Pietra

Acordei com a claridade batendo em meu rosto! Abri os olhos com dificuldade, pois ainda estava com sono e consultei o relógio que repousava ao lado da minha cama, marcava 5:00 da manhã; suspirei rolando pela cama esticando todo meu corpo.

Levantei lentamente esfregando os olhos e bocejando. A janela estava aberta. Dali dava pra observar o parreiral e o ponto alaranjado surgindo timidamente no horizonte.

- Não venho dormindo bem há alguns dias, tudo por conta da situação do meu irmão Pietro - monologuei enquanto respirava fundo, encaminhando-me ao banheiro - ele não acordou ainda! Isso está preocupante pra os médicos e desesperador pra mim e mainha que chorou da hora que entrou na UTI até o momento que saiu! Eu estou angustiada, prendi o choro no hospital... Mas sozinha desabei! Não quero perder meu irmão!!!!

Tirei a roupa, entrei no box, ligando o chuveiro. Apoiei minhas mãos na parede e me inclinei deixando a água quente cair livremente pelo meu corpo. Mil pensamentos passaram pela minha cabeça: só tenho mais cinco dias para providenciar tudo referente à minha viagem à Itália. Vou convencer como Pietro? Como Bianca vai se comportar em relação a mim? E o senhor Geovanni, aceitará as sugestões que apresentarei como "noivo" da sua filha? Fiquei mais um tempo em baixo do chuveiro e resolvi terminar o banho. Peguei meu roupão e fui em direção ao closet, separei uma lingerie branca, peguei uma calça jeans clara, uma blusa e tênis brancos. Terminei de me vestir, arrumei meu cabelo, peguei o celular, a chave do carro e sai do quarto e dei de frente com meu pai que barrou minha passagem.

- Sua mãe me contou sobre a última visita! - disse sem emoção - O Pietro não melhorou...

-Se era isso que queria me falar, são notícias velhas - sarcástica o interrompi- Não sei se lembra, mas quem acompanhou minha mãe fui eu! Então não me faça perder tempo com fatos que eu já sei! Com licença...

Tentei desviar-me dele no curto corredor e seguir em frente, mas sua mão voou ao meu braço retendo-me violentamente.

- Você está muito senhora de si ultimamente! - bradou enquanto me sacudia - Sou seu pai, me deve respeito!

- Então se dê o respeito! - repliquei com raiva - Me solta, está me machucando!!

- Você vai ficar até que eu termine de falar - disse entredentes cheio de raiva - Só não lhe parto a boca agora mesmo por sua insolência, porque tem que chegar apresentável diante da futura mulher de seu irmão!

- Errado, senhor meu pai! Só não me parte a boca, porque hoje sou adulta e sei muito bem me defender! - contestei

Com um safanão mais brusco me desvencilhei dele e dei um passo atrás pondo distância segura entre nós.

- Fale o que quer e me deixe partir! - vociferei irritada.

Ele cinicamente recostou na parede e cruzando os braços e ficou me encarando.

- Ainda não notei as mudanças que tanto gritou precisar quando disse não poder partir de imediato para Barolo - disse mostrando insatisfação - Os cabelos continuam compridos, suas vestes permanecem femininas! Está gastando com uma fonoaudióloga uma pequena fortuna e essa voz continua de menininha... Eu não aceitarei fracasso nesta missão na Itália! Você precisa seduzir a Bianca e fazê-la aceitar este casamento de qualquer maneira; se fosse Pietro eu estaria descansado, mas você... Essa coisa de sedução parece não ser seu forte, visto que são breves as passagens dos rapazes em sua vida.

Eu apertei os olhos com aquele comentário depreciativo de meu poder de manter alguém do meu lado. Até porque ele tinha certa razão; Os homens tinham breve passagem em minha vida; mas não era por fraco poder de sedução minha... Era falta de interesse mesmo! Pois nenhum até hoje balançou meu coração a ponto de me fazer assumir um compromisso mais sério.

- Responda! - A voz do meu pai me fez sair dos meus pensamentos.

- O quê? - perguntei suave na tentativa de causar irritação.

- Quero os resultados de sua masculinização! - gritou dando um passo em minha direção - Não brinque comigo, menina, há muito em jogo pra isso! Seu irmão não está aqui pra se interpor entre nós e evitar que eu lhe dê a correção que está precisando.

- Pois tente! - desafiei fechando os punhos - Eu não tenho mais 15 anos pra você me quebrar o braço de novo na surra... Talvez agora eu o denuncie ou até mesmo revide!

- Sua... - ele ameaçou uma enxurrada de palavrões.

Nesta hora vi minha mãe abrir a porta do seu quarto com os olhinhos arregalados de pavor. Isso me desacelerou e eu resolvi não mais enfrenta-lo.

- Q-Que está acontecendo aqui! - mamãe olhando em pânico de um para o outro - Por favor, por favor...

Ela começou a chorar. Nesta hora ambos nos desarmamos de toda animosidade individual e corremos pra ela para acalmá-la. Conseguimos isso depois de horas, tranquilizantes e uma promessa de trégua: Nada de discussões ou agressões verbais ou físicas.

