FREAKS por Marcya Peres
Capítulo 10
DESCENDO AO INFERNO...
No dia seguinte, um sábado, Lori ligou para as amigas e as convidou para um almoço na beira da piscina. Queria mostrar as fotos e contar as aventuras de sua viagem. Mark, de algum jeito descobriu que Lori voltara e ligou pedindo que também pudesse estar no almoço. Lori aquiesceu... “era melhor que ele fosse tratado do mesmo jeito que minhas amigas e entendesse de uma vez que não passará disso nunca!”
O dia passou agradável, com uma conversa leve e alegre sobre tudo o que Lorena havia visto de interessante, os lugares, os costumes, as pessoas. Lori comentou de sua mais recente amizade com o jovem Pietro...as meninas vibraram querendo saber tudo sobre o artista e Mark ficou bastante enciumado. Lori decidiu que seria bom que ele ficasse ciente que ela não estaria mais disponível, mesmo dizendo a verdade que entre ela e Pietro era somente uma bela amizade.
Nic não deu sinal. Trancou-se em sua ala e em sua próprias divagações. Soube das visitas por Anette e imaginou que Lorena podia acabar voltando a se acertar com Mark... “definitivamente, qualquer pessoa é melhor pra Lori que eu! Apesar de achar esse cara um imbecil, ainda assim acho que ela estará mais segura com ele por perto. Eu não sou digna de você, Lori!”...pensava, tentando convencer a si mesma da impossibilidade daquele envolvimento absurdo!
Todos se foram, menos Aline, a amiga de infância de Lori. Se conheciam há tanto tempo que nem lembravam como havia sido o primeiro encontro. Provavelmente na vizinhança brincando ou na escola elementar onde estudaram na mesma turma. O fato era que Aline sempre soubera ser uma amiga divertida e discreta, que partilhava gostos parecidos com Lori e também a mesma introspecção e reserva. Porém, estavam afastadas mais que o normal há alguns meses, desde que a menina havia se apaixonado pela primeira vez. Ela estava tão envolvida no novo romance, que admitia ter deixado um pouco de lado sua amiga quando esta mais precisava...
- Me sinto tão mal em não ter estado mais presente na sua vida nesses meses que passaram, Lori. Mas você sabe que sempre estive por perto e bastava me ligar ou gritar meu nome e estaria aqui de pronto pra te acudir ou então só ouvir, não sabe?!
Lorena riu da dramaticidade cômica da amiga...
- Claro querida! Não se sinta culpada. Entendo perfeitamente você estar tão envolvida e apaixonada por Lucio que nem percebeu o mundo em volta. Fique tranquila que não me senti excluida de sua vida...você esteve aqui nos momentos cruciais e isso é o que importa. Apesar de ter sido internada e da sonoterapia, eu sempre soube que você não arredou o pé da clinica e quando voltei, quem estava aqui pra me acolher e confortar?!
- Ah, Lori...eu amo tanto Lucio que tenho medo, sabia?! Todos dizem que somos novos demais e que isso é normal e um dia vai acabar...que é paixão de adolescentes! Mas não sentimos assim! Não é apenas sex*...é uma necessidade de partilhar tudo...todos os momentos...as alegrias...as tristezas! Sabemos que será muito mais que paixão de adolescentes...sentimos isso e não damos ouvidos a essa gente...só nós dois sabemos o que temos aqui dentro. Você sabia que vamos morar juntos em Nova York?! Passamos pra Universidade de Columbia e não vemos a hora de começarmos nossa vida juntos. Estamos viajando semana que vem, as aulas começam nesta segunda-feira.
- Estou muito feliz por você, amiga! Saiba que torço pela felicidade de vocês e farei muitas visitas ao casalzinho em Nova York, só pra atrapalhar...
Riram juntas, mas Aline tinha percebido, já há algum tempo, que Lorena tinha no olhar algo além da tristeza pela morte dos pais.
- Lori, eu sei que você e eu somos muito parecidas no jeito. Somos ambas reservadas, de poucos amigos, não gostamos de falar sobre nossas intimidades...mas não pude deixar de notar que tem algo te perturbando a alma...não vou te forçar a dizer nada...mas talvez te faça sentir melhor...sabe que pode confiar inteiramente em mim e jamais algo sairá da minha boca do que me disser aqui….
Lori sabia que realmente elas eram muito parecidas. Aline sempre foi muito discreta e por isso, apesar de adorar Suzy e Karen, ela sempre havia sido sua amiga mais próxima e em quem podia confiar pra trocar confidências. Nunca havia tido segredos, até descobrir sua paixão por Nic! Aquele sim era o grande segredo de sua vida, cuja revelação a alguém poderia ser uma temeridade, pois Nic poderia ir presa se alguém sequer desconfiasse de algo entre elas. Começou a falar pausadamente, escolhendo as palavras, com medo do que poderia vir a dizer...
- Tem algo sim, mas eu não posso falar...é algo que pode interferir de modo muito grave na vida de outra pessoa...então não me sinto no direito de revelar...desculpe amiga...
- Eu te compreendo! Só me diz uma coisa...é algo relacionado a Nic não é?!
Lori balançou a cabeça confirmando. Aline aproximou-se a tocou as mãos da amiga...
- Eu já tinha notado a tensão no ar quando vocês estão juntas. Karen e Suzy também já perceberam. Você por acaso se envolveu com ela mais do que deveria, Lori?!
Lorena nem precisou dizer mais nada. Seu olhar de desespero já denunciava que as suspeitas da amiga, sempre tão observadora, estavam corretas.
- Ah, Lori! Como isso foi acontecer! Nic é muito perigosa! Eu nem sei o que te dizer! Aconteceu algo entre vocês...quero dizer...mais íntimo?!
Lori estava com a cabeça baixa e os olhos já começavam a aguar...
- Não! E sabe por que?! Porque ela não quis! Ela resistiu e não permitiu que eu fizesse tudo o que o desejo louco que sinto gritava pra fazer!
- Meu Deus! Você se apaixonou por Nic?!
Aline falava num sussurro de espanto, para que nem mesmo uma mosquinha fofoqueira pudesse ouvir e vir a espalhar aquela bomba!
Lori deixou as lágrimas cairem, pois precisava muito desabafar suas mágoas e sabia que em Aline podia confiar seu segredo...
- Eu não sei como nem quando esse sentimento começou a crescer em mim, Aline! Só sei que a cada dia me sentia mais próxima de Nic...queria vê-la todos os dias...saber o que estava fazendo...com quem...aonde! Até que um dia percebi no olhar dela que ela também estava se sentindo diferente comigo...que me olhava com desejo quando pensava que eu não estava vendo...o modo como ficava confusa e com raiva se por acaso se deixava flagrar num desses momentos...ela também me quer, mas foge desse sentimento que nem o Diabo da cruz! Ela diz que não acredita e não é capaz de sentir Amor...e sabe, às vezes eu tenho quase certeza que ela está certa! Ela é tão intratável...amarga...dura...mas ao mesmo tempo eu sei que tem muito mais que isso dentro de Nic! Eu sei, porque vejo! Vejo nos seus olhos quando me olha sem as reservas a que se impõe...vejo no jeito que me toca quando se distrai e permite que isso aconteça...vejo no modo como foge desse desejo só pra me proteger porque sabe o mal que pode me causar...eu vejo Nic de um jeito que ninguém vê, talvez nem ela mesma!
Aline ouvia a tudo estupefata! Não sabia como ajudar a amiga nem o que dizer para confortá-la. Sabia da fama de Nic de pessoa cruel, com personalidade forte e intransigente, que não dava muito importância aos sentimentos alheios. Tinha ouvido tantas histórias da própria mãe de Lori. Sabia da bissexualidade dela, mas nem em seus pesadelos mais surreais imaginou que Lori pudesse vir a se apaixonar pela prima...ainda mais sabendo desde sempre quem ela era.
- Que cilada, Lori! Nem sei o que te dizer! Só sei que esse é um segredo que deve ficar bem guardado! Nic pode ser presa se algo acontecer entre vocês e alguém souber e acho que esse deve ser o maior medo dela! Já pensou que ela foge de você por causa disso?! Nic parece ser tão egoísta pra ser capaz de outro tipo de pensamento!
