Capítulo 10
Clara
Acordei com alguém se remexendo na minha cama, me virei sonolenta e me deparei com Pietra vestindo a calcinha, observei que o céu começava a clarear pela janela do quarto, ela terminou de colocar o sutiã e percebe que eu a observo. Abre um sorriso de rasgar bochechas e se ajoelha na cama, inclinou-se para me beijar, mas desviei:
- o que...?
Ela pergunta confusa, eu a encaro sorrindo e respondo:
- e meio nojento trocarmos salivas assim que acordamos, não quero que fuja com meu bafo matinal.
Ela riu alto e se afastou, me incorporei na cabeceira da cama e pudicamente cobrir meus seios, enquanto ela colocava o vestido, diz brincando:
- não me importo, mas já que você tem nojinho.
- nojinho não amor, autopreservação. Quero que continue desejando me beijar.
Ela me olhou carinhosa com o vocativo, se joga na cama me derrubando deitada e me beija, sinceramente nem me importei. Quando nossos corpos começaram a cobrar mais, ela se afasta, sem sair de cima de mim, alisa meus cabelos e confere:
- você está bem? Ta dolorida?
- estou perfeitamente ótima amor.- reparei na irritação de seus olhos - Nossas seus olhos estão vermelhos!
Eu digo um pouco assustada, ela coça o direito e fala :
- dormi com minhas lentes, você me fez esquecer de tudo.
Dei risada e ela me deu um selinho e disse carinhosa:
- você me deu um privilégio enorme Clara, me sinto honrada de ter sido a primeira.
- não escolheria mais ninguém.
Ela desvia os olhos, parecia perturbada, puxei pelo seu queixo e arqueei uma sobrancelha, ela dá um pequeno sorriso e alisa a minha sobrancelha:
- adoro quando faz isso.
- nem te conto o sufoco para aprender, mas está fugindo a minha pergunta.
- você não perguntou nada.
Ela tentou novamente desviar do assunto, mas me levantei e ficamos as duas sentadas nos encarando, ela solta o fôlego e diz o que a estava incomodando:
- agora que nos amamos, sinto raiva de mim por não ter te esperado.
Por mais que aquilo causasse ciúmes, não podia culpa-la, ela estava só em um lugar distante, talvez se fosse comigo teria feito as mesmas escolhas. Eu entrelacei nossos dedos e disse:
- não fique assim Pe, não tem importância isso.
Ela sorri, mas ainda fica uma ruguinha entre suas sobrancelhas, encostei minha testa na dela e falo diretamente fitando seus olhos:
- não me interessa quem esteve antes na sua vida Pietra, o que me importa e o que temos agora e daqui para frente.
Ela me beija de novo, queria muito conversar com ela sobre o nosso futuro, mas ela se levanta e diz que precisava ir. E também meu pai já estava chegando. Me despedi dela na porta de casa, claro que pelo lado de dentro. Ao sair ela olhou para os dois lados da rua e começa a desce-la, queria mais que tudo que esse receio acabasse, se ela aceitasse a vir comigo , seriamos livres finalmente. Eu foi com essa esperança que voltei para cama.
Mas ao me deparar os lençóis revoltos ,minha cara ardeu de vergonha por tudo que fizemos naquela noite, em como fui tão audaciosa e o resto do meu corpo ardeu de desejo lembrando exatamente quando Pietra me penetrou e me levou a lua, o incomodo mais que valeu a pena, e não via a hora de experimentar novamente.
Quando meu pai chegou, estava de banho tomado e comia o resto do bolo da festa. Ele me deseja bom dia e senta na cadeira a minha frente com um café. Seus olhos me estudam atentamente, por instante fiquei me perguntando se estava escrito na minha testa tudo o que fizéramos, mas ao invés disso, abre um sorriso cansado e fala:
- então quais os planos agora?
Respirei aliviada, eu iria contar tudo a ele, meu pai é a pessoa que mais confio na vida e tinha um pressentimento que ele me entenderia e aceitaria, mas queria fazer longe daquela cidade. Queria ser livre completamente.
- fazer o vestibular e passando ou não, me mudou o mais rápido daqui. Já até pedi demissão da loja.
Ele batuca os dedos na mesa, toma um gole de café e finalmente diz resoluto:
- certo, então apenas mais uma semana.
- sério?
- sim, vou pedir a contas...
- pai vai perder dinheiro.
- não importa filha, tenho bastante para gente alugar uma casa na capital e logo estou empregado de novo. Afinal tenho profissão.
