CAPÍTULO 2
AURORA
Eu tinha um plano.
Depois de uma semana, e muitas conversas por mensagem sendo infernizada por Laura, eu tinha decidido tomar uma atitude quanto ao anonimato da autora da minha eletiva de literatura. Por falta de um nome melhor, era assim que nós duas estávamos a chamando. Não que fosse exatamente prático usar uma quantidade de palavras tão grande para se referir a uma única pessoa. E não que o meu plano fosse o melhor plano do mundo. Na verdade, o plano tinha tantas falhas e tantos furos, que a probabilidade dele dar certo era a mesma de eu de repente decidir votar em um candidato de direita nas próximas eleições presidenciais.
Ou seja, nula.
Mas aquela era, literalmente, a única péssima ideia que eu tinha conseguido inventar. E, no final das contas, depois de dedicar cinco minutos da minha noite pensando sobre o assunto, o que, para ser sincera, já era mais do que eu gastava do meu tempo e da minha energia para pensar sobre qualquer coisa ultimamente, eu tinha chegado a uma breve mas libertadora conclusão. Eu não estava fazendo aquilo por mim.
Eu estava fazendo aquilo por Laura e eu não podia me importar menos com os resultados.
A verdade era que, depois da minha empolgação inicial com a história e a minha pequena curiosidade para tentar descobrir a identidade da menina que a estava escrevendo, eu tinha parado para usar o meu lado racional e percebido que me esforçar para saber quem ela era seria estúpido e completamente desnecessário. Não que eu tivesse qualquer coisa contra a ideia de descobrir o nome e o rosto por trás das palavras que tinham prendido a minha atenção com tanta facilidade. E muito menos tinha qualquer interesse amoroso, como Laura tinha claramente insinuado na nossa primeira conversa sobre aquele assunto, simplesmente porque eu tinha uma firme intenção de passar os próximos anos da minha vida sem desenvolver um interesse em ninguém.
Eu precisava focar em mim mesma. Reaprender a ser feliz comigo mesma. Eu precisava me reconstruir.
Depois da minha inicial explosão de ânsia para poder conversar sobre a história com a sua criadora, eu tinha conseguido matar a vontade de compartilhar as minhas experiências literárias com alguém, mandando fotos das páginas para Laura poder ler e comentar comigo. Seria interessante poder conversar com a autora, tirar algumas dúvidas e curiosidades, questionar algumas reflexões implícitas nas linhas de diálogo e nas descrições do enredo de ficção. Mas, poder ter essas mesmas discussões com uma pessoa que me entendia tão bem quanto poucos já tinha, de certa forma, satisfeito a minha necessidade de debate, uma coisa que, por mais que eu desejasse o contrário às vezes, fazia parte da minha natureza.
Conversar com Laura sobre a história era muito melhor, inclusive, do que conversar com uma completa estranha que poderia parecer minimamente interessante no papel, mas que provavelmente, no estado mental em que eu me encontrava durante os últimos seis meses da minha vida e um pouco mais, não conseguiria me prender em uma conversa por mais de alguns minutos.
Apesar dela ter conseguido me prender na ficção. A realidade, como qualquer um poderia atestar, é completamente diferente de um faz de contas inventado.
E assim, o meu interesse na história e a minha vontade de descobrir quem era aquela menina tinham se desfeito em uma curiosidade desinteressada e indiferente, o que basicamente resumia como eu vinha me sentido sobre tudo ultimamente. Como se nada realmente conseguisse me fazer ter alguma reação além do piloto automático em que eu tinha colocado os meus dias, com exceção de algumas poucas conjecturas sobre o meu futuro e claro, as poucas coisas que ainda existiam em volta de mim que envolviam ela.