- Ela me diz isso o tempo todo! E é por isso que acredito que não é apenas por causa disso! Eu sinto que há algo mais...ela foge muito mais dos próprios sentimentos que de qualquer outra coisa! Eu sei disso! Não tem como explicar...do mesmo jeito que sabe o quanto Lucio será importante em sua vida...eu apenas sinto que Nic faz parte de mim e que apesar de negar isso, ela também me sente na vida dela como algo definitivo...é simbiótico!
Aline confortou a amiga...era tudo o que podia fazer naquele momento...não tinha conselhos pra dar ou nada que pudesse dizer pra fazer Lori pensar ou sentir diferente...também o que sabia ela pra tentar demover a amiga daqueles sentimentos...era algo fora de seu alcance!
- Lori, só quero que saiba que, apesar de ir morar longe de você, estarei sempre presente quando precisar! Me ligue, me escreva, me grite...mas não deixe de me convocar quando quiser um ouvido mouco ou um ombro amigo pra te confortar. São só 3 horas de vôo de NY até aqui, então não se faça de rogada...me chame! Eu só quero que você tenha bastante cuidado com isso que sente por Nic! Ela mesma reconhece e tenta te manter longe pra que não se machuque! Pense nisso, amiga! Se ela não quer, será que essa luta vale à pena?!
Lorena olhou pra amiga e disse num lamento...
- Realmente não sei!
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O interfone do quarto de Nic toca, tirando ela dos seus pensamentos em ebulição...
- Preciso falar com você!
A voz de Lori era suave, mas firme como sempre...Nic levou um susto e pega de surpresa reagiu...
- O que quer?! Pode falar agora, estou ouvindo!
- Eu quero falar olhando pra você!
- Mas eu não quero olhar pra você!
- A adolescente aqui sou eu Nic! Páre de agir que nem criança fugindo!
- Escute bem, Lorena! Eu estou tentando ser sensata pelo menos uma vez na minha vida e você não está colaborando nada com isso! Se quer me dizer algo, desembucha logo que não tô com paciência pra ouvir lenga lenga de pirralha!
Mudo! Lori havia desligado o interfone!
Não demorou nem dois minutos e a porta do quarto de Nic é aberta num rompante! Lori está vermelha e ofegante por ter corrido até lá antes que Nic resolvesse sair naquela noite de sábado! Nic estava sentada numa “long chaise” com um livro nas mãos...estava vestida pra sair como se apenas esperasse por alguém. A ária de uma Ópera tocava ao fundo...Lori conhecia bem, era a favorita de Nic e tinha ouvido aquela melodia por dezenas de vezes depois que soubera disso... “E lucevan le stele”, da Tosca, de Puccini !
Nic levantou de súbito e disse irritada...
- Será que você além de surda perdeu as boas maneiras?! Não ouviu ou não entendeu que não quero te ver tão cedo?!
- Ouvi e entendi perfeitamente! Mas não concordo com você!
Nic estava mais uma vez linda! Numa calça de couro preta que marcava toda sua silhueta e uma camiseta também negra, os cabelos soltos que lhe conferiam uma aura selvagem...Lori respirou fundo para buscar as palavras do que queria dizer...olhar Nic a fazia perder o rumo de seu raciocínio...
- Estou aqui porque tomei uma decisão e acho que você tem que saber...
Nic olhava Lori com o cenho franzido pela irritação, mas também com o receio de se deixar envolver novamente a assaltando...Lori continuou...
- Eu não vou desistir de você, Nic! Não vou desistir de nós!
Nic estava aturdida...
- Você não sabe o que está dizendo...
- Sei sim! Sei perfeitamente o que se passa comigo e sei o quanto você vai fazer de tudo pra tentar destruir isso, tanto em mim quanto em você! Mas eu não vou deixar! Eu um dia te falei que quando esse sentimento chegasse pra mim eu não o deixaria escapar...que ele viria e eu o aceitaria em mim...portanto, não vou permitir que você o destrua e sabe porque Nic?! Porque apesar de ser você a causa, ele não te pertence! E nem a mim ele pertence! Ele apenas me tomou e não sei o que você possa ter feito pra plantar em mim esse sentimento! Só sei que ele existe... faz parte de mim agora e não vou deixar que você o arranque sem lutar! Pode correr, pode fugir o quanto quiser...pode se jogar nas suas orgias...se afundar nessa ilusão de que domina alguém...mas saiba que nada do que fizer vai me demover dessa idéia...eu quero você pra mim!
Nic tinha a boca aberta e os olhos estáticos de surpresa...não sabia o que pensar..aliás, nem pensamentos tinha! Não conseguia acreditar que aquela menina que tirava seu sono e sua paz, estava ali, com toda determinação do mundo, dizendo que sentia algo profundo e que não a deixaria sair da vida dela... “Louca!”...
- Louca! Você só pode ter enlouquecido, Lori! Já parou pra pensar que isso pode ser apenas uma transferência de sentimentos?! Você perdeu seus pais, está se sentindo só no mundo e como sou sua única parente de sangue, está transferindo pra mim sua carência! Isso é uma estupidez ! Uma incoerência! Você é uma criança ainda, vai conhecer muita gente diferente no mundo...gente interessante, como seu amigo Pietro e tantos outros! Na Universidade vai encontrar tantas pessoas que te trarão sentimentos muito melhores e saudáveis que esse que você pensa ter por mim...não se iluda, eu não valho à pena!
Lori sorriu como quem aceita o inevitável...
- Pode chamar do que quiser Nic! Carência...transferência....brincadeira...paixão de adolescente...curiosidade...tesão! Mas quem sabe realmente o que sente sou eu! Você, eu tenho certeza que não sabe...ou se sabe, talvez nunca admita a verdade pra si mesma, que dirá pra mim...mas eu não vou me preocupar agora com suas confusões sentimentais....isso quem tem que resolver é você mesma...como eu admiti e reconheci o que sinto por você! Pra mim, você vale à pena, eu valho, essa paixão vale!
E novamente aquele olhar de quem está desvendando a alma de Nic! Nesse instante a buzina de um carro se faz ouvir em baixo da janela. Nic vai até a sacada e acena. Vira-se pra Lori e diz tentando parecer indiferente, mas seus lábios tremendo ligeiramente a denunciavam...
- Você vai ver que estou certa! Meu caráter é fraco! Meu respeito pelo outros é quase nenhum! As dores alheias não me comovem! Sou egoísta e libertina! Esse encanto que pensa sentir por mim vai se acabar na primeira vez que encontrar alguém descente que mereça seu carinho! Eu não sou esse alguém! Você é como seu Pai, muito melhor do que eu jamais vou poder alcançar e assim como ele, não merece ter em sua vida uma pessoa como eu ! Vá conhecer o mundo, Lori! Vá conhecer outras pessoas! Há muito mais que isso aqui que você está vendo! Tem muita gente decente e merecedora de um sentimento como esse! Eu não faço parte desse rol!
E antes que Nic alcançasse a porta, Lori a segurou pelo braço com firmeza e tocou seu rosto com suavidade e ternura...tocou a sobrancelha... desceu os dedos pela face pálida... e delineou a boca entreaberta com o polegar...disse como se falasse pra si mesma...
- Não quero provocar nenhuma situação que ponha você em risco com o Juiz tutelar! Eu vou fazer o que diz, Nic! Vou sair pra ver o mundo...conhecer outras pessoas...vou me permitir tentar encontrar esse alguém que você diz existir, só pra fazer a sua vontade! Mas eu sei que no final da minha procura, eu vou voltar e ver que tudo o que buscava estava aqui...em você! Eu posso encontrar o mundo todo, mas é aqui a minha morada...no seu peito...na sua alma! Pode fugir...eu te acho!
Nic desvencilhou-se daquele toque que a atormentava e desceu as escadas de sua ala correndo...fugindo literalmente daquilo tudo que Lori tinha revelado pra ela e mais ainda do que ela a fazia sentir. Foi ao encontro de Moly! Ali era o seu território! Aquela terra conhecia bem e sabia como pisar!
