As duas ficaram paradas, uma de frente para outra, avaliando-se e só despertaram quando Enzo quebrou o silêncio com um gritinho.

-- Oi filho? – olhou para o menino e aproveitou a oportunidade de quebrar o clima. – Essa é tia Isadora... – voltou a olhar os incríveis olhos verdes que pareciam surpresos. – Você ainda não o conhecia, esse aqui é meu filho, Enzo. – Isadora olhou para criança e lhe fez um carinho.

-- Ei, lindo... – sorriu. – Como você se parece com sua mãe! – foi pega de surpresa, não sabia o que falar e foi à primeira coisa que lhe veio à cabeça: a semelhança entre mãe e filho. As duas voltaram a se olhar e desta vez foi Melissa quem quebrou o silêncio.

-- O vô não está?

-- Ele foi à fazenda vizinha ajudar no parto de uma vaca. – respondeu enquanto brincava com a mãozinha do menino que, por sua vez, achou interessante a brincadeira.

-- Nesta chuva? – perguntou assustada. – O rio está enchendo.

-- Eu sei, mas ele disse que não demoraria e...

-- Isadora, este rio enche rápido, você sabe disso. – disse preocupada.

-- Eu sei, mas o que posso fazer? Amarra-lo aqui na sala? Melissa, você parece que esqueceu como vovô é. – a morena jogou a cabeça.

-- Sei muito bem como ele é, e quem saiu igual. – foi irônica.

-- Doutora Cristina, onde posso deixar essas coisas? – o segurança interrompeu.

-- Ah! – voltou a olhar para Isadora. – Será que podemos... – apontou para dentro.

-- Cla... Claro. – a loira se atrapalhou e saiu da frente. Quando o segurança deixou tudo dentro da sala a olhou.

-- A senhora tem certeza disso? Quando o rio encher não terá como atravessar.

-- Tenho sim. – olhou para o homem. – Depois que encher, nem você e nem ninguém atravessará. – olhou para fora e concluiu. - Estarei preparada para qualquer tipo de surpresa. Aproveite para ficar um pouco com seus pais.

-- Qualquer coisa a senhora ligue que venho nem que seja a nado. – brincou e Isadora não gostou.

-- Pode deixar. – agradeceu com educação e quando o homem saiu foi à vez da loirinha despejar um pouco de ironia.

-- Melissa Cristina, a linda sereia como sempre enfeitiçando os mais desavisados com seus encantos.

-- Sim... – balançou a cabeça. - Até fico envaidecida pelo comentário que enaltece minha aparência... – deu de ombros. – E neste caso, o desavisado é gay. – entrou com o filho e o colocou no carrinho que o segurança deixou preparado. – Então, onde Lurdes está?

-- Ela já foi. – a observava. – Vovô a liberou antes que começasse a chuva.

-- Ótimo! – Melissa olhou assustada. - Agora estamos sozinhas? – Isadora teve vontade de rir com a expressão de surpresa da morena.

-- Algum problema com isso? – perguntou com disfarçada inocência.

-- Em ficar sozinha com você? Não. Só pensei na comida de Enzo. – disfarçou. Quando Isadora pensou em falar, o telefone de Melissa tocou e ela atendeu sorrindo, já sabia quem era. – Oi... Eu sei querida, mas está chovendo muito e acabei enrolada... – Isadora a ouvia com atenção, não se deu ao trabalho de fingir fazer outra coisa. Camila estava preocupada, Melissa havia prometido ligar quando chegasse ao sítio, mas acabou esquecendo. – Está tudo bem, não se preocupe... Sim, ele está brincando e daqui a pouco vai comer para dormir, ficou um pouco irritado com a viagem... – falaram um pouco mais sobre os incômodos da viagem, despediram-se e Isadora se irritou com o carinho como ela falava, saiu deixando-a sozinha com o filho. Melissa percebeu e não se importou, deu de ombros e foi em direção ao quarto que sempre ficava com o filho, mas Isadora a chamou antes de entrar.

