A Italiana por Sam King
Capítulo 16 - O Depois
Chica encontra Daniel saindo da ala dos empregados, sua expressão está assustada o que a deixa ansiosa, ela corre até ele e pergunta:
- o que há?
- Tu viu onde está Amélia?
Chica o encara sério, e algo começa apitar dentro do seu cérebro, diz com a voz vazia:
- não
Daniel tira o chapéu e o retorce na mão, olha para o horizonte e depois volta a encarar Chica com os olhos marejados:
- não tem nada no quarto dela Chica, ela foi embora.
Chica chega a dar um passo para trás e Daniel a ampara:
- ela foi para onde? Ela não tem ninguém Daniel.
- Mas foi!
E Chica pensa na felicidade de Clarisse essa manhã, em como havia finalmente contado o que ela e Amélia viviam. Chica segura o braço de Daniel e demanda:
- vai para a estação, ela não pode ter ido muito longe.
- tu está certa.
E sem falar mais nada ele faz o que é pedido, enquanto Chica parte para os vinhedos, alguém deveria saber o que tinha acontecido.
Clarisse caminhava impaciente pela varanda do casarão, está preocupada com o sumiço de Amélia o dia todo, iria sair para procura-la, mas sua mãe inventou tantos afazeres que não teve como. E estranhamente dona Bernadete não se preocupou que sua dama não estava fazendo companhia. Agora ela está ali gastando o chão e aguardando o enfadado senhor Villas Boas, mas a todo momento seu olhar está em direção a entrada do casarão, esperando Amélia.
Foi assim que ela viu Chica e Daniel se aproximarem, e pelas expressões parecia que alguém tinha morrido. O coração de Clarisse disparou tão forte que ela achou que sairia do peito, não pensou nenhum segundo para correr até seus amigos.
Os três param no final dos degraus da varanda e se encaram, Daniel abaixa a cabeça e Chica coloca a mão sobre o ombro de Clarisse, que apenas pergunta em fio de voz:
- onde está Amélia?
Clarisse observa Chica engolir em seco e dizer com a voz quebrada:
- ela foi embora, sinto muito Clarisse.
Ela ouve as palavras, mas não entende o que elas dizem, por isso repete curiosa:
-foi embora? Como assim Chica - e Clarisse chega a abrir um sorriso estranho - de que estais brincando. Amélia não me abandonaria.
-senhorita Clarisse, ela foi embora. Fui até a estação de trem, e me confirmaram que alguém com a descrição de Amélia saiu no trem dessa manhã.
E Clarisse sente seu cérebro estalar depois das palavras de Daniel, sem perceber começa a mexer o corpo aterrorizada, as lágrimas invadem seus olhos, e Clarisse transborda de dor e perda. Sente as pernas fraquejarem é amparada por Chica enquanto desaba.
Amélia desce do trem desnorteada, as pessoas a atropelavam sem pedir desculpas, e quando dá por si está parada fora da estação em Porto Alegre. Ela e sua trouxa de roupa enrolada em um lençol e alguns vinténs no bolso. E tudo o que quer e chorar , mas não pode se dar ao luxo. Então começa a caminhar e vai parar em uma praça, senta-se e tenta pensar no que fazer.
Observa ao redor, as pessoas bem vestidas indo e vindo, crianças correndo felizes ,e pensa amargamente porque o mundo não parou por conta da sua dor. Imagina que nesse instante seus amigos já sabem que ela foi embora, Daniel e Chica ficarão decepcionados e a sua gente também.Mas o que a esta destruindo e saber que Clarisse vai odiá-la, nunca vai entender o que aconteceu, e nunca irá perdoá-la. Rapidamente seca as lágrimas que começam a cair, precisa de um lugar para ficar, precisa de um emprego para comer no dia seguinte, precisa ser resiliente, precisa sobreviver, mesmo que tudo o que queira e morrer.