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As aulas na Universidade já haviam começado há uma semana e Lori precisou correr para pegar o que havia perdido com os novos colegas. Tinha que dirigir mais de uma hora pra ir e outro tanto pra voltar pra casa, mas fazia com tanta alegria e satisfação que o trajeto parecia sempre mais curto. Estava adorando as aulas, os professores e a turma de pouco mais de 20 alunos que faziam parte do curso de Arte e Design. E aproveitou toda aquela novidade para manter-se afastada de Nic o quanto pudesse. Ela tinha razão quando dizia que Lori deveria permirtir-se conhecer outras pessoas e quem sabe envolver-se com algumas. Era muito nova, e apesar de ter dentro de si a certeza do que sentia, ia acatar a vontade da própria Nic e ter outras experiências.
Nic cada dia mais se afundava na sua vida desregrada novamente. Precisava manter o corpo e a mente afastados daquele novo sentimento que a acometia e sobre o qual não queria pensar...incomodava muito...sentia sufocar! Voltou a jogar nos Casinos da região...adorava a adrenalina que a jogatina lhe trazia...mas com ela também vinham as dívidas...os 15.000 dolares que recebia mensalmente pela tutela de Lori, começaram a acabar antes do mês. A única decisão sensata que havia tomado nos últimos tempos foi não mais encontrar-se com ninguém dentro da casa de Lori. Deixava pra realizar sua fantasias e suas sessões ora em sua casa ora na casa de seus “escravos”, inclusive com Anette. Quando estava na casa de Lori, preferia ficar na sua ala e pouco ia aos jardins ou a piscina. Não queria ficar encontrando com ela e evitava as dependências comuns da casa. Havia percebido o quanto Lori estava empolgada com os estudos na faculdade e limitava suas conversas com ela a assuntos desse tipo...inofensivos...na maior parte das vezes apenas se falavam pelo telefone interno e quando os encontros eram cara a cara, Nic ficava poucos minutos e de pronto se afastava com alguma desculpa tola...não suportava aquele olhar!
Os meses passaram rápido e quando se deram conta já era fim de ano e suas festas típicas. O Natal seria dali há uma semana e Lori teria duas semanas de folga na faculdade. Vinha se comunicando com Pietro por e-mail e cartas desde que chegara e convidou o novo amigo pra vir passar com ela aqueles dias. O rapaz aceitou o convite e a oferta das passagens...Lori sabia que ele não teria como vir por conta própria. Gostava de Pietro, o considerava um amigo apesar do pouco tempo que conviveram e achava que tinham almas semelhantes...como sentia com sua amiga Aline. Sabia que seria alguém com quem passaria bons momentos e se divertiria bastante, sem ter que se envolver sexualmente... “dessa vez vou saber se ele é Gay ou não! Pelo menos ele me manterá ocupada e desvio um pouco meus pensamentos de Nic”.
Como vinha acontecendo já há algum tempo, Nic enjoôu de Moly! Não a queria encontrar mais, tinha perdido o tesão por ela e aquela dependência dela em narcóticos a irritava muito. Não atendia mais suas ligações e evitava os lugares onde poderia encontrá-la. Já até tinha dito a ela com todas as letras que não a queria mais, porém a mulher não se conformava com a rejeição tão dura! E esse fato iria trazer um grande problema pra a vida de Nic...
Naquela noite, Lori descia as escadas da ala central em direção à sala de jantar, quando ouve uma gritaria do lado de fora, nos jardins...não conseguia entender direito o que diziam, mas era uma mulher que gritava algo pra alguém! Saiu para a varanda da casa e viu uma mulher alta, loira, magra, parecia uma manequim profissional, em cima do capot do carro de Nic, gritando em direção à ala que ela ocupava...
- Tá pensando que eu sou o que hein, Nic?! Lixo que você joga fora?! Resto de comida estragada que te dá nojo?! Pois saiba que me pagam 30.000 dolares só pra eu mostrar minha cara numa passarela por alguns minutos, tá ouvindo?! Eu não sou o lixo que você me faz sentir não, Nic!!!
Lori olhava boquiaberta aquela bela moça cambaleando, como se estivesse embriagada, em cima do carro, berrando em altos brados, um monte de impropérios pra Nic...parecia estar difícil manter-se em pé e ela ia acabar caindo de cima do carro a qualquer momento! Nem precisou chamar por ninguém, pois em poucos minutos chegaram Antonio, Maria, Judy e Anette para ver o que acontecia do lado de fora.
Neste instante viu Nic surgindo, nem sabe de onde, aproximou-se do carro a falou com muita irritação...
- Você está chapada, Moly! Desça já daí ou vai acabar se machucando! Quem mandou vir até aqui?! Quem te deu esse direito, sua drogada dos infernos?!
Nic tentou alcançá-la pelas pernas, mas a mulher, numa agilidade fora do comum para o estado em que se encontrava, conseguiu subir até o teto do carro e continuar gritando...
- Sou drogada sim, mas também sou muito mais que isso pra você, Nic! Não adianta querer esconder da sua princesinha aí...
E apontou para Lori, olhando-a com os olhos injetados e a fala torta, completou...
- Você sabia que eu sou uma “escrava” de Nic há um ano e que agora ela diz que enjoôu de mim e não me quer mais! Pode uma coisa dessas?! Uma mulher linda como eu, que tenho vários homens ricos e poderosos aos meus pés, ser tratada como uma cadela leprosa!!! E sabe porque?! Lorena né seu nome?! Porque agora ela se diverte mais com essa aí...a sua Governanta...a piranha da Anette!!!
Anette estava lívida, não dizia palavra e olhava pra Nic com uma expressão de pavor!
Antonio vendo que a moça poderia cair a qualquer momento, pô-se ao lado do carro com os braços estendidos a fim de ampará-la caso ela caísse...
Nic era a fúria em pessoa...
- Páre com esse escândalo estúpido e desça já daí, Moly!!! Ou não respondo por mim!!!
- E pretende fazer o que comigo que já não tenha feito, Nic?! Me humilhar?! Me bater?! Me torturar?! Hahahahhahaha!!! Tudo isso você já fez!!! Então faça algo diferente...diga que gosta de mim, por exemplo...será que um dia você vai ser capaz disso, Nic?! Gostar de alguém de verdade?!
Lori olhava Nic e, neste instante, recebeu seu olhar de volta...Moly continuava...
- Soube até que já está procurando por uma nova vítima pra suas orgias com essa piranha aí e com o Gladiador...andou flertando com umas vagabundas lá daquele bar...eu não vou deixar que você me descarte assim, Nic! Eu acabo com você primeiro antes de acabar comigo!!! Eu vou destruir essa sua cara bonita!!!
E dizendo isso pulou para o capot do carro e logo em seguida pra o chão, com uma agilidade difícil de acreditar para as condições em que se encontrava. Tirou do bolso da calça que vestia um objeto e Nic logo pôde ver o que era e o que pretendia ela fazer...
Nic pensou rápido e seu corpo mais ainda...conseguiu desvencilhar-se do golpe que acertaria em cheio seu rosto e atingiu com violência o braço de Moly, fazendo com que a lâmina afiada que trazia fosse parar longe no chão...porém um filete de sangue mostrava que ela tinha conseguido cortar sua mão.
Antonio aproveitou e segurou Moly pelas costas enquanto esta bradava sua ira, se debatendo e esbravejando....
- Eu te odeio, Nic! Vou destruir você do mesmo jeito que você está me destruindo agora! Quero que você sofra e que sinta o que estou sentindo! Vou acabar com você! Morra, Nic! Morra!
E virando-se pra Anette completou...
- E você sua vagabunda enrustida...suma daqui ou então vou matá-la com minhas próprias mãos e jogar seu corpo para os crocodilos do meu lago!
Maria já havia ido ligar pra Polícia...aquela mulher não sairia dali pelas próprias pernas...
Lori assistia a tudo estupefata...era triste ver uma mulher tão bonita, chegar naquele estado de degradação...e tudo por causa de Nic...da falta de respeito e afeto que ela tinha pelos outros...olhou pra ela e recebeu de volta um olhar atormentado...parecia estar profundamente desconcertada com o que acontecia...mas o olhar de Lori era de pena para Moly, nojo pra Anette e raiva de Nic, por tudo aquilo que estava presenciando...
- Me solta seu brutamontes! Eu já falei o que queria! Quero ir embora desse lugar!
Nic pegou o canivete que estava no chão, segurava a mão que sangrava muito e falou pra Antonio...
