CapÃtulo 1 - Caloura
Rodovia calma, sem acidentes. Três, quatro pedágios. Sol ameno, atípico no verão brasileiro. Via bluetooth, a mesma playlist de sempre, com baladas dos anos 80 e 90, tocava a partir do aplicativo de músicas do celular da futura estudante de Medicina, Helena Tavares.
Em seus tenros e recém alcançados vinte anos de idade, nossa protagonista dirigia pela estrada dentro da velocidade limite, com os vidros abertos de sua SUV prata – presente de aniversário de seu pai, um empresário e vívido defensor do capitalismo- e o vento batendo em seu cabelo liso acastanhado que por vezes batia em seu rosto de pele alva. Os olhos também acastanhados estavam encobertos por óculos escuros de lentes polarizadas.
Em plena tarde de domingo, Helena adentrava a pequena cidade. Como a faculdade se localizava no início da cidade, aprendeu rápido, sendo esta a quinta vez que chegava no município.
O prédio em que ficava o apartamento que alugara situava-se apenas a uma quadra da Universidade. Mesmo seu pai tendo insistido para que morasse sozinha, resolveu dividir com seu melhor amigo, que havia passado em Medicina um semestre atrás. Solidão era algo que assustava a jovem.
Helena, ao chegar, pegou sua chave tetra e destrancou a porta de madeira maciça, entrando em seu apartamento, aconchegante e adequadamente climatizado.
“Viada! Que bom que chegou a tempo. Hoje à noite vai ter um pequeno get together para os calouros interagirem com veteranos.” Otávio a recepciona com um largo sorriso de orelha à orelha.
“O trote já não é para isso, Otávio?” Helena coloca sua mochila na sala e caminha em direção a porta de vidro que dá para a varanda.
“Não tem mais trote, a Universidade proibiu. E as interações já começaram desde quinta, falei para você vir mais cedo.”
“Eu queria curtir um último final de semana na capital.” Ela analisa a maravilhosa vista da varanda e depois volta para a sala, jogando-se no sofá retrátil e reclinável.
“Nada, você queria mesmo era curtir suas últimas noites com a Geovanna...”
“Saí com ela pela última vez na sexta-feira. Ela viajou para o Tocantins na manhã de ontem.” Helena baixa o olhar, reflexiva.
“Vocês decidiram não prosseguir mesmo com o relacionamento a distância, não é?” Otávio abre a geladeira e retira uma garrafa de Rum e outra de refrigerante de Cola.
“Que relacionamento? Nunca nem tivemos um relacionamento. Foi uma coisa estranha que entre idas e vindas durou uns seis meses e é isso.”
“Durou um pouco mais de seis meses, eu ainda morava lá quando vocês duas começaram a sair.” Otávio coloca dois copos na mesa e os preenche com ambas as bebidas, finalizando com algumas gotas de limão. “O que ela foi fazer lá em Goiás mesmo?”
“Goiás não, Tocantins. Ela está em Palmas. Passou lá na Federal, Engenharia de Bioprocessos.” Helena pega um dos copos que Otávio oferecera.
“Mas vocês ainda estão se falando normalmente?”
“A última mensagem foi aquela que lhe mandei o screenshot, desejando a ela boa viagem, que ela respondeu com o emoji sorrindo.”
“Ah é, eu vi. Mas deixa, agora você está em um universo completamente novo, vai ver, tem muita gata aqui, a Medicina está cheia de garotas que vão lhe fazer esquecer da Geovanna. Não somente no nosso curso, mas tem meninas lindas em várias outras graduações que também adoram um couro...”
“Só você mesmo para reciclar esse tipo de gíria.” Ambos riem.
________//_________
No tardar do dia, próximo ao horário da tal integração, Helena se degladiava entre peças de vestuário para parecer apresentável aos olhos alheios, o que não necessitava de tanto esforço assim.
“Você acha que essa blusa aqui está boa para ir nessa reunião?” Helena ainda utilizava o clichê da ajuda do amigo do vale para a escolha de roupas.