Em todos os meus vinte e quatro anos de autoconhecimento, eu nunca tinha me entendido como o tipo de pessoa que em algum momento se veria destruída por um relacionamento ruim, destruída por uma pessoa específica. Mas, ali estava eu, me surpreendendo mais uma vez com os caminhos de merd* que a minha vida decidia tomar e com as escolhas mais de merd* ainda que eu tinha feito no último ano e meio. Os caminhos e as escolhas que tinham me levado até ela e me mantido com ela, mesmo quando eu sabia que era hora de sair antes que aquilo tudo se tornasse tóxico demais. Os caminhos e escolhas que me colocaram ali, presa naquela dormência emocional que tinha tomado conta de mim desde que tudo tinha acabado.
Era como se eu tivesse voltado de uma longa temporada fora de casa, em um outro país, em um mundo de novidades que tinha me transformado em uma pessoa completamente diferente. E agora, eu estava de volta para a minha realidade, em um universo que um dia já tinha sido meu, mas que de repente parecia tão entediante e desinteressante, sem as cores que eu tinha encontrado lá fora no meu tempo explorando uma outra vida.
Era como se eu estivesse passando por um jet lag emocional.
Mas a minha viagem não tinha sido para a cidadezinha na fronteira entre a Califórnia e Nevada, onde eu tinha passado alguns meses fazendo intercâmbio há alguns anos. A minha viagem tinha sido ela. Os sentimentos que ela me dava, os nossos momentos juntas, o tempo que dividimos as nossas vidas, as nossas amizades, os nossos gostos em comum. E agora que tudo tinha acabado, eu continuava me vendo de volta naqueles mesmos lugares que traziam aquelas mesmas malditas memórias que eu queria esquecer. Todos os pedaços de mim que tinham ficado ao alcance dela tinham virado preto e branco.
E seis meses depois, eu ainda não tinha conseguido reencontrar o caminho de volta para a pessoa que talvez teria um interesse real e duradouro em descobrir quem era a garota que estava escrevendo aquela história. Mas eu ainda era a versão de mim mesma que só, de pensar em conhecer alguém novo ou conversar sobre qualquer coisa que precisasse mais do que uma resposta monossilábica, tinha vontade de ter duas reações extremas. Ou sair correndo, se esconder embaixo das cobertas em casa e passar o resto do dia assistindo séries ruins na Netflix. Ou marcar a primeira balada ou social com os meus amigos que me permitisse beber e beijar uma estranha até não lembrar de mais nada. Até não sentir mais dor nenhuma.
O problema era que viver de extremo em extremo nunca era um sinal exatamente bom.
Eu respirei fundo, sacudindo a minha cabeça como se isso fosse de fato me ajudar a afastar esses pensamentos. Era verdade o que diziam. O tempo ajudava e a distância ainda mais, mas era inevitável ainda voltar a pensar nela. Por mais que eu agora conseguisse passar dias ou, nos momentos bons, até mesmo uma semana sem me perder em devaneios desse tipo, quando eles voltavam, cada segundo ainda me atingia com a mesma intensidade da nossa primeira briga e das nossas últimas palavras trocadas que, como sempre, acabaram com ela tendo razão.
Eu olhei a minha volta, tentando me reencontrar na realidade, e percebendo que, mesmo com a minha certeza de que esse plano não ia dar em lugar nenhum e com mais certeza ainda de que eu não poderia me importar menos com isso, no mínimo a tentativa fadada ao fracasso poderia ser uma boa forma de me distrair. Até porque se eu voltasse para casa e mandasse uma mensagem para Laura dizendo que eu não tinha ao menos tentado, eu tinha certeza que ela entraria no primeiro ônibus interestadual direto para o Rio de Janeiro para dar na minha cara. Agora que eu tinha a viciado na porr* da história também, Laura queria saber mais do que eu quem era a autora.
Eu voltei a me ajeitar, sentada na última fileira de carteiras de uma das salas de aula do grande container de três andares, montado em um dos estacionamentos do campus da Praia Vermelha da UFRJ. Para os mais íntimos, ele também era conhecido como aulário. Para os mais realistas, aquele era um espaço provisório montado para tentar contornar a verdadeira situação de estudar em uma universidade federal; prédios antigos com pouca manutenção, alguns sem condições de receber aulas. Outros em obras que duravam mais tempo do que os anos que um calouro precisava para terminar os seus estudos. Ou simplesmente a falta de espaço físico para receber uma leva de alunos novos a cada seis meses que tinha levado a montagem daquele conjunto de salas improvisadas.