- Pode soltá-la, Antonio! Ela vai embora agora mesmo! Eu vou levá-la daqui!
O homem a olhou espantado...
- O quê, Dona Nicole?! Essa moça quer matá-la e a Senhorita ainda vai com ela?! Não faça essa loucura, é perigoso!
Moly havia parado de se debater e olhava Nic como um animal ferido...
Maria diz aproximando-se de Nic...
- Eu já chamei a Polícia, Senhorita Nic! Eles vão levá-la, é mais seguro! E além disso sua mão...está sangrando muito...precisa de um médico!
Lori pela primeira vez pareceu sair do torpor que toda aquela cena lhe causava...tirou um pano que Maria trazia nas mãos e aproximando-se de Nic, segurou firme sua mão machucada...olhou nos olhos dela com mágoa e raiva contida...e envolveu a mão de Nic num torniquete apertado, que estancou o sangramento. Os gestos dela eram duros, sem o menor carinho...deixavam transparecer toda a indignação que sentia naquele momento...
Nic, sentindo-se extremamente envergonhada do acontecido, falou baixinho...
- Desculpe toda essa confusão! Jamais poderia imaginar que ela fosse capaz de tamanha insanidade! Está drogada, não tem controle sobre o que faz!
Lori soltou a mão de Nic com mais força que o normal e voltou a encará-la com aquele ar de desaprovação...demorou a falar e quando a voz saiu, era de puro desgosto ...
- É isso o que você faz com as pessoas que se metem com você, não é Nic?! Até quando será assim?! O que será que tem mais aí dentro do seu peito sem ser desprezo e indiferença pelo sofrimento alheio?!
E baixando bem o tom de voz para que apenas Nic ouvisse, completou...
- Jamais vou permitir que faça isso comigo!!!
Os olhos de Lori faíscavam e Nic sentiu uma profunda perturbação com aquelas palavras...
Nisso veêm as luzes de um carro de polícia aproximar-se. Antonio ainda segurava Moly e esta parecia estar agora tendo as primeiras reações inversas ao do início, a mistura de álcool e drogas começava a fazer o efeito contrário e a deixava mais grogue e menos agressiva, mal conseguindo manter-se de pé.
Dois policiais saltaram e, após os cumprimentos, Nic fez um breve relato do que havia se passado, porém ocultando sua mão atrás do corpo e omitindo o fato de ter sido agredida com um canivete. Conversou com eles por alguns minutos afastada do resto do grupo. Moly estava no chão, sentada apoiada na pilastra da varanda e parecia estar alheia a tudo o que se passava.
- A Senhorita tem certeza que não quer dar queixa por perturbação do sossêgo e invasão de domicílio?
- Tenho sim! Infelizmente minha amiga é adicta com drogas e precisa de tratamento adequando e não responder a inquérito policial. Desculpe o transtorno, mas minha funcionária assustou-se e se precipitou chamando vocês. Agradeço muitíssimo a presteza com que nos atendeu. Aceitam alguma coisa pra beber ou comer? Posso pedir pra que Maria providencie algo pra vocês....
- Não, Senhorita! Agradecemos a gentileza, mas precisamos ir...espero que realmente fiquem bem, se quiser a levaremos a algum hospital..vejo que ela não está nada bem...parece ter exagerado na dose...
- Muito obrigada, mas eu mesma me encarrego disso! Já a conheço e sei que quando ela fica assim, só precisa descansar um pouco...
- Mas mesmo assim vou ter que fazer um registro da minha vinda até aqui e pra isso preciso dos dados seu e dela...além disso farei uma recomendação à assistência social para que a encaminhe a um tratamento especializado...ela receberá uma intimação pra tal.
- Tudo bem! Faça seu trabalho do jeito que tem que ser!
Quando os policiais foram embora, Nic pegou Moly segurando-a pelos braços por trás...Antonio ajudou a levá-la até o carro e a colocaram no banco do carona praticamente desacordada...todos a olhavam chocados com o que tinha ocorrido ali...Anette não tirava os olhos do chão, tremendo e chorando.... Nic olhou pra Lori mais uma vez, não disse nada! Entrou no carro e levou Moly dali!
Nic dirigiu até o apartamento de Moly, há quase uma hora dali...entrou no prédio luxuoso e ajudada pelo porteiro, levou-a pra cobertura que ela ocupava...Moly já estava completamente apagada. Agradeceu ao homem, que já estava acostumado àquela cena. Ficou mais alguns minutos ajeitando a mulher desacordada...tirou suas roupas, deixando-a apenas de calcinha...colocou-a na cama e antes de sair escreveu um breve bilhete...
“Se me procurar outra vez na casa de Lori, juro que acabo com sua raça maldita, sua drogada! Vá se tratar!”
E saiu do apartamento a fim de procurar um pronto socorro que fizesse uma sutura em sua mão.
A espera pelo atendimento médico demorou bem mais do que Nic esperava e quando chegou em casa já era alta madrugada...quando entrava em sua ala, encontrou Lori sentada no escuro, a esperando no living...assustou-se um pouco e ela levantou logo que viu Nic chegar...pegou em sua mão examinando o curativo...perguntou baixinho...
- Quantos pontos levou?
- Quinze.
- Aposto que dói muito menos do que a ferida que deixou naquela pobre mulher!
- Ela não é uma coitadinha vítima das circunstâncias, Lori! Não se deixe enganar pelas aparências! Moly já era viciada em drogas bem antes de me conhecer! É filha de uma família rica e sempre teve tudo o que quis, inclusive pais dedicados que vivem internando ela para tratamento, o qual ela se recusa a aceitar! Ela não está assim por minha causa, mas por causa dela mesma, da sua fraqueza, da sua falta de reconhecimento em ver que tem uma vida ótima, que poderia ser perfeita, e faz de tudo pra estragar! Ela é sua própria ruína!
Lori ainda segurava a mão de Nic e falou com determinação...
- Eu só espero que isso nunca mais aconteça em minha casa! Que pelo menos aqui, você respeite o lugar que meu Pai construiu pra mim, o meu lar! E me poupe de outras cenas deprimentes como aquela!
Soltou a mão de Nic e virou-se pra sair...antes porém disse, sem voltar o corpo...
- Pietro chega daqui a cinco dias! Espero que você o trate bem e não o faça sentir-se mal nesta casa! Aliás, prefiro até que você se mantenha longe de nós! Principalmente depois disso tudo....
E se foi, deixando Nic confusa...com ciúmes...raiva...vergonha...
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Anette pediu demissão da casa...não conseguia mais encarar os outros empregados e muito menos Lori. Também tinha medo das ameaças de Moly, sabia que ela era louca o suficiente pra lhe fazer algo de ruim. Tinha visto sua ira contra Nic. Sentiria falta de Nic, mas sabia que pra ela não significava absolutamente nada...apenas um brinquedo do qual se cansaria em breve como fez com a outra...então era melhor partir! E se foi...
Três dias depois, um carro da polícia pára novamente em frente aos jardins da casa de Lori. Judy atende os policiais e avisa Nic que eles querem falar com ela. Lori estava pintando nos jardins e logo é avisada das visitas...vai até o living principal ver o que se passa...chega antes de Nic e cumprimentando os Policiais, pergunta...
- Estão aqui ainda pelo ocorrido na segunda-feira?
- Não Senhorita, o caso é bem mais grave dessa vez! Gostaríamos de falar com a Sta. Nicole MacGillian!
Nic entra na sala e cumprimenta os homens...pergunta estranhando a visita...
- Em que posso ajudá-los?
- A Srta. conhece bem Margareth Dunedin, a top model? Sabemos que são amigas próximas e que foi a última pessoa a estar com ela...
- A última pessoa?! Como assim?! Não estou entendendo!!! O que houve com Moly?!
- Não leu os jornais de hoje ainda?! Ela foi encontrada morta em seu apartamento ontem pela manhã! Mas de acordo com exames prévios feitos no local, ela morreu na noite em que houve um pequeno incidente nesta casa! Foi encontrada por seu agente quando não compareceu para uma sessão de fotos!
- Morreu?! Meu Deus, não acredito!!! Moly está morta!!! Eu sabia que ela ia acabar se matando!!!