“Menina, que arraso! Adorei o decote, já chegou querendo detonar!” Otávio se aproxima e dá uma leve arrumada no cabelo da amiga. “E desde quando você começou a usar essas calças justinhas hein?”
“Resolvi mudar faz um tempinho já. Onde vai ser esse rolê?”
“Ali no final do corredor. Metade desse prédio é da galera da Medicina.”
Após incontáveis minutos regados de inseguraça por parte da caloura, a dupla de amigos apareceu no apartamento em que seria realizada a integração, e, ao chegarem, são recepcionados por meia dúzia de gatos pingados.
“Deve ser porque chegamos cedo. Mais tarde a galera aparece” Otávio justifica.
“Na verdade não...está tendo uma festa de volta às aulas no pub do centro da cidade. Todo mundo sabe o quão raro é para eles fazerem festa em um domingo, então geral se concentrou por lá.” Uma das colegas de classe de Otávio explica.
“E o que está acontecendo com o gosto musical de vocês? Isso é o quê? Aquele tema da série Narcos? Estão achando que estamos em um jantar de traficantes da década de 70?”
“Otávio, você gosta de Los Hermanos, não gosta?” Helena indaga, enquanto uma de suas veteranas lhe entrega uma cerveja long neck.
“Gosto sim, por quê?”
“Oras, essa música foi feita por um dos integrantes. E de morta essa melodia não tem nada.”
“Essa música me dá vontade de ler um bom livro e tomar um chá de queimar o esôfago.” A moça que entregou a cerveja introduz-se na conversa, logo antes de tomar uma cadeira de plástico para si e se acomodar.
“A parte do chá eu pularia, mas gostei da ideia do livro.” Helena sorri. “Você é da sala do Tavinho?”
“Tavinho?” A garota pergunta, em tom de deboche, ao olhar para o melhor amigo de Helena.
“Ha ha. Ela é minha amiga de infância, ela está autorizada a me chamar assim. Você não, Lívia. E agora eu vou deixar vocês aí porque o menino do sétimo semestre que estou tentando pegar desde que entrei acabou de chegar. Então se me dão licença...”
“Esse amor platônico do Otávio...” Lívia revira os olhos. “Diga-me, você é a caloura que estudou com ele?”
“Sim, estudamos juntos desde a pré-escola, até o cursinho. A bicha sortuda acabou passando primeiro e aqui estamos.”
“É bom ter alguém conhecido ao chegar em um lugar novo. Vocês moravam na capital, né?”
“Sim.” Helena, acomodada em um dos assentos no meio do sofá, já que o canto estava sendo ocupado por um casal em meio a amassos, acaba por reparar nas pernas ansiosas de Lívia, bem na sua frente. Em um momento, cruzavam-se, depois descruzavam-se, logo em seguida cruzavam-se novamente. “Você por acaso está apertada? Quer ir ao banheiro?”
“Ai, obrigada. Eu estou, mas achei que seria falta de educação interromper a conversa!”
“Imagina. Vai lá, eu seguro sua cerveja.”
Helena aproveitou para observar o ambiente. Outras pessoas haviam chegado, mas não o suficiente para lotar o apartamento.
“Helena, eu estou indo no pub com o Yan e mais uma galera da sala dele. Vamos?” Otávio aborda a amiga, ao lado do garoto.
“Eu vou ficar por aqui mesmo, Otávio. Mas obrigada mesmo assim.
“Vamos, caloura! Tem um monte de gente da tua sala por lá.” Yan tenta convencê-la, recebendo outra negativa.
“Cadê a Liv?” Otávio questiona, pouco antes de tirar o celular do bolso, logo sendo surpreendido por uma tentativa frustrada de ser assustado pela colega de classe, que chega de sopetão.
“Como assim vocês estão chamando uber? Vai me dizer que agora vão para aquela festa lá?” Lívia dá uma espiada no celular de Otávio.
“Eles vão. Eu já vou finalizando minha noite por aqui.” Helena se levanta e estica um dos braços para devolver a cerveja.
“Nada disso. Você vai ficar por aqui. Mal chegou e já quer ir embora?” Lívia empurra Helena, que cai sentada no sofá empoeirado, derrubando uma das cervejas no casal que ainda estava se beijando.
