Contém violência doméstica, tentei escrever o mais sutilmente possível. Foi muito difícil escrever sobre isso.
Capítulo 6 – O guardião de segredos.
Capítulo 6 – O guardião de segredos.
No outro dia na sala de aula, Duda não parava de olhar para Jéssica, ela não conseguia entender como elas puderam ter um momento tão íntimo juntas, fora dali e na escola elas nem se cumprimentaram, apenas se olharam discretamente. Ela continuava pensando, quando Felipe a interrompeu:
-Duda! Duda, você sabe de alguém que queira comprar uma bike?
-Lipe, tá tudo bem com você? Você tá muito estranho ultimamente. Você tá trabalhando demais, fazendo bico em vários lugares, semana passada você vendeu seu vídeo game e agora quer vender sua bicicleta. Tá tudo bem mesmo? Você está precisando de ajuda financeira? Eu posso falar com a minha mãe se você quiser.
-Não, não precisa Duda. Eu estou bem.
A conversa dos dois foi interrompida pela professora que se levantou e foi explicar o trabalho de Química.
-Esse trabalho terá prazo até semana que vem e será em dupla. Formem suas duplas. Jéssica Marques como você é aluna nova, faz dupla com a Maria Eduarda Mailhard, porque ela é a representante da sala.
As duas se olharam. E Arthur e Felipe se olharam também.
-Sobrou a gente pra fazer dupla brou.
-Ok
No final da aula, Duda foi até a carteira de Jéssica para falar sobre o trabalho.
-A entrega é semana que vem, então vamos terminar logo nesse final de semana para não acumular trabalhos.
-Sim, claro! Esqueci que você é “CDF”.
- Será na sua casa ou na minha?
-Como você tem todo esse mistério de não querer que ninguém saiba onde você mora, então pode ser na minha. Só que eu moro na comunidade e esse final de semana o namorado da minha tia estará lá. E ele é um escroto.
-Hum! Então tá bom, pode ser na minha casa. Esse final de semana minha mãe vai fazer trabalho comunitário e meu pai nunca está em casa mesmo. Você vai até aquele ponto onde você me deixou ontem, aí de lá eu te encontro e vamos para a minha casa.
Enquanto isso, Arthur e Felipe também conversavam sobre o trabalho.
-Pode ser na minha casa! Meus pais vão adorar te conhecer.
-Não Tuco! Tem que ser na minha. Eu preciso te mostrar uma coisa.
O final de semana chegou e Jéssica estava no ponto esperando Duda.
-Você sempre pontual.
-Vem.
As duas andaram um pouco e Jéssica começou a observar as casas daquele bairro, eram todas muito bonitas, não tinha prédios, só imensas casas. Até que as duas pararam em frente à casa mais bonita da rua, ela tinha um imenso jardim e um portão de ferro estilo barroco antigo, muito grande e Duda já estava abrindo o portão com a chave. Jéssica estava muito admirada, pois ela sempre achou que Duda fosse uma garota muito pobre, por sua tamanha simplicidade e também por causa do celular velho que ela tinha.
-É sério que você mora nesse casarão?
-Vem entra! E não rouba nada, por favor!
Então as duas entraram e começaram a fazer o trabalho, Jéssica ainda estava admirada com aquela casa imensa, tudo dentro da casa era de luxo, tinha móveis muito bonitos e sofisticados. No banheiro, ela pôde notar que tinha banheira e ela estava suspeitando que aquela casa tivesse piscina, porém não viu, porque Duda não lhe apresentou a casa, ela só tinha entrado no banheiro e na sala, as duas estavam fazendo o trabalho na sala de jantar.
-Por que você nunca me falou que é uma garota rica?
-Você nunca me perguntou.
-Mas parece que você esconde isso das pessoas. Por que você esconde?