Sentou no sofá atrás de si completamente desolada com a notícia. Apesar de não querer mais nenhum tipo de intimidade com Moly, sentia pena dela. Não queria que aquilo tivesse acontecido a ela...apesar de ter previsto que isso poderia acontecer há muito tempo! Olhou pra Lori e viu os olhos dela marejados de lágrimas...também devia estar com pena por uma mulher tão jovem e bela se destruir daquela maneira... “ou talvez pense que tenho culpa nisso tudo!”
Se recompôs um pouco do susto daquela notícia e perguntou...
- Mas o que eu tenho a ver com isso tudo?!
- Como disse, a Srta. foi a última pessoa a estar com ela ainda viva. O porteiro disse que a ajudou a levá-la para o apartamento, mas que continuou lá por quase meia hora antes de ir embora. Encontramos um bilhete nas mãos dela e não sabemos ainda a causa de sua morte. Estamos investigando como morte suspeita e precisamos de seu depoimento...portanto, queira me acompanhar por favor...
- Mas eu não tenho nada a ver com isso! Apenas tirei a roupa dela e a acomodei na cama antes de vir embora!
- Mas não foi na cama que o corpo foi encontrado...e sim na sala, caída no chão, com o bilhete em uma das mãos! Tem idéia de quem era o tal bilhete, Senhorita ?
- Sim. Meu! Fui eu que o escrevi!
- Acho que a Senhorita terá muito o que dizer na delegacia pra ajudar a esclarecer esta morte...me acompanhe, por favor!
- Eu estou sendo detida? Serei ouvida como testemunha apenas ou sou suspeita de algo? Porque se assim for, quero a presença de meu advogado!
- Por hora não precisa tanto. Será ouvida apenas como testemunha. Depois dos exames legais, autópsia e do relatório final do Delegado é que saberemos quais as conclusões ou suspeitas dessa morte. Acidental ou provocada!
- Então me dê alguns minutos e já desço.
Lori falou apreensiva...
- Vou com você Nic!
- De jeito nenhum, Lori! Não quero você envolvida nem de longe com essa estória!
- Mas Nic, eu vou...
- De jeito nenhum! Não discuta comigo! Quando voltar te conto o que houve!
Na Delegacia, Nic sofreu uma saraivada de perguntas que vinham de todos os lados. Eram três Policiais e mais o Chefe de polícia que tentavam fazer com que ela confessasse que fizera algo a Moly antes de sair do apartamento dela ou caísse em contradição em algum momento. Nic ficou sabendo que de alguma maneira Moly havia saído da cama onde ela a havia deixado e ido para a sala, caindo fulminada com seu bilhete em uma das mãos e uma seringa usada na outra. Lembrava perfeitamente de ter visto a tal seringa na mesa de cabeceira, com um punhado de heroína ao lado, e por isso, antes de partir, resolveu jogá-las no lixo do banheiro...o chefe da investigação sabatinava Nic mais uma vez, com bastante veemência...
- Mais uma vez eu lhes digo que não tenho a menor idéia de como ela encontrou a tal seringa no lixo do banheiro. Ela estava desmaiada quando a deixei no quarto, já estava tão drogada que não entendo como teve forças pra levantar e procurar pela droga e pela seringa no lixo.
- Já que pretendia livrar sua amiga da droga que encontrou no quarto dela, então porque não a jogou na lixeira do prédio ou no triturador de lixo da pia da cozinha, ao invés do lixo do banheiro? É tão óbvio que não seria difícil pra ela encontrar, como de fato encontrou, a droga no seu próprio banheiro.
- Eu estava cansada pelo ocorrido em minha casa e por ter que trazê-la até aqui. Não raciocinei direito. Só queria deixá-la aqui e ir embora logo.
- Mesmo assim , ainda ficou por quase meia hora na cobertura da vítima. Por que Srta. MacGillian? Por acaso a ajudou a matar-se?
- Eu já disse uma centena de vezes o porquê. Eu tirei a roupa dela e passei uma toalha com água gelada pelo seu corpo pra ver se a reanimava, depois joguei a droga e a seringa no lixo, fiquei sentada esperando que ela esboçasse alguma reação, escrevi o bilhete, olhei pra ela mais uma vez e vi que dormia sem nenhum problema, a respiração e a temperatura do corpo dela estavam normais, saí e fui procurar um pronto socorro a fim de cuidar do corte em minha mão.
- Mas omitiu que ela a tinha machucado quando os policiais foram até sua casa na noite de segunda-feira. Por que razão fez isso?
- Por um simples motivo...eu não quis! Não quis trazer mais problemas pra vida dela além dos que ela mesmo trazia, ela precisava de tratamento e não de problemas com a polícia.
- Vocês duas, segundo outras testemunhas que já ouvimos, tinham um relacionamento...digamos...pouco convencional...era uma mistura perigosa de sex* com sessões de sadomasoquismo...estou certo Senhorita?
- Certo! Já respondi a essa pergunta também e não vejo a relevância disso neste caso. Eram encontros consensuais entre duas mulheres adultas e maiores de idade. Que eu saiba não há crime nisso!
- Por certo que não! A menos que os limites sejam extrapolados até a morte de uma das partes!
- O Senhor me disse que isto seria apenas alguns esclarecimentos sobre aquela noite e não um sumário de acusação. Se assim for, eu exijo a presença do meu advogado agora e só dou novos esclarecimentos em Juízo, após uma acusação formal! Não vou ficar sendo ilegalmente interrogada sem que haja ao menos um inquérito ou uma intimação judicial. Eu processo vocês se continuarem a me tratar como uma criminosa, ouviram bem?!
E se levantou enfurecida abrindo a porta do pequeno ambiente e preparando-se para sair...ouviu atrás de si a voz grave e potente do Chefe de Polícia...
- Nós ainda não acabamos, Srta MacGillian!
Nic virou-se e falou com arrogância...
- O problema é de vocês! Eu já acabei! Consiga um mandado com o Juíz ou uma acusação formal e eu virei pra ser legalmente interrogada! Enquanto isso, contentem-se com a verdade que lhes contei! Não há nada além disso!
E saiu do Departamento de Polícia com a cabeça fervilhando:
“Era só o que me faltava! Ser suspeita da morte de Moly! Tá na cara que ela morreu de tanto se drogar mesmo! Eu já tinha dito pra ela tantas vezes que isso acabaria acontecendo! Que estúpida! Nunca me ouviu e ainda por cima me mete numa enrascada dessas!”
Quando chegou em casa, Nic contou pra Lori todo o ocorrido no Departamento de Polícia e a mesma estória que havia relatado aos policiais. Lori acreditava em Nic, sabia que se tivesse sido diferente, ela acabaria por dizer, pelo menos pra ela...tinha muitos defeitos, mas mentir não era um deles. No entanto, Lori não podia deixar de ficar chocada com a frieza com que Nic falava sobre o assunto! Era incrível ver que a morte de uma mulher tão jovem e que tinha compartilhado da vida sexual dela por um ano, não lhe trazia sentimentos de pesar e tristeza...apenas irritação com o fato dela ter sido tão estúpida a ponto de se deixar morrer daquele jeito e, principalmente, pelo fato de ter envolvido Nic com toda aquela estória, fazendo com que ela se tornasse suspeita daquela morte. Aquela faceta da personalidade de Nic era certamente o que mais assustava Lori. A falta de amor pelo seu semelhante! Mantinha um olhar duro e as palavras eram mais ainda...demonstrando o tempo todo o quanto desprezava gente fraca como Moly. Lori tentava ver se havia algo mais nos olhos de Nic, um sinal que fosse de pena ou desgosto pelo ocorrido, mas nada! Via apenas alguém indignado com a própria morta por tê-la deixado numa situação complicada diante da polícia.
Lori sabia, sentia que Nic dizia a verdade e não havia feito nada com Moly que tivesse colaborado pra sua morte prematura. Decidiu que estaria ao lado dela até as investigações finais e, se por acaso tivessem que comparecer novamente frente ao juiz tutelar, por causa dos novos acontecimentos, ela reafirmaria sua vontade em ter Nic como tutora até o final. Nic a assustava, mas o que sentia por ela não sofria nenhum abalo, continuava firme e crescente a cada dia!
