Capítulo 9- Lembre-se de mim
Olhei pela décima vez no relógio do carro. 19h20min.. O trânsito parado e eu ainda estava na metade do caminho.. Voltar ou seguir em frente e tentar chegar a tempo?
O sinal abriu. Continuei parada. Algo dentro de mim apontava a preferência para a segunda opção. Só esperava – e precisava – de algum sinal.
Só acelerei e continuei o caminho, após ouvir gritos e buzinas. Afinal, quer melhor sinal de que você tem que seguir em frente?!
Entrei na sala de teatro da faculdade exatamente às 19h45min. Havia um palco montado, simulando perfeitamente um tribunal. A apresentação já havia começado.
Observei rapidamente o local e percebi que as cadeiras da frente estavam todas ocupadas. Encostei-me em uma pilastra e tentei assistir dali mesmo. Não estava conseguindo enxergar quase nada.
Alguns, breves, minutos depois, um aluno veio até mim e apontou na direção de Larissa, que chamava-me insistentemente perto do palco..
Caminhei até ela e aceitei de pronto, o lugar cedido ao seu lado..
-- Obrigada, Larissa. – Cochichei, temendo atrapalhar o andamento da apresentação.
-- A Rafa tinha pedido para guardar seu lugar, professora. – Ela respondeu no mesmo tom. – Mas achei que você não viesse mais!
-- Peguei um trânsito infernal. – Respondi sincera e visivelmente chateada pelo atraso.
Voltei minha atenção para o palco e a vi. No cantinho, concentrada.. Pelos meus cálculos, não havia perdido sua defesa. O promotor ainda falava, acusando o réu.
Ela levantou o olhar e encontrou o meu. Sorriu. Sorri de volta e desejei boa sorte.
-- Ela não parava de olhar pra cá, professora.. – Larissa disse, chamando minha atenção – Acho que se você não chegasse, ela não conseguiria apresentar..
-- Imagina, Larissa.. – Falei contrariada.. – A Rafaela é totalmente capaz, vai tirar de letra.
-- Tá, mas não deixo de me sentir aliviada com a sua presença! – Ela falava baixinho, mas visivelmente aliviada. – Podia muito bem dar uma pane. O sistema da Rafa é meio doido, professora..
Sorri. Larissa falou com tanta propriedade que eu acabei me agradecendo por ter escolhido chegar. Voltamos nossa atenção para a apresentação. Era a vez de Rafaela apresentar sua defesa.
Não pude evitar o nervosismo que se instaurou naquelas duas cadeiras. Larissa e eu acompanhávamos atentamente . Ela mal piscava..
Eu analisava cada gesto da garota. A postura, oratória.. Acabei nem percebendo que repeti com ela cada frase dita.
Horas mais tarde..
A peça havia terminado. Os garotos recebiam os aplausos e felicitações. Rafaela era uma das mais assediadas. Havia se saído muito bem, atingindo seu objetivo final, que era a absolvição do réu.
Continuei sentada ao lado de Larissa. Ela também esperava a presença da estrela da noite, que acabara de agradecer os cumprimentos da professora organizadora da apresentação e que, agora, dirigia-se até onde nós estávamos. Larissa foi a primeira a abraçar a garota.
-- Parabéns, Rafa.. Me surpreendeu! – Falou honestamente – As pessoas falavam que o caso já estava ganho e, que eu me lembre, não era da sua parte.
-- Obrigada, Lari. – Ela respondeu à amiga, mas desviou seus olhos até mim, completando: – Tive uma ajuda fundamental.
-- E eu nem imagino de quem seja.. – Larissa disse divertida.
Aproximei-me de Rafaela e dei-lhe um abraço, parabenizando-a pelo seu ótimo desempenho.
-- Obrigada, Mel.. Por tudo. Inclusive, por vir.. – Sorriu contente e prosseguiu – Foi muito importante para mim.
-- Bom, que tal se nós comemorássemos a vitória inédita da Rafa?! – Larissa sugeriu, quebrando o silêncio.. – Um choppinho cai bem.. Tá muito quente!
-- Eu topo! – Rafaela emendou logo depois.
Preparava-me para negar e inventar alguma desculpa qualquer, quando Larissa, parecendo adivinhar minhas intenções, intimou-me:
-- Professora, nem vale dizer que não pode hein?! Não aceito não como resposta..
-- É, Mel.. Você veio até aqui mesmo, não custa ficar mais um pouquinho!
Chantagista. Conhecia aquele tom de voz suplicante. Foi o mesmo que usara para me convencer a ficar mais no parque. Da outra vez não havia cedido, dessa.. me rendi.
-- O que eu faço com vocês?! – Elas me olhavam suplicantes e, acabando com a expectativa, respondi: – Um chopp só, hein?! Vocês não deveriam nem beber.
-- É um dia especial, Mel. – Olhou-me enigmaticamente e completou sorrindo – Tenho certeza que vai ficar marcado na minha vida para sempre..
E eu? O quanto tinha de certeza que o mesmo dia ficaria marcado para sempre?
Conclui que talvez seja esse, justamente, o grande desafio da minha vida.
‘’ É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. ’’
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: