AnaLu

Fazia 6 meses desde que a tia Alex tinha ido para o céu. Cuidei muito da Luiza nesse período, tive medo de que ela entrasse em depressão. Eu fazia ela se alimentar, pedia ajuda em coisas que não precisava, apenas para ela se sentir útil. Falava besteira para faze-la rir. Muita besteira. A quantidade de zuera da minha mente é uma coisa a ser estudada. Acho que por isso ela não leva a sério quando eu dou uma cantada de pedreiro.

Então resolvi seguir a minha vida. Curtindo o último ano de escola, compondo, aprendendo piano, surfando e tendo meus rolos. Mesmo assim, estou sempre que possível do lado da Lu. Ela faz tudo ficar mais lindo e colorido.

Era um domingo e estávamos à beira da piscina da casa dos meus avós. Era engraçado que mesmo tendo piscina em casa nós sempre nos reuníamos na casa deles. Toda a família estava ali e o churrasco era para todos conhecer a minha namorada.

Você deve estar se perguntando o porquê eu to namorando se sou completamente apaixonada pela Lu, né? Simples: eu preciso esquece-la. Ela já me deu inúmeras provas de que eu apenas sou uma criança para ela. Isso não significa que não vou continuar a cuidar dela, estar atenta a todos os seus menores desejos e tentar ver ela feliz de qualquer maneira. Isso já está tão enraizado no meu ser que é uma coisa que faço sem nem ao menos perceber.

— Ju, que horas a sua namoradinha chega? – Lu estava sentada a beira da piscina com um biquíni azul turquesa. Seu corpo escultural estava com pequenas gotículas de suor e água. Eu tinha vontade de passar a língua na sua pele apenas para sentir o gosto salgado que eu achava que teria. Balanço a cabeça para tentar tirar esse pensamento e alcanço um chá gelado para a minha madrinha. Eu sei que ela ama e estava há muito tempo no sol, eu não queria que ela desidratasse porque sempre tinha enxaqueca quando isso acontecia.

— Já deve estar chegando.

— Você a conheceu onde mesmo?

— Surfando. Ela também surfa e agora ela vai me ajudar a produzir umas músicas.

— Ah, que legal! Ela também faz como você produz as músicas e coloca no youtube?

— Não, na verdade é mais profi....

— AnaLu, avisaram na portaria que sua namorada chegou. – tia Edy me chama.

— Ah, já vou. Já volto. – falei e fui buscar a Aline na porta. 

Luiza

— Clarinha, vocês conhecem a namoradinha da Ju?

— Ainda não. Ela sempre está viajando e só hoje conseguiu um tempo para vir aqui.

— Que estranho! Como será que ela faz com a escola? Deve levar pau nas matérias.

— Pelo que eu entendi ela não está mais na escola e trabalha como DJ.

— Ah! Deve ter terminado há pouco, né? Essa meninada adora essas coisas diferentes.

                Me distraí e de repente notei que tudo ficou muito silencioso, geralmente era uma algazarra gigante. Procuro pelo motivo e todos estão olhando uma mulher morena de aproximadamente uns trinta e cinco anos, com o corpo escultural, cheio de tatuagens, silicone, usando um biquinizinho vermelho e uma canga da mesma cor. Sabe aquele tipo de mulher que quando anda parece que tudo fica em câmera lenta? Aquele tipo mulherão. Gostosa demais? “Puta que los pariu!”.

— Nanda, quem é? Amiga sua? – pergunto com interesse.

— Não sei. – vimos a mulher entrar e conversar animadamente com AnaBea e o João.

— Será que ela é professora de alguém?

— Se for eu vou pedir aula prática. – Chico fala no nosso lado e leva um tapa de Carla a sua esposa. – É brincadeira, mozi. – ele fala manhoso.

— Eu vou lá ver quem é. – falei com interesse e quando eu me levanto vejo a Ju entrar com uma pequena mochila e entregar para a mulher que sorri e a beija nos lábios.

— MASOQUE! – Nanda fala.

— Nanda, me desculpa, mas não sou mais teu fã. Agora virei fã da AnaLu! – Chico fala e leva outro tapa da esposa.

Eu estava completamente sem fala. Aquela PEDÓFILA estava agarrando a minha Ju!

— Clarinha, essa mulher tem idade pra ser mãe dela. Faz alguma coisa! – falei consternada.

— Ah, não é pra tanto, Luiza. Acho que as duas fazem um casal bonito.

— Que orgulho dessa menina! Puxou a sua Mainha mesmo. – agora foi a vez da minha melhor amiga levar um tapa da esposa. – Ai, amor! Você sabe que eu só quero você, não fica assim. – Nanda abraça a esposa dando inúmeros beijinhos. Eu nem reparava nelas porque estava olhando fixamente para aquela morena que estava desvirtuando a minha afilhada.

— Família, essa é Aline! Aline essa é a minha família. – AnaLu fala alto e várias pessoas se aproximam delas. Não sei por que essa babação de ovo. Essa Aline nem era isso tudo. Fiquei de longe apenas observando a interação ao redor da recém-chegada. Clarinha vai ao encontro das duas deixando Nanda ao meu lado.

— Caralh*, é gostosa essa minha nora. NORA! Acredita nisso, Lu? Nosso bebê com tudo isso de namorada. – Nanda fala sendo cafajeste.

— Não achei ela bonita.

— Como não, Luiza? A mulher é maravilhosa!

— Mainha essa é a Line.

— Só peço uma coisa. – Nanda fala séria com pose de ex-delegada.

— O que?- Aline olhava para ela com um pouco de medo.

— Faça nosso bebe feliz.

— Porr*, Mainha, o que a Aline vai pensar?

— Sem problemas vidinha, eu tô acostumada com zuera. – “Vidinha? Que nojo! Vou vomitar!”

— Gata, essa é minha madrinha Luiza. Tia Lu essa é a Aline.

— Nossa, Luiza é uma honra te conhecer! – a siliconada falava. – Eu assisti todos os seus filmes e quando eu era adolescente você era a minha crush. – Ridícula me chamou de velha.

— Aham, que bom. Vou pegar uma bebida.

— Deixa, Lu, eu pego pra você. – Ju fala e não deixa eu sair dali. Vou ter que aguentar essa barbie DJ tatuada.

AnaLu

Eu tava cagada de medo da reação das minhas mães quando soubessem que a Aline tinha 32 anos. Mas aparentemente todo mundo não se importou. A não ser a Lu que olhava para a minha namorada como se ela fosse uma serial killer.

— Vidinha, bora cair na piscina?

— Claro. Quer vir, Lu?

— Não, vou sair do sol que está me dando dor de cabeça. – minha madrinha fala seca.

— Você quer que eu busque um remédio?

— Não, fica com a sua namoradinha aí.

Luiza se levanta me deixando sozinha com Aline que pede para eu passar protetor solar nela.

— AnaLu, acho que sua tia não gostou de mim.

— Deixa pra lá, gata. A Lu é assim mesmo. Não dá bola. – eu fiquei um bom tempo “hidratando” a região dos seios da minha namorada.

— Vida, todo mundo tá olhando. Deixa pra mais tarde o que você tá fazendo. Prometo que você pode fazer o que quiser comigo. – Aline sussurra só para que eu possa ouvir fazendo eu me arrepiar.

Paro o que estou fazendo e recebo um selinho demorado cheio de promessas. Ela tira a canga e Chico tem um acesso de tosse. Sônia que estava conversando com meu avô ficou com os olhos vidrados na minha namorada. A bunda da Aline não era uma bunda. Era um carro alegórico. Era um monumento. Às vezes ficava imaginando com ela mantinha o equilíbrio. Velho, é coisa de outro mundo.

Ficamos jogando conversa fora dentro da piscina e a única coisa que não estava perfeita pra mim era o distanciamento da Lu.

— AnaLu falou que você é DJ? – Sofia, namorada do meu irmão João e filha da tia Sônia perguntou.

— Sou sim.

— Ela não é só uma DJ, ela é a melhor da América Latina! Viaja o mundo todo. E eu fico morrendo de saudade. – fiz cara de coitada.

— Ó que dó da minha vidinha. Vem cá vem. – Aline me abraça e enche meu rosto de beijinhos. É impressionante o quanto ela me faz bem.

Nós nos conhecemos surfando ao amanhecer. Ela estava sozinha e eu também. Comecei a falar um monte de besteira e ela ria tanto que se desiquilibrava da prancha. Trocamos telefone e eu a convidei para um show que a minha banda faria num barzinho. Achei que ela não iria porque além de ser uma DJ superfamosa ela era mais velha. Mas ela chegou e sentou perto do palco. Claro que eu fiz o show todo olhando para ela. No final da noite ela me levou para seu apartamento com vista para o mar. Ficamos conversando até o amanhecer e acabei me apaixonando por ela.