Pietro chegou e foi recebido com muita alegria pela anfitriã. Nic preferiu nem aparecer para conhecer o tal rapaz. Estava tão absorvida com seu mais novo problema que pensou por bem não procurar outros por enquanto....além disso, Lori disse que não a queria por perto e decidiu acatar a vontade dela.
Na véspera de Natal, Lori pediu que Maria e Judy fizessem uma pequena ceia para ela, Pietro e Nic. Mais tarde receberia a visita das amigas Karen e Suzy e de Aline com Lucio.
Nic chegou a pensar em não descer para a tal ceia, mas achou que seria mais um ponto negativo em sua já tão manchada situação perante o Juízo tutelar. Encontrou Lori com o tal Pietro na sala de jantar, ajeitando os enfeites da pequena árvore de Natal no centro da mesa. Ficou analisando a figura do jovem rapaz que sorria pra Lori com afeto...era alto, branco, com cabelos escuros e feições tipicamente Italianas...nariz adunco, mas que não tirava sua beleza de moço romano...tinha um belo sorriso, mas havia algo diferente nele...
- Boa noite! Prazer em conhecê-lo Pietro! Sou Nic, prima de Lori!
Nic estendeu a mão pra cumprimentar o rapaz que a beijou como um perfeito cavalheiro, sorrindo com bastante simpatia...
- O prazer é todo meu, Nic! Lori não exagerou em nada quando me descreveu sua beleza! E devo dizer que os desenhos que ela me fez pra mostrar como você era, não lhe fizeram jus! Você é muito mais bonita que eles, apesar do talento incontestável da minha amiga!
Nic olhou admirada pra Lori, que baixou a cabeça com o rosto afogueado pela vergonha que os comentários de Pietro lhe faziam sentir...
- E você parece ser um típico Italiano! Bastante galanteador! Obrigada!
A noite transcorreu de modo muito agradável! Nic não lembrava de ter uma noite de Natal tão tranquila e prazerosa desde que era criança ou quando vivia em companhia de Alex. Conversaram sobre vários assuntos e principalmente sobre arte. Nic conhecia os maiores museus do mundo e suas obras...gostava de visitar Galerias e exposições e tinha um conhecimento sobre pintura e escultura que não admitia de jeito nenhum...achava que era apenas uma admiradora, alguém que gostava de apreciar belas coisas que o homem consegue produzir com suas mãos e sentimentos. Lori e Pietro ouviam a tudo encantados pelo charme e conhecimento daquela mulher, que poucas vezes mostrava-se tão acessível e simpática. Nic, por sua vez, estava completamente à vontade com eles, principalmente depois de perceber que o rapaz não olhava para Lori com cara de garanhão, de quem queria algo mais que amizade...notou que eles nutriam um pelo outro realmente um carinho fraternal...e que Pietro tinha um quê de homossexualidade que talvez nem ele mesmo ainda tivesse descoberto, ou pelo menos admitido. Após o término da ceia, foram tomar licor na varanda principal da casa, esperando pelos outros convidados que logo chegariam. Pietro levantou-se e foi buscar um “book” que trouxera com as fotos de suas pinturas e algumas esculturas que se arriscava a fazer...estava fascinado por Nic e seus conhecimentos sobre arte e queria muito mostrar a ela seu trabalho. Ao ficarem a sós, Lori fitou Nic com intensidade através de seu pequeno cálice e disse baixo, com as maçãs rubras talvez pelo embaraço...talvez pelo álcool...talvez pelo desejo...
- Obrigada por estar sendo tão gentil com meu amigo!
- Não tem o que agradecer! Ele parece ser um bom rapaz e acho que não está querendo te levar pra cama!
Lori sorriu ruborizando ainda mais...
- Então sua implicância com ele era por achar que ele queria me levar pra cama? Estava com ciúmes dele, Nic?
Nic desviou o olhar e bebendo todo seu licor, falou meio que apressada...
- Só acho que cautela não faz mal a ninguém. Fico mais tranquila agora!
E fazendo uma cara de confissão, colocou as mãos ao lado da face e segredou baixinho pra Lori...
- Acho até que seu amigo é gay...talvez ainda não tenha se dado conta, mas vai chegar lá em breve....hahahhaha!
Lori riu achando graça do jeito de Nic e falou...
- Também acho! Talvez eu o ajude a sanar está dúvida...tenho uns amigos que estão loucos pra conhecê-lo...amigas também...só resta a ele escolher que lado vai pender...
E deram boas gargalhadas juntas, disfarçando quando o rapaz entrou eufórico com seu material pra mostrar a Nic. Os convidados logo chegaram e a noite de Natal virou uma pequena reunião de amigos. Havia boa conversa, clima alegre e agradável e uma energia positiva no ar. Falavam sobre o futuro, o que pretendiam, a nova vida acadêmica de cada um, os planos profissionais. Apesar da tensão dos últimos dias com o acontecido com Moly, Nic sentia-se leve e integrada àquele grupo como nunca havia experimentado antes. Lori estava muito feliz com o jeito com que Nic se mostrava bem com seus amigos e durante todo o tempo mostrava isso a ela, através de intensos olhares de cumplicidade e carinho. Nic ficava embaraçada, tentava disfarçar, fugir daquele olhar, mas também sentia-se bem e não via motivo pra esconder isso de Lorena...tinha que aproveitar aquele momento de contentamento, porque não sabia que rumo tomariam as investigações da policia e dias difíceis poderiam surgir em breve.
Todos resolveram passar a noite na casa de Lori e o dia seguinte foi igualmente agradável e prazeroso. Combinaram de passar a festa de Reveillon juntos, no hotel Don Cesar, um resort cinco estrelas encravado numa das mais belas praias do sul da Florida.
A convivência com Pietro estava sendo uma agradável surpresa para Nic. Nunca foi de ter amigos de verdade. As pessoas em volta dela sempre tinham algum outro interesse, fosse o financeiro ou o sexual...amizade pura e simples era algo que desconhecia e só lembrava de ter tido alguma coisa parecida com Alex. O jovem artista era alegre, espirituoso e tratava Lori e Nic como se fossem velhas amigas de infância. Ele também era um tipo introspectivo na vida social, seus pais haviam morrido quando muito criança e tinha apenas uma irmã mais velha, que o havia acabado de criar e que morava em Nápoles com o marido e dois filhos pequenos. Tinha ido pra casa de Lorena com um certo receio, principalmente de Nic, pois Lori o havia advertido do gênio difícil e pouco afável da prima. Porém, naqueles dias, tinha conhecido uma Nic diferente...mais sociável, mas tranquila, menos arredia...a tinha visto expressar suas opiniões pouco ortodoxas e muitas vezes polêmicas... percebeu o quanto ela poderia ser intratável se contrariada... mas ainda assim, notou algo de bom nela, era inteligente e uma figura fascinante! Tinha, enfim, encontrado naquelas duas mulheres as amigas que nunca tivera antes.
Dois dias antes da festa de fim de ano, estavam os três na piscina...Nic tomava um cocktail e Lori olhava Pietro nadar de um lado ao outro na água cristalina...Nic se ajeitou na cadeira e parecia querer dizer algo pra ela que não sabia como...depois de mais um movimento desconcertado de Nic, Lori resolveu perguntar...
- Tá incomodada com alguma coisa Nic?!
Nic pareceu se assustar com a pergunta repentina e falou de sopetão, como sempre fazia, quando pega de surpresa...
- Eu comprei um presente de Natal pra você, mas não tive coragem de entregar...tinha tanta gente aqui até ontem e o Pietro tá sempre por perto...sabe como não gosto de dar presente na frente de outras pessoas...
Lori sorriu radiante e confessou baixinho...
- Eu também tinha um presente pra você e fiquei com vergonha de dar! Tinha muita gente por aqui mesmo...
Nic sorriu com os olhos brilhando...
- Então que tal se fôssemos pegar nossos presentes e me encontrasse no living da minha ala daqui a pouco? A gente volta antes que o Pietro acabe sua sessão de natação!
- Feito! Te encontro já!
E foram feito duas crianças prestes a fazer alguma travessura inocente...
