Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 60

Daniela abriu os olhos lentamente, suas pálpebras estavam pesadas. Precisou concentrar toda sua energia nesse ato. Ela piscou os olhos várias vezes sob a claridade ofuscante.

-- Oh, Deus! Ela acordou! Está acordada! -- um sorriso de felicidade iluminou o rosto de Yasmin -- Eu te amo, eu te amo -- ela encheu o rosto da loira de beijos.

A voz de Yasmin ecoou nos ouvidos de Daniela. Sentiu vontade de voltar a fechar os olhos, mas lutou contra o impulso. Mesmo entorpecida pelos remédios, notou a cama branca, paredes brancas e tubos presos ao seu braço. Só podia ser um hospital. Pensou, confusa.

-- Vou chamar o médico! -- disse Bianca.

-- Como está se sentindo, meu amor? -- Yasmin fez um carinho na cabeça de Daniela.

Ela tentou responder, mas sua boca não cooperava. Seus lábios e garganta estavam secos e sentia uma dor muito forte em sua barriga.

Uma enfermeira apareceu aos pés da cama, com uma bandeja nas mãos.

-- Olá! Meu nome é Amanda. O doutor Romeu chegará num minuto -- ela sorriu para Yasmin e colocou a bandeja sobre o criado mudo -- Nossa garota deve estar com dor.

Em resposta Daniela contorceu o rosto numa expressão que confirmava as suspeitas da enfermeira.Tentou mover-se, mas não conseguiu.

-- Eu trouxe remédios para aliviar a sua dor -- Disse a atenciosa profissional, pegando uma seringa da bandeja.

-- Acho que ela está com sede -- constatou Yasmin.

-- Você pode pegar um copo de água e uma gaze para molhar os lábios dela -- disse a enfermeira -- Ela ainda não pode beber água.

Yasmin assentiu.

-- Já volto, amor.

Quando Yasmin retornou, veio acompanhada por um homem que se apresentou como Dr. Romeu.

Daniela sentia tanta dor que mal conseguia pensar.

-- Estou feliz por vê-la finalmente acordada, Daniela -- o médico disse, parecendo sincero.

-- Estou... Com muita dor -- disse num fio de voz.

-- Faço idéia -- afirmou o médico -- Além da Morfina, aplique um sedativo nela, Amanda -- ordenou à enfermeira -- Sua recuperação foi surpreendente. Você chegou aqui em más condições e agora...

Daniela nem ouvia o que o Dr. Romeu falava, tanto era a sua dor. Felizmente a enfermeira Amanda aplicou a bendita injeção e o alívio foi quase imediato.

-- Desculpe Daniela, mas preciso examina-la.

-- Aguenta só mais um pouquinho, amor -- Yasmin tinha os olhos brilhantes de emoção.

A enfermeira retirou algum tipo de atadura que estava em seu abdômen para que o doutor pudesse examiná-la.

A dor felizmente havia passado, agora sentia apenas o toque das mãos do médico contra a sua barriga, pouco acima da cintura.

Há quanto tempo estaria ali? Daniela não fazia idéia.

-- Toda a dor da cicatrização é necessária e, quando o ferimento estiver cicatrizado, você olhará para a cicatriz e nem lembrará que um dia sentiu tanta dor -- comentou o médico.

O Dr. Romeu ainda ficou mais alguns minutos, examinando-a, e depois saiu.

Yasmin puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama, bem próxima de Daniela.

-- Como se sente? -- indagou.

-- Estou tão carente amor, que se um pernilongo me ch*par eu gozo.

Yasmin enfim, conseguiu sorrir mais tranquila.

-- Essa é a minha Dani de volta.

-- Como estão os gatinhos? -- a preocupação invadiu sua mente confusa.

-- Eles estão bem. A Débora e a Paula estão ajudando a cuidar deles enquanto eu fico aqui no hospital.

-- Quanto tempo estou aqui?

-- Você esteve em coma pelas duas últimas semanas.

-- Caramba! -- Daniela começava a sentir as pálpebras pesadas -- Quero ver os gati... -- ainda tinha os olhos abertos quando sentiu Yasmin encostar seus lábios aos dela e beijá-la de leve -- Estou com... -- fechou os olhos e dormiu.

Bianca bateu à porta e entrou, sem esperar que Yasmin lhe desse permissão.

-- A loira voltou a dormir? -- sentou-se em uma cadeira do outro lado da cama.

-- Ela estava com muita dor, a enfermeira a medicou com Morfina e um sedativo. Provavelmente ela vai dormir até amanhã.

-- Já conversou com ela sobre o Pedro e a Anita?

-- Ainda não. Decidi esperar mais um pouco -- com um sorriso afetuoso, Yasmin olhou preocupada para Daniela -- Ela estava muito confusa e fragilizada devido a dor.

