Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 62

 

A semana que se seguiu ao Natal foi uma das mais felizes que Daniela e Yasmin já haviam vivido.

Yasmin estava em férias e decidiram tirar um tempo para passeios e visitas aos amigos. Elas sentiam prazer pelo simples fato de estarem juntas, muito embora quase sempre contassem com a companhia de Bianca.

Passaram um dia inteiro visitando o Parque Zoológico de São Paulo. Localizado na Zona Sul da cidade, o parque é o maior jardim zoológico da América Latina. Abriga as nascentes do histórico riacho do Ipiranga, ao sul da cidade de São Paulo. São mais de três mil e duzentos animais que populam o zoológico, sendo cento e duas espécies de mamíferos, duzentos e dezesseis espécies de aves, noventa e cinco espécies de répteis, quinze espécies de anfíbios e dezesseis espécies de invertebrados que, quando em recinto, reproduzem os habitats naturais desses animais.

Estava um dia de sol encoberto, mas bem claro. Um dia propício para passear com os gêmeos.

Daniela e Bianca pararam perto da grade que protegia o recinto dos ursos.

-- A partir de hoje só como carne de animais vegetarianos -- Bianca virou-se para Daniela com olhar curioso e perguntou: -- Caso fosse um animal, qual gostaria de ser?

-- Queria ser um galo, pois ele come várias galinhas diferentes.

-- Segundo o Discovery Channel, o animal mais rápido do mundo é uma mulher com raiva escrevendo no WhatsApp.

-- Acredito.

-- Você já parou para pensar Dani, que o homem não é o único animal que faz sex*, mas é o único que precisa de um manual para isso?

-- O animal mais sexual que existe deve ser o elefante, pois onde ele pisa fode tudo!

-- Ainda bem que os animais de estimação não podem falar. Eles já viram cada absurdo.

-- Sabe Bianca, quando estou fazendo algo errado na frente do meu cachorro eu fico pensando: Será que ele vai virar humano e contar tudo pra alguém?

Bianca deu de ombros, sem saber responder, Daniela continuou:

-- Minha vó um dia disse que tinha feito língua de boi no almoço. Eu disse que eu não ia comer nada que tivesse saído da boca de um animal. Então pedi para que ela fritasse uns ovos para mim.

-- O que é que vocês estão fazendo? -- Yasmin perguntou, curiosa.

-- Conversando sobre negócios, amor -- Daniela se virou para Bianca, perguntando: -- Vamos almoçar? Tem um restaurante bem legal aqui em frente.

 

Decidiram que passariam a virada do ano em São Paulo. Queriam estar bem localizados e aproveitar para curtir a tradicional queima de fogos na Avenida Paulista, por isso fizeram reservas em um hotel situado na Alameda Santos. DJs e bandas ao vivo animariam a festa de réveillon no hotel, que além de um cardápio excelente contava com um agradável ambiente ao redor da piscina para aguardar a queima de fogos mais longa da cidade.

Quando Yasmin e Daniela chegaram, Paula e Débora, Matias, Vinícius e Bianca já se encontravam dançando.

-- Olha lá, amor. A Bianca dança tão mal, que pisa no próprio pé!

-- Já começou, Dani?

-- Já terminei, Yasmin.

Roberta e Lavínia, porém, estavam sentadas, observando os dançarinos.

-- BOA NOITE TIA! -- Daniela berrou e todos olharam.

Por um segundo se entreolharam e depois Roberta certificou-se de que os outros, não as observavam mais. Sentia as faces queimarem de vergonha.

-- Desisto de você, Dani -- aproximou-se para beijá-la -- Os gêmeos?

-- Achei melhor deixá-los com a babá -- respondeu, Yasmin.

-- O Daniel estragaria a queima de fogos, a cada dia que passa a elevação da altura tonal da voz dele está chegando a níveis absurdos.

O olhar de Roberta percorreu o salão por alguns segundos e depois ela disse com entusiamo:

-- Vamos dançar!

 

A banda que animava a festa, formado de quatro elementos e mais uma cantora, era muito bom. A música tocada variava dos anos 80 e 90. O ritmo estimulava as pessoas a dançarem.

Matias mexia os quadris, girava com tanta energia e resistência que chegava a chamar a atenção todos. Todo o seu corpo, mãos, braços, ombros e pélvis, movia ...

-- Amor, acho que o Matias está tendo uma convulsão.

-- Deixa ele se divertir -- Yasmin olhou-o de relance por sobre os ombros -- Eu nunca o vi tão feliz como agora.

Nesse momento a música mudou para uma canção suave e romântica. Pelo canto dos olhos, Daniela viu Débora vindo em sua direção.

-- Essa é a nossa dança, maninha

-- Desculpe, Débi -- respondeu ela com um meio sorriso -- Mas, dançar com irmã é igual comer chuchu, não tem graça nenhuma.

-- Dani!!!

-- Brincadeirinha, mana -- Daniela tomou-a pela mão, levando-a para dançar. No caminho para a pista, cruzaram com Matias e Vinícius, que voltavam para a mesa.

Algo muito bom e diferente estava acontecendo. O riso alegre de Débora provocou reações agradáveis e desconhecidas na irmã. A sua habitual atitude de defesa tinha desaparecido.

-- Tem algo para me contar?

-- Tenho -- murmurou Débora, fitando-a nos olhos que refletiam curiosidade -- Pensei muito em tudo o que você me contou e depois de passar por um processo de limpeza de todas as minhas limitações espirituais, conhecidas e desconhecidas, concluí que Martin Luther King tinha razão quando afirmou: "Aquele que é incapaz de perdoar é incapaz de amar" -- Débora tinha o rosto erguido para Daniela que a fitava, séria -- Eu vou conseguir.

E Daniela, do fundo do coração, desejou que assim fosse.

Depois de algum tempo na pista, elas voltavam à mesa para mais uma rodada de bebidas.

-- Aquele momento que você para de dançar loucamente, e percebe que todo mundo estava te olhando.

-- Você queria o que Matias? -- Daniela sentou ao lado de Yasmin e segurou as mãos dela entre as suas -- A banda estava tocando Dancing Queen e você estava dançando Despacito.

-- O Matias ensaiou os passinhos a semana inteira, não era justo ele deixar de colocar em prática -- defendeu, Vinícius.

-- E você há de convir que a performance foi espantosa -- Matias pegou a taça com as pontinhas do dedo e brindou, batendo levemente o cristal contra a taça de Vinícius.

-- Espantoso, mesmo -- murmurou, Daniela -- Já tirou um bagre da água e colocou na areia? Pois você parecia um, se debatendo e todos saindo de perto com medo dos ferrões.

-- Como você é invejosa!!! -- Matias fez uma careta -- Me sinto a mais feliz das criaturas -- afirmou ele, franzindo um pouco a testa.

-- Isso me deixa muito satisfeita, mano -- afirmou ela, levantando a cabeça e colocando a mão direita dela de encontro ao coração dele -- Você tem um coração enorme, merece ser feliz.

Ele estava a poucos centímetros, os olhos verdes brilhavam carinhosos.

-- Me dá o seu pão com banha, Dani?

-- Só se você me der o seu com Nutella.

Bianca percebeu que uma moça a observava. Sem perder o compasso, dirigiu toda a sua atenção a ela, como se estivesse transmitindo através do olhar alguma mensagem secreta.

-- Aquela garota está me cantando, Yasmin.

-- Quem?

-- Aquela de vestido vermelho sentada perto do bar. Disfarça que ela está olhando.

-- A ruiva?

-- Sim.

-- Ela é bonita. Vai lá.

-- Sei não. As mulheres são umas chatas. Eu levo pra passear, levo pra dançar, levo ao zoológico, levo ao cinema e, mesmo assim, elas vivem reclamando que eu nunca as levo a esse tal de orgasmo.

-- Bianca, Bianca -- Yasmin murmurou com suavidade -- Sabe porque as garotas não te levam a sério? Por que você não leva nada a sério. "A mulher gosta de quem a faz rir" já dizia Lumière no clássico Disney A Bela e a Fera. É verdade, mulher adora e se apaixona por pessoas com humor, mas tudo tem um limite. Porque o seu namoro com a Marjorie não foi adiante?

-- Ela queria um relacionamento sério e eu, queria apenas um lance.

-- Então você não a amava.

O pior de tudo, pensou Bianca olhando para a garota de vermelho, era que, realmente, não amava Marjorie. Ficou com ela porque gostava daquele jeito revolucionário dela. Briguenta e forte.

Bianca percebeu que a dama de vermelho ainda a observava. Constrangida, ela desviou o olhar, sentindo-se desconfortável. Talvez Yasmin tivesse razão. Dessa vez usaria uma abordagem mais adulta, quem sabe um papo cabeça.

