Capítulo 37
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 37
Um garçom anotou os pedidos e saiu. Natasha procurou manter uma conversa leve e agradável sobre os mais diversos tipos de assunto. Estava precisando desse momento de tranquilidade, mesmo se essa tranquilidade estivesse apenas dentro de sua cabeça.
A comida chegou e elas começaram a comer. Então, Natasha aproveitando o clima de intimidade que havia entre elas, resolveu ser um pouco mais indiscreta e iniciar uma conversa sobre assuntos sentimentais.
-- Você passou algum tempo no exterior. Duvido que não tenha conhecido alguém interessante -- ela percebeu a expressão de Carol se modificar.
-- Fui para os Estados Unidos somente com propósito de estudo, mas houve alguém. Infelizmente.
-- Por que, infelizmente? -- franziu a testa, surpresa.
-- Porque foi uma relação desastrosa. Ele me traiu com apenas dois meses de namoro -- ela baixou os olhos para o prato e tentou comer -- No começo fiquei arrasada e quase morri de decepção, pois não acreditava que aquele cara que dizia me amar pudesse ser tão cruel.
-- Não fique triste. Até o capeta é chifrudo.
-- Obrigada -- a expressão dela suavizou-se -- Suas palavras me confortam.
Elas riram.
-- Independente do quanto sofri, decidi encarar tudo como um aprendizado. Até perdoei.
-- Poxa! Como conseguiu? Ou você é uma santa, ou uma boba.
-- Perdoar não é ter amnésia, Tasha. Muito menos fingir que nada aconteceu. É deixar o tempo passar, e os sentimentos ruins ceder espaço a razão.
Natasha pensava no assunto, enquanto brincava com a comida no prato.
-- Se é assim, então acho que perdoei a Mariana. Hoje não sinto mais nada por ela. Nem ódio, nem amor. Porém, não esqueci o que ela me fez.
-- E nem deve esquecer. Mas caso esqueça, farei questão de lembrar-lhe.
-- Não! De novo não! -- Natasha brincou e as duas riram muito -- Olha, Carol. Você só conhece uma pessoa de verdade, quando conversa com ela bêbada de madrugada. "Pessoas falsas são como produtos piratas. Te atraem pela facilidade, mas logo te decepcionam pela qualidade" -- Natasha olhou-a fixamente para dar mais ênfase a sua frase.
Aquilo foi uma indireta para ela ou simplesmente algo direcionado a outra pessoa? Nem tudo é indireta, mas se a carapuça serviu é porque a consciência está pesada. Pensou Carol, constrangida.
-- Gostava de morar nos Estados Unidos?
-- Foram dias alegres e despreocupados. Morava com o Sidney, compartilhamos acomodação e comida. Quando tínhamos um tempo livre, alugávamos um carro e viajávamos até as cidades vizinhas.
-- Isso me parece muito divertido -- Natasha apoiou a cabeça entre as mãos -- Podemos fazer uma viajem ao redor do mundo. O que você acha? Conhecer novas paisagens, novas pessoas, novos sorrisos, e principalmente de paz. Muita paz -- só depois de algum tempo foi que Natasha percebeu o tamanho da besteira que havia falado.
Carol sorriu inconsciente de como seus olhos brilharam diante da ideia da empresária.
-- Quem sabe!
-- Quem sabe! -- repetiu Natasha, sem a mesma empolgação de momentos atrás -- Vamos continuar o passeio?
-- Vamos -- com calma, Carol limpou os lábios com o guardanapo e o pousou ao lado do prato -- Não esqueça que eu quero conhecer a famosa cafeteria da Pedrita. O Sidney falou maravilhas daquele lugar.
Natasha levantou-se e estendeu-lhe uma mão para ajudá-la.
-- É o melhor café da ilha. Pode ter certeza. Vamos dar uma passadinha por lá e provar o melhor cappuccino do mundo.
-- E a moto?
-- Podemos deixar aonde está. Ninguém vai mexer. Quando terminarmos o nosso café, passaremos para pegá-la.