“Desculpa!” Helena não sabe onde enfi*r a cara.
“Não acredito! Agora vou ficar fedendo cerveja!” A garota se levanta, indignada.
“Deve ser caloura.” O garoto também fica indignado, tirando a carteira do bolso para conferir se molhou.
“Ai, Bruno, foi sem querer, deixa a caloura em paz, a culpa foi minha, que saco.” Lívia sai em defesa de Helena.
“Sabia que não deveria ter vindo para esse lixo de festa.” Bruno franze a testa, puxa Jéssica pela mão e ambos vão embora.
“Já comecei bem.” Helena torce os lábios.
“Deixa para lá. O Bruno é um dos caras mais chatos da Medicina.” Lívia explica.
“Moleque marrento.” Yan completa. “Mas Liv, você não vai mesmo com a gente?”
“Não, não, meninos. Agradeço mas estou na vibe de ficar levemente bêbada, voltar para o meu apartamento e dormir.” Os meninos se despedem delas enquanto aguardam o uber na porta do prédio.
Helena então acompanha Lívia até a cozinha para pegarem outros drinks.
“Esse Bruno é da sala de vocês?”
“Sim, mas é um troglodita. Pensa em um pseudoconservador. Ele é a imagem de tudo aquilo que a gente geralmente luta contra.” Lívia enche um copo de vodka e gelo.
“Não gosto nem de imaginar.” Helena finalmente finaliza sua cerveja e pega outra do balde com gelo.
“Na época das eleições ficou fazendo campanha para aquele candidato machista e homofóbico. Tentou começar um debate na aula de Ética, mas tomou um mega discurso do professor.” Lívia solta uma gargalhada debochada. “O professor de Ética é cirurgião pediátrico, daí ele começou a falar dos males de se liberar a posse de arma, e sobre quantas crianças ele já teve que salvar que foram vítimas do fato de se possuir uma arma em casa. Daí o Bruno tentou argumentar, disse que era só saber esconder a arma, aí o professor detonou: ‘Tenha um filho primeiro, depois venha falar sobre ensinar a respeito de esconderijos para crianças nunca acharem, ou sei lá, guarde em um cofre bem guardado. Aí a arma fica bem escondida, tão bem escondida que quando o bandido chegar na casa, não vai dar tempo de localizar a arma. Estou vendo que você pensou em todas as possibilidades mesmo.’ ” Lívia imitava o professor dando discurso e depois mimetizava a expressão facial do colega sem saber o que argumentar.
“Cara, esse Bruno deve ser um porre mesmo!” Helena parecia se divertir com o assunto, enquanto finalizava já sua segunda cerveja e ia para a terceira. Outros assuntos se prologaram entre a quarta, quinta, sexta garrafa...Helena já se via alterada. Aproximou-se do ouvido de Lívia. Colocou a garrafa vazia sobre o balcão.
“Posso te fazer uma pergunta?” Helena coloca as mechas rosas do cabelo de Lívia atrás da orelha.
“O quê?”Lívia estranha um pouco a atitude e dá um passo atrás.
“Er...nada não.” Helena lê a situação e se envergonha. Coça a cabeça e sua face se torna vermelha.
“Espera você pensou que eu fosse-”
“Não! Digo, não que você fosse...eu ia perguntar se-”
“Mas daí você pensou que eu-”
“Não, eu não pensei nada! Eu só ia perguntar se você-”
“Ai meu Deus, desculpa! Eu devo ter passado a impressão que eu gostava, digo, que eu era...que eu fazia parte, sei lá, quando fiquei falando de homofobia, não? Ai me desculpa mesmo!”
“Não! Que isso! Relaxa, eu que peço desculpas...”
“Mas nada a ver. Eu me sinto até honrada, sua boba! Meu irmão é casado com outro homem e eles são a coisa mais fofa do universo. Vou em todas as paradas gays com eles e tudo mais, até meu namorado foi na última parada comigo, inclusive!” Lívia tenta aliviar o clima.