Eu pulo da minha cadeira e me jogo em seu colo, o abraço forte e minhas lágrimas molham seu pescoço. Não consigo acreditar que só tinha mais uma semana no inferno. E esperava que meu anjo viesse junto.
Pietra
Acordei com alguém batendo na porta do meu quarto, a cabeça da minha mãe aparece primeiro e depois se aproxima devagarinho e deita de conchinha. Beija meus cabelos e diz baixinho:
- chegou tarde ontem hein. A festa devia estar ótima.
- humm...
Apenas assinto com a cabeça e os olhos fechados ainda, na verdade a festa estava uma bosta, mas minha festa com Clara foi inesquecível. Mais uma vez desejo contar tudo para minha mãe. Mas ela também sabia sobre a história de Carol e ainda assim não falou nada, me sinto insegura.
- seu pai chegou e quer conversar com você.
Sinto um solavanco no estomago e toda felicidade que estava sentindo se esvai, abro os olhos e miro minha mãe:
- você vai ficar comigo?
Ela me olha surpresa e diz hesitante:
- tenho um voo para pegar, já até chamei um taxi...mas eu fico se você quiser.
Eu quero, mas minha mãe não iria decidir nada, ele iria e cabia a mim aceitar ou não. Então apenas falo:
- não precisa mãe.
- tem certeza?
- sim.
Ela beija minha bochecha e se levanta , me incorporo na cama coçando os olhos que ainda estavam irritados por conta das lentes. Então reparo que minha mãe ainda está em pé no meio do meu quarto, anormalmente séria:
- Pietra se o que seu pai pedir você não quiser, esteja certa que tem um lugar comigo filha. Sei que ficaria ausente, mas minha casa é sua, você é praticamente uma mulher. Poderia ir até viajar comigo, lembra quando era mais nova?
- claro mãe.
- ou ficar na capital e estudar o que der vontade. Você não é obrigada a fazer nada do que nós dois queremos filha, a vida e sua para vive-la como lhe aprouver.
Sinto que nas suas últimas palavras tem mais que uma escolha de profissão, abro a boca para contestar algo, mas apenas aquiesço com a cabeça sem coragem. Ela me olha mais um tempo e depois sai do quarto.
Eu me afundo na cama novamente e minha mente enfrenta uma batalha feroz contra o meu coração.
De um lado está a menina que foi criada para ser a sucessora de seu Flavio, a menina que faz de tudo para seu pai aceita-la, a menina que deve obediência. E por mais que minha mãe fosse presente, foi ele que me criou.
Do outro está a mulher que começou a se formar, a que pensa com todo cuidado na proposta da mãe, seria tão mais fácil e tinha o fator mais importante para meu coração. Clara.
E no final de tudo, tenho o medo. De escolher o coração e seu Flavio perseguir o amor da minha vida.
Me levanto tonta e vou tomar banho, ainda tenho que escutar o que ele queria, para tomar a decisão final. Me despeço da minha mãe no portão de casa, respiro fundo e entro no escritório para escutar minha sentença.
Ele pede que me sente e me avalia por um longo tempo atrás da sua imponente mesa, depois diz resoluto:
- você parte em um mês para os Estados unidos.
- o que?
Meu coração dispara, nunca imaginei que sairia do país novamente, esse era meu maior medo.
- isso mesmo Pietra, não vai entrar em uma universidade da Yve League- ele fala isso decepcionado - mas tenho muitos contatos, existem muitas faculdade com ótimos cursos de administração. Vai ser ótimo e ainda pode fazer línguas, mandarim é a minha recomendação. Vai precisar quando assumir a empresa.
Eu olhava para minhas mãos retorcendo no meu colo, meu corpo estava gelado e sentia o ar entrar nos meus pulmões como se estivesse sólido. Meus olhos ardiam do choro contido. Ainda encarando meu colo tentei fazer minha voz soar forte quando disse:
- a mamãe me chamou para morar com ela.
- está fora de cogitação.
- por favor pai, não quero sair do Brasil.
- porque?
Seu tom tinha uma nota suspeita, fiz todo o esforço do mundo para tentar parecer calma quando o encarei:
- porque gosto daqui, foi bem difícil quando fui embora daquela vez. E existem ótimas faculdades na capital - e uma ideia brilhante surgiu naquele momento - e também quem sabe posso fazer um estágio na empresa enquanto estudo.