-Eu não escondo, eu só não saio por ai com uma placa no pescoço escrito: “Oi, eu sou rica”. As pessoas podem mudar comigo, se aproximar por interesse, ter inveja do que eu tenho, ou até mesmo me acusar de hipocrisia, por eu falar e agir de uma forma que não condiz com a minha situação financeira. Ah! E outra essa casa e todo esse dinheiro são do meu pai, ele não me dá nada de dinheiro, nem mesmo mesada. E quando eu peço dinheiro a ele, ele já vem com seus dilemas.
-Esses são seus pais? - Jéssica disse olhando para os porta-retratos em cima da lareira.
-Sim.
-O que eles fazem?
-Minha mãe é dona de uma ONG, que ajuda pessoas carentes e moradores de rua, ela cuida mais deles do que da própria filha e o meu pai é administrador da empresa da nossa família.
Enquanto isso na casa de Felipe, Arthur foi pela primeira vez, cumprimentou a mãe de Felipe que parecia ser bem simpática e foi até o quarto encontrar seu amigo. Os dois já estavam há horas fazendo o trabalho, quando o pai de Felipe chegou muito furioso em casa.
Arthur começou a ouvir um barulho e gritaria. Então se levantou e foi até a porta. Felipe levantou-se também e fechou a porta do quarto.
-Que barulho foi esse Lipe?
-Não foi nada, senta Tuco!
-Não, não vou sentar, como não foi nada? Seu pai acabou de bater na sua mãe e você não vai fazer nada?
Felipe abaixou a cabeça, ainda encostado na porta e Arthur continuou:
-Ele te bate também?
-Bate.
-Eu vou denunciar, vou ligar pra Policia agora!
-Você não pode! Me dá esse celular Tuco!
-Eu já tô ligando. Deixa eu te ajudar, Por que você não denunciou antes?
-Eu não posso. Ele me disse que se eu contar para alguém, ele vai bater tanto nela que vai matá-la.
-E por que ela não denúncia?
-Porque ele diz a mesma coisa pra ela, que vai me matar. Ela fica por mim. Por favor, desliga esse celular. E se a polícia não fizer nada? Eu não posso correr o risco de perder a minha mãe.
Então Arthur desligou a chamada e entregou o celular.
-Vem aqui, eu preciso te mostrar uma coisa.
Felipe pegou uma caixa de sapato que estava embaixo da cama. Abriu a caixa e ela estava entupida de dinheiro.
-O que é isso Lipe? De onde surgiu esse dinheiro todo? Você roubou?
-Não! Claro que não, eu trabalhei, vendi as minhas coisas, até latinha eu catei pra juntar esse dinheiro aqui. Eu vou viajar Arthur. Vamos fugir. Vou tirar a minha mãe desse monstro!
-E você viaja quando?
-Não sei, mas amanhã vou comprar as passagens, por isso te chamei aqui, porque quero me despedir de você. Mais tarde vou me despedir da Duda também.
Arthur estava triste por se despedir do seu amigo, mas ficava feliz em saber que ele e sua mãe estariam livres e bem melhor.
-Antes de partir, eu preciso te dar uns conselhos de irmão. Então meu conselho é sobre o que você sente pela Duda. Eu apoio você demonstrar seus sentimentos e que vocês fiquem juntos, mas se não for para acontecer, olha a sua volta, tem tantas garotas lindas e maravilhosas no mundo. Você pode encontrar alguém que te faça feliz.
-Você fala isso, porque você é alto, forte e tem garotas atrás de você. Eu sou magrelo, estranho e também não tenho olhos para mais ninguém, somente pela Duda.
-Você quer saber como eu conheci a Duda? Eu acho que nunca te contei.
-Quero! Você nunca me contou.
