~ POV CAMILA ~

 

Foquei nas pendências da manha, já que haveria a reunião queria deixar tudo pronto para o restante do dia, mas sem sucesso, meus pensamentos traiçoeiros foram diretos para a noite anterior, e bateu a saudades de seus beijos, de seus sorrisos, sorrisos meigos e delicados, no corpo perfeito, nas expressões de prazer proporcionado por mim, da leveza de seu olhar e sua naturalidade.

Comecei a martirizar por esta pensando em uma pessoa que definitivamente não quer nada comigo, apenas brincou, mas quem sou eu para pedir exclusividade, nunca fui exclusiva de ninguém, talvez seja à hora de sentir o que fiz muitas sentir.

A manhã passou voando, e eu agradeci por isso, logo chegaram as modelos com a sua assessora para a reunião. Começamos a reunião e meus pensamentos estavam mais uma vez longe, ate que ouço a Patrícia falar.

 

- Podemos chamar a nossa design e ela já te apresenta o modelo e vocês acertam. – Patrícia falou direcionando para Marcella, a assessora.

 

- Perfeito, o momento é oportuno para isso. – Marcella esboçou um sorriso elegante.

 

E eu bufei de raiva, queria evitá-la ao máximo, e logo a Patrícia tratou de ligar para seu ramal e em instantes ela já estava na sala.

Como sempre muito profissional e séria, e muito talentosa, mesmo não sabendo do que se tratava a reunião ela teve jogo de cintura para encaixar o projeto da forma que a Marcella solicitou, eu não conseguia parar de encará-la e minha cara era de pura raiva e desprezo, por ela ser tão perfeita e não ser minha.

Alicia se retirou da reunião e concluímos a mesma, logo percebi olhares de uma das modelos para mim, como não tinha nada a perde comecei a trocar olhares com ela, pelo que pude lembrar ela se chamava Verônica, não me recordo muito bem, mas era uma bela morena dos olhos cor de mel, alta e tinha uma bunda perfeita, não pude evitar olhá-la. Antes de sair a danada me cumprimentou e colocou seu cartão no meu decote, já perceberam que as mulheres adoram deixar seus contatos nele, né?

Apenas a cumprimentei e peguei o cartão, me despedindo das demais e voltando a minha mesa para concluir as demandas da manhã. O horário de almoço se aproximou, eu estava sem a mínima fome, mas percebi novamente a Alicia saindo bem intima com a Gabriela, e a raiva logo me subiu, porém não poderia me martirizar pela decisão tomada de ambas, a única saída era seguir em frente, assim como sempre fiz com a minha vida, superando dia após dia.

 

A empresa estava vazia, todos os funcionários em horário de almoço, até que recebo uma ligação.

 

- Camila, você poderia vim pra casa agora?

 

- O que houve Juci, o Guga está bem?

 

- Camila, ele teve mais uma crise, e precisa ser levado pro hospital, conseguir cessar com as medicações, porém agora ele esta sangrando pelo nariz.

 

- To indo Juci.

 

Não pensei duas vezes, sai correndo em direção pro carro, meu corpo todo tremia de preocupação ansiando por chegar em casa, sai dirigindo pelas ruas de Salvador desnorteada, chegando em casa na velocidade da luz.

 

- Cadê ele?- Cheguei derrubando a casa.

 

- Calma Camila, esta deitado.

 

Corri para o quarto dele, e estava todo vermelhinho, e o sangramento já tinha cessado. As crises do Gustavo aconteciam sempre quando havia mudanças em sua vida ou rotina, quando forçava a aprender coisas novas ou explorar ares que nunca explorou, quando ficava bastante irritado ao ponto de não saber se expressar, por isso sempre evitei levar pessoas pra minha casa para ter contato com ele, essas novidades alteram o seu humor e o seu habitat, os médicos dizem que não faz parte do autismo, mas que ele adquiriu isso ainda pequeno, e cheguei a conclusão que era referente aos nossos pais, por um desses motivos peguei ele para morar comigo, pois a sua necessidade era maior do que os nossos pais ofereciam a ele. E quando acontece as crises ele fica bem nervoso, ativo, impaciente, seu corpo começava a da reações de vermelhidão e febre alta e sangramento pelo nariz, e os médicos sempre nos alertaram que ele precisa voltar ao normal rápido pois poderia haver hemorragias internas e ele acabar vindo a óbito, então sempre corremos para os hospitais da vida para poder acalmá-lo com sedativos pois remédios que são prescritos para tomar em casa não fazem o efeito necessário para o ato.

