Samantha apareceu para visitar Carolina, não sabia que ela já tinha se recuperado do estado de coma, e se surpreendeu ao chegar na recepção do hospital e ser informada que sua entrada para visitar Carolina estava proibida pela própria médica.

 

-- Senhora, a sua entrada está bloqueada, eu não posso permitir que a senhora suba.

 

-- Como assim? Quem fez isso? Isso é um absurdo. Eu quero ver Carolina. – Estava exaltada –

 

-- Senhora, foi a própria doutora Carolina que proibiu sua entrada. – Disse impassível – Sinto muito, mas não posso fazer nada.

 

            Ouvir aquilo caiu como um peso sobre sua cabeça, claro que Carolina não iria mais querer encontrar com ela, Samantha sabia que corria esse risco, mas como sempre recebeu o perdão da médica, achou que poderia conversar com ela e reverter novamente toda a situação, mas dessa vez, tudo foi demais, pelo menos recebeu uma boa notícia, Carol estava acordada e para ter feito essa proibição com certeza se lembrava do que aconteceu, não restou nada para Samantha, sua vida sempre foi errada e continuava do mesmo jeito.

            Depois do incidente na escola ela brigou com Lúcia e a empresária viajou para o exterior para cuidar de uma negociação, Samantha não quis ir de pirraça e estava conseguindo ir visitar Carolina, mas essa liberdade estava por acabar, sua esposa chegaria dentro de alguns dias e ela queria muito falar com Carolina antes disso, sabia que Lúcia nunca iria permitir essa aproximação e seu tempo estava terminando.

            Mas percebeu que não seria fácil se aproximar de Carolina, ela queria pedir perdão, pela milésima vez, era uma necessidade que ela não conseguia explicar, se deu por vencida e resolveu que tentaria um encontro com a médica depois.

 

-- Tudo bem, pode só me dizer se ela está bem?

 

-- Sim, ela está bem, se recuperando das cirurgias. – Foi sucinta --

 

-- Obrigada.

 

            Samantha deixou o hospital cabisbaixa, caminhou até o carro de luxo que estava estacionado embaixo de uma árvore e sentou no banco do motorista, ligou o carro e ali com ele trancado ficou apenas pensando em como deixou sua vida chegar àquele ponto, teve tudo que queria e perdeu, teve dinheiro, fama, teve amor, o amor de Carolina e ela desperdiçou, nem a amizade que ela recebeu da médica ela foi capaz de honrar e sempre se martirizava por isso, pelo menos não carregaria o peso de ter provocado a morte da médica, Carolina estava viva e bem.

            Segurou o volante e abaixou a cabeça encostando na borracha dura que parecia ser o único ponto de apoio que ela poderia ter naquele momento. E deixou as lágrimas escorrerem sem censura.

            No rádio do carro, uma música começou a ecoar e Samantha sentiu como se fosse Carolina cantando para ela, um misto de sentimentos confusos crescia dentro de si, ouviu aquela melodia vendo o rosto da médica em sua mente, e percebeu que não tinha mais nenhuma chance de se reaproximar daquela que um dia foi sua melhor escolha, mas que era sempre deixada de lado.

 

Jarro de corações (Jar of Hearts – Cristina Perry)

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=8v_4O44sfjM

 

 

Sei que não posso dar mais nenhum passo na sua direção

Pois só o que me aguarda é arrependimento

Você não sabe que não sou mais a sua fantasma?

Você perdeu o amor que eu mais amei

 

Eu aprendi a viver, meio viva

E agora você me quer mais uma vez

 

E quem você acha que é?

Andando por aí, deixando cicatrizes

Colecionando um jarro de corações

Despedaçando o amor

Você vai pegar um resfriado

Do gelo dentro da sua alma

Então não volte por mim

Quem você pensa que é?

 

Ouvi dizer que você anda perguntando

Se eu estou em qualquer lugar para ser encontrada

Mas eu também cresci forte

Para nunca cair de volta nos seus braços

 

Eu aprendi a viver, meio viva

E agora você me quer mais uma vez

 

E quem você acha que é?

Andando por aí, deixando cicatrizes

Colecionando um jarro de corações

Despedaçando o amor

Você vai pegar um resfriado

Do gelo dentro da sua alma

Então não volte por mim

Quem você pensa que é?

 

Levou tanto tempo para eu me sentir bem

Lembrar de como devolver a luz aos meus olhos

Eu queria ter perdido a primeira vez que nos beijamos

Pois você quebrou todas as suas promessas

E agora você voltou

Você não pode me ganhar de volta

 

E quem você acha que é?

