Beatriz perdeu a noção do tempo que ficou chorando, quando finalmente se acalmou, deixou a sala e seguiu para o quarto a procura de Carine, porém, nada dela, suspeitou que a morena estivesse no quarto da sua filha e achou melhor não incomodar.

Naquela noite, teve como companhia a insônia, não conseguiu dormir, passou a noite inteira em claro, ficou por longas horas deitada em posição fetal, com um turbilhão de pensamentos consumindo e afligindo o seu íntimo.

O medo de ser abandonada por Carine estava tirando a sua paz.

Como num filme, começou a revisitar todos os acontecimentos entre elas. Inicialmente, lembrou-se do dia que se conheceram, num final de tarde chuvoso. Ela tinha acabado de sair do trabalho, estava muito cansada, pois a semana tinha sido intensa e desgastante. No centro da cidade, buscou refúgio numa loja, pois, não queria tomar um banho de chuva. Nem imaginava que ali e naquela data encontraria alguém tão importante. Após comprar um presentinho por conta do aniversário de Lorena, só queria ir embora e já estava impaciente, contudo, nada da chuva parar; devido ao chão molhado e por não parar quieta, escorregou, desequilibrou-se e acabou caindo na entrada da loja.

Recebeu um auxílio inesperado, de uma moça muito atenciosa, bela, cativante e que também queria fugir da tempestade. Naquela época ela nem sonhava que aquela mulher de pele clara, cabelos castanhos escuros e olhos cor de mel, se tornaria seu grande amor.

E assim foi o primeiro encontro delas, com a Bia se espatifando e com a Cá a socorrendo. Nem foi amor à primeira vista, na realidade foi um grande susto para ambas. Felizmente, o tombo nem foi grave, a fisioterapeuta zelou muito bem por Beatriz e desde o começo Carine sempre toda cuidadosa, vive a dispensar atenção e cuidados com ela. Bia tinha certeza que o primeiro encontro delas, foi extremamente marcante e que jamais se esqueceriam, pois, não é sempre que nos apaixonamos justo por uma pessoa espatifada defronte de uma loja.

A iniciativa do primeiro contato telefônico partiu de Carine. Já o primeiro jantar juntas, foi promovido por Bia, como uma forma de agradecimento. Cá foi a primeira a demonstrar interesse.

Beatriz também lembrou do primeiro filme juntas, assistiram ao gênero preferido dela, que é ação e em uma das melhores salas de cinema de São Paulo. Foi nesta noite que recebeu uma das cantadas que mais gostou, quando ouviu a morena dizer: "Linda, sabia que você fica sexy quando está contrariada?  E é um charme sua bochecha vermelha quando fica tímida".

Com nostalgia, Bia lembrou-se do primeiro beijo delas, dentro do carro e após o pedido da morena.

Sentiu desespero e culpa, assim que soube sobre o acidente que a fisioterapeuta sofreu. Felizmente, após a recuperação voltaram a se acertar, permitindo a instalação de um lindo e duradouro romance entre elas.

Quando soube que Carine não sabia lidar com crianças, achou que nem dariam certo, todavia, a morena e a sua filha se deram muito bem, criando um vínculo surpreendente e Beatriz gosta muito do amor cultivado entre elas.

A primeira vez que fizeram amor, foi ali naquele mesmo quarto, com beijos cheios de luxúrias, carícias sutis, toques firmes e roupas espalhadas por todo o ambiente. As duas dominadas pela volúpia, transbordavam desejos e tiveram uma noite inesquecível. Também foi na mesma data que pela primeira vez, declaram todo o amor existente entre elas.

Retornando para o momento atual, o cenário é totalmente diferente, Beatriz sozinha na cama, lastimando, receosa e também perdida. As horas passaram e nada dela dormir. Ainda nem tinha amanhecido quando ela decidiu preparar o café da manhã, fez bolo e também pão caseiro. Lavou frutas, preparou suco e montou toda a mesa. Gostou muito de ver tudo pronto e arrumado. Já estava prestes a ir chamar por Carine e Lorena, quando as duas entraram na cozinha.

- Mãe, bom dia!

- Filha, bom dia! Dormiu bem?

- Sim. Uau, que mesa linda, deve estar uma delícia (falou se aproximando dos alimentos).

- Cá, bom dia!

- Bom dia! (Respondeu acomodando Lorena e deixando o ambiente na sequência).

Mãe e filha fizeram o desjejum juntas, enquanto a criança narrava sobre os seus planos para aquele dia. Lorena estava toda animada para o colégio e Carine já tinha arrumado a pequena.

- Mocinha, já que você terminou seu café vá escovar seus dentes, sem sujar sua roupa da escola e pegue suas coisas.

Beatriz permaneceu na cozinha aguardando pelas duas. A criança obedeceu e logo retornou, sendo seguida por Carine, que agora também já estava pronta para o dia de trabalho.

- Princesa vamos?

- Sim (respondeu beijando a mãe e seguindo para a sala).

- Mas você não vai tomar café? Dá tempo (disse Bia).

- Não, obrigada.

- Eu fiz o bolo que você gosta e também tem pão caseiro fresquinho.

- Tenho que ir.

- Cá, por favor...

- Não é agradando o meu estômago que você vai reconquistar minha confiança.

- Poxa!