-- Agiu bem, melhor esperar mais um pouco -- Bianca passou a mão alisando os amassados do lençol -- Que tal descansar um pouco? Você só tem ido em casa para tomar banho e trocar de roupa. Precisa se cuidar, Yasmin. Você tem dois bebezinhos que sugam demais as suas energias.

Yasmin deu uma risada. Estava mais magra, seu rosto cansado, suas olheiras eram a prova de que Bianca tinha razão. Porém, queria estar ao lado de Daniela, caso ela a chamasse.

-- Não se preocupa. Eu fico com ela -- insistiu Bianca -- Prometo não sair um segundo do lado dela.

-- Não sei... -- disse hesitante -- E se ela acordar?

-- Depois dessa morfina que a enfermeira aplicou, ela não vai nem perceber a diferença entre nós duas.

-- Gracinha! -- Yasmin se levantou -- Eu vou, mas vê se não apronta.

-- Deixa comigo -- disse Bianca, batendo no peito.

-- Sei -- Yasmin beijou Daniela na testa. Depois ajeitou melhor o cobertor sobre ela -- Amanhã, logo cedo, estarei aqui -- antes de se retirar do quarto, Yasmin ainda deu uma olhada em Daniela, a loira gravemente ferida que tanto a preocupou, agora dormia profundamente.

Bianca foi até a porta para certificar-se de que Yasmin realmente foi embora.

-- Bem -- ela finalmente murmurou -- Agora parece que somos só nós duas, querida -- ligou a televisão e aumentou o volume.

A transmissão começava naquele momento.

"Boa noite, amigos! A partir de agora, acompanhe conosco tudo o que rola sobre Flamengo x Independiente. A partida começa às 21h45".

-- Está ouvindo, loira? Trouxe até umas cervejinhas e uns salgadinhos para a gente comemorar o título do mengão -- Bianca deu uma risadinha debochada -- Ah! Esqueci que você é tricolor, décimo quarto no campeonato brasileiro, vice no carioca...Tá sentindo o cheirinho de titulo? Timaço, né? "Quem cala, consente".

Embora Yasmin tivesse contratado uma ótima babá, Débora e Paula fizeram questão de cuidar pessoalmente dos gêmeos.

Paula segurou Débora pelo braço e conduziu-a para fora do quarto dos bebês.

-- A Dara está dormindo, vamos para a sala.

Débora virou-se para encarar a loira que estava parada à porta com Daniel no colo. Rugas de preocupação marcavam o rosto de Débora.

-- Acho melhor não deixá-la sozinha -- ela hesitou e respirou profundamente.

-- Deixa de besteira. O berço é o móvel certo para o bebê dormir. Nele ela está protegida de cair ao despertar ou ao se movimentar -- Paula meneou a cabeça, olhando para o lindo afilhado -- Só esse chorão que não pensa assim -- sentou no sofá com ele sobre as pernas. O menino mexia-se sem parar, esticando as pernas e os braços.

-- Ela está um pouco resfriada, tadinha -- Débora murmurou, sentando-se também -- Você tem jeito com crianças.

-- Eu amo crianças. Quero ter umas cinco. Por isso aproveito a experiência para o dia em que resolver se tornar mãe.

-- Tomar conta de cinco crianças é uma coisa para a qual não estou muito bem preparada. Não sei se vou conseguir -- Débora murmurou.

-- Você não precisa ter cinco crianças. Pode ter apenas uma, ou duas...

-- Com você ao meu lado, eu vou conseguir -- a expressão dos olhos de Débora era suave e meigo.

Paula sentiu um aperto no coração. Ela segurou-lhe o queixo com os dedos e soltou um suspiro, ainda aturdida com as palavras da morena.

-- Escutei direito?

-- Não seja tola -- Débora repreendeu-a carinhosamente -- Você ouviu muito bem.

-- Você não sabe quanto isso significa para mim.

-- Para mim também -- Débora segurou-a afetuosamente pelo ombro, beijando-a rapidamente na boca -- Agora que recuperei minha memória, estou pronta para o amor. Estou pronta para algo mais...Quente.

-- Que safadeza é essa na frente do meu menino? -- disse Yasmin, com as mãos na cintura.

Paula e Débora deram um pulo de susto e se afastaram uma da outra rapidamente.

GOOOL DO FLAMENGO!!!

"O placar está aberto no Maracanã! Diego cobra falta na área, Juan desvia e Réver chega no segundo pau para cruzar. A defesa bate cabeça e Paquetá chega para concluir praticamente debaixo do travessão! Tudo igual no placar acumulado" -- disse o narrador com todo o entusiasmo do mundo -- Maraca pulsando pelo Mengão!

-- Eu já sabia -- disse Bianca, fazendo uma dancinha estranha e um coração com as mãos -- Agora é só esperar pelo segundo gol, pelo terceiro, quem sabe pelo quarto. Morra de inveja, loira. No sentido figurado, lógico.

