Capítulo 7
Pietra
Fecho o livro porque 1984 de George Orwel não está conseguindo distrair meus pensamentos de Clara, me dou conta que já faz 3 meses que estamos namorando, não encontro palavra melhor. E mesmo esse sendo um dos momentos mais felizes e completos da minha vida, a preocupação onde tudo isso vai dar consome parte dessa alegria. Clara não fica tão neurótica como eu, é mais romântica, acredita que tudo vai dar certo. Mas a nossa formatura está chegando e isso me angustia.
Estou no jardim da minha casa, o tempo está frio, mas hoje amanheceu com um céu azul e poucas nuvens. Estou deitada na rede que fica no meio do verde, me balanço tentando espantar os pensamentos soturnos, não consigo meu intento, porque entremeado ao nossos ótimos momentos estão os momentos que não podíamos trocar uma palavra, onde tinha que continuar fingindo com meus amigos (eles haviam me perdoado pelo festival, não que precisasse), onde as vezes eu passava na loja e comprava calçados que não queria ou ficava lendo na galeria só para olha-la de longe. E tudo isso trazia à tona os problemas de namorarmos escondido de uma cidade inteira, de sermos duas meninas e de Clara ser ela.
E mesmo com tudo isso, eu a amo, sempre a amei.
Mas será que o amor supera tudo?
Antes de tentar achar uma resposta, ouço o barulho de carro, abro os olhos e vejo que meu pai está em casa, ele desce do automóvel e apenas me lança um olhar e entra na casa. Penso amargamente que preferiria comer só, mas hoje teríamos um jantar em família.
Quando desço para a sala de jantar , meu pai está sentado na cabeceira , ele me cumprimenta:
- boa noite Pietra.
- boa noite.
Sento na outra cabeceira, o mais longe possível dele, a nossa empregada começa a servir o jantar. Algum momentos de silêncio depois:
- como está a escola?
"Uma merd*, porque tenho que fingir o tempo todo."
- ótima papai, as matérias estão bem fáceis.
- humm.. presumo que suas notas estão ótimas.
"Menos matemática, se você me deixasse estudar com minha namorada, melhorariam."
- sim, apenas matemática tenho um pouco mais de dificuldade.
- essa matéria é muito importante, acha que precisa de um tutor?
"Só se for a Clara."
- não, vou me esforçar mais.
Voltamos ao silêncio novamente, até:
- tem falado com sua mãe?
- sim, ela ainda está no Afeganistão, mais só por mais alguns dias. Disse que a situação está ficando insustentável.
- sua mãe e esse espírito aventureiro!
"Quer dizer louco."
- pois é.
- o que vai fazer para sua formatura? Uma festa talvez?
Engulo de uma vez a carne e ela fica um pouco entalada na garganta, não imaginava que ele perguntaria sobre isso:
- Nada.
- Bom se mudar de ideia, tudo bem, só que não poderei comparecer, a empresa está passando por algumas mudanças.
"Grande novidade você não estar."
- tudo bem pai, entendo.
Clara
Acordo pegando fogo, mais uma vez havia sonhado com Pietra em uma situação em que roupas não eram necessárias, rolo na cama tentando afastar o sonho. E começo a decidir se resolvo solitariamente meu problema, mas meu pai bate na porta e com a voz séria pede:
- filha vem aqui por favor.
Estranho, meu pai nunca me chama cedo nos domingos ( exceto quando estou escalada para trabalhar), com a escola e o curso pré-vestibular, ele sabe que se eu puder dormir até o meio dia no domingo é uma benção. Todo minha libido e esvaziada de meu corpo, corro até o banheiro, faço minha higiene pessoal e vou encontrar meu pai sentado à mesa da nossa minúscula cozinha.
Noto o quanto ele parece envelhecido, seus cabelos ainda são vastos e negros, mas sua barba está grisalha e há mais rugas em seu rosto tão diferente do meu. Sirvo um café com leite para mim, pergunto se ele quer alguma coisa, mas diz não.
Sento na sua frente e beberico o café esperando o que ele quer falar, ele dá um grande suspiro, depois tira da parte de dentro da jaqueta o envelope e estende na minha frente. Quando vejo o remetente, meu corpo esfria e fico em estado de choque.