“Espera, você tem namorado? Por que não falou no começo? Teria me poupado dor de cabeça.” Helena brinca.
“Bem, agora, nesse exato momento, estou brigada com ele. Mas antes de dormir, eu mando uma mensagem para ele e a gente se acerta.”
“Ele mora aqui?”
“Mora e trabalha na cidade ao lado. Meia hora daqui. Se quiser, algum final de semana ele leva a gente lá para você conhecer.”
Helena concorda, apesar de ainda estar envergonhada.
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Helena adora as manhãs de segunda-feira. Apesar de ser quase um consenso mundial esse dia ser odiado, ela acostumou-se com a rotina de acordar cedo, tomar um bom banho, abrir a geladeira e...
“Otávio, você não comprou leite?” Ela grita da cozinha.
“Pelo amor de Deus Helena, não grita!” Otávio acabara de acordar. “Alguém para de rodar o mundo, por favor.”
“Meu, não tem leite, não tem pão, eu mandei dinheiro para você comprar as coisas nesse fim de semana e você não comprou nada?!” Helena invade o quarto do amigo.
“Eu acabei esquecendo amiga, mas a padaria aqui perto não abre de domingo e eu achei que seria melhor esperar você com o carro porque tem um mercado ótimo no centro da cidade e-”
“Tudo bem. A gente vai mais tarde. A padaria pelo menos está aberta agora?”
Otávio olha para o relógio da tela do celular. “Sim, eles abrem cedo em dia de semana.”
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“Eu quero uma fatia de cheesecake e-”
“A gente não vende cheesecake aqui não senhora.” O atendente da padaria responde.
“Então sei lá, me vê um pão doce.”
“Tem vários tipos de pão doce, senhora, qual a senhora vai querer?”
“Quais tipos?”
“Tem esse de creme, esse com côco, tem os folhados com doce de leite..” O atendente aponta para cada um dos itens enquanto os lista.
“Deixa eu ver...” Helena coloca a mão no queixo enquanto pensa.
“Tem gente aqui que tem aula agora de manhã, viu?” Uma voz atrás dela bradava na fila que se formava.
“Se for dessa Universidade ao lado começa só daqui 40 minutos.” Helena responde, enquanto analisa os pães.
“O mundo não obedece aos seus horários não viu, garota?” A voz continua a provocar.
“Quem que está falando isso?” Helena olha para trás e vê uma garota de mochila nas costas e cabelos longos petrolados revirando os olhos. “Hey, psiu, ficar nervosa a toa faz mal a saúde.”
A garota bufa. Helena ri e finalmente volta o olhar para o balcão. Escolhe o pão de côco e pede um café. Enquanto aprecia a principal refeição do dia, a garota impaciente senta-se na mesa ao lado.
“Meu dia já começou ótimo. Uma lerda demora dois séculos para escolher a droga de um pão, atrasando toda a fila. Os preços aqui são exorbitantes. Tudo aqui nessa cidade tem preço exorbitante.” Helena escuta a moça enviando uma mensagem de áudio para alguém, mas decide não se envolver.
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Helena caminha pelos corredores da faculdade. Sala 401.
“Perdida?”
Helena olha para o lado ao escutar a voz familiar.
“Lívia? Que bom que chegou! Não faço ideia de onde estou.”
“Você vai para a aula de Anatomia Sistêmica, não? Eu vou também. Acabei reprovando nessa matéria. Foi por tão pouco, só faltou 0,4! Mas enfim. É só me seguir.”
“Que pena. Muita gente reprovou?” Helena questiona, enquanto segue a veterana.
“Para nosso azar, o Bruno também não passou. Mas acho que fomos só nós dois.”
“O Bruno machista?”
“Esse mesmo.”
“Deve ser por isso que ele anda com raiva de calouros, o fato de saber que fará aula com o pessoal da minha sala deve deixa-lo nervoso.”
“Ele se acha dono da faculdade, isso porque é uma instituição pública.”
As duas finalmente chegam na sala, que já está parcialmente cheia. Elas se sentam na fileira do canto oposto ao da porta, assim tem ampla visão de quem chega. Alguma ou outra feição era familiar a Helena, recordando-se da festa do dia anterior. Mas a última que chegou lhe chamou a atenção. Não podia ser. Era ela mesma. A garota do cabelo petrolado.
