Capítulo 77 - Não Há Um "Nós"
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 77
Não Há Um "Nós"
O sol entrava pelas janelas, iluminando o ambiente. Era um dia lindo, cheio de paz, de alegria e... Fome.
Quando Natasha e Andreia entraram na cozinha, todos já estavam sentados diante de uma mesa farta.
-- Bom dia! -- Andreia cumprimentou com entusiasmo -- Levantaram cedo, hein!
Isabel levantou os olhos da fatia do bolo de laranja e suspirou, satisfeita.
-- Bom dia, Andreia. A fome era tanta que nem consegui dormir.
-- Nem eu -- disse André -- Meu estômago roncava tão alto que chegava a me assustar.
-- Na verdade, ninguém conseguiu dormir -- completou Bruna.
-- Sentem-se meninas, fiz uma torta salgada. Está bem quentinha.
-- A torta que mamãe faz é divina. Vai por mim.
-- Sofia tem razão. Está uma maravilha -- disse Victória.
Alexandra enfiou uns três brigadeiros na boca e fechou os olhos, degustando com prazer.
-- Hummm... Brigadeiro é tão bom, que deveria ser um elogio, tipo: Nossa Isa, você está tão brigadeiro hoje.
-- Bobona! -- Isa sorriu -- Por sua causa estamos todos varados de fome.
-- Eu comi um balde de salada de aspargos, uma gamela de salada de brotos de couve crua, uma bacia de salada de feijão, salsa e limão e mais um caminhão de folhas estranhas... -- disse seu Pedro.
-- E mesmo assim assaltou a geladeira umas duas vezes durante a madrugada pra comer virado de feijão preto com torresmo prensado -- comentou dona Marta.
-- Pois é, essa tal de dieta baseada em vegetais que a guria loira tanto fala é comida de fresco. Um gaudério dos pampas feito eu, bateria as botas em três dias.
-- Embora coma carne, minha vida é bem vegana: resolvo pepinos, seguro batatas quentes, descasco abacaxis e ouço montes de abobrinhas -- Bruna sorveu um gole de café e recostou-se na cadeira, com as pernas estendidas.
-- Quer que eu prepare um suco para você, Natasha? -- a mãe de Sofia perguntou, prestativa.
-- Obrigada, dona Marta. Um café está bom -- Natasha se sentou em uma das cadeiras em um ângulo de onde pudesse acompanhar os movimentos de Marlon no carrinho.
-- Nem tudo que é caro é bom, mas às vezes, gastar um pouco mais vale a pena. Principalmente se o objetivo é experimentar alimentos refinados, preparados com cuidado pelos principais restaurantes do Rio de Janeiro. Por exemplo, já pensou em comer o Aligot, que vem de Auvergne, na França, e é preparado com purê de batatas, queijo gruyère e minas padrão.
-- O que você chama de prato mais parece um pires -- brincou Alexandra -- Um pedacinho de uma coisinha esquisita rodeada com uns matinhos e uma baba gosmenta por cima.
-- Não gosto de comer comida muito cara, depois fico com pena de fazer cocô.
-- Que horror, André! -- Isabel ergueu a cabeça e olhou-o perplexa.
André enrubesceu ao perceber a crítica implícita na voz de Isabel.
-- Qual é o problema, Deusa? -- perguntou o rapaz, servindo-se de café.
-- Você -- respondeu Isabel, servindo-se de mais bolo.
Seu Pedro deu uma mordida generosa na coxinha.
-- Cada vez que como uma coxinha fico faceiro que nem guri de calça nova.
-- A gente pode medir o caráter de uma pessoa observando por onde ela começa a comer sua coxinha -- Alexandra pegou um biscoito de polvilho e ofereceu a Isabel.
-- O que você quis dizer com isso, palmito?
-- Que o senhor é um homem sábio -- interferiu Bruna -- Pois começa pela bundinha. Começar pela ponta você come um monte de massa antes do recheio e isso as vezes tira muito o apetite de comer a coxinha, começando pela bundinha você pode dar aquela mordida generosa nela.
Alexandra deu uma risadinha irônica.
-- Não era bem isso que eu estava pensando, mas serve -- Alexandra disse depois de engolir e dar outro gole em seu café.