Dona Bernadete acompanha o doutor até a porta do casarão, ele havia dito que a febre que Clarisse tinha a uma semana e a deixara acamada, e de cunho emocional, mas que com canjas e carinho logo melhoraria. Ao se despedir do bom doutor, sabe o porque da sua filha ter caído doente, mas não se arrepende. Se foi para impede-la de destruir o seu futuro, faria de novo. E se aquela italiana não tivesse ido embora, ela teria cumprido suas ameaças, só que seria muito pior, porque acabaria entrado em guerra com Clarisse. Mas a italiana fez a escolha correta e agora sua filha achava que fora abandonada, e o senhor Villas Boas iria consola-la, tudo daria certo no final. Nunca imaginara que Clarisse iria casar tão rápido, por causa da sua aparência dantesca, mas tudo acabou saindo melhor que a encomenda, e dona Bernadete iria garantir que continuasse assim.
O senhor Oliveira tomava seu mate sossegadamente na varanda da sua casa, quando ouviu um tropel de passos, assustado se levanta e encara a multidão de italianos vindo em sua direção. Coloca a cuia sob a mesinha e vai até o primeiro degrau na varanda e aguarda para ver o que está acontecendo.
Um senhor sai do meio da multidão e diz alto:
- bom dia signore.
- mas o que está acontecendo?
- mio nome e Andrea , sono qui representando mio compatriota, siamo deveras stanco de lavorare e non receber o correto. ( meu nome e Andrea, estou aqui representando meus compatriotas, estamos cansados de trabalhar tanto e não receber corretamente)
- mas como ousam... estão morando nas minhas terras de graça, comem do meu pão e tem dinheiro suficiente para sustentar seus filhos.
- non signore Oliveira. "Lavoramos" ( trabalhando) de sol a sol, e o signore sabe questo ( disso). Non temos paura ( medo) de lavorare, mas non e justo o que recebemos. Já pagamos nostra passagem, e se o signore que cobrar pelas terras, faça. Mas nos pague degnamente( dignamente) nostro salario. Se isso non acontecer, entraremos em sciopero.
- e que diabos e isso?
- Greve signore Oliveira, non "lavoremos" até conseguir nostro salario correto.
E a multidão grita enlouquecida e depois todos se sentam pacificamente no chão, e o senhor Oliveira fica sem saber o que fazer, porque se fosse antes, simplesmente mandaria chicoteá-los, mas aquelas são pessoas livres.
Clarisse levanta-se por conta do vozeiro do lado de fora, quando olha pela janela se surpreende com tantos italianos acampados na porta do casarão, e inevitável procurar por ela. Mas sabe que Amélia simplesmente foi embora e levou seu coração consigo, mas agora ela precisa supera-la, precisa ficar bem. Não podia mais chorar por algo que fora apenas ilusão, agora tem certeza que amou só, sente a pressão das lágrimas , mas ela não caem. Clarisse decidira parar de chorar e sentir.
Arrumou-se e desceu para ver o que estava acontecendo, quando chega a sala, encontra seu pai ensandecido andando de um lado ao outro mal dizendo os italianos, dona Bernadete tentando acalma-lo. Chica servindo chazinhos para eles e com um sorriso disfarçado na face. Quando a cozinheira chega próximo a Clarisse a encara com pesar, mas ela lhe oferece um olhar altivo e pergunta:
- o que há?
Chica apenas a encara mais um pouco, e Clarisse implora sem palavras para que a amiga não pergunte mais nada sobre Amélia. Então Chica sorri amplamente, claro de costas para os senhores Oliveiras e diz quase sussurrando:
- os italiano estão todos "nervoso" por causa do salário baixo, estão em uma tal de greve.
- greve? Mesmo.
- sim, se recusam a "trabaia".
- pois acho justo o que eles estão fazendo.
E o senhor Oliveira ouve a última frase de Clarisse e fica mais possesso ainda e acaba gritando:
- mas que filha ingrata, como ousa falar assim.
