PRÓLOGO
<< It started from nothing
I had no chance to prepare
I couldn't see you coming
It started from nothing
Oh, I could hate you now
It's quite alright to hate me now
When we both know that deep down
The feeling still, deep down, is good >>
(FRANK OCEAN, IVY)
***
25/10/2017
"Posso?" Ela perguntou, me imprensando discretamente contra a parede, de um jeito tão sutil que eu não consegui evitar um sorriso de canto de boca. Era uma mensagem escondida nas entrelinhas do que ela demonstrava mais desejar ter comigo desde o começo - cuidado. Cuidado de quem sabia que era exatamente isso que eu precisava. De quem parecia saber exatamente como eu tinha imaginado aquele momento tantas e tantas vezes durante os últimos anos, mesmo que eu nunca tivesse imaginando tudo aquilo acontecendo desse jeito.
De alguma forma, ela tinha conseguido fazer aquele momento ser ainda mais perfeito do que as melhores cenas que os melhores dias da minha imaginação tinham me proporcionado.
Nós estávamos no chão da varanda do último andar do prédio do Centro de Tecnologia da UFRJ. As minhas costas contra a parede atrás de nós duas, as dela viradas contra a paisagem que eu tinha subido até o sétimo andar tantas vezes para admirar e me perder no silêncio de enxergar o meu pequeno universo de cima. Talvez eu tivesse trazido ela ali de propósito, sabendo que era um dos locais mais vazios e calmos da faculdade, com esperanças de que algo mais acontecesse entre nós duas. Mas era uma esperança que eu já tinha carregado por tempo demais para me dar o direito de acreditar que dessa vez se tornaria realidade.
Até o momento em que ela, deitada com a cabeça no meu colo, recebendo um dos cafunés que eu ainda fazia com a ponta dos meus dedos tremendo de nervosismo desde o momento em que ela tinha se abrigado em mim pena primeira vez no chão da fila daquele show, se levantou em um movimento brusco. Quase um pulo em uma ansiedade não tão bem escondida assim de quem estava tomando os seus sete segundos de coragem insana para fazer algo, antes que parasse para pensar demais. E foi assim. Menos de um minuto atrás ela estava deitada nas minhas pernas reclamando do homem insistente que continuava saindo de um dos laboratórios para falar no telefone e romper a nossa pequena bolha. E no segundo seguinte, ela estava sentada na minha frente, o seu corpo carinhosamente rendendo o meu contra a parede como quem estivesse com medo de que eu fosse surtar e fugir. As suas mãos segurando meu rosto e as nossas bocas tão coladas que faziam a pergunta que tinha começado aquilo tudo parecer completamente inútil.
"Posso?" Aquela palavra continuava ecoando na minha cabeça e eu sabia que eu não esqueceria aquele momento nunca mais, independente de quanto tempo passasse e do que acontecesse com nós duas.
Mas, principalmente, eu sabia que eu tinha que responder alguma coisa.
Então, eu assenti com o mínimo de força que o meu cérebro congelado pelo meu nervosismo permitiu, mesmo sabendo que aquilo era completamente desnecessário.
Eu não precisava dar permissão para ela me beijar. Eu já tinha dado essa permissão em cada conversa que nós tínhamos tido nas últimas semanas, a cada flerte bêbado dela que eu tinha aceitado enquanto nós duas nos enganávamos e insistíamos que queríamos ir devagar. Eu tinha concordado com os lábios dela nos meus praticamente desde a primeira vez que eu tinha a visto na mesa daquela pizzaria vestida toda de preto.
Eu queria isso desde aquele dia. Eu queria isso desde o dia que eu tinha começado a ser um pouco mais sincera comigo mesma sobre os meus sentimentos. Eu queria isso desde que eu tinha onze anos e era inocente demais e assustada demais para admitir.
E quando ela finalmente destruiu a ínfima distância que ainda restava entre nós duas, tudo pareceu voltar para o seu devido lugar dentro de mim pela primeira vez em muito tempo.
Fim do capítulo
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