19.

Eu tenho a impressão de que o tempo está voando, passando mais rápido do que o normal e habitual; talvez por conta de tantos afazeres e da vida atribulada.

Tem dias que seria tão bom se durasse mais de 24 horas. Certeza que eu estaria ainda mais cansada, esgotada e em certos momentos penso até em ‘chutar o balde’ ou ‘jogar tudo para o alto’. Será que seria menos desgastante levar uma vida de sitiante?

Num local mais retirado, distante de tudo e de todos. Queria ter mais tempo para ter contato com a natureza, conhecer cachoeiras e praias, que ainda nem tive oportunidade de admirar, mergulhar, nadar e espairecer.

Alguém que é responsável por cuidar do tempo, deve ter decidido colocar em prática a velocidade da luz ou algo do tipo, vinculado as tecnologias de última geração. E eu? Estou mais pensativa que o habitual. Será culpa da idade, das responsabilidades ou da auto cobrança?

Um dos meus desenhos favoritos, que assisti durante toda a minha infância, “Tom e Jerry”, já têm 80 anos. O filme “Titanic”, completa neste ano, 20 anos. As famosas, Nicole Kidman e Julia Roberts, já estão com meio século de vida. Por pensar em mulher bonita, nem acredito que a Cléo Pires, está comemorando trinta e seis anos de idade e permanece toda linda. Sim, eu admiro muito ela, uma das mulheres mais belas, que existe, ela é imponente e sensual. Ela só perde para a Zípora, que tem povoado os meus pensamentos e sonhos. O que será que ela, toda interessante e bela, viu em mim? Também gostaria de entender, por qual motivo, estou a pensar nela em um momento de crise existencial? Mas desde quando eu tenho isso? Será que eu vou precisar procurar um terapeuta? Ando mais confusa e atrapalhada do que o normal.

Certa vez, assistindo um vídeo de uma das palestras, do professor e historiador, Leandro Karnal, ouvi ele elucidar: “mudar é difícil, não mudar é fatal”. Durante a vida, passamos por diversas mudanças, a todo momento. Algo no meu âmago, grita por mudança e talvez um novo sentimento deva estar surgindo. O problema é que nem sei como lidar com tudo isso. Tenho objetivos, preciso focar nos meus estudos, na minha carreira, tenho que me dedicar a minha vida como atleta, ao esporte que amo e não posso desperdiçar todas as oportunidades que estão surgindo. Eu não tenho tempo para outras questões. Além disso, não estou disposta e muito menos preparada, para lidar com preconceitos e assuntos do coração. Porém, ao mesmo tempo, estou abaladíssima e por outro lado interessada. É tão confuso. Quero fugir e também quero ir de encontro. Fazer descobertas, viver intensamente e aproveitar cada novo amanhecer. Sou totalmente leiga ao se tratar de amor carnal. Meus amores, são a minha família. Ouvir da Zípora que ela me ama, foi surpreendente e até agora ainda estou inconformada. Preciso tentar entender o que ando sentindo, é extremamente complexo. Tenho ficado até paranoica e treinando como uma louca.

Encerrei meus devaneios e fui para o último treino antes da viagem. Ao término, conversei um pouco com o meu treinador.

- Ully, você está pronta para o mundial. Ansiosa?

- Francisco, ando insegura (comentei).

- Filha, insegurança é comum, você é nova e vai aprender a lidar com tudo isso.

- Assim espero.

- Acredito muito no seu potencial.

- Obrigada!

- Tudo em ordem para viagem?

- Sim.

- Ótimo. Vamos viajar no próximo domingo.

Os dias voaram! E por falar em voar, amei a viagem de avião. O ditado “a primeira vez a gente nunca esquece”, se aplica muito bem a está experiência. Tanto o Bruno, como também o Francisco, já tinham viajado antes, tanto de avião, como também para o exterior. Durante a espera para o embarque fiquei admirando as diferentes pessoas transitando. Entramos no avião, pai e filho, sentaram juntos na minha frente e eu fiquei numa poltrona bem na janela.

Quando o avião atingiu velocidade para levantar voo senti um friozinho na barriga e fiz questão de admirar tudo pela janela. Até me recordei sobre as minhas aulas de geografia, sobre aclives e declives, muito interessante as partes geográficas dos terrenos percorridos. Tirei até fotos e adorei ficar entre as nuvens. As melhores partes são a decolagem e o pouso. Gostei do atendimento das aeromoças e dos quitutes oferecidos.   

A viagem foi muito longa. Não sei em qual momento adormeci, só sei que sonhei.

No meu sonho, eu estava admirando a paisagem. Até ouvir:

- Licença.

Eu nem acreditei, olhei para ela abobada e sorri. Ela se sentou, colocou o cinto de segurança e voltou a falar:

- Faço questão de te acompanhar e torcer por ti neste seu primeiro mundial.

- Zípora, nem sei como te agradecer.

Em seguida trocamos beijos e eu acordei feliz.

Queria tanto ter a companhia dela naquela viagem. Tenho um carinho muito especial por ela.

