Capítulo 7
Denise chegaria a Florianópolis no nas primeiras horas da tarde seguinte. Na mala algumas roupas, dois biquínis, um livro, caso precisasse fugir para um mundo paralelo, algumas carteiras de cigarro, seu kit de maquiagem e uma ponta de esperança de que nada daquilo fosse real.
Precisara remarcar muitas das consultas e esperava que nenhum paciente entrasse em surto e precisasse atender por telefone. Em verdade gostaria mesmo de desligar o celular e esquecer por alguns dias as nóias alheias. Seria bom poder apenas lidar com as suas próprias.
Esperava ao menos não ter que lidar com as neuroses de Themis, atual esposa do ex-marido. Embora fosse nítido que não restara qualquer sentimento entre ela e Fernando, exceto amizade, Themis ainda não acreditava nisso, e em mais de uma ocasião quando estiveram reunidos, a mulher a encarara com ar de desconfiança. Fazendo o possível para estar sempre presente e ser o centro das atenções, como se agindo assim garantisse o amor do marido. Isso estressava profundamente Denise, pois era absurdo e desmedido qualquer pensamento como aquele com relação à Fernando.
***
Apesar de tudo, seria bom passar alguns dias longe da empresa. Esquecer os problemas insolúveis que o consumiam, pensou Caio. Sabia que tal pensamento parecia extremamente egoísta, uma vez que se reuniriam na casa de Ellen justamente naquela circunstância.
A menina linda, por quem fora apaixonado quando garoto, locomovendo-se em uma cadeira de rodas não parecia ser verdade. Muito menos a ideia de num futuro não muito distante saber que pareceria um vegetal o aterrorizava. Só de pensar sobre isso seu estômago voltou a doer, exigindo que tomasse mais um antiácido. Já era o terceiro nas últimas doze horas. E seriam necessários muitos mais pelo jeito.
***
O voo pareceu mais longo que o de costume. E até mesmo a simples tarefa de esperar as malas ao lado da esteira rolante lhe foi penoso. Sabia que as horas seguintes seriam dolorosas, e que precisava muito reunir toda a coragem que lhe restava para, ao chegar à casa de Ellen, não desabar não fosse Bruna estar ao seu lado talvez não conseguisse chegar lá.
- Eu dirijo. Você está muito nervosa. Precisa tentar se acalmar. – Pediu Bruna, depois de terem já colocado as malas dentro do carro alugado.
Amanda aceitou a ideia sem verbalizar uma palavra. Recostou-se no banco do passageiro e tentou se concentrar em inspirar e expirar fundo, no intuito de controlar os batimentos cardíacos, que estavam muito acelerados, denunciando seu estado de espírito. Quase quarenta minutos depois, ao abrir os olhos, estavam estacionando em frente à casa de Ellen.
Antes de descerem Bruna apertou-lhe a mão e a puxou para um beijo.
- Vamos lá, enfrentar. Lembra que estarei bem aqui, do seu lado.
- Amo você.
- Me too.
A porta da casa se abriu sem que precisassem bater. Ellen estava parada no portal. O olhar carregado de alegria e dor. Tinha Renata às suas costas.
Amanda e Ellen não disseram nada. Amanda simplesmente largou a mala que empunhava e deu dois passos que as separavam. E abraçou a amiga como se com isso pudesse fazer tudo mudar.
Renata disfarçou as lágrimas, passando pelas duas para abraçar Bruna e ajuda-la com as malas. Bruna sabia que a amiga precisava mais do que nunca de seu apoio, e de que a qualquer momento poderia ruir em lágrimas. Mas a mulher engoliu em seco, tentou sorrir e perguntou-lhe como tinha sido a viagem.
Bruna então abraçou Ellen enquanto Amanda cumprimentava Renata. Já dentro de casa os dois casais falaram sobre amenidades, tentando dissipar o clima pesado que se instaurou. Mas Amanda não conseguia tirar os olhos de Ellen, que agora sentara na cadeira de rodas motorizada.
- Vamos comer alguma coisa? Ofereceu Renata.
- Jantamos no avião. Mas aceito algo pra beber, se tiverem. - Respondeu Bruna, tentando ajudar a amiga.
