LUZ por Marcya Peres
Capítulo 3
LÍVIA
Lívia não cabia em si de tanta contentação. Ficou por alguns segundos estática digerindo o que acabara de ouvir. A Dra. Ana Mendes, que tanto admirava, deu-lhe um voto de confiança e a aceitou como Estagiária e sua Assistente Pessoal! E o incrível é que tudo foi tão rápido! Óbvio que para Lívia pareceu uma eternidade, o nervosismo, a ansiedade, pareciam não deixá-la raciocinar com clareza, mas parece que deu tudo certo no final. É fato que seria só uma experiência, mas eram três meses! Os três meses mais importantes de sua vida até então, e se desdobraria em mil para que esses três meses se prolongassem pelo tempo que fosse necessário ao seu aprendizado e quem sabe, poderia vir a ser um dia, também sócia do Escritório de Ana Mendes. Parecia um sonho e Lívia não pretendia acordar tão cedo desse torpor gostoso.
Lembrou-se da primeira vez em que vira a Dra. Ana. Devia ter uns 6 ou 7 anos e ela já era uma moça uns 10 a 12 anos mais velha. Seu Pai já havia feito comentários em casa sobre o caso de Ana e numa manhã, estavam na praça principal da cidade assistindo à festa da Padroeira quando aquela bela moça passou. Na sua inocência infantil não sabia explicar o encantamento que aquela figura lhe causou...fixava sem parar o seu rosto e seu jeito de mover-se, como que se seu olhar estivesse pregado àquela menina grande e a todos os seus movimentos. Era incrível a beleza daqueles olhos grandes e negros, de cílios espessos, que teimavam em mirar o vazio, quando tinha tanta coisa a ver. Não entendia como não havia luz neles, se eram na verdade puro brilho! Porque não se voltavam pra mim? “ Quando Papai parou para falar com ela e sua família, que estavam na cidade justamente para a festa, fiquei ao lado dela hipnotizada como um mosquitinho de verão em torno da lâmpada. Não conseguia desgrudar os olhos das suas feições e do seu sorriso de satisfação em falar com meu Pai...lembro quando ele nos apresentou a eles e ela docemente tocou nos cabelos de minha irmã e depois nos meus...deslizou os dedos levemente pela minha face e sorriu dizendo:
_ Que lindas meninas, Doutor! Parabéns! Sua família reflete o Senhor!
Incrível como depois de tantos anos, ainda lembrava e podia até mesmo sentir de novo, aquele toque tão suave em seus cabelos e pele. Foi pura ternura que gravou na memória daquela menininha a beleza de um momento.”
Não houve um ruído sequer vindo de Lívia...lembrava de ter ficado desconcertada e agarrou-se ao braço do Pai, com os olhos fixos na moça...será que se ela pudesse olhar nos olhos daquela menininha de volta, esta teria sustentado seu olhar tão brilhante?!
À partir daquele encontro Lívia costumava seguir Ana com os olhos sempre que a via, fosse na Rua, num evento social qualquer, no Rio divertindo-se com os irmãos e com o namoradinho. Era só avistar Ana em algum lugar e Lívia não mais podia tirar os olhos dela! Ficava admirando seu jeito de andar meio titubeante, ora com o cão guia de nome Fred, ora apenas com a bengala, ou então com alguém ao lado. Adorava observar seus gestos suaves e o modo como mantinha a cabeça sempre erguida e o queixo levemente levantado, tornando sua aparente fragilidade, um mito. Tornava-se Altiva e vivaz, com os ouvidos sempre ligados a qualquer som ou movimento, parecendo um Predador atento aos meneios de suas presas. Adorava notar essa dubiedade nela... frágil e perspicaz ao mesmo tempo!
O tempo foi passando, Dra. Ana e a família costumavam vir para a cidade duas vezes ao mês ou quando havia algum evento na cidade. Fizeram questão de manter a casa da família, pois logo que Ana terminasse seus estudos, a idéia era de que todos voltassem à moram na sua cidade Natal, todos que quisessem, é claro. E era nessas vezes que Lívia sonhava em voltar a ver Ana, mesmo que de longe. Nunca conseguiu aproximar-se e falar com ela. Dizer que era aquela menininha, filha do Doutor Olavo, que um dia suas mãos delicadas tinham afagado gentilmente e que desde então passara a admirar seu jeito de ser. Sempre ficava de longe, olhando até que a silhueta de Ana sumisse de suas vistas, ou então quando alguém a flagrava nesse olhar tão insistente. Ficava rubra, desconcertada, e abaixava o olhar disfarçando seu embaraço.
Um dia, soube que Ana iria se casar! Sim, casar com aquele tal namoradinho que não desgrudava dela, e assim foi...foram todos convidados para a bela festa, que acabou sendo o grande acontecimento da cidade na época. Doutor Olavo e família foram à Festa, porém Lívia não quis comparecer à badalação. Apenas fez questão de admirar de longe quando Ana chegou na Igreja de noiva...Linda! Parecia uma Fada no meio de um bando de Elfos! E do outro lado da Rua, Lívia olhava embevecida para aquela bela mulher, que se tornava ainda mais bonita e encantadora, pelo fato de não ter noção da sua beleza e do efeito que causava nas pessoas à sua volta.
Não soube definir dentro de si, porque fora acometida por uma melancolia profunda no dia do casamento de Ana. Era como se ela estivesse prestes a ser maculada na sua Perfeição por permitir que alguém compartilhasse seu Encantamento; e isso deixou Lívia muito triste por algum tempo.
Mas a vida segue seu curso, como o Rio que corta a nossa cidade. Com ou sem pedras pelo caminho, ele invariavelmente segue adiante. Lívia cresceu e tornou-se também uma bela moça. Aos 14 anos, seus cabelos cor de mel, exatamente da cor de seus olhos, começaram a atrair a atenção dos meninos mais que o normal. Era alta, de corpo esguio e andava com leveza. Ela era descolada e popular na escola e todas queriam ser amigas ou então como ela.
Algumas meninas copiavam seu corte de cabelo moderno, suas roupas fora do comum pra cidade pequena e seu gestual peculiar. Tinha o dom de falar aos outros, adquirido com os muitos debates em casa com o Pai médico e a Mãe, Lúcia, Psicóloga; bem, como as horas que gastava todas as noites, mergulhada em seus livros. Ah, amava os livros! Adorava transportar-se para aqueles mundos tão diferentes e fazer parte das tramas. Tomou gosto pela Poesia, mas também pela história e sociologia.
Por ser de uma família abastada, desde cedo viajou muito e conheceu cidades no Brasil, EUA e Europa. Isso ajudou e muito o seu enriquecimento cultural e fez com que pudesse comparar mundos tão díspares. Desde o 2º grau, já sabia que cursaria Direito na faculdade. Pensava que era para poder tentar utilizar um pouco a máquina Estatal em favor dos menos favorecidos pela Justiça...mas sempre que tentava convencer-se disso, vinha à sua mente a imagem de Ana, advogada jovem com uma carreira promissora e que superara suas dificuldades com o brilhantismo de seu intelecto e uma perseverança fora do comum. Queria ser como ela! Queria um dia poder aprender com ela! Estar ao lado dela!
Pensava: “Um dia ainda vou ter a oportunidade de me fazer notar por ela, e nesse dia, não vou perder minha chance! Quero trabalhar, estar no mesmo ambiente todos os dias e poder conhecê-la melhor, para confirmar ou então desconstruir a imagem que fiz dela.”
No segundo grau, foram tantos os namoricos, que Lívia, não fosse por sua segurança e jeito firme de ser, poderia ter ficado mal afamada pela cidade. Mas a verdade é que as meninas queriam ser como ela, viver tudo o que ela se permitia, sem pudores ou repressão. Aos 16 falou francamente com a Mãe que queria perder a virgindade com o namorado (na época, Eduardo), e que por isso precisava ir ao Ginecologista pra não correr o risco de uma gravidez indesejada.
Sempre foi assim, dizia o que pensava e não tinha falsos moralismos. Não fazia gênero, apenas era desse jeito que pensava viver melhor.
Engraçado que quem visse Lívia segura de si, com seu jeito firme, seu humor sagaz e inteligência acima da média, jamais imaginaria seu encantamento com Dra. Ana. O mesmo encantamento infantil daquele dia na praça, que mesmo após tanto tempo, não havia perdido sua força.
Aos 18 anos, foi Estudar na nova Universidade que instalou-se na cidade alguns anos antes. Lá teve encontros, desencontros e muitas experiências de vida, sexuais, emotivas. Experimentou o que achou que devia e descartou o que não valia a pena. Apaixonou-se, e por ele (Ricardo) teve sua primeira experiência com outra mulher. Foi para realizar uma fantasia do namorado, topou trans*r a três. Não gostou muito de ter que beijar outra mulher, mas adorou quando ela lhe fez um sex* oral enquanto seu namorado a penetrava. Repetiu a experiência algumas outras vezes, com mulheres diferentes e o namorado, mas logo que acabou o Romance entre os dois, acabou-se também o tesão em “Mènages a trois” e nada ficou pelas mulheres.