-- Desculpa Yasmin, estávamos só conversando -- Débora ficou vermelha de vergonha.

-- Eu vi você colocando as palavras dentro da boca da Paula -- o bebê sorriu, como se concordasse com a mãe -- Daniel além de chorão, vai ser um safadinho -- brincou com as amigas -- Vocês são maravilhosas, as melhores amigas do mundo e eu confio completamente em vocês -- colocou as chaves sobre a mesa e caminhou em direção ao corredor dos quartos -- Antes de me aproximar de vocês, vou tomar um banho bem caprichado. Deus me livre transmitir algum vírus ou bactérias para vocês.

-- Não se preocupe -- Débora tranquilizou-a -- Pode demorar o tempo que for necessário. Nós cuidamos de tudo, cunhadinha.

-- Ei, para que servem as madrinhas? -- Paula brincou com o queixo de Daniel.

-- Bianca contou que Daniela acordou, ficamos tão felizes que até estouramos uma champanhe. Amanhã vou até lá dar um cheirinho nela, falando em cheirinho, como será que está o jogo do Flamengo?

-- A Bianca deve estar uma pilha. Ela é fanática pelo mengo.

-- Espero que ela não esqueça da Daniela -- disse Yasmin, preocupada -- Também estou muito feliz, depois de longos dias tão cheios de tensão, dor, medo e esperanças, finalmente um dia feliz.

-- Hoje o dia foi só de comemorações -- a loira olhou para Débora com olhos apaixonados.

-- Sei, sei -- Yasmin olhou para as duas, divertida -- Na volta farei bastante barulho. Só para garantir que não pegarei vocês naquele: "algo mais...Quente" -- Yasmin olhou novamente para o menino -- Daniel, Daniel.

GOOOL DO INDEPENDIENTE!!!

"Barco bate no canto direito de César, que cai para o outro lado! Jogo empatado no Maraca, e argentinos na frente no placar acumulado"

-- Não! Não! Que trajédia! -- Bianca se descabelava.

"Árbitro de vídeo usado no pênalti do Independiente. Cuéllar na cobertura de Trauco. Fla precisa cuidar do lado esquerdo"

-- Eu sei que você deve estar comemorando, loira. Soltando fogos de artifício imaginários aí nessa sua cabecinha branca. Mas, você não perde por esperar.

"FIM DE PRIMEIRO TEMPO" -- anuncia o narrador -- "O árbitro apita e encerra a etapa inicial: 1 a 1 no Maracanã".

-- Voltaremos com tudo para o segundo tempo. Será um verdadeiro massacre. Quem viver verá! -- Bianca abriu uma latinha de cerveja e bebeu confiante.

Yasmin beijou as duas e apanhou o menino no colo de forma carinhosa. Abaixou a cabeça e encarou o filho -- Hoje a mamãe Dani perguntou por vocês, amorzinho. Ela queria saber se estão sendo bonzinhos com as dindas.

-- Pois pode dizer para a maninha que eles são dois anjinhos maravilhosos -- Débora beijou o garoto com veemência -- Estou até me acostumando com fraldas sujas de cocô, xixi, mamadeira, lenços umedecidos, creme antiassaduras, banho... Estou praticamente fazendo um curso preparatório para mamãe.

Débora saiu falando alto e rindo com entusiasmo.

-- Parabéns, Paula. Pela paciência, pela força, pelo amor persistente, vocês são maravilhosas e serão muito felizes.

Paula emocionada, simplesmente assentiu. Olhou para o afilhado e sorriu.

INACREDITÁVEL!

"Vinicius Júnior fica com a bola pela esquerda, cruza, e o goleiro Campaña sai mal do gol. A bola sobra para Diego, que tem a finalização bloqueada. Na sequência, Réver tem a chance, mas isola na finalização"

-- NÃOOO...Pé de bosta!

"FIM DE JOGO. O Independiente é campeão da Copa Sul-Americana 2017. Treinador Ariel Holan chora muito dentro de campo na comemoração. Jogadores do Independiente comemoram muito, e rubro-negros ficam desolados".

-- Inclusive eu... Vou me suicidar...Vou me jogar pela janela.

Ao abrir os olhos, sem saber quanto tempo depois, Daniela notou que a televisão estava ligada. O som alto do aparelho ressoava em sua cabeça. Olhando a seu redor, viu Bianca parada diante da televisão.

-- FUJA DA LUZ CAROL ANNE!!!! -- Daniela tentou se mexer, mas sentiu dores -- Ei, o que está fazendo aí, parada desse jeito?

Bianca permanecia paralisada, catatônica, mumificada, petrificada.

-- Eu hein? -- Daniela olhou para a embalagem com salgadinhos e deu um sorriso de felicidade. Estava louca de fome -- Hummm... Que cheirinho bom!

Bianca olhou para ela com os olhos vermelhos.

-- Se fizer piadinha, eu te asfixio com o travesseiro.

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Fim do capítulo