Colocar a cabeça no travesseiro nunca tinha sido tão embaraçoso e confuso. Na verdade, o fato de colocar a cabeça no travesseiro pouco mudou, mas sim os pensamentos que vieram quando isso aconteceu. Sem ter quem ouvir, deixei que minha consciência falasse. E ela estava levemente pesada e de mau humor..

Pensamentos de toda uma vida começaram a passar. Como um filme. Como uma avalanche. Sufocaram-me. Trouxeram à tona uma razão que eu já não sabia ter.

O fato de não ter feito nada contra a minha vontade, não apaga a traição e nem exclui a culpa. Continuo sendo casada. Ainda tenho um filho pequeno, fruto desse casamento. Quatro anos. Quatro anos construindo uma vida. A foto no criado não me deixava esquecer daquele dia. Do grande dia.
Leonardo e Eu, felizes. Apaixonados. Dispostos a ganhar e enfrentar o mundo. Sentia falta da presença dele. Dos momentos juntos..

Não sei dizer quando o trabalho se tornou mais importante. Para ambas as partes.. As viagens dele. As minhas inúmeras reuniões e audiências.
Mateus era o equilíbrio. O elo que unia os dois pólos. Era o fruto de um amor puro e intenso. Amor que ainda estava ali, presente em cada lembrança e vestígio daquela casa. Acomodado pela rotina, mas qual casamento não passa por isso?  Eu só não fazia idéia de como resgatar a chama desse amor. Acho que ele também não..

Mas nada disso justifica a atração que senti por Rafaela. É exatamente aí que mora a razão de tanta confusão...

Como justificar o injustificável?  Parecia – e ainda parece – tudo muito irreal. Surreal..

Pior é meu corpo que, ao relembrar os momentos ao lado dela, ainda queima de desejo.

Adormeci pensando.. E acordei sem chegar à conclusão alguma.

Sexta-feira, 17:40..

-- Doutora Melissa, a senhora precisa de mais alguma coisa?

Era Anita, batendo na porta e tirando-me de mais uma exausta jornada de trabalho. Espreguicei-me, lenta e demoradamente, alongando as costas e sentindo as conseqüências de uma má posição e, principalmente, de uma noite mal dormida. Olhei no relógio e constatei o avançar das horas. Tinha passado do horário e  acabei prendendo a pobre Anita no escritório em uma plena sexta-feira. Observei sua expressão ansiosa e respondi, sincera..

-- Não, Anita.. Pode ir. Desculpe-me pelo atraso, acabei me distraindo. – Ela sorriu e, gentilmente, dispensou o pedido de desculpas. Sabia que Anita era esforçada e, certamente, seria uma ótima profissional. Apesar de sua pouca idade, já demonstrava grande comprometimento e maturidade com a função que desempenhava. Antes da garota deixar a sala, chamei-a novamente. O que ela de pronto atendeu.. – Quero que descanse na segunda-feira. Tire o dia pra você!

-- Imagina, doutora Melissa.. – Ela respondeu assustada e eu me diverti com a expressão da garota – Segunda-feira vai ser um dia cheio por aqui e eu..

-- Não se preocupe, Anita. Já tenho uma substituta para segunda-feira. – Ela anuviou seu semblante e quase sorriu – Pode descansar em paz, sim?!

-- Se é assim, muito obrigada, Doutora. Tenha um bom final de semana.

Anita despediu-se e eu pude ver o brilho da vida em seus olhos. Acabei lembrando-me de Rafaela e da ligação prometida.

Peguei meu celular e ponderei se deveria ou não ligar..

Liguei..

Ela atendeu no segundo toque, afobada..

-- Mel?

-- Oi, Rafa.. Tudo bem?

-- Não. Quer dizer, agora tá tudo bem! – Ela disse com a voz chorosa. – Ai, Mel.. Tem noção do quanto esperei sua ligação?

 -- Rafa, eu disse que te ligaria na semana que vem. – Sorri, achando graça no drama da garota. – Ainda adiantei a ligação.

-- Ainda bem que ligou, Mel.. Estava a ponto de morrer.

-- E esse exagero hein?! – Perguntei divertida – Não morre, nem dá folga?

-- E sua insensibilidade, Mel?! – Ela respondeu contrariada – Isso não é exagero, é saudade, sabia?!

Sorri, desistindo de argumentar. Ela ficou em silêncio, esperando que eu a respondesse..

-- Rafa, vai fazer o que na segunda-feira? – Perguntei, mudando o assunto.

-- Segunda? – Ela perguntou surpresa e levemente decepcionada?! – Nada. Por quê?

-- Dei o dia de folga para a estagiária, não quer vir me ajudar aqui no escritório? – Ela manteve-se quieta e eu completei : – Vai ser bom para você conhecer a prática. Analisar processos..

-- Ficar perto de você! –Ela completou.

-- Isso não vai te ajudar na faculdade, Rafa. – Comentei num leve tom de repreensão.

-- Ok, Doutora Melissa.. Eu aceito. Mas, posso pedir um favor?

-- Diz, Rafa..

-- Tem como passar o telefone pra Mel?

Conversar com Rafaela era sempre assim, leve, divertido.. Conseguia visualizar as expressões que ela fazia a cada frase dita.

-- Oi, Rafa.. É a Mel. – Disse num tom de voz divertido.

-- Posso te ver hoje?

-- Nós já não vamos nos ver na segunda, Rafa?

-- Não! Segunda eu vou ver a Melissa, ou melhor, Doutora Melissa. – Ela suspirou. – Será que vou ter que te dar aulas sobre suas personalidades?

Gargalhei. Rafaela era realmente surpreendente.

-- Quer fazer o que, Rafa?

-- Tá falando sério? – Ela perguntou surpresa. Confirmei e ela prosseguiu: – Quero te levar no lugar mais incrível dessa cidade..

-- Hum.. E eu posso saber onde é esse tal lugar? – Perguntei curiosa.

-- Não né, Mel?! – Ela repreendeu-me. – Senão perde a graça!

-- Vai me deixar curiosa mesmo? – Ela continuou afirmando e eu desisti. Rafaela era mesmo difícil de se convencer.. – Eu te pego ou você me pega?

-- Nós nos pegamos, Mel.. – Ela respondeu marota e, só então, eu percebi a ambigüidade na minha pergunta. Se ela pudesse ver meu rosto, certamente perceberia meu constrangimento.

-- Eu te busco, Rafa.. – Suspirei recobrando o controle e completei: – Vou ver como o Mateus está e se vai querer ficar na casa da minha mãe ou com a babá e mando mensagem combinando o horário, certo?

-- Certo, linda! – Sorri ao ouvir e sentir sua ansiedade. – Vou ficar esperando..

 '' O telefone tocou..na mente fantasia.. Você me ligou naquela tarde vazia.. E me valeu o dia ! ''

Tarde Vazia – Ira..

Fim do capítulo