Capítulo único
“Sem querer, te perdi tentando te encontrar
Por te amar demais sofri, amor
Me senti traído e traidor
Fui cruel sem saber que entre o bem e o mal
Deus criou um laço forte, um nó
E quem viverá um lado só?
A paixão veio assim afluente sem fim
Rio que não deságua
Aprendi com a dor nada mais é o amor
Que o encontro das águas
Esse amor
Hoje vai pra nunca mais voltar
Como faz o velho pescador
Quando sabe que é a vez do mar
Qual de nós
Foi buscar o que já viu partir
Quis gritar, mas segurou a voz,
Quis chorar, mas conseguiu sorrir?
Quem eu sou
Pra querer
Entender
O amor.” - Jorge Vercilo
https://www.youtube.com/watch?v=1LYIk9ydkwM
O coração ribombou ao alarde do primeiro trovão. Engraçado que, agora, ele tinha uma reação diferente das de outrora. Piscou, e no intervalo deste piscar, ao fechar os olhos, permitiu-se levar para um tempo que não iria voltar, mas logo retornou ao vazio tão comum naquele dia. Recolheu os papéis em cima da mesa com uma pressa disfarçada de angústia. Aquele escritório lhe era algoz e redentor, pois sufocava e era pretexto para não pensar. O silêncio dos seus tênis, que logo alcançaram a saída, descombinava com a orquestração das gotas de chuva no telhado e estampidos surdos, contudo poderosos. Logo seu rosto levou a primeira sova de frio e umidade. Lembrou nitidamente da primeira reação ao saber da chuva. Olhos de menina em seus sete, oito anos, fugida de casa para brincar com os amigos de navio pirata. Coração alvoroçado pela iminência do prazer e... Camila! Éramos umas cinco crianças que se atreviam a desobedecer a mães, pais, tios, irmãos. Cada qual com seu tutor legal, menos... Camila.
O clarão do raio apressou-lhe para a rua e, mesmo com o guarda-chuva armado, molhar-se foi inevitável por conta do vento forte trazendo os pingos grossos em suas costas que não tiveram chance de se proteger. Camila não tinha ninguém... Mentira! Camila lhe tinha, e tinha seus barcos de papel que desciam as correntezas dos meios fios junto com sandálias e lixo. Éramos capitãs e, ao mesmo tempo, imediatas de nossas fragatas; e os dias de chuva eram o que nos unia. Uma rajada de vento escrota e mais um objeto se transformava em hastes retorcidas voando longe de seu alcance. Camila era do mundo e era sua... Amiga... Cúmplice... Amor! Sim! O único amor que tinha... Que teve. Um carro passou a toda, encharcando-a de vez, e sua pasta, lotada de papéis, caiu em cima da poça formada sob seus pés. Foi por caridade e enorme coração de sua mãe, que Camila passou a partilhar a casa consigo. Não era mais a menina do mundo, era a sua menina... A que sempre lhe pertencera.
Toda ela já era água suja e do céu, fazendo-a recordar da segunda reação que a chuva trouxera-lhe. Não havia mais batimentos desenfreados, já não tinha suas fragatas navegando pelos batentes. Sua capitã e imediata, já se preocupava em molhar o vestido, em desmanchar o cabelo, em pegar uma gripe e levava-lhe junto. Nunca mais uma chuva teve o mesmo significado, mesmo depois que se tornaram amantes, e depois esposas. Tudo o que faziam juntas nunca mais teve o mesmo gosto de quando tomavam aqueles banhos de chuva juntas.
Quando percebeu, soltava os barquinhos pelo córrego que se formava. E lá se iam ofícios, memorandos, contratos. Camila disse-lhe adeus em um dia de chuva quando tiveram uma briga feia por conta da vizinha. O mal estar foi tanto que não conseguiram nem se olhar mais. Impulsivas saíram de casa. Cada uma para um lado, sem se despedirem. Nem uma palavra. Nada.
A intensidade das gotas só aumentava e, junto, seu coração voltava no tempo e extasiava-se em um frenesi descontrolado. Soltou seu tênis all star negro, sua última caravela naquelas águas. Observando-o ir até que, como em um destino mais que selado, ele encontrou o scarpin de grife, aquele que foi presente de casamento.
Fim do capítulo
Apesar da canção inspiradora ser de Jorge Vercilo, foi escutando Joycw Moreno e seu álbum "Revendo amigos" a trilha que me fez desenvolver a trama. Um abraço a todas que perderem seu precioso tempo para prestigiar tanto esse como o outro texto do desafio.
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rhina
Em: 25/03/2019
Sabe Autora
Seus contos. ....suas historias. ...me deixa uma sensação que tu estais sempre a correr. ....sabe o que quer mais não sabe onde está. ....então olha em volta quem sabe sobre a cama....em uma gaveta da escrivaninha. ....no chão. ....entre os sofás. ....ah! Enfim uma página ....como não sabe quando vai encontrar as demais....vai publicando a medida que as tem.....fragmentada....sem começo. ...myito menos fim.....pois este não faz a mínima idéia de onde possa estar.
Rhina
Resposta do autor:
Eita! É bem assim mesmo! rsrsrsrsrs!! Demoro muito para escrever algo completo. Gosto de escrever "curtas metragens"!! Tenho muitas ideias, mas sou procrastinadora demais... Estou escrevendo um romance desde o ano passado e tenho medo de publicar o que já escrevi antes de finalizar. Tenho que me educar primeiro e cumprir com compromissos antes de finalizar o que começo. Obrigada pela percep~ção, Rhina. Um abraço e boa noite.
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RosanePatell
Em: 15/05/2018
Jamais será perda de tempo parar e ler um texto tão bom!!
Aliás, de maneira nenhuma se perde tempo lendo todos os textos que são postados aqui; tanto os seus como de todas as autoras deste site.
Resposta do autor:
Perdão pela colocação equivocada. Obrigada pelo comentário e até o próximo.
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