Carol queria que aquela tarde durasse para sempre. A sensação carinhosa de ser amada trouxe lágrimas aos olhos dela.
-- Então vamos!
O chalé de Talita parecia coisa de contos de fadas. O jardim florido cheio de rosas e margaridas, era romântico demais para ser verdade.
Elas saíram do carro e Carolina aspirou profundamente a fragrância deliciosa da natureza. Parecia mentira que aquele pesadelo havia acabado. Para uma pessoa de espírito livre, como ela, ficar presa em um quarto de hospital era torturante demais.
-- Vamos entrar? -- perguntou Talita, interrompendo os devaneios dela.
Carolina concordou passando o braço sobre o ombro da médica. Talita guiou-a para o caminho que ia até a porta. Caminharam em silêncio, um silêncio nervoso, ansioso.
-- Seu chalé é muito lindo.
-- Verdade. Natasha foi muito gentil em ceder ele para mim. Não me adaptei a vida no hotel, prefiro fazer minha própria comida, cuidar da minha roupa. Acho que nasci para a vida doméstica -- Talita apontou para a poltrona preta perto da janela e ajudou-a sentar-se, com as costas contra uma almofada.
-- Eu já morei em cada lugar maluco que nada mais me assusta -- disse sorrindo.
-- Você deve estar com fome. Vou preparar um lanche para nós -- ela colocou as muletas próximas à Carolina e foi para a cozinha, sem esperar resposta.
Pedrita saiu correndo da cozinha, o corpo cheinho balançando de um lado para o outro.
-- Natasha! -- ela exclamou, cumprimentando-a efusivamente. Ela tinha o mesmo sotaque encantador que Natasha. Pedrita abraçou-a, sem deixar de olhar para Carol -- Quem é essa moça linda? -- e, sem esperar pela resposta, abraçou Carol, também.
-- Eu sou Carolina. Muito prazer em conhecer você.
-- Carolina é a minha irmã, Pedrita. Ela veio provar o seu famoso café.
Pedrita olhou surpresa para Natasha.
-- Como pude me enganar tanto?
Carol olhou para Pedrita, sem entender o comentário.
-- Enganar-se com o que?
-- Deixa pra lá -- disse Pedrita, olhando para Natasha.
-- Deixar pra lá? Não é o que você costuma dizer -- Natasha riu, lembrando-se de que ela era a segunda pessoa mais enxerida do mundo. A primeira era a Elisa.
-- Acho que interpretei o meu sonho de forma errada -- ela declarou -- Mas, o que vão querer?
Natasha optou por um café cremoso, enquanto Carol, pediu um Afogatto de cappuccino.
-- Essa bebida é refrescante e deliciosa -- disse Pedrita -- Perfeita para os amantes de café. Usamos apenas três ingredientes: sorvete de creme ou baunilha, café forte passado na hora e cookies de chocolate.
-- Você sabia, Pedrita, que uma pesquisa revelou que café reduz o risco de suicídio. E é verdade, pois nunca vi ninguém se matar com um bule na mão.
Pedrita colocou uma mão no ombro de Natasha.
-- Muito engraçadinha -- disse Pedrita, com uma voz divertida -- Bem, fiquem à vontade. Não preciso nem dizer que a casa é sua. Não é mesmo?
-- Não, não precisa. Eu tenho a escritura do imóvel lá em casa.
-- Natasha! -- Carol chamou a sua atenção -- Que indelicadeza!
-- Não se preocupe, Carol. Quando conheci a Natasha ela ainda usava fraldas -- Pedrita virou-se e saiu de volta para cozinha.
-- Brincadeira sem graça -- Carol comentou, com acidez.
-- Não era brincadeira -- retrucou Natasha -- Era brincadeira -- ela disse sorrindo.
Carol ficou olhando séria para ela. Quando sorria, Natasha era a coisa mais linda que ela havia visto em toda a sua vida. Aquelas covinhas eram muito fofas e causavam contrações dentro dela.