-- Vou lá conversar com ela -- Bianca se levantou, decidida -- Tenho vários assuntos sérios que posso abordar: A matança de baleias e golfinhos nas Ilhas Faroé, o aniversário de cem anos do nascimento da avó de Kim Jong-un, o pri...

-- Chega Bianca!!! -- disse Yasmin, irritada -- Por que você, simplesmente, não a convida para dançar?

Bianca deu uma gargalhada.

-- Estou apenas brincando. Eu também sei ser chique como você.

-- Idiota!

Ambas riram divertidas.

-- Vamos dançar? -- Daniela deu um beijo rápido e acertou nos lábios entreabertos enquanto dois narizes se chocaram. Riram pela maneira desajeitada do beijo.

Ainda rindo, Yasmin se deixou levar para o meio do salão, onde se entregou aos braços de Daniela e ao ritmo suave e relaxante da música.

Desenvolta, Yasmin seguia os passos de Daniela. Deslizavam suavemente pela pista de dança, sem perceberem que haviam parado de rir e de falar e estavam entregues ao embalo da música: Can't Help Falling In Love (Não Consigo Evitar Me Apaixonar)

Daniela sussurrava a tradução da música no ouvido dela. As vibrações da voz repercutiam no peito de Yasmin e ela fechou os olhos. O perfume que emanava da pele dela a embriagava.

 

"Homens sábios dizem que só os tolos se apaixonam

Mas eu não consigo evitar me apaixonar por você

Eu deveria ficar? Seria um pecado

Se eu não consigo evitar me apaixonar por você?

Como um rio que corre, certamente para o mar

Querida, é assim, algumas coisas estão destinadas a acontecer

Pegue minha mão, tome minha vida inteira também

Porque eu não consigo evitar, me apaixonar por você"

 

A música terminou e Daniela se separou um pouco dela com um sorriso tão lindo quanto o amor que existia entre elas.

-- A partir de hoje, essa será a nossa música. Can't Help Falling In Love. Porque eu não consigo evitar me apaixonar por você todos os dias.

Com essas palavras, Daniela a puxou de encontro ao peito e Yasmin encostou-se nela fascinada e cada vez mais apaixonada.

 

A garota de cabelos ruivos colocou uma das mãos no peito de Bianca e murmurou com voz sensual:

-- Você é muito mais bonita de perto, Bianca.

-- Por favor, Elis -- ela começou a protestar.

-- É sério, bonita e dança bem.

-- Obrigada! -- seu sorriso era tímido e despretensioso.

-- Você já percebeu que o Ano novo é igual todo ano, um dia após a virada é aquela dor de cabeça da bebedeira, um mês depois é a dor de cabeça das contas que ficaram sem pagar pra ter a bebedeira -- disse Elis, sorrindo.

-- E tem aquela pessoa que não me deu nem um bom dia o ano todo e agora quer me desejar feliz ano novo -- comentou Bianca, também sorrindo.

-- No final do ano passado pulei sete ondas pra entrar com sorte no ano novo e não fez diferença. Ando tão azarada que tô precisando pular sete tsunami.

Bianca sentia-se hipnotizada com a alegria que emanava da ruiva e que a fazia acreditar ter conquistado algo muito especial. Sempre sonhara em se encontrar assim frente a frente com uma mulher maravilhosa como o que tinha em seus braços.

Estou dançando! E de rosto colado! Pensou ela entusiasmada. Bianca sentia seu corpo quente, parecia ter vida própria. Por um segundo, fechou os olhos, mas reabriu-os logo. As emoções que tinham tomado conta dela a deixavam assustada. Tinha vontade de gritar: Ei pessoal, estou me apaixonando!

Quando a banda anunciou o intervalo, separaram-se e foram, de mãos dadas, para a mesa.

-- Pessoal essa aqui é a Elis. Digam oi para a Elis.

-- Oiiii... Elis.

-- Oi -- a ruiva respondeu descontraidamente e sentaram lado a lado, em cadeiras um pouco afastadas da mesa. Elis olhou pensativa para Daniela, parecia tentar lembrar de onde a conhecia -- Você por acaso não é a dona da industria farmacêutica?

-- Eu mesma -- Daniela abriu uma garrafa de champanhe e serviu uma taça para si e outra para Yasmin -- Champanhe, Elis?