Nossa história parece a de “Eduardo e Mônica”, porque ela é extremamente inteligente. Viajou o mundo inteiro e eu: escola, cinema, clube e televisão. Mas ela fala que o que mais gosta em mim é a minha leveza em tratar as coisas. E que ela sabia que eu tinha seriedade e foco, e não apenas levava a vida zuando.

Toquei violão e cantei para ela. Aline me mostrou alguns sets e playlists. Fizemos amor e música. Eu sei que ela sente o mesmo por mim e nós duas estamos deixando ver no que vai dar. O sentimento que eu tenho por ela é diferente do que eu tenho pela Luiza. Com a Aline tudo é descomplicado. Eu me sinto uma igual. A Luiza... ah velho... Luiza é um sonho que eu sei que é inalcançável. Luiza é Camões. Aline é Lulu.

Luiza é: “como um fogo que arde sem se ver, é ferida que doi e não se sente... é querer estar presa por vontade...”.

Aline “me faz tão bem, ela me faz tão bem... que eu também quero fazer isso por ela”.

Luiza

— Gostei da Aline... acho que ela vai fazer bem para a AnaLu. – Clarinha falava e falava sobre a “Nora”. Parecia que a outra deu “chá de calcinha” para família toda. – Você sabe o quanto a minha filha é sem noção, mas eu vejo que com ela... AnaLu parece mais centrada.

— Uhum. – “PARA DE FALAR CRIATURA!”

— E você notou o quanto são carinhosas uma com a outra? Eu nunca vi a AnaLu assim. Nem com o Jorge quando eles eram namoradinhos. Pensando bem.... ela é assim com você também... ah, mas isso não conta né?

— Clarinha eu tô morrendo de enxaqueca. To indo para a minha casa tá? Se despede de todos por mim. – sai quase correndo dali. Eu não conseguia entender o porquê estava me sentindo com esse aperto dentro do meu peito.

Chego na minha casa e o silêncio me incomoda. Sento na varanda e vejo o violão que a Ju deixou jogado ali outro dia. Pego o instrumento e começo a mexer nas cordas. Sorrio ao lembrar da minha afilhada tentando me ensinar como tocar. Eu realmente não levo jeito. Já a Ju... nossa parecia que ela tinha nascido com o instrumento em mãos.

Começo a chorar de mansinho sem saber o porquê. Uma sensação de vazio tomava conta de todo meu ser. Pego o violão e coloco no estúdio que Alex havia feito para AnaLu na nossa casa. Sento no piano e fico tocando as tecladas e imaginando os dedos esguios da menina. Os mesmos dedos que eu vi, a tarde toda, acariciando a pele daquela tanajura siliconada.

Meus dedos fazem o mesmo traçado, que eu a vi fazer no corpo da metida a bolacha mais recheada do pacote, na minha pele. Mordo os lábios e um gemido sai sem querer dos meus lábios. Balançando a cabeça eu me sentia estranha. Faziam anos que eu não sentia tesão ou nem ao mesmo me tocava. Eu virei uma pessoa assexuada quando Alex ficou mais debilitada. Anulei o meu desejo e a minha libido.

Fechei os olhos e fui tomar um banho gelado. Eu acho que eu preciso beijar na boca, sair de casa... não sei. Não é normal o que eu estou sentindo. Eu percebi que estou desejando a minha própria afilhada. Isso não pode! Isso é impensável.

Deito na minha cama e aos poucos meus olhos vão ficando pesado. Não sei por quanto tempo eu dormi. Acordo com um corpo quente me abraçando e sinto o cheiro do perfume amadeirado da Ju.

— Hey gostosona. Tá melhor? Eu trouxe um remédio para você, a mamãe falou que você estava ruinzinha. Então eu vim aqui ficar com você.

— E a rainha do air bag? Cadê.

— Porr* Lu! – ela começa a rir enquanto eu me ajeito confortavelmente no seu peito. Fecho os olhos escutando as batidas do seu coração que me acalmam.

— Mas não é? Tem tanto silicone ali que se ela cair de moto é capaz de quicar no asfalto.

— Não.

— Não o que?

— É tudo de verdade! Tudo original de fábrica.

Fim do capítulo