Era ali que a maioria das minhas aulas aconteciam. E era ali onde a minha eletiva de literatura era lecionada toda manhã de quinta-feira. Apesar de ser uma disciplina teoricamente do curso de Letras, a matéria era nova e estava no seu segundo semestre de existência. Além disso, o curso de escrita criativa não era obrigatório para nenhuma graduação e a maioria dos alunos que tinham se inscrito no semestre passado eram do campus da Zona Sul da UFRJ. Por esse motivo, as aulas tinham sido transferidas do prédio de Letras, que ficava no Fundão, para o meu pequeno pedaço de universidade, escondido no limite entre o bairro de Botafogo e o bairro da Urca.
Esse era o principal motivo de eu ter escolhido cursar aquela disciplina. Eu estava no último período de Relações Internacionais, precisava de uma matéria optativa para me formar e essa, além de parecer relativamente interessante e teoricamente me ajudar com a minha escrita, o que era fundamental para uma pessoa que queria seguir a vida acadêmica como eu, se encaixava perfeitamente no meu horário. E, o mais importante, apesar de os boatos indicarem que essa matéria se revezaria entre o campus do Fundão e no campus da Praia Vermelha a cada período, nesse semestre ela estava no quintal da minha casa universitária.
O meu pé direito estava inquieto, subindo e descendo contra o chão acinzentado que contrastava perfeitamente com a minha botina preta desbotada de todos os dias e com a minha calça apertada da mesma cor escura. Era uma mania um pouco irritante que nunca tinha me abandonado e que denunciava as crises de ansiedade que eu ainda escondia da maioria das pessoas, apesar delas terem se tornado uma das minhas maiores companhias desde o meu término. Mais uma herança indesejada que ela tinha deixado para trás, junto com todas as inseguranças que ainda me atormentavam nos meus atos mais simples.
Eu peguei o meu celular do meu bolso, decidida a gastar os meus últimos minutos sozinha naquela sala passeando pela minha timeline do Twitter. Mas, como se soubesse exatamente o que eu estava fazendo, assim que eu peguei o aparelho uma notificação pulou na tela, anunciando uma mensagem de Laura. Eu ajeitei os meus óculos contra o meu nariz, enrolei e prendi o meu cabelo de qualquer jeito no topo da minha cabeça antes de abrir a nossa conversa. Então, eu deixei as minhas cotas escorregarem pelo encosto da carteira, cruzei as minhas pernas na frente do meu corpo, e me permiti ficar na posição mais espaçosa e confortável, digna de receber um dos olhares de reprovação da minha mãe junto com uma das suas alfinetas irônicas sobre o meu jeito de agir.
L: E aí, me conta, pelo amor da Deusa! Já conseguiu descobrir?
A: Ainda não. Estou aqui de tocaia perto dos armários, mas está cedo demais. Ainda faltam quinze minutos para a aula começar.
L: Lembra do plano. Assim que as suas três suspeitas de sapatonice chegarem para deixar a história no armário, você levanta e finge que tem que fazer alguma coisa. E tenta bisbilhotar o título da história de cada uma.
A: Eu sei, Laura. Agora sossega o cu.
A: Inclusive, você não deveria estar trabalhando?
Eu completei a mensagem ao mesmo tempo em que revirava os olhos, começando a ficar ligeiramente irritada com a insistência de Laura. Mas, para ser justa, a culpa era minha por ter enviado a merd* da história para ela. Eu definitivamente já estava arrependida.
L: Sim, mas pedi aqui na clínica para almoçar mais cedo só para poder acompanhar a operação sapatão ao vivo.
A: Operação sapatão?
L: Eu não sou muito criativa com nomes.
A: Claramente. Agora eu preciso me concentrar.