“Droga.” Helena resmunga.
“O que foi?” Lívia se vira, curiosa.
“Aquela garota ali.” Helena aponta com o olhar.
“O que tem ela? Você a conhece?”
“Estava com graça na padaria, toda impaciente porque demorei para pedir. Você sabe o nome dela?”
“Eu não a vi em nenhuma festa. Não faço ideia de quem seja.”
Quando a garota avistou Helena, também não soube conter a decepção. Outra revirada no olhar. Sentou-se na fileira mais distante possível, no último lugar. Não se aproximou de ninguém.
Para sorte da curiosa Helena, o professor de Anatomia sempre pedia para que os alunos se apresentassem e dissessem de onde vieram. Quando chegou a vez da misteriosa garota, Helena se virou atenta em direção a menina.
“Meu nome é Isabel. Tenho 23 anos, vim de São Paulo, capital.”
“Que bacana. Temos mais alguém de São Paulo que se apresentou agora há pouco, não?” O professor pergunta, e Helena ergue a mão, sorrindo.
Então ela veio de São Paulo, por isso a impaciência na fila.
Helena aguarda a aula começar e o professor anunciar o intervalo. Então ela se levanta e vai em direção a menina.
“Hey, desculpe-me por hoje mais cedo. Eu também me irrito quando tem gente atrasando a fila.” Meio desajeitada, Helena tenta acertar a situação.
“Se você demora daquele jeito para escolher um pão doce, não quero nem imaginar quando tiver que decidir algo sobre a vida de um paciente.” A garota responde, ríspida.
“Nossa, calma. São seis anos de faculdade, e você não conhece nada a meu respeito para fazer esse tipo de afirmação, guria.”
“Eu sei, eu sei...desculpe-me. Não quis lhe ofender, é que a burocracia dessa faculdade me tira toda a paciência, estou tentando uma vaga na moradia da Universidade mas parece que vou ter que esperar uma semana para eles liberarem os quartos, e eu fiquei em um hotel ontem mas eu não posso ficar gastando todo esse dinheiro em hotel, e eu não conheço ninguém aqui ainda...”
“Eu não sabia. Mas você pode ficar lá em casa se quiser, eu moro com um dos nossos veteranos, tem um sofá-cama na sala, pode ficar lá com a gente até liberar a vaga na moradia.”
“Mas você nem me conhece direito, Helena!”
“Cara, a gente vai passar os próximos seis anos frequentando a mesma sala, e seremos colegas de profissão, temos que contar uns com os outros. A propósito, de que parte de São Paulo você é?”
“Responde você primeiro e então eu vejo se falo.” Isabel ri.
“Meus pais moram em Higienópolis, mas a gente também já morou lá perto da Estação Barra Funda.
“Caramba.” Isabel parece surpresa. “Agora entendi porque pediu um cheesecake de café da manhã.”
“Como assim?”
“Eu sou do Capão Redondo.”
“Que legal! Que nem na música dos Racionais MC’s.”
“Pois é, enquanto você só ouvia falar nas músicas, era minha realidade 24 horas por dia.”
Helena fica em silêncio.
“Enfim, eu vou descer lá na secretaria para assinar a papelada do pedido de vaga da moradia.”
“Então me avisa se precisar de um lugar para ficar, ok?”
“Vou dar meu jeito, não se preocupe. Mas obrigada.”
_________//__________
“...E na próxima aula, que na verdade já vai ser agora de tarde, a gente inicia pelos planos de secção, e eu explico sobre plano sagital, coronal, e transverso. Fechou, pessoal? Bom almoço, até mais tarde.”
E mais uma vez Helena se apressa para alcançar Isabel.
“E aí, deu certo o lance da moradia?”
“Bem, eu encontrei um pessoal que já morava lá e eles me ofereceram um colchão em uma das habitações até que seja liberada a minha vaga. Mas obrigada mesmo assim por ter oferecido.”
“Ah, tudo bem, precisando, você me avisa, pode ser?”