Minha mãe dormiu segurando nossas mãos... Senhor Giovanni fez sinal pra nos desvencilharmos das mãos da mamãe! Com cuidado o fizemos e saímos indo direto pra o escritório que era bem longe do quarto dela. O segui entristecida pelo estado frágil de minha genitora. Entramos naquele escritório e ele sentou-se perto da janela olhando pra fora para aquela vastidão de terras.

- Desculpa - falou seco - Ando muito nervoso... Os bancos estão me pressionando! Matteo não adiantou um tostão ainda; só dará o dinheiro depois de ter certeza que sua filha aceitará o casamento. Você precisa ser encantadora e fazê-la aceitar sua proposta de casamento! Por favor, Pietra... Eu sou difícil, mas amo sua mãe e ela não vai suportar se perdermos tudo...

Marchei até ele, parando em sua frente até ele me encarar!

- Não se preocupe! - afirmei - Temo pela vida, bem como pela sanidade dela também e estou dando o meu melhor pra essa transformação. A fono me liberou ontem, já consegui um timbre mais grave e isso dará pra convencer a italiana; quanto ao resto... Estarei providenciando em Salvador. Parto hoje no jatinho pra ver vestuário apropriado, cortar os cabelos e colocar uma barba! Creio que chegarei um macho convincente e bonito o suficiente para encantar a bela Bianca, levando-a ao altar.

- Barba? - papai duvidoso - Isso pode cair, não acho boa ideia! Embora esse seu rosto sem ela fique muito suave mesmo...

- Não se preocupe, eu e a Andréia entramos em contato com uma amiga que nos indicou alguém que trabalha com uma técnica de feitura e aplique de barba falsa usando cabelos de verdade e usam uma cola especial pra segurar firmemente na face! Usarei meus próprios cabelos que cortarei; Pedirei pra confeccionarem quatro barbas falsas, visto que ficarei 20 dias na Itália. - Esclareci - Eu pedi a mãe da Andréia pra dar inicio a documentação para o casório! O senhor sabe que ela é dona do cartório da cidade, os documentos da Bianca mandarei pelo poste italiane - que como pesquisei, é a maior e mais importante empresa postal da Itália - pra que tudo esteja pronto pra casarmos, se for possivel, no mesmo dia que pousarmos no Brasil.

- É... - meu pai pensativo e mais animado - bem pensado, eu entregarei pra ela os documentos de Pietro o quanto antes! Acho que dará tudo certo! Você tem que embarcar para a Itália em quatro dias!

Dei um sorriso de lado.

- Bom se só isso... ah, quatro dias é tempo suficiente - confirmei saindo - Avisa pra mamãe de minha partida, eu voltaria pra me despedir, entretanto depois do acontecido e da quantidade de tranquilizantes ingeridos, ela não acordará mais hoje; toma conta dela! Andréia parte no nosso Jato legacy 650E comigo para Salvador... De lá irei para Itália nele, pois me deixará em Turim em apenas nove horas e meia; de lá seguirei de carro para Barolo, quero conhecer a beleza da região com calma e tirar umas fotos.

- Tá certo! - Giovanni em tom ameno - Boa sorte!

- Vou precisar! - falei saindo e sem virar ordenei - Cuida do Pietro, não o deixe partir!

Fechei a porta atrás de mim e segui de moto para o hospital; jamais partiria sem me despedir do meu gêmeo.

Chegando ao hospital, me identifiquei e fui imediatamente liberada para ir ao quarto onde meu irmão fora transferido. Isso me animou; ele melhorou no dia anterior a ponto de ir para um quarto. O médico me informou que Pietro não acordara, porque e sedação iria ser tirada aos poucos, mas seu estado clínico melhorou ao ponto da liberação dos aparelhos respiratórios, já que estava conseguindo respirar sozinho, permitindo então sua transferência para uma ala da unidade semi- intensiva.

Entrei e sentei na cadeira ao seu lado. Tomei sua mão esquerda entre as minhas...

- Mano... - comecei a conversar com ele como sempre fazia quando algo me incomodava - Eu vou para Barolo em quatro dias! Vou conhecer e... seduzir sua noiva pra que o casamento saia. Estou com medo de não conseguir!!! Preciso que você se recupere para tomar seu lugar nesta farsa de casamento. Não morre Pietro, amo você.

O som do bipe da máquina ligada ao meu irmão foi o único som por instantes naquele quarto.

- Eu sei que pode me ouvir! - falei séria - Então vou te avisar que tem 24 dias para estar inteiro e de pé pra passar a noite de núpcias com sua esposa...

- Ele não vai casar com essa italiana! - uma voz conhecida me fez voltar rapidamente o rosto em direção a porta onde vi Silvia, minha prima do Rio grande do Sul, com os olhos azuis faiscantes de medo e ciúmes - Se esse homem levantar desta cama, é comigo que irá casar e com mais ninguém!

Fim do capítulo