ninguém aproximar de mim porque simplesmente eu atrapalho, eu não ajudo em nada, apenas atrapalho – as lágrimas molhavam o seu rosto.

- Eu ia dizer que você é sensível, meiga, gentil e encantadora – disse puxando-a para um abraço carinhoso – Que eu tenho muito orgulho da mulher que você se tornou e quero te ver feliz – afagava os cabelos de Annie – Você tem ido à praça?

- Sim – sussurrou.

- A Melissa tem ido?

- Não.

- Ela tem telefonado para você? Tem vindo aqui?

- Não.

- Você tem telefonado para ela?

- Sim – respondeu após alguns segundos.

- O que aconteceu naquele dia que vocês saíram juntas Annie? O que ela te disse? O que houve?

- Nada Márcia – estava sentindo-se tão cansada.

- Ninguém some do nada Annie.

- Ela é muito ocupada só isso – afastou-se dos braços da irmã – Muito obrigada pela sua preocupação eu estou bem.

- Você não me engana Annie, eu te conheço o bastante para saber que há alguma coisa errada. Preciso ir, fica bem – de um beijo no rosto de Annie – se cuida.

Márcia saiu da casa de Annie decidida a ajudar a irmã, não permitiria que ela sofresse daquela forma.

Já era noite quando Melissa entrou em casa, estava visivelmente esgotada e não era apenas fisicamente o seu emocional estava um desastre. Por mais que tentasse focar no trabalho e nas investigações não conseguia tirar Annie da cabeça, ela invadia seus pensamentos sem pedir licença. Sentia falta do sorriso lindo que ela lhe dava, das mãos macias, do abraço acolhedor e da forma tão carinhosa que lhe recebia. Annie havia invadido a sua vida de uma forma intensa e estava sendo muito difícil ficar distante dela. Várias vezes recebia suas ligações e não atendia, não estava mais indo à praça e evitou qualquer contato com ela. Não estava sendo fácil manter-se tão indiferente, mas não voltaria atrás.

Tomou um banho demorado e preparou algo para comer ligou a televisão e deitou-se confortavelmente no sofá, pegou o celular e viu que tinha várias ligações entre elas uma de Annie, sentiu um aperto no peito, não retornou. Viu que tinha uma mensagem na caixa postal não costumava ouvi-la, mas não apagou e escutou até o fim.

“Oi Melissa, é a Annie – fez silêncio – Sei que você não quer mais falar comigo e desculpe pela minha insistência – silêncio – Sinto sua falta.... na verdade sinto muitas saudades de você e da alegria que me proporcionava – silêncio – Pena que você não sinta o mesmo e que eu não seja importante para você... espero que você esteja bem e se cuidando. Bom, não sei se você irá escutar essa mensagem ou simplesmente excluir... quis tentar mesmo assim. Na próxima semana haverá um concerto e eu irei tocar piano, acho que não te disse que sou pianista ne? – respirou fundo – Bom, gostaria que você fosse... não precisa ir falar comigo.... mas gostaria muito que fosse. Mandarei entregar o convite na delegacia nele constará a data e o horário... se não quiser ou não puder ir não tem problema. Fica bem, beijos.”

Foi inevitável não chorar com as palavras de Annie, claro que ela se importava, claro que era importante e por ser tão importante que estavam distantes. Por que Annie não entendia isso? Escutou mais uma vez, estava precisando ouvir a voz suave e intensa de Annie, o jeito de falar sorrindo mesmo estando tensa. Como gostaria de tê-la em seus braços outra vez... de sentir o seu perfume suave. Fechou os olhos e lembrou-se do beijo. Sentia saudades de Annie, mas quando estava com ela sentia traindo Liz. Estava confusa e sentindo-se só. Toda a muralha que construiu durante os 4 anos estava aos poucos se desfazendo e estava com medo disso e principalmente do que estava começando a sentir.

Fim do capítulo