-- Sim, obrigada -- Elis inclinou o corpo para a frente e pegou a taça oferecida por Daniela -- Você deve ser feliz, é dona de um lugar cheio de mina: Escopolamina, Neostigmina, Dopamina, até a Tiamina.

Elis e Bianca riram muito.

-- Yasmin, meu amor. O suicídio é um ato pessoal e intransferível, ou posso delegar para terceiros realizarem em meu lugar?

-- Dani! Não cisma. Talvez a Bianca tenha finalmente encontrado a sua alma gêmea.

-- Uns tem alma gêmea, outros alma penada, enfim, cada um tem a alma que merece.

Roberta se levantou da cadeira e estendeu a mão para Lavínia.

-- Por favor, querida -- disse solenemente -- Eu e Lavínia temos um comunicado importante a fazer.

Daniela balançou a cabeça, tomou um gole de champanhe e cochichou no ouvido de Yasmin:

-- Outro casamento? Isso aqui está parecendo final de novela.

Yasmin sorriu, extremamente feliz.

-- Nós decidimos iniciar o ano de 2018, morando juntas -- disse Roberta, segurando as mãos de Lavínia com força -- Essa é a mulher com quem quero passar o resto de minha vida.

Lavínia baixou a cabeça emocionada, mas Roberta, com a mão sob seu queixo, a fez levantá-la de novo.

-- Eu te amo, minha princesa -- disse ela encontrando dificuldade em respirar.

Houve uma salva de palmas acompanhada de gritos e assovios.

A banda retornou com um ritmo mais animado.

-- Vamos dançar pessoal!!! -- berrou Matias, secando as lágrimas.

Quase sem interrupção a banda continuou tocando até próximo da meia noite. Daniela olhou no relógio e pegou a mão de Yasmin.

-- Vamos até a sacada? Quero ver os fogos de lá.

O Réveillon da Avenida Paulista teria 15 minutos de queima de fogos, shows com diversos cantores e dez telões de LED instalados.

-- O que esperar de um 2018 que começa na segunda-feira? -- brincou Daniela.

-- Eu espero paz, muita paz -- disse Yasmin, com a voz profunda e esperançosa.

-- Sabe amor, depois que os meus pais faleceram tudo isso pareceu perder a graça. Natal, Réveillon, nada mais tinha sentido.

-- E hoje, ainda não tem sentido?

-- Eu pensei, sinceramente, que nunca mais teria. Hoje estou aqui pensando que não vejo a hora dos meus gatinhos crescerem para vivermos juntos o verdadeiro significado do Natal. O ano novo traz consigo a possibilidade de reorganizar a vida, consertar erros, fazer coisas diferentes, essa promessa do "novo" é fundamental para nós e é isso que quero que eles aprendam.

Yasmin sentia-se envolvida pela magia do momento. Parecia um sonho, fechou os olhos, juntinhas em completa comunhão de espírito para iniciarem o Ano-novo.

A música parou e, a vocalista da banda anunciou que faltavam poucos minutos para a meia noite. Daniela tomou as mãos de Yasmin entre as suas, os olhos azuis brilhando. A volta delas, as pessoas começavam a contagem regressiva para a chegada do ano-novo.

-- Cinco... quatro... três... dois... um! FELIZ ANO NOVO!

Entre gritos de alegria e promessas de amor eterno, elas se abraçaram e se beijaram.

Soaram então, os primeiros fogos. O céu ficou iluminado pelos fogos de artifício coloridos, como se fossem pequenas luminárias. Uma cascata de luzes e cores que era lançada do alto do prédio e se estendia em direção ao chão formando uma espécie de cortina iluminada.

Serpentinas e confetes caíam sobre elas.

Daniela olhou para o cabelo de Yasmin cheio de confetes e, com um sorriso ela sussurrou:

-- Feliz ano novo! Para nós e para os nossos gatinhos.

 

 

Querida Leitora.

Por todo 2017 estivemos juntas, rindo, chorando, dividindo experiências. Foram tantas emoções. Não é mesmo?

Que em 2018 continuemos juntas nesse maravilhoso mundo só nosso. Repleto de sonhos e de final feliz.

Que as realizações alcançadas em 2017, sejam apenas sementes plantadas, que serão colhidas com maior sucesso no ano vindouro...Feliz 2018!

Cheio de Luz e Paz.

Vandinha.

 

 

Créditos do capítulo:

Créditos:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Zool%C3%B3gico_de_S%C3%A3o_Paulo

 

 

 

 

Fim do capítulo