Ele me analisou por um longo tempo, seus olhos tão azuis como os meus, mas os dele emanavam frieza. Ele balançou a cabeça negativamente:
- não, quero que apenas se concentre nos estudos, logo terá tempo para conhecer o funcionamento de tudo.
- pai por favor...
- chega Pietra, sabe quantas pessoas daria o braço direito para ter essa chance, chega de choramingar como uma menininha. Você agora é uma mulher, aja como tal.
Então uma fúria fria cobriu meu ser, eu era mesmo uma mulher e poderia fazer o que quisesse, ele deve ter visto a rebeldia na minha expressão porque antes que abrisse a boca, ele encostou-se na cadeira e me olhou como nunca antes, era uma mistura de asco e horror, com raiva contida:
- antes que diga qualquer coisa, sei da sua amizade com aquela menina.
Todo o sangue esvaiu do meu rosto, a batalha em mim morreu antes mesmo de nascer e meu maior medo começou a tomar forma ,ele continuou implacável:
- só espero Pietra que sua amizade com ela não tenha sido do mesmo tipo que teve com aquela perdida do internato, porque estou disposto a deixa-la seguir com a vida se você aceitar o que lhe peço, mas não hesitarei em destruí-la como a mãe, se por acaso esteja ... encantada por ela.
Ele disse a última palavra um pouco hesitante e com profundo nojo. Eu engoli em seco, e minha decisão foi tomada.
- só fomos amigas, desde que éramos mais nova- e com coração sangrando - tudo bem.
- ótimo.
E com isso me levantei sabia que tinha sido dispensada, mas antes de atravessar a porta ele me faz parar com o que diz:
- Pietra, não quero mais saber desses tipos de amizade -sabia que ele falava de Carol - é uma anormalidade que não vou aceitar e terá consequências se prosseguir nesse caminho.
Não queria nem pensar quais seriam as consequências, assenti como a boa menina que era e sai do escritório. As lágrimas escorreram assim entrei no quarto e percebi que nunca tive nenhuma chance. Meu destino já estava traçado assim que dei o primeiro choro depois que nasci. E para piorar ainda arrastei a pessoa que mais amava para minha vida miserável.
Clara
Eu ouvia Nirvana enquanto preparava o almoço, meu pai havia tirado um cochilo rápido e depois foi para rodoviária perguntar sobre os preços da passagens. Estava perdida em pensamentos pois precisava falar com Ana que nossos planos iriam mudar, já que não viajaríamos mais juntas e claro dar um jeito de falar com Pietra, para combinarmos o melhor jeito para partimos, quando um toque na porta me tirou do meu estado contemplativo. Sequei as mãos na camiseta e deixei os tomates pela metade cortado, abaixei o fogo do arroz. Abri a porta esperando Ana, mas tomei um susto de morte ao me deparar com Pietra e não porque ela estava em plena luz do dia batendo em minha porta, mas pelo seu estado, seus olhos estavam inchados de choro e mais lágrimas caiam , seu queixo tremiam tanto que temi que a mandíbula dela fosse se deslocar. Eu a puxei para dentro e abracei começando a ficar a desesperada.
- o que houve?
Mas ela apenas me apertou forte que chegou a estalar meus ossos , falei meio sem ar:
- amor você está me esmagando.
Ela me solta , mas não se mexe então a puxa para cozinha, a sento na cadeira e pego um copo d'água entregando a ela, mas Pietra tremia tanto que tive medo do copo cair , o deposito na mesa.
Ela ainda não conseguia falar nada e eu estava esperando uma tragédia, será que tinha acontecido algo com os pais dela? Ela me puxa pela camiseta e me arrasta para o meio de suas pernas, abraça minha cintura e chora mais. Senti suas lágrimas molharem o tecido e percebo que ela precisava se acalmar para me falar o que acontecera. Começo a afagar sua cabeça esperando ela ficar pronta.
Depois de algum tempo finalmente o choro condoído dela para, aproveito para pegar pedaços de papel toalha e entrega-los, puxo uma cadeira, sento a sua frente e seguro uma das suas mãos enquanto sua outra mão limpa a bagunça do rosto. Pietra não me encara e comecei a ter um pressentimento ruim sobre aquilo.
Ela havia parado de chorar ainda que algumas lágrimas ainda escorressem pelo seu rosto.
- o que aconteceu amor?
Ela abaixa a cabeça e fala com a voz embargada:
- vou embora.
Senti o choque de suas palavras, sabia o que aquilo significava, mas ainda não consegui entender. Soltei sua mão que caiu mole no seu colo e meu corpo caiu para trás na cadeira, com a voz tremida pergunto:
- vai embora para onde?