-Eu sempre fui um garoto problemático. Um dia meu pai chegou bravo em casa e me bateu, sem motivo nenhum, sem eu ter feito nada, então eu sai e fui pra praça à noite. Eu estava lá, chorando muito e planejando como eu iria matar meu pai, eu estava com um canivete na mão, só esperando criar coragem para voltar pra casa e matar meu pai, quando ele tivesse dormindo. Eu estava desesperado, meus pensamentos eram sombrios e me torturavam, mas eu já estava decidido. Eu estava sozinho naquela praça escura, até que avistei Duda, ela estava lá, como um anjo no meio da escuridão. E ela me viu chorando e perguntou se eu estava bem. Já fazia muito tempo que alguém havia me feito essa pergunta, ninguém se importava comigo. Ela me disse que estava voltando do curso e que pegou o ônibus errado e que estava perdida. E de repente do nada, eu senti uma vontade imensa de ajudá-la, então resolvi acompanhá-la até a sua casa. Ela parecia uma garota tão indefesa, mas na verdade era eu que estava precisando de ajuda, era eu que estava perdido e eu resolvi acompanhá-la, porque suas palavras eram tão boas e confortavam o meu coração. Era como se ela soubesse o que eu estava passando por dentro, eu acompanhei até a sua casa e quando eu voltei para a minha, a vontade de matar meu pai havia desaparecido, ela me fez querer ser um ser humano melhor e se eu o matasse eu seria um monstro igual ele. Então a partir dali, comecei a juntar o máximo de dinheiro possível.
-Nossa! - Arthur estava tremendo por dentro, com a história de Felipe.
-Sabe por que estou te contando isso? Porque a Duda tem o dom de mudar as pessoas, eu fui um escolhido, se ela te escolheu, é porque você também faz parte da “missão” dela. Então mesmo que vocês não consigam ter um relacionamento amoroso, seja grato por tê-la na sua vida como amiga. Agora serão só vocês dois, então não estrague tudo tá bom.
Os dois deram um grande abraço de despedida e Arthur foi embora.
Na casa de Duda, as duas também terminaram o trabalho, bem rápido, pois Duda era muito boa em química.
-Vem até meu quarto, preciso te mostrar uma coisa. Preciso de um favor.
As duas subiram as escadas, até o quarto de Duda, que era muito sofisticado, espaçoso e bem arrumado.
- Eu preciso que venda isso pra mim. - Ela entregou seu celular para Jéssica.
- Não adianta, eu tentei vender e ninguém quer comprar. É muito antigo!
-Então vende isso aqui também. - entregou uma medalha de ouro de 1º lugar em literatura inglesa, que ela tinha ganhado em seu curso e também um relógio de marca, aparentava ser bem caro.
-Eu não entendo pra quê você quer que eu venda essas coisas? Você já é rica, você já tem tudo!
-Tem como você fazer isso por mim? Por favor! É para uma causa nobre.
-Tá bom, eu consigo vender hoje mesmo, venho trazer o dinheiro mais tarde. Como você consegue ser sempre assim? Se preocupar com as pessoas? Querer sempre ajudar todo mundo, se importar?
Jéssica via em Duda, toda a pessoa nobre e gentil que ela não era. Duda estava mudando Jéssica aos poucos internamente. Ela tinha admiração pelo jeito de Duda de ser. Então ela chegou perto de Duda e lhe deu um beijo com muito carinho, pois ela queria sentir aquela sensação novamente, aquela sensação que só sentia quando a beijava.
-Eu sou a primeira pessoa que você traz aqui no seu quarto?
-Sim e a primeira que eu beijo também.
-No seu quarto?
-Não, na minha vida.
-Então eu sou a pessoa que te deu o seu primeiro beijo? Você é virgem também?
-Sim e você?
-Nem virgem e nem “BV”, mas eu nunca me deitei com mulheres e você é a primeira garota que eu beijo também.
Quando Duda ouviu isso, ficou com vontade de beijar Jéssica novamente, ela queria sentir aqueles lábios delicados de novo, sentir sua pele macia, pegar em seus cabelos finos, então ela envolveu Jéssica em um beijo ardente e Jéssica a deitou na cama. As duas ficaram se beijando e Duda queria se entregar para poder sentir aquilo mais intenso...
À noite, Duda foi encontrar Felipe na praça. Felipe estava pensando em se despedir.
-Duda, eu preciso te contar uma coisa.