Isabel apenas concorda acenando a cabeça.
Havia algo na garota que chamava atenção de Helena. A pele bronzeada combinava perfeitamente com a blusa vermelho escarlate que Isabel escolhera pela manhã. Mas o que intrigava Helena ia além da aparência física.
“Hey, Isabel, você está indo para o refeitório?”
“Não, na verdade eu estou indo para a Moradia, eles fizeram um almoço de volta as aulas para o pessoal.”
“Ah, entendi.” Helena torce os lábios. “Bom almoço, então.”
“Para você também.”
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“Então essa garota mora lá no Capão?” Otávio pega algumas caixas de leite desnatado e os coloca no carrinho de supermercado que Helena empurra.
“Sim. Ela parece meio ríspida, não quer contato, sei lá.”
“Vai ver é o jeito dela. Você mesma disse que ela é do tipo quieta.”
“Talvez.”
“Lena, você tem que entender que na faculdade tem bastante gente assim. Mas não se preocupa, parece que entrou bastante gente legal na sua sala. Conheci um monte de calouros na festa. Prefere o cereal de mel ou de chocolate?”
“Mel. Sim, eu conversei com alguns colegas no almoço. Bem simpáticos.”
“E a propósito, desculpa não ter lhe avisado que a Liv é heterossexu*l*.” Otávio ri.
“Ela contou para você? Meu, que mico, não acredito.”
“Tudo bem, relaxa, ela é muito tranquila em relação a isso. E você fez o dia dela, ela estava tão deprê por ter brigado com o Tales.”
“Pelo menos teve algo positivo. Pega aquele pacote de arroz integral, por favor.”
“Pego sim. E além disso ela lhe adorou. Não parava de falar de você. Disse que se eu não tivesse lhe adotado como caloura ela já o teria feito.”
“E eu a adorei também! Menos mal. Caramba, a gente quase encheu o carrinho.”
“Pois é, vamos logo para a fila antes que eu passe no corredor de chocolates.”
Quando entraram na fila, Otávio reconheceu uma das pessoas do caixa ao lado.
“Gustavo?”
“Otávio?” O garoto pede licença do grupo que se encontrava e vai ao encontro do menino.
“Se tivéssemos combinado não teria dado certo!” Otávio ri. “Helena, esse aqui é o Gustavo, ele é diretor do movimento LGBT da faculdade, estudante de História, um grande amigo!”
“Movimento LGBT da faculdade?” Helena indaga, curiosa, e olha para a outra fila. Ora ora, se não é quem ela menos esperava novamente. Lá estava Isabel, com um outro garoto empurrando um carrinho de compras, aguardando Gustavo.
“Sim, a gente tem um grupo nas redes sociais para organizar eventos de arrecadação, ou quando necessário, protestar pelos direitos estudantis, é claro.” Gustavo ri.
“Legal! Vocês estão a pé? Se estiverem, eu posso dar carona, moro bem perto de vocês.” Helena sugere.
“Estamos a pé sim. E seria perfeito! Nem sei como agradecer. Deixa eu só avisar os dois ali e passar as compras.”
“Ótimo, esperem-me na porta do mercado que eu tenho que validar estacionamento primeiro.”
Gustavo vai conversar com Isabel e o outro garoto. Isabel olha diversas vezes para Helena, antes da mesma terminar de passar os itens no caixa e ir buscar o carro.
_________//__________
“Então, Otávio, eu vi você com aquele guri no pub, vocês estão juntos?” Gustavo pergunta, enquanto Helena dirige pelas calmas ruas da cidade.
“Juntos é uma palavra muito forte” Otávio ri. “Demorou um século para eu chegar nesse menino e a gente começou a ficar pouco antes de irmos ao pub.”
Gustavo parece um pouco decepcionado. Helena o observa rapidamente pelo retrovisor. Seu olhar então se volta para Isabel, que continuava quieta.
“Você também está fazendo parte do grupo LGBT da faculdade, Isabel?” Helena não se aguentava de curiosidade.
“Fiquei sabendo da existência do grupo hoje de manhã.”