Nic desceu com seu presente, mais uma vez bem pesado...era uma enorme caixa que continha oito volumes de uma preciosa coleção da “História da Arte Mundial”...eram volumes grossos, finamente encadernados em capa dura vermelha com letras douradas, que Nic já visualizava lindamente perfilados na estante central da biblioteca...ou no quarto de Lori. Se encontraram e estenderam simultaneamente seus presentes, desejando-se Feliz Natal atrasado! Lori desembrulhou seu presente e ficou radiante com aquela coleção que pensava em comprar em breve! Incrível como Nic tinha o poder de sempre adivinhar seus desejos! Nic pegou o embrulho e já sabia que era uma tela de Lori, pelo formato...só não sabia o que ela havia pintado pra dar-lhe...tirou o papel e descobriu aquela bela tela que havia visto no quarto de Lori, em cima do cavalete, há meses atrás...o sonho de Lori: Nic segurando-a, pequena entre os braços e a girando no ar, com o sorriso mais belo que jamais havia se lembrado de ter dado algum dia. Sentiu uma emoção nova invadir-lhe o peito...as mãos tremeram levemente e os olhos brilharam...falou tentando conter-se um pouco...
- Nossa, é linda demais, Lorena! Adorei! Vai agora mesmo pra parede do meu quarto! É o seu sonho que nunca tornei real!
Lori aproximou-se de Nic...tirou a tela de suas mãos e a abraçou com paixão...sussurrou em seu ouvido...
- É o meu sonho que um dia se tornará real !!!
Nic fechou os olhos e se entregou àquele abraço que desejava com loucura! Estavam ambas somente de biquini, o que colaborava pra potencializar o tesão latente! Era aquele perfume...aquele corpo...aquela voz...aquela textura! Tudo em Lori embriagava os sentidos de Nic e a fazia esquecer-se de pensar...de racionalizar o que não tinha lógica ...era puro instinto! Era o cio gritando, latejando na carne!
Lori começa a beijar Nic como já havia feito antes...o ouvido...o pescoço longo...o queixo proeminente...o rosto de pele sedosa...passa a língua por onde os lábios tocam e deixa um rastro de calor e saliva...Nic gem*...suspira e agarra os cabelos de Lori retribuindo seus beijos da mesma maneira, pelos mesmos lugares... sabe que não tem como resistir mais...sabe que estará arruinada se ceder... mas dói tanto ter que lutar sem trégua...não tem mais forças! Desce sua mão pelo rosto de Lori e toca sua boca aberta pelo desejo com o polegar...sente os lábios cheios e molhados...a língua lânguida lambe seu dedo...os dentes...a gengiva...não resiste...aproxima sua boca e sem tirar o polegar, toca aqueles lábios que há tanto tempo quer! Abre a boca e engole o lábio inferior de Lori com o seu...as línguas não se tocam, o dedo ainda está entre elas...sentindo aquela boca tão desejada por dentro...como a reconhecer a terra a ser invadida!
Mas antes que o beijo pudesse se completar, ouvem a voz de Pietro chamando por elas ao longe...mas alto o suficiente pra despertá-las mais uma vez daquele transe...daquela alucinação que as fazia se perder! Nic, como sempre se recompôs com maior rapidez e afastou Lori de seu corpo, subindo as escadas correndo, com seu presente nas mãos. Ouviu Pietro chegando e a voz meio atrapalhada de Lori explicando que havia ido até lá pegar seu presente de Natal...ouviu os comentários entusiasmados do rapaz sobre a coleção e quando ele ofereceu ajuda para levá-los para o quarto de Lori. Se foram!
Nic ficou longos minutos admirando sua tela! Não entendia como Lori podia sentir algo especial por ela! Porque a enxergava daquele jeito que somente sua mãe havia conseguido um dia retratar! Porque a queria?!
Só voltou a encontrá-los à noite, no jantar. Lori a olhava intensamente e Nic não conseguia encará-la...desviava o olhar o tempo todo, como forma de manter-se sã! Pietro observou uma certa tensão no ar, mas não quis ser inconveniente e decidiu fazer algo pra que o clima ficasse mais leve...ocupou as duas com sua conversa jovial e alegre e conseguiu fazer com que a noite passasse e a tensão se amenizasse.
A noite de Reveillon foi alegre e divertida para o grupo que se juntou novamente. Lori sentia-se muito feliz em poder partilhar momentos como aquele com seus amigos mais próximos...e por ter Nic com ela naquela noite! Ambas estavam com vestidos da mesma cor...vermelho com detalhes em branco...não haviam combinado e foi uma surpresa quando se viram em trajes parecidos! A noite de Reveillon fez lembrar a noite do aniversário de Lori, há mais de sete meses atrás, era o mesmo encantamento mútuo, que fazia com que seus olhares não se deixassem por mais que dois minutos...mas dessa vez Lori queria mais...tocava Nic o tempo todo e quando esta se distraía, lá estava ela grudada em seu braço, pendurada como um acessório de luxo! Nic ficava sem graça, tentava escapar, mas o cerco de Lori era ferrenho! E quando soou as doze badaladas no novo ano, aquele que seria o último do milênio, ano 2000, Lorena abraçou fortemente Nic e disse para que somente ela ouvisse...
- Feliz Ano Novo, Nic! Faça um pedido! Um desejo para este novo ano...eu já fiz o meu e você sabe qual é...
Nic estremeceu, mas não soltou-se do abraço de Lori...afagava seus cabelos e sentia seu perfume invadir-lhe a alma... até que as amigas vieram cumprimentá-las, tirando-as daquele torpor!
Ainda bem que Pietro estava por perto e foi o empecilho para que a primeira madrugada do novo ano fosse de entrega...de paixão...de renúncia!
Logo após as festas de fim de ano, as aulas na Universidade voltaram e Lori retomou sua rotina habitual. Com o consentimento e a ajuda de Nic, ela havia conseguido pleitear uma bolsa de estudos pra Pietro na faculdade e encaixá-lo no programa de intercâmbio, que abriria vagas para o próximo semestre. Ele teve que voltar pra Itália, mas em breve estaria de novo com elas para começar uma nova etapa em sua vida. Lori decidiu financiar o amigo e Nic não se opôs, arrumou um pequeno estúdio próximo a faculdade pra ele morar...arcaria com os custos de material e suas despesas básicas...mas sabia que o amigo não aceitaria ser sustentado de todo...ele continuaria a vender seus quadros e fazer outros trabalhos que surgissem na área de desenho e arte final.
Nic continuou com seu firme propósito em não ficar muito tempo sozinha com Lori. Sabia que estava cada dia mais difícil resistir às investidas dela, mas precisava agarrar-se aos últimos vestígios de razão que ainda tinha. Procurava manter-se sempre ocupada, mesmo que fosse jogando ou em algum bar “underground” do centro da cidade. Era lá que encontrava velhos conhecidos com os quais costumava realizar pequenos negócios escusos antes de ser designada tutora de Lori e, foi numa dessas noites, que acabou tendo uma idéia para receber um dinheiro extra dos administradores dos bens de Lorena. Consistia numa falsa autorização do “suposto” Juiz tutelar, para que os administradores liberassem mensalmente mais 15.000 dólares, a título de despesas extraordinárias, para o bem estar da tutelada em sua vida acadêmica. Quantia esta que deveria ser depositada na conta da tutora, responsável pelas tais despesas. Como Nic previra, não houve contestação nem sequer qualquer tipo de questionamento por parte dos administradores. Para eles aquele montante era uma ninharia, uma insignificância que não faria a menor diferença no patrimônio de uma Holding do porte da de Lorena. Infelizmente sua fraqueza de caráter não a fazia sentir remorso por estar tirando dinheiro desonestamente da própria tutelada. Para ela, o que importava naquele momento, era não se meter em nenhuma outra enrascada por causa de dívidas de jogo. Já bastava os rumos estranhos que estavam tomando as investigações sobre a morte de Moly.
No final do mês de janeiro, um mês após a morte de Moly, Nic é indiciada pelo Chefe de Polícia no relatório final do inquérito. O processo é remetido para o Promotor público, que após duas semanas analisando o conteúdo dos depoimentos de testemunhas e as provas materiais contidas nos autos, denuncia Nicole ao Juiz de Direito competente, no crime de Homicídio involuntário (culposo) por negligência no socorro à vitima e exposição desta aos fatores que provocaram sua morte, quando encontrava-se num estado onde não tinha controle sobre as próprias ações. E para infelicidade de Nic, o Juiz acata as razões da Promotoria. Passava, à partir daquele momento, a responder um processo judicial por homicídio e iria a Julgamento em breve... fato este amplamente divulgado e especulado pela imprensa local, o que poderia trazer sérias consequências para sua vida e tirar-lhe a tutela sobre Lori.