Não se imaginava namorando e tendo uma vida a dois com outra mulher. Na verdade, também não pensava em se casar com um Homem, talvez ir morar junto se gostasse muito, mas casamento tradicional definitivamente não estava em seus planos. Não se via na mesma situação que Ana, vestida como uma Fada pronta pra receber um Homem no altar e fazer votos de fidelidade e Amor eternos. Queria um relacionamento leve, sem tantos protocolos e compromissos rigorosos. Além do mais era ainda muito jovem e queria mesmo era namorar bastante até se fixar em alguém. Gostava de sex*, nunca teve problemas nessa área, pois sempre teve conversas claras com sua Mãe, e a irmã mais velha também ajudava bastante. Por isso, tinha uma vida sexualmente saudável e ativa, sem problemas com tabus ou repressões. Dormia freqüentemente na casa do namorado ( o atual era Caio), ou ele na sua; tinham uma relação boa, leve e sem cobranças...é fato que não havia grandes Paixões entre ambos, pelo menos não da parte da moça, mas era algo satisfatório para o momento, agradava aos dois.
De vez em quando, acontecia de ver Dra. Ana com o marido e o filhinho. Nessas horas, sentia algo muito estranho que não conseguia definir ao certo...era um misto de ternura e inveja... ternura por ver como ela parecia feliz com a família...inveja por não fazer parte dela. Era tão esquisito esse sentimento, que fazia Lívia sentir-se mal e querer afastar prontamente o pensamento. Um dia ao avistar Dra. Ana, Lívia estava de mãos dadas com Caio e sem querer apertou com força sua mão. Caio perguntou o que tinha acontecido, se ela levou algum susto e foi um custo disfarçar e fingir que tinha sido uma bobagem qualquer.
Ainda faltavam 3 períodos para sua formatura, mas Lívia sempre manteve notas excelentes e sabia que colaria grau com honras. Poderia arranjar Estágio em qualquer bom Escritório ou Empresa, mas cobiçava apenas um...o Escritório da Dra. Ana. Naquela noite, quando seu Pai falou no jantar, que Ana buscava uma nova Assistente, não se conteve de tanta felicidade, a ansiedade que sentia transparecia no seu semblante e ela não conseguiu disfarçar toda a excitação de ter sua tão sonhada oportunidade com a querida Dra. Ana! Não dormiu a noite toda, ficava repassando mentalmente todas as possibilidades de diálogo entre as duas. Todas as perguntas que poderiam ser feitas, todas as respostas que “deveriam” ser dadas. Nossa, que tortura!
E tudo saiu completamente diferente do que imaginou! Quando chegou ao Escritório, quase não conseguia fazer sua voz sair de tanta ansiedade. Após o anúncio de sua chegada pela Secretária, o interfone reproduziu no viva a voz aquele som que ainda vivia em sua lembrança desde criança. Quando entrou na sala, viu Ana de pé virando-se lentamente com um sorriso no rosto e estendendo a mão para um cumprimento. Por um ínfimo segundo pensou que ela olhava diretamente para os seus olhos, como se pudesse enxergar e perceber a confusão que causava na moça à sua frente. Mas foi só impressão! Ela estendeu a mão para que Lívia a tocasse e ela soubesse exatamente para onde deveria olhar. Começou falar num tom grave e sério, que demonstrava ser de suma importância aquele momento. Lívia não conseguia nem respirar! Suas pernas estavam tão bambas que ela postou-se num determinado lugar e de lá não saiu mais até que fosse dispensada. Quando Lívia teve que falar, respirou fundo e pediu aos Céus que a ajudasse a manter a voz firme, sem titubear ou mostrar vacilação. Não podia correr o risco de perder aquela chance, queria muito estar ao lado daquela mulher que por tantos anos povoou seus pensamentos, enchendo seu coração de sentimentos, muitas vezes confusos, mas principalmente de admiração e ternura.
E assim foi...Lívia conseguiu a oportunidade que tanto sonhara e agora iria poder constatar se de fato Ana era alguém especial como ela sempre imaginou, ou se apenas uma mulher que superou suas dificuldades e deveria servir como um bom exemplo a todos. Será que aquela Imagem de um ser incomum era somente fruto da imaginação de Lívia? “Se for, será muito bom assim, pois aí eu destruiria de vez essa idealização que criei e poderia enxergá-la como alguém comum, sem mistérios ou algo que a tornasse tão especial pra mim. Muitas vezes, esses pensamentos e principalmente o que sinto e não encontro explicação plausível, me incomodam muito! Quero desfazer essa imagem! Que seja desmistificada, se assim tiver que ser!” – Pensou Lívia
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]