-Eu também preciso te contar uma coisa Lipe. Na verdade, preciso te dar uma coisa.
-Então você primeiro.
-Tá bom, quero te dar isso! - Ela deu uma quantia de dinheiro para ele.
-O que é isso Duda? É muito dinheiro.
-Eu vendi o meu celular.
-Nossa! Aquele seu celular velho valia tudo isso?
-Não, eu pedi pra Jéssica vender outras coisas também. Eu sei que você está precisando do dinheiro. Toma, é todo seu.
-Eu não posso aceitar Duda.
-Toma é seu. Estou dando de coração Lipe. Você sabe que eu não preciso de dinheiro, mas eu sinto que você precisa.
-A Jéssica sabe que o dinheiro era pra mim?
-Sabe, ela que me ajudou, ela gosta de você, ela quer te conhecer melhor e te chamou pra sair com a gente em um bar que vamos sempre. Preciso te contar um segredo Lipe!
-Pode contar.
-Eu estou muito apaixonada por ela.
Duda se abriu para Felipe, contou tudo o que ela sentia por Jéssica, de como ela estava confusa consigo mesma, mas que agora tinha certeza do que queria e contou o que aconteceu entre elas nesse mesmo dia, algumas horas atrás.
-Poxa! O Arthur sabe?
-Ainda não. Eu quis te contar primeiro, mas eu vou contar pra ele amanhã.
Felipe começou a imaginar que esse acontecimento mudaria todo o seu destino. Ele não poderia viajar sabendo que poderia acontecer uma tragédia na vida dos seus dois melhores amigos. Ele sabia de como Arthur vai ficar arrasado quando Duda lhe contar sobre a Jéssica. E ele tinha medo dos dois brigarem e ficarem sem nunca mais se falarem. O que seria da Duda sozinha? Ele que devia tanto a ela, depois de tudo o que Duda fez por ele, não poderia deixá-la só, ele teria que adiar a sua viagem, pois teria que proteger seus amigos.
-Por que você ficou quieto Lipe? Você acha que o Tuco não vai aceitar o que eu sou? Você também não está aceitando né? Você acha que sou “anormal” por amar uma garota?
-Claro que não é isso Duda, você não é anormal, você é a minha melhor amiga, eu te apoio muito, você me ensinou a não julgar ninguém, você me ensinou isso lembra? Mas é que o Tuco é diferente de mim, talvez ele não entenda. Eu vou prepara-lo primeiro, eu não vou falar nada, você que vai falar, mas espera eu preparar ele primeiro tá bom?
-Tudo bem Lipe, eu espero. Obrigada por estar me apoiando e do meu lado sempre. E o que você tinha pra me falar?
-Nada não Duda. Só ia falar que te amo. Obrigado pelo dinheiro, você é o meu anjo da guarda.
Segunda-feira na escola:
-Felipe! Você veio pra aula. Você não ia fugir?
-Eu ia amigo, mas preciso resolver uma coisa ainda. Por favor, não conta nada pra Duda sobre o que você sabe dos meus pais.
-Não vou contar pra ninguém. Eu não sei se fico feliz por você ou triste.
-Preciso te preparar pra uma coisa, hoje a Duda vai falar com você e eu preciso que você seja forte, muito forte. E que controle seus sentimentos.
Depois da escola, Duda contou tudo a Arthur e por ser preparado por Felipe, ele segurou com todas as suas forças, o sentimento de ódio que estava em seu coração.
Fim do capítulo
*Lembrando que esta fase da história passa entre os anos 2011, 2012, 2013... Nesse tempo não se tinha tanta informação nem divulgação na mídia sobre a lei Maria da Penha. Por essa falta de conhecimento, a mãe de Felipe tinha tanto medo de denunciar e também pelo fato das ameaças.
*Para quem tem dúvidas: houve sim relação sexual entre Duda e Jéssica. Deixei subentendido por ser tratar de duas adolescentes. Se você curte cenas mais “calientes”, me desculpe vou ficar te devendo essa.
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