Oie, gatonas!!!
Sim, eu demorei um pouco. Sim, me perdoem.
às vezes a gente não dá conta de tudo! Mas estamos aqui.
Boa leitura. Beijocas
Capítulo 8 - Estilhaços
- Você partiu o meu coração, Rafaela - disse Andressa. Um eco de lembrança saído de algum lugar esquecido de sua mente - Você partiu o coração de todos nós.
Rafa sentou-se na cama, o sol estival já reinava absoluto e o calor transpassava a janela fechada, transformando o quarto num forno claustrofóbico. Com a voz de Andressa ainda ecoando na cabeça, Rafaela se dirigiu ao banheiro e tomou um banho gelado, procurando tirar do corpo aquela quentura sufocante e o mal estar de uma noite mal dormida e de estilhaços de memórias cada vez mais recorrentes.
São lembranças que eu nem me recordava mais, pensou ela. O convite de Mariana foi o gatilho para que coisas que eu havia esquecido voltassem à tona. Agora fico neste limbo da minha vida, me lembrando e sofrendo; revivendo episódios da minha adolescência que deveriam permanecer no passado.
Sentindo-se revigorada pela água gelada, Rafaela se secou lentamente, mas não se vestiu. De uma forma suspeita, sentiu que precisava permanecer nua; o ato de romper com barreiras, de quebrar paradigmas que ela impôs a si mesma. Rafaela era um ser metódico, sempre restrita por medos e toques, composta especialmente pelo pudor e pelo temor que alguém, de alguma forma, descobrisse suas fraquezas; ou que ela era mais humana do que poderiam supor por sua genialidade artística. Então, manteve-se nua a caminhar pelo apartamento. Rafa sentiu como se estivesse enfrentando a sociedade hipócrita, escrevendo sua própria verdade, desafiando as pessoas que a julgariam pelo que ela era.
Não que andar nua em casa, sozinha, fosse uma grande revolução, mas para ela era um feito libertador.
De repente, em seu desfile solitário, Rafa percebe o celular no chão; por um segundo sentiu-se chocada, nunca largou o aparelho ao léu antes, era constantemente solicitada para assuntos profissionais. No entanto, quando catou o celular, não foram as mensagens e números de ligações executivos que ela buscou, mas o contato de Elizabeth. Constatou que haviam dezenas de ligações dela perdidas e várias mensagens pedindo para retornar as chamadas, para dar um sinal de vida, para se encontrarem para conversar. A insistência da menina aqueceu o coração de Rafa, mas ela o esfriou com vigor.
- Você precisa disso para ganhar o dinheiro do seu contrato - disse em voz alta - Você não sente nada por mim, eu sou apenas a fonte de seu salário. O seu medo é perder uma cliente, não é mesmo?
Ela deixou o celular sobre a mesa de centro, com o visor para baixo. Não queria ser incomodada naquele dia. Queria ficar sozinha... como sempre. Almoçou pouco e se deixou ficar na sala, sobre o sofá, apenas olhando o sol se mover no céu, a luz deslizando pelo chão da sala, colorindo de dourado as cortinas brancas; estava sem fazer nada, e também queria poder não pensar em nada, mas a imobilidade é um fertilizante de lembranças e ali, atirada nua sobre as almofadas, Rafaela sentiu que as memórias estavam voltando com força redobrada.
Ela se lembrava da luz e do calor. Uma luz branca atravessava a janela, mas parecia ser incapaz de purificar o ar doente do quarto de Benício. Ela foi visitá-lo com Mariana logo após o fim das aulas e encontrou o amigo com um rosto macilento e com a voz empolada pelo efeito dos analgésicos.
Assim que as meninas se acomodaram na beirada da cama, Benício lhes ofertou um sorriso cansado.
- E aí, garoto, que é que te deu? - Mariana tinha perguntado com seu jeito desinibido de ser.
- O mesmo de antes - respondeu Benício - Dores de estômago e vômito, uma azia infernal.
- E o que o médico disse? - Rafa o olhava com pena.
Benício sacudiu os ombros.
- Vou ter que fazer uma endoscopia, talvez seja gastrite, infecção gástrica ou seja lá o que for. Eu acho que como muita bobagem. Como estão as coisas na escola?
- Chatas, as provas finais estão chegando e a gente se afoga em revisões - explicou Mariana.
- Quando você vai poder voltar para a escola? - perguntou Rafa.
- Não sei, acho que apenas na semana que vem - disse Benício - Mas não vou faltar no aniversário da Andressa no sábado de jeito nenhum.
- Claro que não - Rafa deu-lhe uma piscadela.
- Você e o Filipe, não é? - Mariana cutucou. Ela era dona de um temperamento curto e reto, Mariana não era do tipo que conversava com rodeios - Vamos ver quem vai dar um presente melhor pra Andressa.