Ela funga e mais uma onda de lágrimas surgem, ela respondeu tão baixo que se não estivéssemos perto não escutaria:
- Estados Unidos.
Dessa vez meu coração começou a retumbar no peito e foi minha vez de ter lágrimas correndo pelo rosto. O que porr* estava acontecendo? De repente fiquei com raiva porque ela não me olhava:
- olha para mim Pietra.
Ela hesita, mas atende o meu pedido:
- agora me conta essa história direito.
Ela se inclinou e começou a secar minhas lágrimas, fechei os olhos e disse tomada de tristeza:
- conta logo.
- meu pai quer que eu vá estudar fora.
Abri abruptamente meus olhos e me afastei do seu toque, e falei com raiva:
- e até quando seu pai vai mandar em você caralh*, já é de maior.
Pietra se levantou e começou a andar enlouquecida pela cozinha, falando rápido e com raiva também:
- você nunca entendeu, tenho responsabilidades, não posso simplesmente virar as costas para tudo.
Também levantei e parei na sua frente e a encarei com amargura:
- está me dizendo que prefere o dinheiro do seu pai a nós?
- não é isso.
Ela fala desesperada e tenta me segurar, mas eu me afasto e vejo a magoa nos seus olhos:
- entende amor...
- não me chame assim!
Eu grito, ela me encara assustada, mas eu estou mais. Me entreguei para ela ontem e não só meu corpo. Me entreguei inteira para Pietra e achava que ela também, claro que ao longo dos meses tive receio dela escolher outro caminho que não incluíria um nós, os sinais estavam ali o tempo todo, mas como uma idiota apaixonada, acreditei que ela me escolheria. Eu sabia que esperança era uma porr* perigosa e ainda assim aqui estou despedaçada por alguém que não vale a pena. Eu tinha que terminar com aquilo, não conseguiria ouvir dela:
- acabou tudo Pietra, vai embora.
- não!
Ela me enlaça pelo pescoço, tento me desvencilhar, ela me beija na boca. E por uns instantes cedo, porque aquele seria meu adeus a ela. Quando ela para, a empurro com excesso de força, ela cambaleia e me olha aturdida:
- achei que me escolheria, achei que me amasse acima de qualquer coisa, assim como eu te amo. Mas você escolhe ser a filhinha do papai e seu bolso cheio de dinheiro. Você é pior que todos eles, porque deles sempre soube o que esperar, mas você me enganou direitinho.
Seu choro voltou com tudo, mas minhas lágrimas secaram, acho que estou em choque, ela não tenta se aproximar novamente, mas fala aflita:
- te amo Clara, você é o amor da minha vida. Mas simplesmente não posso, preciso fazer isso, para o nosso bem.
- para o seu bem Pietra.
- ele pode te prejudicar se souber de nós, ele praticamente te ameaçou.
- não me importo, seu pai não é Deus, apesar de você achar o contrário, então acredite na desculpa que te fizer mais feliz, mas a verdade e que a escolha é sua, apenas sua. Eu estava disposta a enfrentar o mundo com você. Mas você é apenas uma covarde riquinha, como eles. Portanto quero que saia da porr* da minha vida.
Eu a empurrei novamente, ela ficou chocada, mas depois começou a se mexer em direção a porta e antes dela cruza-la, falo com todo rancor que trazia no peito, o que considerando como foi minha vida, era enorme, descontei nela:
- nunca mais me procure, se me ver na calçada atravessa a rua como eles, te desprezo e pode ter certeza que vou te esquecer o mais rápido possível.
Ela me olhou com tanta dor que quase me arrependi de ter falado aquilo, mas eu estava destroçada e queria feri-la. Ela saiu sem me falar mais nada.
Eu bati a porta com força e escorreguei por ela, abracei meus joelhos e chorei como nunca na minha vida, queria odiá-la, mas só o que sentia era a dor da rejeição.
Fim do capítulo
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Loui138
Em: 11/06/2018
Quanto drama na vida dessas duas kkkkkk
Essa história + trilha sonora apropriada = lágrimas
Outra coisa que gosto nesse conto é que me faz lembrar do começo dos anos 2000.
Resposta do autor:
Oi,
A trilha sonora e uma das minhas favoritas..nao nego..hahahaha
Realmente o começo da estoria e um apanhado dessa decada mesmo!
Fiquei feliz demais que vc gostou :)
Abrços!
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