“Mas para fazer parte precisa ser parte de alguma das letras ou héteros simpatizantes são permitidos?” Helena então direciona o olhar para Gustavo.
“Só integrantes da comunidade mesmo. Heterossexuais podem participar dos eventos de arrecadação e tudo mais, mas o corpo do grupo é composto pelo vale mesmo.”
“Eu sou um B orgulhosamente assumido!” Otávio, no banco da frente, vira-se para trás e ergue a mão ao se anunciar. “E essa daqui é puro L.” Ele aponta para Helena.
“Eu e o Fernando somos G.” Gustavo se pronuncia, olhando para o outro garoto que estava com eles.
“B.” Isabel assume.
Helena sorri involuntariamente. Olha mais uma vez para o retrovisor. Dessa vez, Isabel a encara. Durou menos de um segundo. Mas foi o suficiente para Helena sentir um arrepio subir pela espinha.
_________//__________
Helena ajuda Isabel a pegar as sacolas restantes do porta-malas.
“Você parecia envergonhada de assumir que é bissexu*l*.”
“Não era vergonha. Só acho que é um assunto privado.”
“Você não deve ser assumida para sua família, né?” Helena segue a colega de classe ao adentrar no devido bloco da moradia, deixando as sacolas na mesa.
“Não, e nunca serei. Eles não entenderiam. Obrigada pela carona.” Isabel se despede com meio sorriso e olhar cabisbaixo.
Helena retorna para o carro. Dizem que a primeira impressão é a que fica. Se isso fosse verdade, Helena não estaria tão intrigada por Isabel. Sentia um comichão psicológico, um quê intrigante.
Bem, são seis anos de curso. Há tempo para descobrir.
Fim do capítulo
Espero que gostem e deem feedback, é a primeira vez que escrevo um conto. Obrigada desde já!
Comentar este capítulo:
rhina
Em: 25/08/2020
Rsrsrsrs.
Não é esta a pergunta, sobre ser fatos reais.....
Não.
Era mais tipo qual sua personagem favorita
Foi mal mocinha.
Rhina
Resposta do autor:
Ah sim! Acredito que não tenho favoritos, meio que me apaixonei por todos que desenvolvi ou ajudei a desenvolver a história, tanto é que você vai ver que alguns vem, outros voltam, e assim vai....
Beijão!
rhina
Em: 22/08/2020
Senti isso em suas palavras.
Tava tão claro que senti sua frustação e decepção.
Desculpa.
Ali foi como se eu conversasse com Isabel.
Eu gosto muito da Helena.
Nem confesso que nossas personalidades são semelhanres.
Rhina
Resposta do autor:
Eu que peço desculpas, li correndo e interpretei mal kkkk â¤â¤â¤â¤
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rhina
Em: 22/08/2020
Quando falo que não estou interessada na Helena quero dizer que não estou apaixonada,não faço parte da história logo as atitudes dela não me afeta do mesmo modo a que afeta Isabel......xiiiii será que expliquei ou ficou mais confuso?
Mas como leitora estou muito interessada na Helena......muito muito.
Rhina.
Resposta do autor:
Ah!! Me desculpa, achei que, como leitora, a personagem não tivesse lhe agradado kkkkkkkk
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rhina
Em: 22/08/2020
Quando falo que não estou interessada na Helena quero dizer que não estou apaixonada,não faço parte da história logo as atitudes dela não me afeta do mesmo modo a que afeta Isabel......xiiiii será que expliquei ou ficou mais confuso?
Mas como leitora estou muito interessada na Helena......muito muito.
Rhina.
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rhina
Em: 21/08/2020
Não é para tanto.
Assim eu fico assustada.....rsrsr
Nem sempre eu consigo ler as entrelinhas.
Sabe flui.....ainda nem terminei de lê o capítulo e já está jorrando em mim o recado. Mas as vezes por n fatores isso não ocorre.
Então não espere muito.
Rhina
Resposta do autor:
Kkkkk confesso que estou adorando falar sobre a psicologia por trás da história por meio de seus comentários!
beijao!!
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rhina
Em: 20/08/2020
Olá.