 

- Juci, vamos pro hospital.

 

- Certo, já esta tudo pronto, aqui a sacola dele com os documentos.

 

Peguei a mochila e o carreguei no colo, estava tão molinho o meu pequeno, eu ficava péssima quando ocorria isso com ele, e agora mais ainda sabendo do que se tratava, errei feio com a Alicia, em trazê-la pra minha vida, principalmente para a vida do meu irmão.

Chegamos ao hospital, já sendo direcionados para ala infantil, colocando o Guga em um quarto, fiz a sua ficha e logo o médico foi atendê-lo.

 

- Vejo que nosso amiguinho retornou depois de muito tempo, né? – Sua pediatra por sorte do destino estava de plantão, e ela sempre acompanhou o caso.

 

- Isso mesmo doutora, depois de muito tempo.

 

- Houve algumas coisas diferentes de sua rotina, Camila?

 

- Sim, Dra, ele teve uma crise de nervoso hoje pela manhã quando fui levá-lo ao colégio

.

- Entendi, algo especifico? – Gente do céu, como iria explicar para a doutora sobre a Alicia?

 

- Então, houve uma visita diferente do normal que o Guga costuma vê, e ele acabou se apegando e quando amanheceu que ele não a viu, a crise começou.

 

- Certo. Eu estou achando ele bem debilitado referente às outras vezes, vou pedir alguns exames enquanto irei medicá-lo, certo?

 

- Ok, obrigada.

 

Minha preocupação aumentou quando ela citou que ele estava mais debilitado que as outras vezes, logo comecei a me odiar, sempre prezei pela saúde do meu irmão, evitando esses tipos de transtornos, inclusive com nossos pais, eu evitava ao máximo deles visitarem o Guga, pois sangue maternal e paternal corre na veia do meu irmão e ele acaba sentindo, e quando eles partiam as crises do Gustavo eram constantes, então preferir isolá-lo do mundo para o seu bem.

Muitas vezes nos encontros com a psicóloga do Gustavo ela me condenava por tal ato, porque não era ela quem sofria com as crises, aquela infeliz, mas voltando, ela dizia que o Gustavo precisava se acostumar com a sociedade, precisava interagir criar sentimentos por outras pessoas que não fossem eu e as duas ajudantes que moram conosco, e tem a Sara que ele é apegado, porém falar era bem fácil, mas na pratica era bastante complicado, mesmo ele estudando e tendo contato com outros coleguinhas, para a psicóloga não era suficiente e muitas das vezes as consultas eram mais sermões do que qualquer outra coisa, às vezes eu queria calá-la com um beijo, mas era velha e chata, daí eu desistia.

 

Depois de algumas horas, o exame no Gustavo foi realizado, e logo após a doutora entra trazendo seus devidos resultados.

 

- Voltei, e estou com os resultados dos exames. – O olhar na médica não era nada bom.

 

- Fala doutora. Estou apreensiva.

 

- Camila, devido à crise do Gustavo ter sito mas intensa houve um problema a mais. – Eu já estava desesperada andando de um lado para o outro. – Preciso que se acalme para eu poder explicar tudo o que ocorreu.

 

- Certo, por favor fale logo, meu irmão vai ficar bem?

 

- Sim, vai. Os sangramentos nas narinas chamamos de epistaxe, que é o nome dado a qualquer tipo de perda de sangue pelo nariz, frequentemente pelas narinas que também pode ser através da boca, porém existem dois tipos de epistaxe que 90% dos casos ocorre na parte externa do nariz, que era o que ocorria com o Gustavo sempre, mas pela avaliação a crise dele foi mais aguda que o normal, que ocorreu uma epistaxe que 10% dos casos é mais no interior e os efeitos é mais graves.

 

- Certo, mas o que isso significa? O que precisa? Ficar internado? Remédio? Como Doutora? – Eu voltei a andar pra lá e pra cá desesperada.

 

- Vamos precisar fazer uma pequena cirurgia, que é super simples, apenas uma cauterização de conchas, onde vamos aplicar alguns tipos de energia com radiofrequência e nosso objetivo é reduzir o tamanho das conchas nasais que ficaram alteradas de acordo com o que ocorreu, para que não venha se romper nenhum vaso sanguíneo e ele consiga respirar sozinho.

 

- É, faça o que for preciso. – Eu já estava desolada, e impotente diante a situação.

 

- Camila, outra coisa, os remédios do Gustavo tem sido aplicados de forma correta? Houve alguma mudança referente a isso?

 

- Não, de jeito nenhum. A Juci aplica todas as medicações nos horários corretos, tudo direitinho, não está ocorrendo isso. Será que por causa da idade as dosagens não tenham aumentado?

 

- Não, é dosagem única, e não existe a questão de esta “viciado na medicação” assim como vocês dizem. – Ela sorriu.

 

- Mais porque a pergunta?

 

- Porque essa crise que ele teve é um dos motivos de ausência de medicação que o corpo já está acostumado a receber, mas é só uma hipótese.

 

- Como podemos saber a causa?

 

- Não podemos, apenas ficamos com as suposições. Se você me afirma que a medicação está em dias e tudo correto, ficamos com a primeira opção mesmo que me contou mais cedo. Alguma dúvida mais?

 

- Não, obrigada.

 

- Vamos operar ele pela noite, sendo assim, o jejum começa a parti de agora, e vou agendar a cirurgia. Ele está sedado e medicado, não vai acorda por agora, caso acorde e esteja agitado pode mandar me chamar.

 

- Tudo bem, obrigada.

 

- Disponha.

 

As palavras da doutora me deixou pensativa, mas a Juci com certeza não esquecia dos remédios, sempre foi muito correta e disciplinada, está conosco desde quando o Gustavo veio morar comigo desde pequeno, não há com que eu me preocupar.

 

- Camila, você não quer ir pra casa descansar e eu fico aqui com ele? – Juci chegou a noite no quarto.

 

- Houve algum atraso ou esquecimento referente aos remédios do Gustavo? – Eu perguntei na lata, mas meu olhar era direcionado para o teto.

 

- Como assim? Não entendi Camila, o que há com os remédios?

 

- Quero saber se todos os remédios estão em dias e aplicado em seus devidos horários? – Nessa hora comecei a encara-la.

 

- É... claro, claro! Nunca falharia perante a isso, porque?

 

- Nada. O Gustavo vai precisa operar, e será umas 22hs, sendo assim, você pode ir que ficarei aqui com ele.

 

- Se a senhor.... – Não deixei ela termina.

 

- Pode ir, eu ficarei com ele.

 

O dia realmente começou péssimo, estou com meu irmão internado, precisando de uma cirurgia por causa de uma atitude idiota minha e eu ainda estou sozinha, já liguei diversas vezes para Sara, porem a mesma estava no interior e lá não havia sinal, então é apenas eu e ele.

 

O Guga foi despertando aos poucos, e quando me vê pergunta.

 

- A tia já chegou, mama?

 

- Oi meu amor, você está dodói, e aqui a tia não pode vim.

 

- Pede pra a “doutola” deixar ela entrar.

 

- Ta bom, mas só se você me prometer descansar agora, pode ser?

 

- Unhum...

 

Seus olhinhos foram fechando novamente, as medicações que ele estava tomando era forte, não ficaria muito tempo acordado, apenas esses flashes que a medicação permite. Não demorou muito e a equipe chegou para leva-lo para a cirurgia, e meu coração se apertou como se fosse a última vez que eu estava vendo meu pequeno, mesmo sabendo que seria uma cirurgia simples e sem risco, mas meu coração não conseguia entender.

Segui com eles para ala cirurgica, onde ficam as famílias daqueles que estão sendo operados, e me acomodei em uma das cadeiras, tentei ser forte mas foi totalmente em vão, lagrimas ousadas já escorriam descontroladamente pela minha face, me fazendo ficar tão vulnerável e impotente diante a toda situação, acabei chegando a um conclusão que de forte eu não tenho nada.

 

- Seu filho? - Uma senhorinha que estava sentada ao meu lado me perguntou.

 

- Meu irmão.

 

- Oh, ele vai ficar bem viu? Não precisa se preocupar, ele é forte, que nem a fênix, renasce das cinzas. - De repente eu virei com tudo me assustando com que ela acabara de falar.

 

- É, ele é forte.

 

- E cadê seus pais? Porque te deixaram aqui sozinha nesse momento? - Ela pegou na minha mão e apertou em forma de solidariedade.

 

- Eles não moram aqui, o meu irmão mora comigo apenas.

 

- E você não é casada? Não tem amigos para esta aqui com você nesse momento? - Ai sua velha, golpe baixo.

 

- Não tenho. - Comecei a chorar descontroladamente.