"Penitenciaria II - Santa Mercedes" e abaixo "Sonia Maria Carvalho."
- pensei muito se deveria te entregar, mas acho que você deve decidir se quer ou não ler a carta dela.
Ele arrasta o envelope até estar bem próximo de mim, levanta e me dá um beijo na testa, depois acrescenta:
- estarei no riacho pescando se quiser conversar.
Acho que assinto, mas não tenho certeza, meu cérebro havia saído do entorpecimento e trabalhava furiosamente. Essa é a primeira vez, em 17 anos que ela me escreve. Não pego o envelope, ele parece prestes a explodir, ao invés disso me lembro quando meu pai me explicou o porque éramos desprezados na cidade e porque não tinha uma mãe.
"Sonia havia se casado muito cedo, tinha um ano a mais do que eu, logo depois engravidou e ele disse que foram os melhores meses do casamento. Papai já havia começado a trabalhar na fábrica e Sonia tinha apenas terminado o colegial. Não tenho avós na cidade, meu pai perdeu os seus pais quando era criança, foi criado por uma tia que havia morrido pouco tempo depois que eu nasci, Sonia havia tido apenas a mãe, que fugira da cidade com um homem assim que ela se casara.
Depois que nasci, Sonia mudou, como se algo em seu cérebro tivesse dado curto, ela não cuidava de mim, papai chegava do trabalho e me encontrava suja e com fome , Sonia dormindo. Tentou a muito custo leva-la ao médico pois ele havia conversado com uma obstetra, que recomendou que Sonia fosse a uma consulta, porque pelos sintomas talvez sofresse de depressão pós parto. Ao invés disso, ela começou a sair, me deixava com uma vizinha e sumia o dia todo e depois de algum tempo a noite também.
Meu pai cobrava onde ela ia, mas nunca contou, até o fatídico dia. Ele disse que deveria ter se separado antes, mas que ainda a amava e aguardava sua Sonia voltar.
Ela nunca fez.
Tudo acontecera quando eu tinha sete meses, meu pai havia me pegado na vizinha depois de um longo dia de trabalho. Já havia me dado banho e comida e nós preparávamos para dormir. Foi quando a polícia bateu na porta, exigiam a presença do meu pai na delegacia. Ele temeu pelo pior, Sonia morta. Mais uma vez ele me deixou na vizinha e correu para a delegacia, mas o que encontrou lá, foi mais chocante do que a morte da esposa. Ela estava coberta de sangue e ele percebeu que estava drogada. Sonia gritava ensandecida que era inocente.
Então o delgado contou a história que mudaria nossas vidas.
Minha mãe há meses saia com o filho do prefeito daquele época, os dois tinham um caso e se drogavam em uma casa que o rapaz havia alugado. Disseram que minha mãe era traficante, mas meu pai não acreditava nessa história, ela não tinha como conseguir entorpecentes, só poderia vir do amante.
Eles discutiam e Sonia havia atirado a sangue frio no rapaz o matando instantaneamente e acabado com uma boa família de Céu azul, já que o ele deixava esposa grávida. O prefeito ficou enlouquecido, pois o rapaz era seu único filho. Espalhou para todos, que Sonia havia seduzido seu herdeiro, o aliciado para drogas e não contente o havia assassinado.
Sonia não teve chance, fora condenada com a maior pena e mesmo que alguns anos depois pedira um recurso para sair mais cedo por bom comportamento, fora negado, o prefeito tinha muitos amigos influentes. Foi encarcerada apenas com 20 anos de idade."
A cidade nunca a perdoou, eu nunca a perdoei, meu pai eu não sei. E por isso que meu inferno é aqui, pago pelos pecados de minha mãe, estudo na escola do filho do amante dela, que sempre que pode me persegue, seu nome, Rogério!
E agora essa carta. O que essa mulher quer comigo?!
Salto da cadeira e começo me afastar, mas depois resolvo colocar a carta no bolso da minha calça, saio e começo a andar a esmo. Mas quando percebo estou na frente da casa dela, a única pessoa que quero ver, a única pessoa que preciso naquele momento e não posso ter.
Fim do capítulo
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