Eu coloquei um ponto final na conversa, enviando uma última mensagem para Laura e dando a primeira desculpa que passou pela minha cabeça.
“Olá, Aurora. Bom dia.” Eu dei mais um pulo na carteira quando olhei para cima e dei de cara com os olhos castanhos da minha professora, imediatamente sentindo uma pequena culpa por estar tentando burlar a principal regra que ela tinha estipulado para o nosso trabalho de fim de curso; não saber a identidade dos autores das histórias que estávamos lendo.
Era isso. Além de ser um lixo de pessoa, impaciente, irritada e que tratava a minha melhor amiga mal sem nenhuma razão, eu ainda era a criminosa do anonimato autoral.
“Bom dia.” Eu respondi, me enrolando com as palavras mais simples, de repente ficando nervosa e sem jeito de uma forma que definitivamente não combinava comigo, mas que eu também com certeza não iria demonstrar.
Eu dei um sorriso sem graça e fiz um movimento mais estranho ainda com a mão, resultado da minha indecisão entre cumprimentar a minha professora ou não quando acabei desistindo no meio do caminho, o que só serviu para deixar toda a cena ainda mais esquisita. Quando ela olhou por cima do ombro e soltou uma risada, eu definitivamente tive vontade de me matar. Ou de pelo menos abrir um buraco no chão e me esconder dentro dele.
Eu não sabia por que, mas Alana me deixava nervosa de um jeito ridículo como se eu tivesse catorze anos de novo e estivesse com uma paixão secreta pela minha professora. Podia não parecer pelo meu jeito um pouco fechado, às vezes quase bruto e com aquela minha pose de quem preferia passar metade do tempo fingindo que não ligava muito para ninguém ou que não me afetava muito facilmente por nada. Mas eu me sentia intimidada com uma facilidade quase absurda, principalmente quando se tratava de questões intelectuais. E Alana Borges era exatamente o tipo de pessoa que me fazia sentir como se eu estivesse me encolhendo aos poucos.
Ela tinha vinte e sete anos, formada em Letras no curso de Português/Francês pela UFRJ e tinha acabado de voltar da França, onde tinha recém adquirido o seu título de mestra em Linguística Aplicada, seja lá o que isso significasse. Agora, ela estava começando o seu doutorado ali na própria Universidade Federal do Rio de Janeiro e já era professora substituta da faculdade. E a nossa turma era a primeira que ela lecionava oficialmente como professora universitária.
Mas não bastava Alana só me intimidar intelectualmente. Ela ainda era linda. Tinha um sorriso irritantemente perfeito que combinava com a sua pele negra e com os seus cabelos castanhos cacheados e volumosos que sempre estavam arrumados, amarrados por uma bandana colorida ou escondidos embaixo de um lenço. As mãos pequenas e delicadas que sempre prendiam a minha atenção junto com as roupas largas e o par de sandálias rasteiras já gasto que Alana sempre usava completavam a figura da mulher que me intimidava, mas ao mesmo tempo, me fascinava tanto.
Tudo bem. Talvez eu tivesse uma paixão platônica pela minha professora de escrita criativa, o que era um pouco vergonhoso considerando que eu tinha vinte e quatro anos. Mas, às vezes, eu de fato tinha vontade de despretensiosamente convidar Alana para tomar uma cerveja gelada na mureta da Urca e passar algumas horas conversando com ela sobre o universo enquanto admirávamos a vista da enseada de Botafogo, a minha preferida da cidade. Porque Alana parecia ser exatamente esse tipo de pessoa – a que você poderia literalmente conversar sobre qualquer assunto por horas e horas, e ela sempre saberia o que falar e sempre teria algo interessante a acrescentar.
O tipo de característica que eu mais gostava em uma mulher.