Leandro parou à porta aberta da cozinha e olhou timidamente para o grupo que conversava ruidosamente. O ambiente no interior era arejado e cheirava a café, mas a primeira coisa que chamou a sua atenção foi Natasha Falcão sentada ao lado de Andreia.
-- Bom dia, Leandro -- disse Andreia amavelmente, assim que o viu -- Vem tomar café com a gente -- ela apontou para a cadeira do outro lado da mesa e passou-lhe uma caneca.
Ele pegou a caneca, uma tigelinha de salada de frutas, pôs dois brioches no prato e sentou-se no lugar vago.
Andreia percebeu que aquele era o momento certo para tocar no assunto que devia estar fervilhando na cabeça de Leandro. Era muito importante para ele. Seu coração devia estar em turbulências.
-- Leandro vai para a Ilha do Falcão conosco, amor -- disse de supetão.
Leandro arregalou os olhos. O rapaz parou com a colher com salada de frutas a meio caminho da boca.
-- Vai? -- perguntou Natasha, com o rosto de menina e o cabelo desalinhado, mais parecia uma adolescente que uma adulta.
-- Vai -- Andreia olhou para ele sorrindo -- Leandro é um médico recém-formado, cheio de energia, ideias e, muito competente.
Natasha olhou séria para ele. Os olhos verdes faiscando sob a luz do sol que entrava pela janela, fez o rapaz abaixar a cabeça.
Como Natasha nada falou, Andreia prosseguiu:
-- Tenho certeza que a doutora Talita vai adorar ter mais um médico em sua equipe. O que você acha, amor?
Sem falar, Natasha pegou um pedaço de bolo e colocou-o calmamente na boca de Andreia.
Leandro observava a cena angustiado. Ansioso pela resposta da poderosa Falcão.
-- Eu não devo achar nada -- ela respondeu brandamente -- Você é a primeira dama. Tem completa autonomia para tomar decisões. Se acha que ele merece estar entre nós na Ilha do Falcão, que assim seja.
Um sorriso radiante surgiu nos lábios rosados de Andreia. Natasha era perfeita. A mulher em quem confiava, respeitava e amava profundamente.
-- Obrigada, meu amor.
Como resposta, Natasha pegou a mão dela, e depositou um beijo na palma da mão.
-- Ninguém tem coragem de dizer, mas eu vou -- Alexandra sorveu o resto do café, depois colocou a xícara vazia sobre o pires -- Tem uma remela no seu olho, senhor Pedro.
-- Vamos a delegacia -- disse Carolina, virando a cabeça para olhar Talita -- Você está com medo? -- perguntou, enquanto colocava umas fatias de bacon na frigideira.
Talita mordeu o lábio.
-- Não, claro que não -- respondeu a médica, enquanto enchia duas canecas de café, e ao olhar depois para a garota percebeu sua expressão duvidosa.
-- Então por que não denuncia logo esse bandido?
-- Hoje não, prefiro esperar a Natasha voltar. Ela me garantiu que se o tempo continuar estável, amanhã elas estarão de volta.
Carolina bebeu um gole de café enquanto olhava para a médica, pensativamente.
-- Algum problema? -- perguntou Talita.
Carolina assentiu sem olhar para ela.
-- A verdade é que eu preciso me mudar para a minha ilha. Tenho que entrar em contato com a Marcela e a Sibele para que saibam que estou indo. Já se passaram quase uma semana desde a última vez que estive por lá, elas devem estar pensando que desisti do nosso projeto.
-- E não foi isso? -- perguntou Talita, enquanto sentava a mesa -- É impossível lugar mais longe da civilização do que aquela ilha.
-- Preciso ir. Esqueceu que a Natasha me expulsou daqui?
-- Não acredito que ela manterá essa decisão.
-- Prefiro não arriscar -- Carolina passou as mãos nos cabelos se sentando na cadeira em frente a ela.
-- E quando vai fazer isso? -- perguntou ela, partindo dois pedaços de pão.
Carolina mexeu o café antes de olhar para Talita novamente.
-- Não seria: Quando nós faremos isso? -- ela pousou o café e olhou atentamente para a médica -- Você vai comigo, não é mesmo?