Benício deu uma risadinha disfarçada para logo em seguida gem*r de dor. Rafaela ficou ali por mais uma hora, não se lembrava, porém, sobre o que falaram, provavelmente amenidades de adolescentes. O que ela se recordava foi que depois daquele dia Benício nunca mais voltou para a escola... tampouco compareceu ao aniversário de Andressa.
Três meses depois, num Dezembro escaldante e límpido, Benício morreria.
Ele tinha dezesseis anos.
Rafaela abriu os olhos, as nuvens começavam a se acumular no céu, cobrindo o sol e amortecendo a claridade do meio da tarde; ela se ergueu do sofá com a cabeça latejando, o declínio da saúde de Benício até seu fim trágico foi terrível de assistir. E no fim, lembrou ela, no dia de sua morte, no hospital, estávamos todos lá... menos Andressa e Filipe. Eles estavam ocupados demais fazendo amor. E eu vi. Vi e contei...
Rafa sentiu frio, então colocou um conjunto esportivo que usava para caminhada. Era sábado, ela não tinha interesse algum de ir para qualquer lugar além da sala. No entanto, no momento em que terminava de se vestir, a campainha tocou. Rafa fechou os olhos com força. Apenas Valquíria conseguia subir direto para seu aparatamento. Com um suspiro pesado, caminhou para o hall de entrada determinada a não permitir que Valquíria atirasse mais verdades na cara dela; ela amava a aquela mulher, mas isso não significava que se deixaria ser tratada como uma criança o tempo todo.
Abriu a porta de súbito e o coração falhou uma batida.
Não era Valquíria quem estava ali, mas Elizabeth, a encarando com aqueles aterrorizantes olhos élficos.
Por uns momentos Rafaela não soube o que dizer. Permaneceu ali, imóvel, admirando o angelical rosto de Liz. A menina mantinha uma expressão indecifrável, uma mescla de impaciência e decepção. Depois disso o cérebro de Rafa pegou no tranco e ela registrou o vestido rodado que Liz usava, de tecido leve, dotado de vertiginoso decote em V, curto quase ao ponto do escândalo. Ela estava ali como uma arma de sedução. Cristo, pensou Rafaela, em que Deus estava pensando quando criou essa garota?
- Liz, como você conseguiu subir? - perguntou Rafaela, chocada.
- O porteiro parece bem suscetível a garotas com decotes - respondeu Elizabeth dando de ombros.
- Como sabe onde eu moro?
Liz enrubesceu imediatamente.
- Eu meio que afanei a sua ficha cadastral na Amare - confessou ela.
Rafaela abriu a boca de espanto.
- Mas por que fez isso?
Liz a fitou como se Rafaela estive louca.
- Você sumiu - sentenciou a moça, os olhos dela se estreitando de maneira acusatória - Pensei que tivesse acontecido alguma coisa. Não atendeu o celular, não retornou as minhas mensagens. Sinceramente, achei que a tinham sequestrado assim que você deixou o apartamento. O que foi que aconteceu?
O tom agudo na voz de Rafaela a despertou do sonho que a presença de Liz costumava prendê-la. Fez um movimento para que a moça entrasse. Não era seguro discutir aquele assunto ali, no meio do corredor, onde qualquer um pudesse ouvir. Liz caminhou até o meio da sala e se virou, aguardando uma explicação.
Rafaela sentiu-se confusa, pois estava entrando naquele fascínio que Elizabeth exercia sobre ela; um fascínio que faz tudo parecer maravilhoso, as cores tornam-se mais vivas, os cheiros e sabores, mais atraentes. No entanto, a voz de Valquíria parecia ecoar da sala como uma imprecação, ela então baixou a cabeça e, com um suspiro pesado, disse:
- Você é uma mentira, Liz. Uma mentira que eu inventei para mim mesma.
- Rafa, do que está falando? - Elizabeth estava espantada.
- Eu me senti perdida quando acordei e você não estava ao meu lado, Liz - explicou Elizabeth e tom monocórdio - Há tempos não fazia amor com uma garota, estava me perdendo por você, confundindo as coisas, acreditando que o que tínhamos era real. Mas não é. Eu inventei tudo isso, entende? Não me entenda mal, a culpa é exclusivamente minha por tê-la enfiado nesse problema, você só estava fazendo o seu trabalho.
- Meu trabalho? - Elizabeth falou com cuidado, parecia segurar alguma indignação que crescia com cada palavra dita por Rafaela.
- O trabalho que foi paga para fazer, Liz, o de me fazer sentir especial - disse Rafa - Me sentir... amada. Eu não tenho o direito de cobrar uma explicação, e você não tem obrigação alguma de ficar ouvindo sobre o quanto eu me senti mal e abandonada por não ter acordado ao seu lado. Então eu percebi que eu estava caindo demais num poço de falsidades. Eu daria tudo o que eu tenho para que você fosse real, mas preciso aceitar que isso não é verdade. Tenho que fazer isso por mim mesma.
