Eu já nasci pronta.
As festas de final de ano se aproximavam e Alex corria para dar conta de todas as consultas de última hora que apareciam na clínica e usava o tempo livre para preparar o seu discurso. Apesar de não precisar de muito ensaio, afinal, tudo o que queria dizer a Júlia para convencê-la a passar o resto da vida juntas, estava na ponta da língua.
Com a rotina apertada as meninas nem sentiram o tempo passar e quando finalmente tiveram uma folga já era véspera de Natal.
Júlia passaria a noite de Natal com algumas colegas do time que devido à distância também não poderiam viajar para visitar suas famílias. Por causa das constantes desavenças com seus pais desde que assumira sua sexu*l*idade, a atleta já estava acostumada a passar essa data sozinha e sempre sentia o gosto amargo da solidão, mas dessa vez era diferente... Em algum lugar do seu coração ela sabia que tinha Alex e por isso era grata e sorria tentando alegrar as amigas que também sentiam saudade das pessoas amadas em algum lugar do mundo.
Já as gêmeas viajaram para Brasília, o pai as esperava ansioso por novidades e principalmente por ajuda para terminar de preparar a ceia. Natasha estava uma pilha de nervos com a apresentação em poucos dias e se trancara em seu antigo quarto, grudada em seu notebook e seus fones de ouvido.
- Então, filha – o pai tentava começar uma conversa com Alex que com ódio fuzilava o pacote de uvas passas em cima da mesa. – Sua irmã me disse que receberam uma ligação de sua mãe.
- Eu não recebi nada, a Natasha recebeu – Alex deixou as uvas em paz e concentrou sua raiva na mãe. – E eu não quero falar sobre isso, pai. Já sei tudo o que você vai dizer, podemos deixar isso pra lá.
- Alex, precisamos falar sobre isso em algum momento.
- Não precisamos, pai – Alex agradeceu por não ter uma faca por perto ou teria fatiado o pobre peru antes da hora. – Eu enterrei meu passado e minha mãe e seus julgamentos cruéis fazem parte disso, por favor, não me obrigue a desenterrar qualquer uma dessas coisas logo agora que finalmente voltei a ter uma vida.
- Tudo bem, eu tenho que confiar que você sabe o que é melhor.
- Sei – Alex disse convicta. – Está tudo ótimo assim, não precisamos mexer em coisas que já estão resolvidas, ok?
- Ok – o pai concordou sem realmente saber se aquela era a melhor decisão, não gostava da ideia de Alex nutrir essa indiferença pela mãe, mas não forçaria um encontro entre elas, pois sabia que a filha não aceitaria isso sem lutar.
- Podemos cear? Tenho uma longa viagem pela frente, e é apenas com isso que quero me preocupar.
- Vamos, não quero ser o responsável por te deixar ansiosa. Vá chamar sua irmã para fazermos um agradecimento antes de cearmos.
Apesar da fome, Alex não discutiu, afinal, apesar de tudo ainda tinha muito o que agradecer.
O grande dia chegou e as gêmeas estavam prontas para encarar as 24 horas dentro de um avião que as levariam até a Turquia.
Natasha já não estava mais nervosa, tranquilamente usava o ombro de Alex como travesseiro e tentava recuperar as horas de sono perdidas enquanto trabalhou no set nas noites anteriores.
Já Alex sentia uma turbulência eminente em seu estômago a cada segundo.
Mentalmente repassava cada palavra que gostaria de dizer para Júlia e imaginar a reação da garota ao vê-la fazia seu coração disparar alegre e um sorriso leve surgir em seus lábios.
Após muitas horas de voo, algumas longas escalas e um inesperado e enorme atraso no embarque, as irmãs finalmente chegaram em Ataturk, o aeroporto de Istambul.
- Eu não sei você, mas eu só consigo pensar em uma cama – Natasha disse enquanto estalava o pescoço e tentava se alongar. – Preciso dormir uns dois dias seguidos para me recuperar.
- Você dormiu a viagem inteira – Alex repreendeu atônita. – E em cima de mim.
- Deve ser por isso que estou com tantas dores, você não é nada confortável – Natasha disse enquanto pegava o celular na mochila e o ligava.