-- Eu não posso largar o projeto da construção do novo ambulatório para ir morar em uma ilha desabitada -- ela conseguiu forçar as palavras a saírem de seus lábios -- Médicos precisam estar aonde o povo está.
-- A namorada precisa estar aonde a namorada está. É isso que eu penso -- ela tomou um gole do café, mal sentindo o gosto.
-- Podemos nos ver sempre que quisermos -- seu sorriso era um pouco ausente quando pegou seu café para saborear -- Afinal é apenas uma hora de distância.
-- Você não entende! Não é esse o problema.
-- O que é então?
Ela nunca foi de rodeios e não ia começar a ser agora.
-- Quero você ao meu lado. Me ajudando a transformar aquela ilha em um paraíso. Bem melhor que a Ilha do Falcão -- ela disse se virando para ela para reabastecer sua xícara de café.
-- Será que importa para você os meus projetos? -- Talita perguntou -- Será que estamos caminhando rumos diferentes? -- Talita balançou a cabeça lentamente -- Se houvesse um "nós", não estaríamos discutindo agora.
-- Estamos discutindo porque você não abre mão de nada. Sempre eu quem tenho que abrir mão de algo por você -- Carolina rosnou se levantando e dando a volta na mesa, seu rosto mudando de expressão num piscar de olhos.
-- Nenhuma de nós precisa abrir mão de nossos projetos, Carol. Podemos muito bem concilia-los.
-- Não vou ficar de lá pra cá o tempo todo. Ponto final -- dito isso, ela deu a volta e saiu do chalé, batendo a porta.
Talita sentiu como se tivesse recebido um balde de água fria.
-- Oh, definitivamente não há um "nós".
As estradas estavam lamacentas e perigosas por causa da chuva que caíra nos últimos dias.
Após uma hora de viagem, os dois carros pararam no estacionamento do aeroporto de Bagé.
-- Finalmente chegamos! -- comemorou Isabel, assim que saiu do carro.
-- E agora? -- Alexandra abriu os braços.
Isabel sorriu para ela e, num tom muito alegre, perguntou:
-- Não me diga que já está com medo -- comentou.
-- Claro que não! -- ela respondeu, tentando parecer tão despreocupada quanto a esposa -- Só que, na verdade, ainda não decidimos para aonde vamos.
Isabel plantou os pés separados e colocou as mãos na cintura, assumindo uma postura mais dura.
-- Como assim: "Não decidimos para aonde vamos?" Vamos para casa, é lógico!
-- Isso mesmo! -- Victória deu a volta no carro e parou ao lado de Isabel -- Vamos para casa e ai de você Bruna se não fizer isso.
-- Claro que vamos para casa -- Bruna franziu a testa -- Para onde mais iriamos?
-- Para a Ilha do Falcão -- resmungou Alexandra -- Temos um criminoso que precisa ser capturado.
-- E nós temos dez filhos para cuidar -- disse Victória.
-- Mas nós, não -- respondeu Alexandra.
Tal afirmativa só fez piorar o humor de Isabel, que fincou os calcanhares no chão e rangeu os dentes.
-- Xanda! -- ela berrou -- Deixe o bandido para a polícia capturar. É o trabalho deles, não seu.
Em silêncio, Alexandra ergueu uma das mãos, em um gesto de: Não tá mais aqui quem falou.
Andreia pegou a criança no colo e aproximou-se dos amigos.
-- Então, vamos para a Ilha do Falcão?
Alexandra trocou um rápido olhar com Isabel e balançou a cabeça, desanimada.
-- Não vamos mais.
-- Por que não? -- perguntou Natasha, espantada -- Você me disse que iriam juntos para a Ilha. Até mandei a Jessye reservar as suítes para vocês.
Alexandra respirou fundo e balançou a cabeça em sinal de negativa.
-- Isabel prefere voltar para o Rio.
-- Hum -- Natasha a puxou pelo braço para longe do grupo. Em seguida, puxou-a para baixo e cochichou em seu ouvido:
-- Você disse que a Isabel não dá palpites em seus negócios.
-- Eu disse? -- Alexandra deu uma risada irônica.
-- Essa foi a melhor não resposta que já ouvi -- Natasha disse, percebendo que ele não ia falar mais nada.