Andando por aí, deixando cicatrizes

Colecionando um jarro de corações

Despedaçando o amor

Você vai pegar um resfriado

Do gelo dentro da sua alma

Não volte por mim

Não volte nunca

 

 

 

Quem você pensa que é?

Quem você pensa que é?

Quem você pensa que é?

 

 

-- Eu entendi Carol! Eu entendi.

 

 

            Resignada, triste e mais uma vez vazia, Samantha deixou o hospital tentando se conformar com a perda definitiva de Carolina, não teria mais volta, não teria mais nada. Sua vida seria viver com uma pessoa que ela não amava, porque ela escolheu o dinheiro a seu sentimento, sempre foi assim e sempre será assim.

 

 

********************************

 

 

            Sem saber que Samantha tentou lhe fazer uma visita, Carolina tentava colocar suas lembranças no lugar, tentava organizar seus sentimentos e pensamentos para tomar uma decisão sobre o que fazer com relação à vida, ela queria se entregar a um relacionamento como nunca havia feito antes, mas não sabia se conseguiria, e não queria decepcionar ninguém.

            Enquanto Carolina tentava se abrir para receber o amor em sua vida de uma vez por todas, Ângela lutava contra suas dúvidas com relação ao sentimento que não parava de crescer dentro de si, mas que ela tentava a todo custo sufocar. Depois da conversa que teve com Izabel, suas certezas estavam abaladas, a única que ainda permanecia intacta era que estava completamente, perdidamente e loucamente apaixonada por Carolina, e apesar de querer muito viver esse sentimento, estava apavorada com a possibilidade de se machucar em um relacionamento com sua chefe, em um possível primeiro relacionamento com uma mulher, teria que enfrentar muitas batalhas e a primeira seria em sua casa, não sabia como seus pais reagiriam à notícia que estaria namorando uma mulher, isso ajudava para que suas dúvidas aumentassem dia a dia.

            Com essa confusão dentro de si, ao contrário do que ela imaginou que faria quando a mulher que ela ama voltasse daquele sono profundo em que ela estava se escondendo, a residente estava se afastando de Carolina, não estava investindo para conquista-la. Não foi procura-la, manteve uma distância considerada por ela segura.

            Carolina sentiu esse afastamento, e começou a ficar decepcionada com aquela ausência repentina de sua residente. Achou que estava errada com relação aquele sentimento que ela via crescer dentro de si.

            Izabel resolveu dar alta para Carolina depois de ter certeza que ela não teria mais nenhum problema decorrente do acidente e das cirurgias que precisou fazer. Carolina estava finalmente pronta para ir pra casa.

 

 

-- Carol, estou te liberando para ir pra casa, mas você ainda precisa de repouso, ouviu?

 

 

-- Sim doutora. – Revirou os olhos – Eu prometo que vou me comportar.

 

 

-- Acho muito bom! Assim você se recupera o quanto antes pra voltar a trabalhar. – Encorajou a amiga –

 

 

-- Disso que eu estou precisando, voltar a minha vida, esse acidente só me complicou. – Revirou os olhos --

 

 

-- Do jeito que você está reagindo, acredito que em dois meses você já estará de volta.

 

 

-- Dois meses ainda? – Levantou uma das sobrancelhas --

 

 

-- Sim, não se esqueça que você passou por três cirurgias, sendo uma na cabeça, por mais forte que você seja, não é a supergirl. – Riu –

 

 

-- Eu sei. É que não gosto de ficar em casa, voce sabe disso.

 

 

-- Sim, eu sei, por que você não vai pra casa de Carlos? Fica esse tempo por lá com ele, sai um pouco daqui, vai respirar outros ares.

 

            Izabel estava sentada ao lado da amiga na cama e tentava encorajar para que ela não ficasse entediada por ficar tanto tempo em casa sozinha.

 

 

-- Pode até ser, pelo menos o tempo que ele vai estar em casa, porque depois ele vai embarcar e vai ficar um mês fora.

 

 

-- Você que sabe, foi só uma sugestão. – Sentou em uma poltrona ao lado da cama – Carol, as meninas da recepção disseram que Samantha apareceu pra te ver.

 

            Ao ouvir aquele nome, novamente Carolina sentiu um tremor em seu corpo, mas não foi do tipo agradável, percebeu o quanto foi afetada negativamente por todos os anos que permitiu que aquela mulher fosse prioridade em sua vida. Repreendeu-se por ter permitido se privar de conhecer outras pessoas por ficar presa a um passado que não lhe pertencia.

 

-- Será que ela nunca vai desistir? – Disse resignada –

 

-- Amiga, ela deve estar com remorso, ela sabe que você só está aqui por causa dela.

 

-- Não Izabel. – Balançou a cabeça negativamente -- Eu estou aqui por minha causa.