- Amor, traz uma garrafa de vinho pra mim? – Pediu Ellen.
- Eu também aceito uma taça...
- Bruna, você me ajuda com as taças? Vamos lá na cozinha buscar? – Sabia que a mulher queria e precisava de alguns minutos a sós com a melhor amiga.
Assim que as mulheres saíram da sala Ellen rompeu o silêncio.
- Não me olha assim. Eu ainda não escolhi isso.
- É que simplesmente não consigo acreditar nisso. Qualquer um menos você.
- Bom, por alguma razão fui eu... e não é algo que eu, você ou qualquer um de nós possa mudar.
- Não entendo porque não me ligou.
- Pra que? De que adiantaria?!
- Eu poderia ter vindo antes... sei lá.
- Para enlouquecer antes?! Preciso de você agora. Precisarei mais ainda daqui a algum tempo. Tudo tem seu tempo. Nós temos um tempo determinado também. É assim que as coisas são.
- Eu não sei o que fazer. – Finalmente admitiu Amanda, se sentindo completamente perdida.
- Vai saber. Quando chegar a hora vai saber.
- Como você pode lidar com isso com essa calma?!
- Não consigo. Tô com raiva. Medo. Mas já aceitei que nada disso resolve.
- Ellen...
- Amanda. Qualquer coisa que disser já me passou pela cabeça. Não adianta.
- Só preciso que me ajude com Renata e com os outros. Não quero clima de velório antes do tempo. Nem depois.
Na cozinha a tônica da conversa não era muito diferente, exceto que Renata finalmente pode deixar as lágrimas correrem, sendo, em parte, consolada pela amiga.
- Ellen precisa muito dela. Só elas se entendem. Sei que com ela Ellen vai se abrir. Talvez isso a alivie um pouco. Ela pouco conversa comigo. Evita a todo custo falar sobre a doença comigo.
- Amanda não tem dormido direito. Tem estado completamente aérea. Chegar aqui foi muito difícil pra ela. Acho que o fato de ambas conhecerem essa doença melhor que nós é ainda mais aterrador.
- Eu sei, eu sei... Ellen passou por todas as fases, de negação à raiva. Sofreu e sofre em silêncio. Mesmo quando está com dor não fala. Se pergunto, nega. Se insisto, se fecha. Mas é visível o quanto está sofrendo. E não sei o que mais fazer. Agora resolvi não insistir no assunto. Simplesmente faço a vontade dela. Finjo o tempo todo.
- Eu imagino, querida...
- Obrigada por terem vindo.
- Não há o que agradecer. Estivemos juntas nas horas boas, estaremos nas ruins também. Vocês são nossa família.
As horas seguintes foram regadas à bom vinho. Depois de algum tempo pareciam ter esquecido o motivo pelo qual se reuniram. Renata via Ellen rir depois de muitos meses, em parte pela companhia das amigas, em parte pelo efeito do álcool. Mas fosse como fosse, era tão bom ver novamente a mulher por quem se apaixonara. A ideia de que algum dia não ouviria mais sua risada a trazia constantemente de volta à realidade.
- Bom, é melhor descansarmos um pouco. O pessoal começa a chegar amanhã de manhã e vamos estar moídas. – Foi Ellen a chamar todas à realidade.
- Tudo bem... vou recolher isso aqui antes. – Renata informou, sinalizando para as garrafas, taças e pratos de petiscos sobre a mesa da sala de estar.
- Amanhã recolhemos. – Disse a esposa.
- Eu ajudo, a gente recolhe tudo ligeirinho e deixa tudo arrumado para amanhã. - Ofereceu-se Amanda, sendo imediatamente seguida por Bruna.
- Já que insistem... Eu as ajudaria, mas... olhou para a cadeira em que estava...não estou com vontade... acho que bebi mais do que devia. – Disfarçou Ellen.
- Vá deitar, amor. Vou logo. – Insistiu Renata.
- Mas não fiquem falando de mim pelas minhas costas. Brincou a mulher, já colocando a cadeira em movimento em direção ao quarto. Deixando pra trás as três mulheres a tentar lidar com o silêncio que as envolveu.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: