Depois de muito brincarem no sofá, assistiram uma animação. Para a surpresa das duas mulheres, Marina foi para o quarto e pediu para Emily contar uma história. Pela primeira vez, desde a morte de Alexandra, a garota disse que queria dormir sozinha, só pediu para a loira não desligar a luz.

Na manhã seguinte, Alycia e Emily acordariam sozinhas pela primeira vez. Desde que Marina mudara para a casa detetive, as duas mulheres se revezavam em velar o sono da criança em seu novo quarto ou traziam-na para o quarto do casal — esse cômodo estava sendo chamado assim, ainda que elas estivessem oficialmente morando juntas.

Durante esses dias Emily sentia falta de ter um tempo sozinha com Alycia, mas entendia que o momento era diferente. Na verdade, nem sabia se era apropriado insinuar algum contato sexual, afinal, aquele ainda era um momento de luto não apenas de Marina, de Alycia também.

Às 6h40 do dia seguinte, quando a loira abriu os olhos, a morena já estava acordada. Alycia olhava para Emily com um meio sorriso de encantamento que derreteu o coração da loira. Por um momento, elas mantiveram aquele gostoso silêncio contemplativo.

A morena foi a primeira se manifestar, ainda sorrindo, disse:

— Eu te amo, Emy.

— Eu também te amo, Aly.

— Fique aqui.

Alycia foi até a porta do quarto e trancou-a. Retornou para a cama sob olhar atento da loira, já deixando sua camisola pelo caminho. Durantes os dias anteriores, Alycia sentia o temor de Emily em iniciar ou aprofundar uma aproximação, agradecia internamente pela sensibilidade da loira em não tentar nada.

Naquela manhã, entretanto, Alycia acordou e, ao olhar para a loira teve certeza do amor que sentia por ela, não queria estar em qualquer outro lugar que não fosse os braços de Emily. Tomada por esse desejo, Alycia tomou cada parte do corpo de Emily. Para as duas, naquele início de dia não havia nada mais importante do que o amor que faziam. Se amaram sem pressa, mas com desejo.

XXX

Sob um clima romântico e com um entrosamento ímpar, começaram o dia, as duas deixaram Marina na escola e seguiram para DP. Assim que chegaram, foram avisadas que Marcos Rosa já estava no local.

Antes de entrarem na sala de interrogatório, Bianca informou que já havia feito um levantamento prévio e que além de não identificar parentesco entre Marcos e Beatriz, o rapaz não tinha ficha ou antecedentes.

—  Por ter apenas 19 anos, ele pode ser um jovem recém chegado à vida adulta e por isso não ter muitas informações em registros públicos ou ele pode ser uma pessoa que esconde sob o manto da menoridade um passado com problemas. —  Foi a delegada quem ponderou.

— Pensando nessa segunda hipótese, compartilhei os dados de Marcos com Bárbara e pedi que tentasse investigar o rapaz. —  A agente Bianca falou temendo a reação da delegada.

Emily não ficou nada feliz com o compartilhamento das informações com Bárbara.

— Bianca, ela não está aqui para isso. Nós conversamos com vocês, o papel dela aqui é zelar para que não violemos o acordo que a Beatriz tem com a justiça.

— Eu sei delegada, mas ela é promotora de Justiça da Infância e da Juventude, portanto tem acesso aos banco de dados e às pessoas que podem nos dar dicas sobre o passado desse rapaz. Se ele tiver entrado no sistema judiciário durante sua infância ou adolescência, essa é uma forma de conseguirmos saber. É um caso que ela pode nos ajudar.

— Emy, a Bianca está certa. Além disso, a Bárbara se colocou à disposição para nos ajudar no dia em que se desculpou, lembra? — Alycia saiu em socorro da agente Bianca. Sabia que a ideia era boa, Bárbara, bem ou mal, era um recurso valioso nesse caso.
—  Eu não confio nela. Vocês não deveriam confiar também, mas agora já está feito, vamos ver o que conseguimos, mas Bianca, por favor, evite trazer a Bárbara para o meio dessa investigação. Ela tem pretensões políticas e essas pretensões não são nada saudáveis. Não é uma ambiçãozinha qualquer. Ela faz qualquer coisa por notoriedade. Não podemos confiar que nela.

— Desculpe, delegada.

— Não precisa se desculpar, eu sei que você agiu com boa intenção. — Desculpou a agente com sinceridade, depois se virou para a morena e fez um pedido: —  Aly, gostaria de entrar no interrogatório com vocês, posso?

— Claro, não precisava nem pedir.

A delegada estava convencida que o sobrenome dos dois não era coincidência e se prontificou a entrar na sala de interrogatório também. Queria olhar nos olhos do jovem. Assim, embora fosse incomum três agentes interrogarem um único suspeito, as três mulheres chegaram à pequena sala em que o jovem Marcos Rosa estava.

Foi a morena quem tomou a palavra:

— Bom dia, Marcos, meu nome é Alycia, sou detetive. Essa é a delegada Emily e aquela é a agente Bianca.

— Bom dia, senhoras.

— Marcos, você está aqui para responder algumas perguntas, nossa conversa está sendo gravada e o senhor não está detido. Ficou claro?

— Sim!

— Então vamos começar, você conhece Beatriz Rosa?

— Sim, o país inteiro a conhece.

— Sim, claro, mas nossa pergunta é se você a conhece pessoalmente?

Foi Emily quem reformulou a pergunta de Alycia. A delega se mantinha nos fundos da sala e com os braços cruzados. O tom de sua voz deixou claro que ela não havia gostado da forma como rapaz se fez sonso ao responder.

—Sim. Ela frequenta muito o shopping.

— Viu como não dói responder objetivamente e sem se fingir de sonso.

A fala da delegada deixou Alycia e Bianca em estado de alerta, sabiam que a delegada não estava gostando daquele primeiro contato. Alycia assumiu novamente:

— Vocês são amigos?

— Não, somos apenas conhecidos.

— Como se conheceram?

— No shopping, como eu disse anteriormente. Ela é frequentadora e eu trabalho em uma das lojas de lá. Aliás, acho que é por isso que eu estou aqui, não é mesmo. Porque as senhoras não vão direto ao ponto, afinal ninguém aqui é sonso, não é mesmo.

Alycia sentiu um frio na espinha ao escutar o jovem falar, sabia que ele estava desafiando a delegada.  A detetive conhecia o temperamento da loira e sabia que a sala estava se transformando em um barril de pólvora. Resolveu  continuar o interrogatório sem dar tempo para a loira responder.

— Vocês são parentes?

— Que pergunta estranha.

— Marcos,  não é uma pergunta estranha e você sabe disso. Vocês têm o mesmo sobrenome. — Por essa lógica, todos os Silvas e Souzas do país seriam parentes.

— Sério, garoto? Esse é o argumento mais inteligente que você conseguiu usar? Responda a pergunta!

— Eu não estou entendo o propósito dessa conversa.

— Marcos, você não tem ficha, nem antecedentes, seus dados nos órgão públicos são escassos,  por isso estamos te fazendo essas perguntas. Você poderia, por gentileza responder.

Desta vez foi Bianca quem assumiu o interrogatório, ela também estava prevendo a explosão da delegada. Alycia e Bianca sabiam que Emily era pacífica, mas Marcos fazia questão de se fazer de sonso nas respostas. Além disso, a todo o momento, o garoto agia com empáfia e olhava para a delegada. Parecia um duelo.

— Meus pais morreram quando eu era muito novo. Meu pai primeiro, depois minha mãe. Vivi em abrigos e lares adotivos. Já tive vários sobrenomes, pode ser uma surpresa para vocês, mas isso acontece muito. De acordo com os pais adotivos que me “pegava” eu recebia um sobrenome, mas quando me devolviam para o orfanato, por qualquer motivo que fosse, levavam meus sobrenomes com eles. Por isso, vcs terão dificuldades de achar meus dados. Minha história é um quebra cabeça social.

Ainda no meio da fala de Marcos, Emily recebeu uma mensagem em seu celular e saiu da sala. Deixou Alycia e Bianca sem entender o que ela estava fazendo. A delegada foi para a sala conjugada, na qual Bárbara já estava a sua espera. Ali, havia uma parede de vidro e as duas podiam escutar o que estava acontecendo na sala de interrogatório.  

Alycia tomou a frente do interrogatório:  

— Você pode nos ajudar a juntar essas peças.

— Como?

— Respondendo a pergunta que você fingiu responder: você é parente de Beatriz Rosa, sim ou não? Antes de responder, lembre-se que somos oficiais de justiça e que você concordou em gravar essa conversa. Agora, sim. Responda.

— Não, detetive. Eu juro. Não somos parentes.

O garoto começou a derramar algumas lágrimas. Definitivamente ele tem algum parentesco com Beatriz, ele age conforme as reações de seu interlocutor. Emily pensou enquanto observava a cena na sala ao lado e falava ao celular. Bárbara estava ao seu lado, mas nada dizia, apenas observava a movimentação.

— Tem certeza que vai manter essa resposta? — Bianca tentou dissuadir o rapaz.

— Sim e, por sinal, estou atrasado, gente. Não posso perder meu emprego. Eu já disso que não tenho ninguém por mim, eu preciso ir.

— Não vai a lugar algum. —  Emily entrou na sala e Bárbara veio logo atrás falando. —  Acabei de conseguir um mandado de prisão. Por lei, podemos te manter aqui por 48 horas. Então, Marcos Rosa, o senhor está detido por obstrução da justiça, suspeita de formação de quadrilha, roubo e tentativa de homicídio de Joana Rosa.

Alycia e Bianca ficaram atônitas.

Fim do capítulo