-- Estou no meu antigo quarto, mas se você quiser...

-- Não! – respondeu enquanto abria a porta. Parou para olha-la e explicou. – Eu tenho um quarto preparado aqui, ao lado do seu. – a loirinha ficou surpresa.

-- Eu não sabia. – respondeu com um fio de voz.

-- Vovô quem preparou tudo. – sorriu. - Obrigada, mesmo assim. – ela não sabia muito bem o que falar, pegou as bolsas dela e do filho e entrou, Isadora sentou próximo ao menino e voltou a brincar com a mãozinha. Quando a morena retornou para pegá-lo parou surpresa com a cena. – “Como seria mais fácil se você tivesse aceitado desde o começo.” – Isadora despertou e olhou para morena.

-- Ele é muito fofo... – sorriu. – Eu pensei... – parou no meio da frase e baixou a cabeça.

-- Pensou que ele se parecia com Joaquim? – a loirinha a olhou com vergonha.

-- Melissa...

-- Não se preocupe você não é a primeira e nem será a última pessoa a pensar isso. – abaixou-se para pegar o menino. – Vamos tomar banho, gatinho? – a criança abriu os bracinhos para ela com um sorriso.

-- Ele é isso mesmo. – Melissa a olhou com uma expressão de dúvida e ela se explicou. – Gatinho.

-- Mas agora esse gatinho vai tomar banho, comer e depois dormir.

-- Você quem cuida dele? – Melissa voltou a olhar com a mesma expressão de dúvida e ela se explicou. – Digo, não tem ninguém para ajudar?

-- Tem uma babá, mas a maior parte do tempo eu prefiro ficar com ele. – beijou a bochecha do menino enquanto tirava sua camiseta. – E a noite, Camila me ajuda. – Isadora não gostou do que ouviu.

-- Camila? – perguntou demonstrando indiferença. Melissa avaliou seu jeito, tom usado e balançou a cabeça.

-- Claro! Na outra noite... – estreitou os olhos. - Era você quem estava naquele banheiro. – afirmou, sem tempo para Isadora se defender. – Então sabe quem é Camila, não preciso explicar.

-- Ela é bonita. – tentou usar o mesmo tom de indiferença.

-- Eu sei. – piscou e Isadora ficou mais irritada.

-- Estão morando juntas? – a empresária voltou a observa-la.

-- Estamos mais juntas do que separadas. – respondeu sorrindo.

-- Eu vou fazer um café, aceita? – tentou conter a raiva, mas sabia que seu rosto estava vermelho. Queria bater em Melissa e extinguir aquela expressão cínica e irritante.

-- Pode ser, mas depois de dar banho nesse rapazinho. – sorriu e saiu. A loirinha foi para cozinha irritada.

-- Calma Isadora... Inspira, respira e não pira. Veja a luz no final do túnel. – disse para si mesma, mantendo a calma.

-- Isadoraa... – Melissa gritou chamando sua atenção. Ela correu com curiosidade.

-- Chamou? – viu a morena colocar a cabeça para fora do banheiro.

-- Não olhe muito para luz do túnel, ou melhor, “não vá para luz Isadora”. – respondeu sorrindo. A loirinha lhe deu as costas irritada e saiu bufando.

“Merda! Havia esquecido essa audição maldita.” - pensou irritada. Voltou a colocar o pó no coador enquanto a água fervia e de repente, sorriu. – “Ela se lembrou desse filme que assistimos enquanto namorávamos... Isadora este pode ser um trunfo.” – mudou a fisionomia de irritada para feliz. – “Ela se lembrou do filme, então se lembra de muito mais coisas boas...” – estava sorrindo feliz.

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Melissa terminou de arrumar o filho quando a loirinha a chamou.

-- Melissa Cristina, você quer comer alguma coisa? – a advogada revirou os olhos e cochichou para o filho.