Realizamos uma parada em Barcelona e eu fiquei maravilhada. Nós ficamos poucas horas por lá e o Bruno organizou um roteiro esperto para aproveitarmos está conexão. Gostei muito de conhecer à capital catalã. Certa vez, em um documentário, vi La Pedrera, uma das mais famosas criações de Antoni Gaudí, admirar toda a arquitetura pessoalmente foi ímpar, também passamos pela Casa Batlló, autoria do mesmo arquiteto. Visitamos o El Nacional, um centro gastronômico requintado e o mercado La Boquería, onde nos alimentamos. Fechamos o passeio na Catedral de Barcelona, pois, segundo o Francisco, é sempre bom contar com a ajuda de todos os santos antes de ingressar em uma competição. Retornamos para o aeroporto e encontramos com outros atletas, cada qual em busca do seu objetivo e almejando a vitória.

Foram aproximadamente 30 horas de viagem. Eu li, dormi, joguei, voltei a ler e a dormir também. A viagem foi exaustiva. Ao chegar no hotel mandei uma mensagem para a minha família, contando que estava bem e que a viagem foi tranquila. Fiquei feliz quando li um recado da Zípora.

Ully, como foi sua viagem? Descobriu que viajar de avião é muito bom?

Zí, tudo bem e adorei. Também tive o privilégio de passar algumas horas em Barcelona.

Gosto de Barcelona, conheci quando acompanhei meu pai num jogo no Camp Nou.

Acredita que sonhei contigo?

Foi bom ou ruim? Me conte tudo e não me esconda nada! kkkkk

No sonho, você tinha vindo comigo, para prestigiar o mundial.

Se você quiser eu posso realizar o seu sonho.

Sério?

Sim!

A viagem foi tão longa, estou exausta.

Então vá tomar um banho para relaxar e bom descanso.

Obrigada!

Adorei a ducha do hotel, tomei um banho demorado e dormi muito bem. No dia seguinte, tomamos um café da manhã reforçado e conhecemos todo ambiente preparado para a competição. Encontrei com atletas de diferentes países, judocas experientes e renomados. Compreendi que já sou vitoriosa por participar de algo tão grandioso.

Logo após o almoço, nos reunimos com a equipe brasileira de judô. Assistimos uma palestra, promovida pelos patrocinadores da nossa viagem e também divulgaram todo o cronograma do mundial. Conhecemos o nutricionista, responsável por cuidar da nossa alimentação neste país. Também apresentaram a equipe médica, espero não precisar contar com o serviço destes profissionais, quero ficar ilesa. Ao término, Bruno e eu, estudamos algumas técnicas junto do Francisco. Já a noite ele nos apresentou o perfil dos nossos primeiros concorrentes, atletas gabaritados e de alto nível.  

O meu segundo dia no Azerbaijão, foi repleto de preparação física funcional para judô. No final do dia, uma nova palestra, desta vez com uma psicóloga esportiva, pois, o fator psicológico também precisa estar em equilíbrio, visando uma competição saudável, é fundamental obter confiança e estabilidade emocional. Claro, temos os nossos receios, de não conseguir colocar em prática todas as habilidades adquiridas, de não corresponder às expectativas dos nossos treinadores e é grande o medo de falhar de alguma forma. A insegurança é um sentimento comum e temos que apreender a lidar.

Diferente do dia anterior, nossos treinadores, não participaram desta palestra. Compareceram em um encontro de senseis e o Francisco retornou muito feliz.

- Eu já perdi a conta de quantos eventos meu pai já participou e ele nunca se cansa. Ainda diz que sempre obtém um novo aprendizado (Bruno me contou).

- Ele é muito sábio (destaquei).

- Vai assistir minha luta amanhã cedo?

- Claro!

- E a tarde acompanharei a sua.

- Obrigada.

- Disponha, gosto de ti como uma irmã.

- Saiba que a recíproca é verdadeira.

A noite jantamos os três juntos e antes de subirmos para dormir recebemos o seguinte conselho do nosso mestre:

- Nossas estratégias estão muito bem definidas, ambos sabem cair bem, seja de qualquer altura e sem se machucarem. Aprimoramos todas as técnicas e conhecemos muito bem as regras. Lembrem-se, na hora da competição, façam tudo o que vocês sabem e agora vão descansar.

Agradecemos e nos despedimos. Segui muito bem o conselho e logo adormeci. Na manhã seguinte, meus pais mandaram mensagem desejando sorte e sucesso. Assim que terminei de responder. Meu telefone tocou.

- Alô!

- Bom dia!

- Zí, bom dia! Tudo bem?

- Bem e você?

- Também.

- Que horas você compete?

- No período da tarde.

- Ótimo! Vou descansar um pouco, cheguei tem alguns minutos.

- Chegou onde?

- No hotel, não consegui vaga no mesmo que o seu, pois, está todo ocupado por atletas.

- Você está no Azerbaijão? (Perguntei eufórica).

- Sim e estarei na arquibancada torcendo por ti.

- Eu não acredito, você tem noção de como fico feliz com esta notícia? Até me emocionei.

- Vim para te prestigiar, não quero de forma alguma te atrapalhar.

- Você não atrapalha e agradeço pela tua presença.

- Linda, até mais tarde. Beijos!

- Outro.

Eu me joguei na cama e sorri feito criança que acaba de ganhar o doce favorito.

Fim do capítulo