Boa noite.
"Comichão psicólogo" .....um quê intrigante"
Tinha que ser?
Tipo se não fosse para Ser, Helena não teria sido despertada?
As coisas são tão intrigante.....
Rhina
Resposta do autor:
Olá, Rhina! Tudo bem?
Acredito que o mais intrigante para a personagem sempre foi a fascinação pelas escolhas muito mesmo antes delas existirem como escolhas ou opções propriamente ditas!
Espero que esteja gostando, boa leitura querida! beijoss
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Rose_anne
Em: 15/06/2020
Essa história me fez refletir em diversos aspectos
Que cada escolha existe uma consequência e só depende da gente
Mas achei paia a Thaisa ter morrido, enfim vida que segue
Nos demais adorei, vc escreveu muito bem
Resposta do autor:
Poxa, quanto ao final de Thaísa, refleti bastante se faria isso ou não. Daí lembrei da família dela, não houve um "closure" para os pais dela, e por mais que tenha sido dolorido, pelo menos no final eles refletiram sobre as próprias escolhas deles enquanto pais, e agora, avós.
Mas obrigada, muito obrigada por ter lido, ter acompanhado e também obrigada pelos comentários em capítulos anteriores!
Beijão!
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Kelle Souza
Em: 11/07/2019
Oiii
Nossa, quando acho que nada mas pode acontecer vc me vem com o "Maravilhoso mundo de pérola". Sério isso? Kkkkk nao sei Pq ainda me assusto, essa estória sempre está me surpreendendo, claro que de forma positiva. gostei da pérola, senti boas vibrações rs'
falando sobre o Dante, nossa, quanta maturidade né ? Mas acho que esse relacionamento aberto não vai da muito certo.(;
Lívia não é tão evoluída assim.
Para embaralhar mais as coisas só falta Dante e Anna Júlia ter aquele encontro rs' longe de mim querer causar intrigas kkkk
Danilo, vc faz uma parceria perfeita com minha autora favorita.para os dois muitos bjuus..
Resposta do autor:
Muito obrigado!
Parte da storyline de Dante tem um pouco da minha ajuda, então já anotei aqui a sugestão kkkk
Ainda estamos vendo como vai funcionar esse lance do relacionamento aberto, bolando algumas ideias pro plot deles xD
Qualquer outra sugestão, dica ou qualquer coisa só comentar aqui que a gente acata e discute numa boa! sz'
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Kelle Souza
Em: 03/04/2019
Ahuahauahua... Tudo bem, claro que entendo que o tempo e curto. Resolva suas coisas e volte para nós. Estarei aqui ansiosa para ler mais um cap.
bjuss
Resposta do autor:
Eu até ia postar mais tarde, mas lembrei do seu pedido e adiantei o mais rápido que pude ahuahuahuhaa
espero que curta! Beijão!
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menteincerta
Em: 11/02/2019
Wow, já adorei os primeiros capítulos!
tenho um tombo enorme por romance de colegial e faculdade hahaha
gostei muito da Helena, da Isabel ainda não deu pra ver muito. Tenho a ligeira impressão que ainda pode rolar alguma situação com a Livia tbm. Essa história de “se eu não fosse hetero...” é manjada demais hahahaa
Resposta do autor:
hahahahaha fico muito contente por ter gostado!
Ah, esse papinho de não ser hétero realmente é sempre história para boi dormir hahahahhah
bjs e agradeço muito pelo feedback! <3
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Alci
Em: 20/01/2019
Gostei do início.
Personagem Helena é que vai mostrar para Isabel o mundo . Até agora vi ela sempre tratando todos com respeito e igualdade.
Isabel tem visão capitalista. A principio ela deixa me pensando que a culpa dela ser pobre é do rico que come cheescake.
Perguntar sobre como esta a roupa para um amigo gay não é nunca vai ser clichê, pode ser repetitivo como "Jesus te ama" mas sempre vai ser original.
Resposta do autor:
Fico muito feliz com seu feedback, muito obrigada, ótima percepção sobre a visão capitalista e a culpabilidade alheia, adorei! Beijos!
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