Capítulo 1
O horário em que saíra da cama denunciava que ela não estava nada bem, sua dor não era tão simples que pudesse ser solucionada com um analgésico forte qualquer. Por volta das duas da tarde decidiu que sairia para comer alguma coisa no barzinho da esquina, arrastou seu corpo do sofá da sala para o quarto a fim de colocar uma roupa que não fosse seu velho e bom pijama.
Munida de sua carteira, celular e um velho exemplar do seu romance preferido ela seguiu rumo ao elevador; mas Marina não contava que fosse justamente dar de cara com ela. Lá estava o fantasma vivo de um passado não tão distante, sua risada preenchia o silêncio do corredor algo que sua irmã havia dito tinha despertado um dos sons preferidos de Marina.
A latina jamais poderia definir se era karma ou apenas azar morar no mesmo prédio da irmã de sua ex-namorada. Mas era a segunda vez em dois anos que ela se deparava com aquelas malditas orbes azuis que detinham o poder de lhe hipnotizar sem o menor esforço. Antes que ela mesma se tornasse refém novamente, se pôs a caminhar com um pouco mais de velocidade, até porque a última vez que se encontraram não estava entre suas lembranças favoritas.
Chegou a até o barzinho da esquina procurou por sua mesa preferida que se localizava bem aos fundos, era uma mesa um tanto escondida mas era exatamente assim que ela queria ficar "escondida". Pediu um dos pratos do dia, mas assim como sua avó costumava dizer-lhe quando era pequena "Eita menina, parece que tem mais comida nesse prato agora do que antes!" O barzinho estava bem vazio naquele horário, mas em sua cabeça ainda ecoava o som daquela risada, ela até pensou em levantar-se e caminhar um pouco, mas sentia as familiares lágrimas de saudade mais uma vez se fazendo presente em seus olhos, caminhar chorando não seria uma boa escolha a latina era orgulhosa demais para aguentar olhares de pena vindo de desconhecidos.
Com certo desespero pegou seu velho livro surrado pôs se a ler na inútil tentativa de sufocar as lágrimas com as palavras ali escritas.
- Eu nunca te vi tão distraída assim! Eu poderia ter pulado em cima de você que você mal notaria. - disse ela com a voz rouca em um tom levemente divertido.
Ainda de costas com o livro aberto e uma lágrima escorrendo Marina deu uma risada amargurada, ela havia sim sentido o cheiro dela e pôde sentir sua presença atrás de si há alguns minutos, mas jurara que era apenas sua mente lhe pregando mais uma peça, ultimamente sanidade não era seu ponto forte.
- Eu não teria tanta sorte assim de ter você se jogando em cima de mim nem por brincadeira - virou-se para ter certeza de que ela realmente estava ali.
- Você ainda se senta na mesma mesa, tantas lembranças eu tenho desse lugar - disse com um sorriso nostálgico.
- Tantas brigas tivemos nesse lugar - bufou olhando para baixo, olhar naquela imensidão azul as vezes se tornava sufocante.
- Lembranças boas e ruins, mais eu ainda prefiro guardar as bonitas na memória. Como o dia em que você me pediu em namoro, eu estava sentada bem aqui - bateu a mão no encosto da cadeira antes de se sentar de frente para a outra.
- Por que você está aqui?! - fechou o livro com certa violência, não queria parecer mais frágil do que realmente estava, não na frente dela.
- Eu te vi entrando no elevador mais cedo, e suspeitei que você estivesse aqui então pensei em falar oi e saber como você está. - brincou com as pulseiras que tinha no braço esquerdo.
- Você quer saber como eu estou Laura?! Eu vou te dizer como eu estou, estou dura, não consigo escrever a mais de seis meses, eu durmo tarde e acordo tarde passo a maioria dos dias de pijama sentindo pena de mim mesma. É assim que eu estou! - disse tudo de uma vez com certa agressividade na voz e novamente trancou os castanhos nos azuis a sua frente.
- Talvez não tenha sido uma boa ideia eu ter vindo até aqui, você ainda continua perdendo a cabeça fácil - era palpável a mágoa em sua voz.
- Sabe o que não foi uma boa ideia Laura?! Não foi uma boa ideia quando eu te encontrei no parque há seis meses atrás e perguntei como você estava. E você fez questão de esfregar na minha cara que estava namorando, q estava contente com ELE, que ele era um máximo, e... como foi mesmo que você me disse...ah! Que o sex* de vocês era maravilhoso!
- Eu fui uma idiota eu admito, mas eu ainda estava com raiva de você e eu quis te atingir. - abaixou a cabeça envergonhada.
- Me atingir?! - novamente deu uma risada amargurada. - você me destruiu das mais variadas maneiras ou você já esqueceu como foi nosso término?! - a atmosfera era tensa, mas a raiva e agressividade de Marina eram explícitas.