- papai, o senhor não paga o correto a eles, e óbvio que não suportaria. Eu se fosse o senhor negociaria com eles, os italianos entendem de vinhos , nossa produção melhorou muito pai.
E o senhor Oliveira no fundo tinha orgulho por sua filha saber tanto sobre os vinhedos, ainda que apenas continue andando e bufando.
Então quem Clarisse não queria ver, aparece na sua porta. Rodolfo adentra sala com sua expressão serena de sempre, cumprimenta todos e senta-se junto a Clarisse perguntando:
- qual o problema lá fora?
- estão fazendo greve, esse carcamanos.
Responde o senhor Oliveira ainda enraivecido, Clarisse querendo desbancar seu pretende, pergunta com fingida inocência:
- creio que o senhor pensa igual ao papai, não? Que eles são uns ingratos.
Rodolfo lhe sorri consciente do que ela quer fazer, então ousadamente pisca um olho a ela e se dirigi ao senhor Oliveira:
- se me desculpe a intromissão senhor, papai também teve alguns problemas parecidos na fazenda. Eu o aconselhei a negociar com os trabalhadores, a justiça e a melhor saída. Hoje temos trabalhadores contentes que produzem melhor e são gratos.
O senhor Oliveira para de andar e encara seu futuro genro, depois olha a horda de italianos ali ainda acampados e pensa por alguns instantes. Então vai até a varanda e volta com o senhor Andrea a tiracolo e pergunta ao senhor Villas Boas:
- me acompanha?
- claro que sim senhor - e Rodolfo faz algo surpreendente, o que começa a deixar Clarisse desarmada - mas gostaria que a senhorita Clarisse nos acompanhasse, acho-a uma mulher inteligente e pode a vir ser de grande ajuda.
Dona Bernadete bufa indignada, mas o senhor Oliveira encara a filha espantada ainda com a ousadia de Rodolfo e apenas assente. E os quatros se trancam no escritório por toda a tarde, e Clarisse ajuda a negociar melhor salários e condições aos trabalhadores, e quando o senhor Rodolfo pede para leva-la para jantar naquela fim de semana, ela aceita.
O frio era muito pior a noite, Amélia sentia como se fosse congelar por dentro e nunca mais sentiria calor. Mas pelo menos isso a fazia esquecer a fome e a sede. Fazia algumas semanas que vivia na rua, tentou trabalho em todos os lugares, mas sofria por ser estrangeira. E infelizmente não tinha documentos ou dinheiro para sair de Porto alegre. Algumas pessoas se compadeciam do seu infortúnio, e as vezes lhe davam comida e bebida, mas ela não sabia o que era banho e nem higiene pessoal.
Estava deitada em beco da avenida principal, não tinha nada no estomago, zonza observa mais a frente uma casa onde pisca uma luz vermelha. Ela fica bem na esquina do beco e parece querer se esconder ali. Amélia percebe um grande movimento de homens entrando e saindo, e algumas mulheres com roupas ousadas as vezes os levam até a porta, pode ouvir também música e risadas quando a porta se abre.É claro que sabe o que é aquela casa, o que são aquelas mulheres.
E naquela noite Amélia esta tão desesperada que apenas se levanta e bate na porta dos fundos, e uma morena com quadris largos e cabelos lisos a encara sem palavras, Amélia implora:
- quero trabalho senhorita.
A morena a avalia de cima a baixo, e depois sorri como se fosse um gato prestes a devorar um canário e a deixa entrar.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
perolams
Em: 06/08/2018
Eu tô de coração partido, essa história mexe muito com minhas emoções. Como a pobre da moça vai trabalhar num prostíbulo depois do trauma que aquele monstro deixou nela?Mesmo que seja uma reação comum para a época e até menos cruel que o esperado, peguei ranço de Dona Bernadete e espero que ela se lasque em algum momento.
Resposta do autor:
Ola,
Acho q mesmo aquela epoca Dna Bernadete passa do limite.. e vamos ver se ela vai colher o q plantou
Qnt a Amelia...continue lendo :)
Grande abço
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