- Que horas são? Me perdi no fuso horário, espero que ainda tenhamos tempo de descansar antes de irmos para a festa – Alex bocejou sentindo o cansaço das últimas horas lhe atingir.
- Eu não contaria com isso – Natasha mordeu os lábios aflita. – São 16 horas no Brasil, o que significa que faltam 4 horas para a virada do ano aqui.
- O que? – Alex gritou, atraindo atenção das pessoas em volta.
- Vamos, temos que nos apressar – Natasha a puxou pela mão e correram pelo saguão do aeroporto. – O pessoal da boate deve ter mandado alguém para nos buscar.
Atravessar o aeroporto lotado parecia ser uma missão difícil e se tornou impossível quando Natasha foi reconhecida por um grupo de fãs que a aguardava do lado de fora.
- Eu nunca vou me acostumar com isso – Alex gem*u enquanto Natasha pacientemente tirava fotos, após se certificar de que Júlia não estava entre eles.
Natasha temia que a atleta ignorasse o combinado e aparecesse no aeroporto, o que destruiria todo o plano de Alex. Mas Júlia seguia à risca as recomendações da cunhada de aproveitar o início da festa e esperá-la na boate.
- Temos carona, vamos – Natasha disse após o último fã abrir passagem para que ela chegasse até a irmã.
- O que? Como assim? – Alex desacreditava da habilidade das habilidades da irmã em fazer amigos em qualquer lugar do planeta. – Eu não vou entrar no carro de um turco desconhecido.
- É um dos produtores da festa – Natasha explicou enquanto o rapaz tomava a mala das mãos das meninas. - O que você está esperando? Pensei que tivesse uma surpresa para fazer.
Alex revirou os olhos e tomada pela adrenalina se deixou levar.
No carro as irmãs admiravam o cenário que viam pela janela e a cada quilometro aumentava a sensação de que estavam prestes a realizar os grandes sonhos de suas vidas, a excitação consumia cada pequena parte dos seus corpos e expulsava todos os vestígios de cansaço.
O produtor as deixou no hotel e avisou que voltaria em uma hora para buscá-las, Natasha era a atração principal da noite e sua apresentação estava marcada para começar alguns minutos antes da meia-noite.
Enquanto se arrumavam, Alex trocava mensagens com Júlia e tentava justificar o sumiço das últimas horas enquanto seu celular estivera no modo avião.
- Eu não acredito que está tudo funcionando – Natasha fazia stories no Instagram e tomava cuidado para esconder a irmã. - Seu plano horrível e cheio de falhas está saindo melhor do que sonhávamos.
- Eu não teria tanta certeza, Júlia está uma fera só porque desapareci por 36 horas.
- Definitivamente essa foi uma falha crucial no seu plano, sis. Mas daqui a pouco ela esquecerá isso. O que você precisa fazer é se preparar para aparecer naquela pista de dança, se declarar, esperar que ela diga um sonoro “sim, eu quero me casar com você” e curtir o meu show que foi produzido com muito amor especialmente para vocês.
- Você tem razão – Alex desligou o celular o enfiou no bolso da calça e respirou fundo controlando sua respiração.
- Eu sempre tenho razão – Natasha se gabou balançando os ombros. – Você é que nunca reconhece isso.
- Nat – Alex segurou levemente a irmã por um dos braços. – Muito obrigada por tudo.
- Eu é que tenho que te agradecer, se não fossem suas ideias malucas e românticas eu nunca teria pensado em dar um passo tão grande e importante na minha carreira.
- Não diz isso, se existe alguém capaz de conquistar o mundo, essa pessoa é você. Ser sua irmã é o que me manteve em pé durante toda minha vida e eu quero aproveitar esse momento para te pedir uma coisa – Alex pegou a mochila jogada na cama, tirou de lá um pequeno embrulho e o entregou para a irmã.
Natasha abria a caixinha quando foram interrompidas pelo som do telefone do quarto anunciando que o promotor chegara para buscá-las.
- Continuamos depois – com um movimento rápido, Alex tirou a embalagem das mãos da irmã e a enfiou no bolso. – Agora temos um plano horrível para finalizar, está pronta?
- Eu já nasci pronta – Natasha piscou para irmã e a puxou para fora do quarto. – Vamos nessa.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]