- Eu não esqueci nada! Eu não esqueci sua mania irritante de deixar a toalha jogada em cima da cama, eu não esqueci de como você metodicamente tira a casca do pão antes de comer, eu não esqueci que seu café é sempre forte com muito açúcar, eu não esqueci nem dos 5 tipos de sorrisos que você tem, mas que porr*! - a morena disse tudo com tanta raiva que quando deu por si estava de pé com as mãos espalmadas na mesa e encarando ferozmente a outra sua frente.
- Eu te amei tanto Laura, amei tanto que chegou a doer. Era eu quem levantava às seis da manhã pra te levar a faculdade, só pra ter certeza que você estaria bem, eu odiava quando você cantava desafinadamente de propósito no banco do carona só pra me irritar, mas quando eu via aquele seu sorriso meu coração se aquecia e eu nem lembrava o porquê de estar irritada. Era em momentos como esse que eu tinha certeza que queria me casar com você.
- Foi o seu ciúme e sua falta de controle que acabou com a gente. - uma lágrima teimava em cair do seu olho esquerdo.
- Vai me diz, ele é mais controlado e menos ciumento do que eu?- perguntou com desdém.
- É diferente, Marina. Ele é mais velho que você, tipo um relacionamento sério. - não conseguia encará-la nos olhos, por mais que quisesse.
- Quer dizer que nossos quatro anos não foram sérios pra você! Parecia muito sério pra mim! - seu lábio já tremia e lágrimas banhavam seu rosto.
- E aí está você descontrolada e distorcendo o que eu digo, certas coisas nunca mudam mesmo.
- Sabe Laura, você merece coisa melhor, você não merece um relacionamento mais menos, você não merece um relacionamento de quartas jantamos fora, sábados vamos ao cinema, você não merece um relacionamento de sex* duas vezes por semana. Você merece alguém que te acorde no meio da madrugada e te leve para ver o sol nascer de cima de um prédio qualquer, você merece alguém que dirija 150 km em um feriado quente só para te mostrar o mar, você merece alguém que te permita cantar desafinada feito uma idiota no banco do carona e no segundo seguinte se encha de orgulho em dizer "eu amo essa idiota"- em um ato não tão impensado assim ela levou sua mão ao rosto da morena e secou a lágrima que traçava seu caminho por ali.
- Eu não acredito mais em clichês, eu não quero mais promessas vazias eu quero terra firme pra pisar. A vida não pode ser um eterno romance - pegou o livro da outra que estava sobre a mesa como se quisesse exemplificar que não se podia viver e agir como se fossem personagens de um romance qualquer.
- É melhor eu ir embora eu não estou legal. - disse se atrapalhando em suas próprias palavras, era nítido que o que a morena havia lhe dito a afetara mais do que o esperado.
E assim ela foi dando as costas a uma Laura sentada olhando o nada, na verdade ela tentava digerir toda aquela discussão, muitas verdades haviam sido ditas no calor daquele momento. Quando deu por si Marina já ia passando pela porta, ela tinha certeza que a outra estava chorando. Mas não podia deixá-la partir daquela forma.
- Marina! - um grito ecoou enquanto uma cadeira era arrastada com brutalidade e ela se dirigia ao encalço da outra.
Assim que ouviu seu nome ela parou respirou tentado enxugar as lágrimas que insistiam em cair, então se virou.
- Hã..é, se cuida tá - disse toda sem jeito sentindo a insegurança lhe paralisar enquanto ditava as palavras que deviam ou não serem pronunciadas.
- Você também Laura - deu um meio sorriso e seguiu seu caminho embaixo da garoa fina que caía há algum tempo.
Laura permaneceu parada ali observado a figura da latina diminuir conforme se afastava, e conclui que ela era linda e que ainda poderia passar horas a observando como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. Ela acendeu um cigarro e retornou para dentro do bar, sentou-se junto ao balcão.
- Dia difícil?! - perguntou o velho garçom com um sorriso simpático no rosto.
Ela tragou seu cigarro expirando uma grande quantidade de fumaça logo em seguida.
- Vida difícil, Zeca - disse sorrindo para o garçom que era um conhecido de outros tempos.
Ele a fitou com certa pena enquanto colocava um copo de uísque a sua frente.
- Por conta da casa - deu lhe uma piscadela.
- Eu o deixei sabia! Eu vim aqui contar pra ela... mas parece que não foi uma boa ideia as coisas acabaram se descontrolado mais uma vez. - sorriu amargamente virando o copo de uísque logo em seguida, pousou seu olhar na mesa que há pouco estava sentada, e como em um passe de mágica conseguiu vislumbrar uma versão sua um pouco mais jovem sentada ali sorrindo para uma certa latina que rabiscava versinhos em um guardanapo. Com um sorriso travesso no rosto ela rabiscou algo e entregou o guardanapo dobrado para a outra a sua frente, mesmo sendo uma lembrança ela pode sentir novamente as mesmas borboletas no estômago quando leu "Namora comigo?".
Uma lágrima desceu e uma constatação a atingiu, elas eram como um boomerang. Não importa a força com a qual você o lança, não importa a distância que ele percorra ele sempre irá voltar ao seu ponto de origem.
Fim do capítulo
O que acham de uma possível continuação?
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