Alexandra se virou para o grupo e, com um sorriso lento, avisou:
-- Vou providenciar as passagens. Vem comigo, Natasha.
Ainda de cara fechada devido a discursão com Talita, Carolina passou pela grande porta de vidro e parou na recepção. Jessye, a secretária de Natasha, olhou preocupada para ela.
-- Algum problema, Carol? Você parece zangada.
-- Não um problema exatamente -- o semblante da garota suavizou-se um pouco -- Uma decepção.
-- Uma decepção? -- Jessye trocou um olhar interrogativo com a irmã de Natasha.
-- Uma conhecida minha costuma dizer que a vida seria ótima, se não fossem as outras pessoas...
-- Desde sempre precisamos de outros seres humanos para viver e sobreviver, e ao mesmo tempo estamos sempre em conflito com eles. Mágoas, frustrações, irritação. Essas emoções surgem em nós exatamente na proporção de nossas expectativas em relação às pessoas com quem convivemos.
-- Você tem razão. Quanto maior a nossa expectativa em relação a elas, maior a probabilidade de nos decepcionarmos.
Agora, já mais calma. Carolina pôde observar como a secretária de Natasha era linda e simpática.
-- E então. Em que posso ajudar? -- Jessye sorriu.
-- Preciso usar o rádio para me comunicar com a Marcela e a Sibele na Ilha Carolina.
-- Claro. Você pode esperar um pouquinho? A recepcionista foi ao banheiro, assim que ela voltar, te levo até o rádio.
-- Tudo bem! -- Carol assentiu e apoiou-se no balcão de granito -- Eu espero.
Alexandra, Isabel, Bruna, Victória e André, chegaram ao portão de embarque na maior balbúrdia.
-- Uma menina postou assim, no facebook: "Mim indiquem uma cérie boa".
-- E o que você respondeu, poderosa?
-- Respondi: "Quinta Série" e ela me bloqueou.
-- Já vi gente confundir incremento com excremento -- comentou Bruna.
-- Você está com as passagens, né amor? -- perguntou Isabel.
-- Estão aqui -- Alexandra os sacudiu no ar.
O funcionário da empresa checou as passagens em meio a muita confusão.
-- Por favor, queiram fazer silencio! -- pediu.
-- André, ouviu o que o rapaz pediu, né?
-- Ouvi, minha deusa.
Rapidamente, entraram no avião e ocuparam suas poltronas. Alexandra sentiu o avião começar a se mover. Olhou pela janela, despedindo-se silenciosamente da cidade de Bagé.
-- Rio de Janeiro aí vamos nós -- Isabel olhou brevemente para Alexandra -- Você não está com saudade de casa? Da nossa cama?
O arquear das sobrancelhas de Alexandra a irritou, mas o avião começou a andar na pista, e ela inclinou-se para a frente, observando o solo se distanciar quando eles levantaram voo.
Uma estranha sensação a percorreu, produzindo pensamentos absurdos. Deixe de bobagens, avisou a si mesma.
-- Mamãe mandou um WhatsApp dizendo que está com muita saudade de você.
-- Eu não -- o sorriso de Alexandra continha mais do que um toque de ironia.
-- O que disse amor?
-- Que bom! Foi o que eu disse, meu mel.
-- Hã -- Isabel tirou um livro da bolsa, ajeitou-se melhor na poltrona e rapidamente, concentrou-se no livro.
A luz do cinto de segurança se apagou e o piloto anunciou que eles tinham alcançado altitude. Alexandra levantou-se e olhou para as poltronas da frente.
-- Meu Deus, Natasha, Andreia, Sofia, Leandro! -- exclamou admirada -- Que coincidência! O que vocês fazem nesse avião?
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Mille
Em: 11/12/2018
Kkkkkkkk
É claro que a Xanda não iria sair depois de descobrir quem é o bandido! E esse resmungo da saudades da sogra é que nem eu quando o meu chefe liga, só para falar asneira e perguntar as mesmas coisas já sei de cor e salteado.
Carolina mais uma vez mostrando que ela não serve para a Talita e agora doutora vais sair correndo como da outra vez??? Ou esperar que o tempo lhe mostre um novo amor.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Bom dia Mille!
Kkkk... Esse teu chefe é um mala.
Beijos.
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