Capítulo único
-- Eu dirijo! -- Natália tomou-lhe as chaves se aproveitando de seu momento de distração.
-- Me dá essas chaves! Agora! -- Moana apertou-lhe o braço, antes que ela conseguisse guardar o objeto no bolso.
-- Tá me machucando. -- Um olhar impenetrável fixava a mão que estrangulava sua pele com força.
Era a primeira vez que a agressão fazia parte das discussões homéricas. Moana sabia que tinha atravessado um limite proibido, ainda mais pelo histórico da outra. Foi afrouxando o toque até soltá-la de vez e o que viu em seu rosto provocou dentro de si uma dor nunca antes sentida.
-- Desculpa, eu...
-- Toma! -- Natália jogou as chaves para ela com brusquidão. -- Quer dirigir? Vai fundo. Eu fico em casa. Tô sem saco pra morrer hoje! -- Ia saindo para o quarto, mas deu meia volta. -- Se a blitz te pegar, não liga pra mim não tá? Liga pra puta que te pariu, mas pra mim não!!!
Moana sabia que ela estava certa, mas era sempre assim quando bebia. Não custava deixar a outra dirigir, mas o álcool a deixava, irritantemente, teimosa. Queria voltar atrás, pedir desculpas, no entanto não estava pensando com sensatez. Que se dane! Sempre dirigiu alcoolizada e nunca tinha tido problemas. Não podia deixar de ir à festa da Marcinha. Carlos Toledo, o rei da editoração, estava lá esperando por ela. Era sua grande chance de publicar seu primeiro livro. Natália podia esperar. Compraria um enorme buquê de flores e uma joia bem bonita no dia seguinte, fariam amor e tudo ficaria bem como sempre ficou. O que Moana não sabia, ou sabia e não estava ligando, é que tinha magoado a esposa no que mais lhe doía: violência.
Já dentro do carro, ela pensou no trauma que Natália tinha. O ex-marido era viciado em drogas e ela era vítima de abusos tanto físicos quanto psicológicos. Na primeira conversa séria antes de firmarem compromisso, ela fez Moana prometer que jamais, em nenhuma hipótese, fizesse com que ela passasse por isso de novo. Recostou a cabeça no volante e suspirou. Ligou o rádio... “Às vezes te odeio por quase um segundo depois te amo mais...” Era a música delas. O pendrive já ficava engatilhado.
Foi essa música que tocou quando entrou no bar aquela noite em que a viu pela primeira vez. Ela ainda estava com o filho da puta. Eles discutiam ferozmente, a ponto de saírem na pancada. Não era da conta dela, mas quando aqueles olhos firmaram-se nos seus em um pedido de socorro intenso, esqueceu-se até de que estava só e poderia muito bem se meter em uma enrascada. E foi quando viu o murro bem dado arrancar sangue da boca da mulher que ela se perdeu de si e atacou o homem com uma coragem que não tinha. Resultado: delegacia. Foram processos, desentendimentos, medo, paixão e... Amor. Um sorriso lhe veio um pouco incômodo. Passaria por tudo de novo, quantas vezes fossem possíveis. Sem perder mais tempo, ligou o motor do carro.
A pista estava molhada. Não se lembrava de estar chovendo quando saiu de casa. A música se repetia e não cansava. Achava que o caminho estava mais longo que o de costume, mas continuou acelerando, enquanto pensava em quantas frases de amor diria a sua baixinha querida, em quantos toques daria naquele corpo que era tão seu. Ouviu o celular tocar. Tentava prestar atenção na estrada, pois a chuva se intensificara. Era a Marcinha. Atendeu e foi o tempo suficiente para que não conseguisse desviar de um animal que atravessava a pista.
Silêncio... Não. “Quais são as cores e as coisas pra te prender? Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu te liguei...” Cazuza ainda cantava.
-- Moana! Moana!
As pancadas no vidro da janela a despertaram imediatamente. Saiu do carro, alvoroçada e agarrou-se naquele ser tão amado. Havia adormecido ali dentro do carro, ainda na garagem. Chorando, entre pedidos de desculpas, carinhos e declarações apaixonadas rogou-lhe sincera: você dirige, amor?
Fim do capítulo
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NinaSM07
Em: 21/05/2018
Uau! Quero dizer...uau! O que posso dizer além de uau?! Ficou maravilhoso! Engraçado, tenso, explicativo, apaixonante, angustiante, triste e por fim veio a calmaria que se espera depois da tempestade.
Amei. Não só a escrita como os nomes, são fofos, rs
Parabéns.
Resposta do autor:
Uau digo eu, agora! rsrsrs! Quando vi a foto pensei: fudeu! Mas aí baixou um querubim e me deu a inspiração. Obrigada pelo comentário e até o próximo!
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Dalila Borba
Em: 20/05/2018
Deu uma angustiazinha... depois um alívio bom =)
Resposta do autor:
Morder e assoprar (só nesse caso) é válido! Obrigada e boa sorte.
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RosanePatell
Em: 20/05/2018
Muito bom... como se diz: ''saiu pela tangente né, guria arisca!!!''
Resposta do autor:
Hahahaha! Não sou o Leão da Montanha, mas dou minhas cassetadas. Obrigada, senhorita. A´te o próximo e boa sorte.
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Sem cadastro
Em: 19/05/2018
Olá!
Ótimo conto!
Final ficou bacana, que bom que foi só um sonho!
Beijo
Resposta do autor:
Muito grata poe sua leiruta. Boa sorte.
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Silvia Moura
Em: 19/05/2018
Uau...bom demais, amei, parabéns autora, abraços...
Resposta do autor:
Que bom que gostou. Obrigada.
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Cristiane Schwinden
Em: 19/05/2018
Ahhhh como amei esse final espertinho!! Sensacional seu conto!
Resposta do autor:
Muito obrigada, dona chefa, por nos dar esse presente que é o desafio. Tirei o urubu do ombro e fiz uma história bonitinha. Boa sorte.
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