Carol sentia que naquele momento elas pareciam compartilhar algo muito especial. Tal sensação era tão forte que a chocou um pouco. Estar tão envolvida com uma mulher, especialmente a vítima de seu golpe, não era algo em que se imaginava, e tinha dificuldade em aceitar.
-- Pedrita também é açoriana? -- Carol perguntou.
-- Sim. Pedrita veio para a ilha com seis anos. Ela trabalhou no restaurante do hotel até ano passado, mas teve que assumir a cafeteria depois da morte do pai.
-- Hum -- Carol fez um biquinho -- O que ela quis dizer com ter interpretado o sonho de forma errada?
-- Ah! Não liga para isso. Ela e a Elisa são bruxas e...
Pedrita colocou uma mão sobre a boca de Natasha e fez com que ela se calasse.
-- Não somos bruxas, somos médiuns. E você deveria respeitar a nossa doutrina -- ela balançou a cabeça -- Será que tenho de lembrá-la toda vez que vem aqui?
Os olhos verdes de Natasha brilhavam divertidos.
-- Como posso respeitar? Vocês duas falam cada coisa absurda -- Natasha olhou para Carol e sorriu -- Acredita que elas esperam há anos pela reencarnação do meu pai?
Carol olhou rapidamente para Pedrita. Com uma expressão que era um misto de surpresa e incredulidade.
-- Eu e a Elisa temos o mesmo sonho premonitório há muito tempo.
-- Muito obrigada -- Carol agradeceu, quando ela colocou os pedidos sobre a mesa e sentou-se ao seu lado com uma xícara de café fumegante -- Como é o sonho?
-- Não me diga que também acredita nisso? -- Natasha perguntou, irritada.
-- Estou curiosa. Deixa ela contar -- Carol retrucou.
-- O pai de vocês vem, em espírito, até o meu quarto acompanhado de outro espírito, uma mulher. Ele senta-se ao meu lado e, de mãos dadas, me convida para ir com ele até o lugar onde ele deverá reencarnar. É sempre três horas da manhã do dia 28 de novembro de 2018.
-- Quanta besteira! -- Natasha se levantou -- Vamos embora.
-- Espera Natasha -- pediu, Carol -- Conta mais, Pedrita.
-- Ah, então vai ficar sozinha, porque eu já vou indo -- Natasha saiu de cara feia.
Pedrita sorriu.
-- Ela não quer ouvir o sonho. Sempre que começo, ela sai correndo.
-- Eu entendo ela. É tudo muito louco, surreal, mas, mesmo assim, quero ouvir. Adoro histórias de fantasmas.
Pedrita revirou os olhos.
-- Não é história de fantasmas. São espíritos de luz -- Pedrita tomou o resto do café e se levantou -- Se quiser que eu conte o sonho completo, volte amanhã -- a moça segurou a mão de Carol e estremeceu. Sentiu-se tonta e nauseada. Algo não estava certo.
-- Eu venho. Pode ter certeza -- Carol se levantou sorrindo e saiu apressada.
-- Ei, Carol - Pedrita a chamou.
A ruiva se virou.
-- Mas, venha sem a Natasha. Ela é muito ranzinza e cética.
-- Pode deixar.
Eram quase quatro horas quando elas deixaram o café e chegaram até a moto. O sol não estava muito forte, mas a pele sensível da ruiva já começava a ficar rosada.
-- Um homem andava de moto na estrada quando caiu da moto e saiu arrastado por ela. Qual o nome do filme?
-- Não sei, Tasha.
-- O encurralado -- Natasha subiu na moto e estendeu a mão para ela.
-- Sem graça.
Carol subiu na moto com cuidado, se colocou atrás dela e abraçou-a pela cintura.
Natasha ligou o motor e arrancou em alta velocidade pela avenida.
Enquanto Carolina assistia a um filme na sala, Talita tirou a mesa, lavou e secou a louça, guardando-as nos armários. Pegou o frasco de requeijão e virou-se para guardar na geladeira. Com o movimento engatou o pé no tapete e se desequilibrou.
Recuou, sem saber que Carolina estava atrás, e só quando pisou no pé dela percebeu que era a perna machucada.