 

            Izabel a olhou confusa, não entendeu em um primeiro momento o que Carolina queria dizer, mas depois que a médica explicou, tudo ficou mais claro e mais uma vez ela sentiu muito orgulho da mulher impressionante que Carolina se tornou.

 

-- Eu estou aqui porque eu permiti que Samantha orquestrasse minha vida por muitos anos! Eu estou aqui porque nunca me permiti conhecer outras pessoas e nunca deixei que as pessoas que eu conheci se aproximassem de verdade.

 

            A chefe de cirurgia observava sua amiga falando e sentiu em seu coração a dor que ela carregava, algumas lágrimas em compaixão surgiram em seus olhos assim como surgiram nos olhos de Carolina enquanto ela ia se abrindo de uma maneira que ela nunca havia conseguido.

 

-- Eu estou nessa situação porque eu acreditei mais em uma pessoa do que em mim mesma. – Uma lágrima escorreu – Eu deixei Samantha me usar, me humilhar, se apoiar em mim, ela fez o que quis, verdade, mas a culpa foi minha, pois eu que permiti.

 

-- Ai amiga, é tão duro ouvir isso. – Segurou a mão da cardiologista –

 

-- Mas é a pura verdade, -- Suspirou -- e agora eu consigo ver isso claramente, todas as tentativas de estar com ela, ajudar a sair do vício, acho que foram mais uma afirmação pra mim do que amor, eu nunca amei Samantha, eu nunca amei ninguém Izabel.

 

            Aquela constatação caiu como uma verdade absoluta no meio daquela conversa, foram trinta e dois anos de muita compaixão e amizade, mas nenhum amor para ser contado.

 

-- Foi uma relação de cuidados, eu me apaixonei no início, mas depois da primeira decepção, foi uma tentativa de provar que eu não tinha fracassado com ela, eu queria curá-la, mas eu esqueci de me curar primeiro. – Olhou nos olhos da amiga --

 

            Carolina lembrava das vezes que esteve com a namorada, as decepções, os sonhos que teve enquanto estava em coma vinham embaralhados, misturando com as lembranças, as decepções e todas as vezes que ela permitiu que Samantha a machucasse.

 

-- Izabel, eu fracassei com ela e comigo também. Mais comigo, porque ela nunca quis a minha ajuda, só me usou como uma muleta psicológica para suas carências, eu falhei comigo porque eu permiti que ela fizesse isso.

 

-- Eu fico feliz que finalmente você tenha entendido tudo isso, mas o principal é você mudar e não permitir mais esse tipo de relação. Não repita o que te fez tanto mal, Carol.

 

-- Eu sei Bel, é muito difícil pra mim admitir isso, mas agora eu já consigo enxergar o quanto eu me reprimi. E na teoria eu quero mudar sim, minha intenção é mudar radicalmente minha forma de me relacionar com as pessoas.

 

-- Só não me venha ficar igual a Raquel, duas conquistadoras aqui nesse hospital eu não aguento. – Espalmou as mãos no ar – Sai até briga! – Riu --

 

            Raquel chegava nesse momento ao quarto da amiga e ouviu seu nome enquanto abria a porta, como sempre tinha um lindo sorriso no rosto.

 

-- Ouvi meu nome, o que eu fiz dessa vez? – Entrou no quarto falando –

 

            Carolina sempre se alegrava com a presença da amiga bagunceira, Izabel abriu um largo sorriso, abraçou Raquel e explicou o assunto.

 

-- Estávamos conversando sobre Carol, ela entendeu finalmente que precisa mudar de atitude com relação aos relacionamentos, e eu estava dizendo que é pra ela não ficar igual a você, duas conquistadoras eu não aguento. – Riu –

 

            Raquel e Carol riram do que Izabel disse e como sempre, a neurologista tira um sarro com a situação.

 

-- Ah meu amor, isso mesmo, você tem que se desprender dessa vida bela, recatada e do lar que você leva. – Apoiou o rosto nas duas mãos e piscou os olhos rapidamente como um desenho animado --

 

-- Só você mesmo. – Carolina balançava a cabeça negativamente – É que relacionamentos sérios me deixam nervosa, amiga.

 

-- Carol, -- A olhou seriamente – relacionamento é pra ter paz, se for pra passar nervoso, prefiro dobrar lençol com elástico.

 

            As três gargalharam, enquanto Carolina segurava o peito por conta das dores nas costelas que ainda estavam cicatrizando.

 

-- Mas é verdade. – Raquel continuava rindo – Já tentou dobrar aquela merd*? É um inferno. – Ria – Agora eu embolo tudo e jogo dentro do armário.

 

-- Só você Raquel. – Revirou os olhos --

Fim do capítulo