E talvez, eu pensei, eu realmente devesse fazer isso depois que as aulas acabassem. Faltava pouco para o período acabar e depois disso Alana e eu não teríamos mais nenhuma ligação profissional já que éramos de áreas completamente diferentes da universidade. Eu não teria absolutamente nada a perder apesar de não ter nenhuma pista sobre a sexualidade dela. Na pior das hipóteses, eu passaria algumas horas na companhia de uma mulher inteligente, interessante e bonita, e ganharia uma amizade. Na melhor, bem, quem sabe o que poderia acontecer. Seria interessante ter algo com Alana contando que não tivesse nenhum envolvimento emocional incluído no pacote.
Essa era a minha única e principal regra no momento.
“Você parece um pouco distraída.” Alana comentou, a sua voz me trazendo de volta para a realidade.
“Ah, você sabe.” Eu disse dando de ombros, um pouco desesperada para disfarçar o fato de que eu estava tentando burlar uma das suas regras para o nosso trabalho. “Formatura, TCC. A cabeça fica meio aérea.”
“Eu lembro bem como é.” Alana respondeu, ajeitando as suas coisas na mesa; a sua bolsa de pano que transpassava na frente do seu corpo, sua garrafa térmica sempre cheia de café, a pauta da disciplina, as canetas para escrever no quadro branco, e por fim, colocou o seu celular para carregar na tomada que ficava bem embaixo do quadro. “Mas você vai sentir falta disso tudo, Aurora. Ainda mais você que viveu isso aqui com tanta intensidade.” Ela completou, e eu me encolhi mais um pouco contra a carteira, me sentindo mais sem graça ainda por perceber que Alana sabia de detalhes da minha graduação. Mas ela era esse tipo de professora. A que mesmo sendo substituta e a que lecionava uma matéria optativa, fazia questão de conhecer a história dos seus alunos.
“Eu sei que eu vou.” Eu confessei, coçando a minha nuca e sentindo a minha coerência se perdendo mais uma vez, como sempre acontecia quando eu ficava sem graça. Eu sempre me sentia idiota quando parava para conversa com pessoas que eu considerava intelectualmente superiores a mim. Como se eu fosse uma criança sem conteúdo tentando parecer interessante. Mas eu me obriguei a me recompor e coloquei uma falsa firmeza na minha voz, me recusando a demonstrar qualquer tipo de vulnerabilidade. “Já sinto falta de coisas que eu não faço mais, como participar do centro acadêmico, organizar as festas, a atlética. Isso tudo ainda tendo contato com essa realidade todos os dias. Imagina quando eu sair daqui.”
“E quais são os seus planos pós formatura?” Alana perguntou assim que a porta da sala se abriu e duas alunas entraram. Eu xinguei mentalmente ao perceber que uma das meninas era justamente uma das minhas suspeitas na lista das possíveis autoras que eu estava lendo.
“Ah, você sabe.” Eu tentei responder, olhando por cima do meu ombro e tentando desesperadamente não tirar a minha atenção da estudante de Educação Artística que tinha acabado de colocar a sua história dentro do armário. “Estou entre procurar emprego e me inscrever em alguns processos seletivos de mestrado.” Eu continuei, me abaixando para vasculhar a minha mochila e encontrar o meu próprio trabalho. Eu precisava dar um jeito de discretamente encerrar a minha conversa com Alana sem ser mal educada e chegar até o armário a tempo de verificar as duas histórias que tinham sido colocadas lá.
“Mas o que você quer fazer? Acho que entender isso é mais importante do que perguntar o que você está de fato fazendo.” Alana rebateu e a minha cabeça travou por um momento, perdida entre dar atenção para ela e não tirar o meu foco do que estava acontecendo do meu lado. Por mais próxima que eu estivesse do armário, eu não conseguia ler os nomes das duas histórias que tinham sido depositadas lá dentro. Eu precisava me levantar para conseguir o que eu queria.
“Sim,” Eu concordei sem nem saber exatamente com o que eu estava concordando. Então, a porta se abriu mais uma vez e um grupo de cinco alunos entrou. De novo, entre eles estava mais uma das meninas que eu achava que poderia ser a autora da minha história. “Mas na verdade, eu quero mesmo é fazer pesquisa, seguir carreira acadêmica. Eu estou bem mais focada nos processos seletivos do mestrado do que nas entrevistas de emprego.” Eu continuei respondendo, tentando o meu melhor para disfarçar as minhas intenções e não parecer desinteressada no que a minha professora estava falando.