 

- Oh minha filha, chora, chora que é bom. Seu coraçãozinho precisa disso hoje. – A senhora segurava forte em minhas mãos e eu continuava chorando.

 

Ela estava acompanhando seu esposo que fazia uma cirurgia do coração, e ficamos em silencio, mas uma apoiando a outra, e eu me senti muito bem com aquela senhora ali, tão boa e agradável. A cirurgia do Gustavo demorou quase 2 horas, logo ele saiu e eu o segui para o quarto. A doutora me explicou que ocorreu tudo bem, porém esperaríamos até amanhã de manhã pra quando ele acordasse para fazermos os teste de sua respiração e verificar se há mais algum sangramento.

Sentei ao lado da caminha dele, eu não sabia o que seria de mim se eu não tivesse mais ele em minha vida, e isso me fez refletir que já deixei muitas pessoas irem embora por orgulho ou achar que posso ser uma ilha e viver sozinha, só que dessa vez eu não admitiria isso. E fiz o que meu coração queria fazer a todo momento, liguei novamente para a Alicia. E para meu azar não fui correspondida, mas deixei uma mensagem para ela.

 

“Oi, eu sei que decidiu se afastar, só queria dizer que o Gustavo está internado, ele teve uma crise e chamou pelo seu nome o tempo todo, mas ele está bem, boa noite”

 

Travei a tela do celular, e virei completamente para a cama dele, com os cotovelos apoiados fazia carinho em seu rosto, e como a minha torneira de lagrimas estava luida comecei a chorar novamente, e entre prantos e pensamentos as horas foram passando. A cirurgia do Gustavo seria as 22h, porém foi adiantada e por esse motivo ainda era 23h.

Estava totalmente sem sono e sem fome, coloquei a cabeça em cima da cama dele ainda a continuar chorando e segurando forte em suas mãos, não me perdoaria nunca se eu o perdesse, sempre tentei dá o meu melhor para que ele crescesse saudável e feliz, e acho que não tinha falhado nesse quesito.

Ouço a porta se abrindo, porém não mexi uma palha se quer, com certeza seria uma das enfermeiras entrando para verificar o Gustavo e trocar medicação, continuei deitada junto com ele, até que sinto alguém atrás de mim me abraçar e segurar minhas mãos que estava entrelaçadas as mãos do Gustavo.

 

Era ela, a Alicia, o seu jeito, o seu cheiro o seu toque era inconfundível,  mas pera ai, como ela chegou aqui?

 

- Alicia?

 

- Shi... não diz nada. – Ela continuava a me abraçar por trás.

 

- Como ... como assim.... como você chegou aqui? – Fui levantando o rosto aos poucos e ela foi se afastando.

 

- Não importa como cheguei. Você está péssima, comeu alguma coisa?

 

- Estou sem fome. – Nesse momento ela limpava minhas lagrimas.

 

- Mas precisa comer algo, Camila.

 

- Não, estou bem assim. – Encostei na minha poltrona sem tirar os olhos dela.

 

- Ele está bem?– Nesse momento ela fazia carinho no rosto do meu irmão.

 

- Sim, ele fez uma pequena cirurgia... – Comecei a explica-la tudo que aconteceu desde quando ele deu a crise pela manhã até esse exato momento.

 

- Nossa, me perdoe por não ter retornado a ligação, é que... – Ela se agachou em minha frente e me olhava nos olhos. – Eu não estou sabendo lidar com esse sentimento perante a você, Camila.

 

- Eu também não. – Minha voz saiu em um sussurro.

 

Ficamos em silencio, uma olhando para outra, a Alicia fazia carinho em minhas mãos, e comecei a me sentir acolhida, amada, protegida, ela ao meu lado estava me fazendo bem nesse momento tão difícil.

 

- Vamos comer?

 

- Não quero.

 

- Por favor, me deixa cuidar de você? – Ela se levantou e estendeu as mãos para mim.

 

- Ok. – Não hesitei nenhum segundo em segurar a sua mão. – Porem não queria deixa-lo sozinho.

 

- Ele está com a equipe de enfermagem bem aqui na frente, boba, e só vamos comer rapidinho e voltamos.

 

Apenas acenei e a seguir. Fomos para uma lanchonete do hospital mesmo, tomei uma xicara de café com uns pãezinhos de queijo, a Alicia tomou apenas o café, e não era preciso dizer nada nesse momento, nossos olhares e as batidas dos nossos corações eram o que importava nesse momento.

 

 

Fim do capítulo