-- Ela sabe que odeio ser chamada assim... – beijou o menino e gritou. – O que você está fazendo? – levantou-se e foi em direção à cozinha levando uma bolsa pendurada enquanto Enzo estava em seus braços.

-- Não fiz nada. – mostrou a panela aberta. - Lurdes deixou uma sopa.

-- Parece boa... – respondeu após sentir o aroma.

-- Vou preparar umas torradas, quer?

-- Claro. – colocou a bolsa sobre a mesa e foi até a área, pegou uma cadeira de madeira e colocou ao lado da mesa. Isadora a observou.

-- Você tem quarto com berço, uma cadeira para criança... – Melissa a olhou com curiosidade. – Vovô assumiu mesmo o papel de avô “emprestado”. – frisou bem o emprestado.

-- Talvez este empréstimo seja mais palpável do que atenção da neta titular. – respondeu e voltou a acomodar o menino. Isadora respirou fundo.

-- Tudo bem, eu fui infeliz na minha colocação, só não imaginei que você o visse com tanta frequência. – Melissa respondeu sem olhá-la.

-- Todos os meses eu tiro uns dias, mesmo que seja apenas dois, mas não deixo de vê-lo. – a olhou rapidamente e se ergueu, depois pegou uma panela e colocou água para esquentar. – Apesar de não ser meu parente de sangue, o considero muito. Amigos são parentes que escolhemos na vida, e não imposta por ela. Hoje posso dizer que não vejo diferença entre meu avô José e meu avô Eliezer

-- Desculpe, não quis ofendê-la. – disse envergonhada.

-- Eu sei. – foi irônica. Virou-se para pegar a mamadeira do menino e colocou sobre o balcão, quando pegou a panela, a água respingou e queimou sua mão. – Ai! – abriu a torneira e colocou a mão deixando a água cair.

-- O que foi?

-- Respingou água quente. – Isadora foi até ela e pegou sua mão, desligou a torneira e avaliou com cuidado a mão da morena. Olhou dentro dos imensos olhos azuis e beijou sua mão com carinho como se aquilo aliviasse a sua dor. Parecia enfeitiçada com o momento, beijou e depois não resistiu, ch*pou dedo por dedo. Melissa sentiu o coração acelerar ao simples toque da mão da loirinha com a sua, e após o beijo, seu coração galopava, estava ofegante, procurou as esmeraldas, e quando seus olhos se cruzaram, por segundos, sentiu como se o tempo voltasse. Sem perder o vínculo com os olhos azuis, Isadora ch*pou cada dedo daquela mão que amava. “Sim!” Pensou enfeitiçada pelo jeito meio assustado e surpreso com que Melissa a olhava. Sentiu seu sex* latejar e um sorriso surgiu com aquela descoberta: o desejo que tinha de leva-la para cama e lhe fazer sua. Melissa observou a mudança de cor nos olhos verdes, que perdiam a inocência da sua Isadora, dando lugar a um tom mais luxuriante. Imediatamente, ela quebrou o vínculo e voltou a colocar a mão embaixo da torneira e abriu. – Agua fria alivia a dor e hidrata a pele para não formar bolhas. – explicou-se cortando o clima instalado.

-- Ah... – Isadora respondeu assustada com a mudança de comportamento. Sem saber o que fazer e como agir, foi até a geladeira e pegou um pouco de água. A morena se aproximou e quebrou o silêncio.  

-- Acho que a sopa já ferveu. – queria encerrar de vez com aquela conversa.

-- Sim... Claro!

Melissa preparou a comida de Enzo e ofereceu ao menino que mal terminou e já havia adormecido. Ela o embalou e colocou no carrinho, voltou à mesa, se serviu da sopa e pegou uma torrada. Isadora apenas a observava, sem falar nada.

-- Acho que estava mesmo com fome ou esta sopa que está deliciosa.

-- Coloquei requeijão nestas torradas. – apontou para uma cesta.

-- E eu peguei estas sequinhas... – lamentou brincando. – Como você consegue comer este negócio sem sabor?