Carolina recuou um passo, fazendo com que Talita perdesse de vez o equilíbrio. Quando a médica viu que ia cair, tentou evitar, agarrando-se no pescoço da jovem. Talita desabou em cima de Carolina e as duas caíram no chão.
-- Que droga! -- murmurou Talita, apoiando-se nas mãos e olhando assustada para Carolina -- Você está bem? Eu a machuquei?
-- Desculpa. Não consegui segurá-la, minha perna fraquejou.
-- Sua perna. Meu Deus! -- Talita desesperou-se -- Sinto muito. A culpa foi minha. Você deve estar sentindo muita dor. Droga, como sou desastrada.
-- Estou sentindo uma dor enorme -- concordou, sorrindo.
A proximidade dela perturbava Carolina. A garota não fez o menor movimento para se levantar, e a sua perna aprisionava a perna de Talita, impedindo-a de erguer-se.
-- Mas não é a perna que está doendo -- Carolina se inclinou, olhando a médica diretamente aos olhos.
-- Não?
-- Não -- Carolina segurou-lhe o rosto e beijou-a.
Talita não correspondeu, então Carolina se afastou.
-- Frígida!
-- O que? Repete se tem coragem.
-- Frigida!
Quando Talita abriu a boca para dizer um palavrão, Carolina a beijou novamente. Ela viu suas forças enfraquecerem. Estava excitada. Ninguém, jamais a beijara daquele jeito! Seu corpo inteiro pedia mais e estava quase a ponto de ceder ao desejo, quando campainha tocou, assustando as duas. Talita se levantou rapidamente.
-- Empata foda do inferno -- Carolina praguejou, irritada -- Tem gente que consegue ser mais chata que dobrar lençol com elástico.
-- Você está bem? -- Talita perguntou, preocupada.
-- Bem? Como posso estar bem? -- disse ela, irritada.
A campainha voltou a tocar.
-- Vamos, abra logo essa porta, antes que a criatura estoure a campainha.
-- Eu vou, mas não pense que o que você fez, vai ficar impune -- Talita fez cara feia e saiu atender a porta.
Carolina sentou na cadeira e ajeitou o cabelo.
-- Não pense que acabou, doutora -- resmungou baixinho -- Você não me conhece. Sou chata, insistente, irritante e... tarada.
Fim do capítulo
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brunafinzicontini
Em: 29/05/2018
Olá, Vandinha!
A história - cada vez melhor! Meu Deus, será que Andreia está grávida de um bebê que será a reencarnação do pai de Natasha? Mas como se explicaria isso? Andreia ficou grávida antes de elaboração do plano de aproximação à Natasha. Os espíritos são capazes de antever fatos dessa maneira? Ai, que arrepio!
Já lhe disse que me divirto muito com suas histórias e suas personagens, não é? A ideia de colocar todos aqueles animais na ilha e mandar a "quadrilha" para lá... rsrsrsrs... Só Natasha, mesmo! Mas vejamos como se encaixa essa história com o plano de fazer com que Andreia se apaixone por ela...
Acho interessante como você, em meio a brincadeiras, consegue introduzir conceitos sérios que nos fazem refletir... "Perdoar não é ter amnésia, Tasha. Muito menos fingir que nada aconteceu. É deixar o tempo passar, e os sentimentos ruins cederem espaço à razão." Gostei. É o que penso. Alguém já tentou me convencer de que eu precisaria esquecer as maldades que sofri de uma pessoa, senão eu não estaria perdoando de verdade. Afirmei que havia perdoado, sim, mas não conseguiria esquecer. Aquilo ficou na lembrança - mas continuei meu caminho, sem amargura, sem sede de vingança, sem ódio ou raiva.
Outra afirmação interessante: "Pessoas falsas são como produtos piratas. Te atraem pela facilidade, mas logo te decepcionam pela qualidade". Isso é bem "a cara de Natasha".
A verdadeira Carolina "promete"! Deixou-nos ansiosas pelos próximos episódios com Talita...
Um grande abraço,
Bruna
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