“Então, acho que você já tem a sua resposta.” Ela finalizou, lançando um último sorriso para mim e se voltando para o quadro para começar a aula. Eu aproveitei a pequena deixa para me levantar da carteira com a minha história na mão, pronta para fazer a minha rápida análise dos títulos que já tinham sido colocados dentro do armário. Mas assim que eu dei o primeiro passo, a porta se abriu mais uma vez e uma horda de alunos entrou, cada um passando e jogando um bolo de folhas entre os que já estavam lá.
Eu respirei fundo ao aceitar que eu tinha perdido a minha chance de descobrir quem era a maldita garota que estava escrevendo aquela maldita história e que Laura ia me matar se soubesse que eu tinha perdido o fio da meada do nosso plano por causa da minha crush platônica em Alana.
Agora, já tinha pelo menos umas dez histórias dentro do armário e não existia possibilidade de eu conseguir olhar todos os títulos sem ser notada. Sem contar que, os trabalhos jogados estavam espalhados pelo armário, um por cima do outro sem nenhuma ordem específica. Eu já não conseguia mais ler alguns títulos e muito menos saber qual tinha sido colocado ali dentro antes de qual. Mas assim que eu estiquei as minhas mãos para depositar o romance histórico que eu estava escrevendo, eu o vi. Bem lá no fundo, largado entre tantos outros, o título que tinha me perseguido nas últimas semanas.
Para você dar o nome.
Era a minha história. Mas eu continuava sem ter a menor ideia de quem a tinha colocado lá.
“Vai cair do seu bolso.” Eu ouvi uma voz desconhecida falando atrás de mim. Eu me virei para dar de cara com uma menina branquela e baixinha, tímida o suficiente para falar poucas palavras durante as nossas aulas. Na verdade, eu não sabia quase nada sobre ela. A não ser alguns detalhes que eram inevitáveis de serem reparados quando você assistia a mesma aula toda semana com as mesmas pessoas.
O seu nome era Isabela e que ela cursava a graduação em matemática.
“O que?” Eu perguntei, ainda um pouco perdida entre a minha conversa com Alana e a minha tentativa frustrada de descobrir mais sobre a história que eu estava lendo.
“Tem uma nota de vinte reais caindo do seu bolso.” Ela explicou, me dando um sorriso tímido e passando por mim para jogar mais duas histórias no armário. Provavelmente a dela e a de algum amigo. Eu olhei por cima do meu ombro e tateei pela minha calça para sentir o dinheiro que de fato estava prestes a escapar do bolso traseiro da minha calça.
“Ah! Obrigada!” Eu agradeci, tentando ser simpática com a garota que eu não sabia por que, mas me irritava levemente. Talvez fosse o fato dela ser de exatas, o que já gerava uma certa hesitação da minha parte. Talvez fosse o fato de eu não ter muita paciência com pessoas que falavam uma média de cinco palavras a cada quinze minutos. Mas, pelo menos uma informação eu tinha conseguido daquilo tudo. A história que eu estava lendo já estava lá quando Isabela chegou e ela era a terceira garota da minha lista de suspeitas. Afinal, eu tinha certeza que ela era lésbica.
Na pior das hipóteses, pelo menos eu sabia de uma coisa.
Eu sabia que a pessoa que eu estava procurando não era ela.
Fim do capítulo
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Michelle Costa
Em: 11/08/2018
Leio contos lésbicos há mais de 11 anos, desde de minha adolescência, e raramente comento alguma história, não por não gostar, mais por falta de hábito mesmo. Mas sua história me cativou. Gostei bastante da construção da suas personagens. Você conseguiu construir sem detalhar e explicar muito (acho que quando o autor descreve muito suas persoangens retira a mágia da imaginação) a persoanlidade de cada uma! Estou ansiosa por mais!
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