-- Nem todos tem o corpo escultural que você tem. Alguns mortais, simples, como eu, por exemplo... – sorriu com ironia. – precisam malhar e cuidar da alimentação.

-- Também cuido da minha alimentação... – respondeu com a boca cheia. -... E do vô, pode olhar, este requeijão é light.  – afirmou no mesmo tom descontraído que Isadora usou. – E desde que a conheço você sempre comeu muito e nunca se preocupou com corpo.

-- Eu sempre tive um bom metabolismo, mas, depois da idade... – riu. – preciso me cuidar mais. – Melissa revirou os olhos.

-- Que idade Isadora? Sou mais velha que você e ainda tive um filho, eu quem deveria apresentar essa “nóia” e estou bem tranquila.

-- Mas você é uma cara de pau, Melissa Cristina. - pegou a torrada que estava na mão da morena.

-- Essa era minha! – reclamou e Isadora deu uma gargalhada. Relembraram a época do colégio e prosseguiram em uma conversa descontraída por alguns minutos, até Isadora tomar coragem.

-- Mel...

-- Sim... – servia-se de mais sopa.

-- E como você está?

-- Bem. – respondeu sem entender.

-- Está feliz? Seu namoro lhe faz feliz? – Melissa parou de comer e a observou.

-- Isadora... – tomou um pouco de água e voltou a observa-la. Isadora conhecia bem essa maneira de agir. – Não sei muito bem o que você quer saber, mas desde o dia que você saiu e me deixou em nossa cama, depois de uma noite maravilhosa, eu sofri. – bebeu mais um pouco da água e colocou o copo sobre a mesa. - Chorei por dias, não queria comer e até me machuquei em uma queda de cavalo... – forçou o sorriso. – E você sabe como sou boa em domar cavalo, nunca havia caído de um.

-- Mel... – a morena lhe fez um sinal para esperar.

-- Naquela época eu não sabia mais o que era felicidade, amor ou esperança, até você me pedir para confiar. – forçou um sorriso. - Confiei, acreditei na sua palavra, fui aos Estados Unidos e deu naquela confusão. Quando voltei, muito pior do que já estava... – jogou a cabeça e encarou os olhos verdes que estavam cheios d´água. – Eu não tinha mais fundo do poço para chegar... – deu de ombros. – Aconteceu a gravidez inesperada e você voltou para cumprir sua promessa, mas em nenhum momento pensou no Enzo como “nós”. – a loira esboçou uma reação, mas Melissa fez sinal para que ela esperasse. - Isadora, você não incluiu o “nós” nos seus planos, sempre “eu e você”... – jogou a cabeça. – Depois veio à história de ficar comigo se eu a seguisse. Falou de sonhos, carreira, vida boa só no “eu” e “para mim”. Quando você voltou para seu mundo, eu conheci Camila... Ela soube ser uma amiga discreta e companheira. Logo depois Enzo nasceu e ela desapareceu... – parou por segundos pensando em como falar. - Aquilo me incomodou... Depois de tudo o que me aconteceu estava sentindo falta de alguém que não fosse você. Eu me dei essa oportunidade... - pegou a mão da loirinha e apertou. – Ela me fez observar as coisas por outro ângulo... – sorriu ao se lembrar da morena. - Eu sou muito feliz com Camila. – Isadora deixou as lágrimas rolarem pelo seu rosto e Melissa limpou com a mão, observando-a mais um pouco. – O tempo passou como tudo passa e levou a dor e minha solidão. – a loirinha forçou o sorriso e Melissa voltou a beber água. – Então... Será que eu posso lhe perguntar se você é feliz? – Isadora ponderou a pergunta e resolveu ser honesta.

-- Eu não tenho o principal para ser feliz.

-- O que? – Isadora pegou as mãos de Melissa e apertou, olhando-a nos olhos concluiu.

-- Você. – Melissa acariciou o rosto da loirinha, sem perder o contato visual e sorriu com ternura.

Fim do capítulo