O mundo então desaba sobre a cabeça de Nic e de Lori. A primeira não se conformava com o fato de estar respondendo por algo que jurava não ter culpa alguma, além do mais a idéia de perder a tutela de Lori era assustadora, tanto do ponto de vista financeiro quanto sentimental. Era difícil admitir aquilo pra si mesma, mas estava sentimentalmente ligada à prima de um jeito que jamais ousou confessar nem em sonho. Lorena, por sua vez, sofria intensamente em somente imaginar sua vida naquela casa sem Nic...a idéia de não tê-la por perto era quase tão dolorosa quanto havia sido a perda de seus pais...e pensar em Nic presa por algo que acreditava que ela não tinha feito, lhe trazia um sofrimento atroz.
Pietro neste momento foi um amigo incansável, estando sempre presente para dar apoio às suas amigas e bem feitoras. Tinha voltado para a Florida e esperava começar sua nova vida de estudos na Universidade em que Lori cursava e na qual conseguira a bolsa do intercâmbio. Procurava acompanhar Nic e Lori nas reuniões com os advogados e nas audiências em Juizo. Logo a imprensa passou a nomeá-lo namorado de Lorena e ambas acharam que aquela mentira podia vir bem a calhar e seria conveniente perante as autoridades que fiscalizavam a tutela. Melhor assim a desconfiarem de algum tipo de envolvimento amoroso entre as duas.
Naqueles meses difíceis, a proximidade das duas aumentou ainda mais e Lori não deixava de acompanhar Nic em todas as fases daquele Processo, mesmo que tivesse que faltar as aulas ou sob os protestos irritados de Nic. Quando finalmente o julgamento foi marcado para dali a dois meses (seria no final do mês de abril), já era época de uma nova audiência semestral com o Juiz tutelar. Tudo parecia estar acontecendo ao mesmo tempo e o estresse emocional era imenso pra duas. Felizmente, o Juiz achou por bem manter a tutela com Nic até o resultado final de seu julgamento, afinal ela ainda era considerada inocente até prova em contrário. Não poderia ser punida por antecipação. No entanto, a fiscalização seria mais acirrada.
Incrível como o turbilhão de acontecimentos e emoções daquele ano fez com que houvesse uma contraposição na forma como tinham sentido o tempo transcorrer...rápido como um piscar em alguns momentos... lento e com passos trôpegos em outros.
Com Nic se mostrando menos arredia, Lori adquiriu o embaraçoso hábito de tocar Nic toda vez que tinha uma chance. Não se importava se estavam em público ou não. Encontrava sempre um jeito de pendurar-se em seu braço ou segurar sua mão. A necessidade de sentir Nic perto, de tateá-la, havia aumentado consideravelmente pelo medo de perdê-la, de se ver privada a qualquer momento daquele contato e de sua presença. E esse era o pensamento que atormentava suas noites de sono e trazia sonhos ruins.
Nic por sua vez, também não queria mais se ver livre daquele contato físico. Era muito bom poder sentir alguém tão próximo a si, tão presente e participante em sua vida...e muitas vezes pensava que aquela fase ruim que estava vivendo, pelo menos trouxe algo de bom pra sua vida...o afeto de Lorena. Essa idéia lhe era cada dia menos pavorosa e estava até acostumando-se com aqueles carinhos incontidos. Muitas vezes não reconhecia a si mesma nos olhares de cumplicidade que trocavam e na reciprocidade do toque terno. Só voltava a ser a Nic esquiva e meio rude quando percebia que Lorena queria ir além do toque de mãos...quando se chegava mais encostando o corpo ou tentando um abraço. Voltava a se fechar e fugir ariscamente, pois sabia que precisava manter o senso ou estaria perdida de uma vez. Resistir se tornava cada vez mais uma luta feroz e cada dia mais difícil!
- Chega pra lá, Lori! Você está quase em cima de mim!
Reclamou Nic, empurrando levemente Lori para longe de seu colo...estavam vendo um filme na sala de entretenimento...tinham as mãos entrelaçadas e se acarinhavam delicadamente os dedos, como tinham se habituado a fazer ultimamente...só que Lorena queria mais...precisava ter o corpo de Nic mais próximo do seu...sentir seu calor...seu abraço a aconchegando...só que Nic era um muro de resitência...Lori então recuou e retirou sua mão, falando com mágoa na voz...
- Eu só queria deitar mais perto de você e ficar mais confortável pra ver o filme...
- Mas não precisa se amontoar em cima de mim! Já falei que a gente não deve ficar fazendo isso...
- Então porque fica segurando minha mão e me fazendo carinho também?
- Porque eu gosto! Mas sabe que não devemos ir além disso! Não vê minha situação?! Eu não quero ir pra cadeia acusada de te seduzir! Já bastam as confusões em que estou metida! Já tenho dor de cabeça suficiente não preciso de mais! Por favor, colabore comigo! Seja compreensiva!
Nic dizia aquilo mais pra si mesma que pra aquela menina linda com cara de mágoa na sua frente. Eram duas a convencer!
- Então também não tem mão nenhuma! Faça carinho na almofada! Ela com certeza não irá pedir mais que isso!
Lori parecia uma criança emburrada...Nic sorriu achando graça da cara que ela fazia e completou segurando a tal almofada junto do peito...
- Ótima idéia! Vem cá almofadinha...deixe essa menina birrenta pra lá!
Mas é óbvio que incidentes como esse não faziam, de forma alguma, com que elas se afastassem e deixassem de se tocar, sempre que se distraiam e esqueciam de erguer suas proteções.
O julgamento de Nic mobilizou a imprensa local e rendeu algumas boas páginas nos periódicos do pequeno condado. Especulava-se muito e a sexualidade pouco convencional de Nic foi o alimento preferido dos mexeriqueiros de plantão por várias semanas. O Promotor público tinha a tese de que Nic não apenas tinha negligenciado o estado em que Moly se encontrava, como a tinha deixado morrer por pura conveniência, uma vez que estava sendo perseguida e importunada por ela. A “causa mortis” (parada cardiáca por overdose de narcóticos), bem como as impressões digitais de Nic na seringa e na embalagem que acondicionava o resto da droga, eram as provas mais contundentes que a Promotoria tinha para pedir sua condenação. No entanto, o trabalho irreprensível dos caríssimos advogados contratados por Nic, as testemunhas de defesa, bem como o depoimento firme e sem contradições da própria acusada, fizeram cair por terra as frágeis provas que a acusação possuía e por unanimidade de 7 votos, o juri a considerou inocente do crime de homicídio involuntário. O Juiz declarou então sua sentença, julgando Nicole MacGillian inocente das acusações, dando por encerrada a ação!
Lori encontrava-se do lado de fora da sala de audiências. Havia sido proibida de acompanhar o julgamento de perto pelo Juiz tutelar, uma vez que era menor de idade e o conteúdo detalhado sobre a vida sexual da morta e de Nic exposto durante os sumários de defesa e de acusação, não eram reputados como convenientes a uma adolescente. Mal sabia o que aquela adolescente já havia presenciado!
Estava tão tensa que sentia como se fosse desmaiar a qualquer momento. Não podia admitir que Nic fosse encarcerada por aquele acidente fatal que a própria Moly procurou. Chegou a sentir raiva da falecida por estar ela e Nic na eminência de serem afastadas uma da outra por causa dela.
Quando a porta da sala de audiências se abriu e Lori avistou Nic sendo cumprimentada pelos advogados, seu coração disparou de felicidade... “Ela está livre! Obrigada, meu Deus! Ela não é culpada!”...Nic imediatamente captou o olhar de Lori no seu e sorriu triunfante, abrindo os braços para recebê-la num abraço de alegria! Ficaram naquele momento mágico por longos minutos, como se no mundo nada mais existesse senão as duas em contentamento!
E essa foi a foto que os jornais do dia seguinte publicaram com a seguinte manchete:
“MacGillian é declarada inocente da morte de top model!”
Fim do capítulo
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