- Bom trabalho (disse se retirando da cozinha).

- Obrigada e para você também.

Beatriz tentou, mas nem conseguiu agradar a morena. Percebeu seu estado deplorável, suja de farinha e mesmo sem olhar no espelho sabia que as olheiras estavam povoando seu roso. Foi para o banheiro, tomou um bom banho, disfarçou seu semblante com maquiagem e foi trabalhar. No decorrer do dia mandou mensagens para Carine, todavia, nenhuma resposta. Beatriz tem total consciência que durante a vida toda cometemos inúmeros pecados, só que ela nem era de toda errada, pois foi sincera, contou sobre o ocorrido e nem fez nada que mais tarde pudesse se arrepender. Em alguns momentos até achava radical a atitude da morena, compreendia sobre a importância de sair para espairecer, se acalmar antes de dialogar e até achava justo ser tratada de forma ríspida, pois se colocava no lugar da outra; mas não conseguir perdoar e nem a desculpar, era muito ruim e decidiu fazer de tudo para melhorar o clima entre elas. Aproveitou que nem tinha aula naquela noite e ao terminar o expediente foi direto para casa. As duas ainda nem tinham chego, ela aproveitou para colocar no quarto da filha um colchão inflável de solteiro, que deixavam guardado, enquanto não se acertasse com Carine não dormiria no quarto delas e também nem achava justo a morena ficar fora do seu cantinho. Em seguida tomou uma ducha e depois foi para a cozinha, para preparar o jantar. Meia hora depois, elas chegaram.

- Mãe, não foi para a faculdade?

- Não, hoje nem tive aula e a sua como foi?

- Muito boa, estudei, brinquei e adorei!

- Pequena, que bom! Tem tarefa?

- Já fiz, a aula de informática acabou mais cedo.

- Entendi e cadê meu beijo?

Lorena beijou a mãe e na sequência foi para o quarto tomar banho.

- Cá, boa noite! Como foi seu dia?

- Bom!

- Eu arrumei um colchão para mim no quarto da Lorena, assim você fica sossegada no seu quarto.

- Não precisava.

- Você vai querer dormir comigo? (Perguntou esperançosa).

- É complicado (disse cabisbaixa).

- Então precisa sim. Vou terminar o jantar.

Carine assentiu, foi para o quarto e decidiu nem sair mais de lá durante aquela noite. Estava em uma fase que preferia ficar sozinha e pensando. Beatriz ficou chateada, pois novamente Carine nem quis comer o que ela havia preparado, resolveu deixar o tempo cuidar do coração delas.

Tem um ditado popular que diz: no amor e guerra, vale tudo. Beatriz muito determinada definiu fazer tudo para estabelecer a paz e a harmonia entre elas novamente.

Inicialmente, deu espaço para Carine, deixando-a pensar sobre toda a situação, ponderar sobre o relacionamento delas e principalmente sentir saudades. Acreditava que com o passar dos dias a mágoa acabaria, contudo, só os dias nem foram suficientes, passaram algumas semanas, quase um mês e infelizmente a morena permaneceu distante.

Até pensou que se tratava de orgulho ferido da companheira, porém, tudo indicava que era algo bem mais sério e o medo da perda tornou-se amedrontador.

Certa noite, já não aguentando mais todo o distanciamento, depois que Lorena dormiu, procurou por Carine, bateu na porta do quarto e entrou.

- Cá, licença. Eu preciso falar contigo.

- Algum problema com a Lorena? (Perguntou se sentando na cama e fechando o livro que estava lendo).

- Ela está bem, é sobre nós, não aguento mais este afastamento entre nós.

Carine nada disse, apenas ouviu o que a loira disse.

- Eu tenho sofrido com a sua ausência, com esta separação, procuro fazer de tudo para te agradar, para demonstrar que estou disposta a fazer o melhor por nós, mas você me evita e coloca um gigantesco espaçamento entre nós.

- Beatriz, eu acho que não consigo continuar (revelou nervosa).

- Então você vai terminar comigo e nem vai me dar outra chance? (Perguntou começando a chorar).

- Não chore!

- Amor, não faça isso conosco, por favor!

- Tomei uma decisão.

- Qual?

- Vou passar uns dias com o Cairo, no Chile. Preciso de um tempo para colocar a cabeça no lugar.

- Quando você decidiu isso? (Quis saber secando as lágrimas).

- Têm uns dois ou três dias.

- Por qual motivo ainda nem tinha em contado?

- Estava criando coragem.

- Você já falou com o Cairo?

- Ainda não, mas sei que nem terei problemas, ele vai adorar, já tem um tempo que me chama para passar uns dias com ele.

- E você vai quando.

- Daqui uns quinze dias.

- Entendi.

- Me preocupo com a Lorena, você tem faculdade a noite.

- Eu posso trancar meu curso por um tempo

- Podemos contratar uma babysitter, só para cuidar dela durante o seu período de aula.

- Não fica caro?

- Só por algumas horas, não! Têm empresas especializadas e de confiança.

- Compreendo.

- Melhor do que você trancar a faculdade, pois tem também seus projetos de extensão e de iniciação científica.

- Verdade.

- Quando eu retornar, dialogamos novamente, para definirmos a nossa situação.

- Tudo bem, boa noite!

- Boa noite!

Fim do capítulo