Elizabeth nada disse e ambas permaneceram por um longo tempo se olhando em silêncio. Havia, Rafaela detectou, um olhar magoado na outra, mas tal reação não tinha cabimento, afinal, Elizabeth seguia um roteiro, repetia um papel que fora desempenhado com sabe-se Deus quantas outras. E Rafa fez o possível para não se enganar, o fato de a menina ter vindo até sua casa, quebrando várias regras da empresa para a qual trabalhava, poderia indicar algo a mais? Não, Rafa não ousaria decolar novamente nesse voo sem asas.
- O que você quer, Rafaela? - Liz perguntou de maneira tão abrupta que Rafa deu um pulo.
- Como assim?
Elizabeth deu um passo na direção dela.
- O que você realmente quer com tudo isso? Me diga.
Rafaela encarou Elizabeth e sentiu um calafrio; parecia outra pessoa. Era a mesma garota delicada que ela se lembrava, de sorriso fácil e riso veloz, no entanto, Rafaela via agora uma outra faceta dela, talvez uma porção de personalidade que pertencesse à sua real identidade, não a da acompanhante de luxo, mas da moça por trás disso tudo. Fosse como fosse, Rafaela flagrou uma força impressionante, pois Elizabeth sustentava o olhar com altivez e convicção.
- Eu... não sei o que quero - titubeou Rafaela.
- Sim, você sabe - disparou Elizabeth - É uma das arquitetas mais famosas do mundo, não chegou a esta posição sem saber o que quer.
Rafaela respirou fundo e respondeu com uma avalanche de palavras.
- Eu quero que os meus ex-amigos me vejam agora, muito acima deles; quero que me vejam chegando de mãos dadas com uma mulher linda e saibam que erraram. E quero ficar com você mesmo que seja uma mentira, mesmo que eu tenha que te contratar para o resto da minha vida. Se é de ilusão que eu viverei, então que seja! Antes isso a nada.
Elizabeth caminhou até Rafaela e lhe tomou as mãos.
- Meu avô costumava dizer que o que importa é o presente, se nos concentrarmos no presente, se fizermos as coisas o mais correto possível e seguir nosso coração, o futuro se acertará por si mesmo - Liz colou o corpo ao de Rafaela - Faça o que quiser fazer, Rafaela, sem se arrepender; se é isso o que o seu coração deseja, faça. Sem medo. Eu decidi há muito tempo viver sem medo. Eu estou aqui agora, não sou uma ilusão. Você pode me pedir para ficar e eu ficarei... ou pode me pedir para partir e eu partirei. Mas se optar por uma ou outra coisa, o faça com convicção. O faça com toda a força de seu coração.
Rafaela nem ao menos titubeou, lançou-se sobre Elizabeth com a fome do desejo, a boca da moça a recebeu como sempre, quente e receptiva. Elas ficaram ali, juntas, num beijo aparentemente infinito, sentindo-se uma à outra, completando uma à outra. Sem perceber, pois novamente Rafaela perdeu o controle do corpo, carregou Elizabeth para o quarto, para mais uma noite de paixão tórrida. No meio do ato, enquanto se desfaziam das roupas e o corpo pecaminoso de Liz se revelava para ela, Rafaela parou tudo, segurou o rosto de Liz entre as mãos, fitou-a com intensidade, e disse:
- Eu não vou permitir que você parta amanhã, Elizabeth.
A moça se encaixou nela, os sex*s úmidos se colando, deslizando um contra o outro de forma libertina, arrancando suspiros calorosos das duas.
- Eu não vou a lugar algum, Rafaela - respondeu Liz.
E ambas se amaram por horas, selando aquilo que muitos considerariam loucura. Rafaela dormiu envolvida nos braços de Elizabeth e quando a manhã chegou, o sol encontrou as duas ainda abraçadas, suspirando cada uma com seus sonhos secretos. Se aquilo era amor ou ilusão, o sol não sabia dizer, mas as iluminou assim mesmo com a sua luz. Pois, afinal, mentira ou verdade, um casal daqueles ali merecia ter ao menos sua cota de tempo junto à luz do dia.
Fim do capítulo
Próximo Capítulo - Ecos do Passado.
Comentar este capítulo:
lay colombo
Em: 18/09/2018
Eu tô adorando demais a Liz/Isa gosto da personalidade forte eedecidida masmao mesmo tempo leve q ela emana, vou adorar saber mais sobre a verdadeira vida dela.
Tô gostando bastante de como as coisas tao se desenvolvendo, qro só ver ql vai ser a dinamdin da Rafa e da Liz com os amigos da Rafa.
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]