Mais um domingo chegou, e novamente, estamos aqui!
E mais uma vez, esse domingo chega carregado de expectativa e alegria, mas não por AEL não! Desta vez, o dia se fez melhor e mais belo como um reflexo do que ele significa!
O capítulo de hoje é dedicado a uma das fãs mais loucas dessa história, que mais vibra, mais se exalta e é a que mais tem ranço da Shay (coitada)! Esse capítulo é dela, Estela Andrade, que sempre nos apoiou e incentivou! Que segue com a gente não somente como leitora, mas como uma amiga incrível.
Parabéns, Estela! Desejamos a você um mais do que feliz aniversário, mas um aniversário filhadaputamente maravilhoso! Muita amor e luz nesse coraçãozinho e mais uma vez, agradecemos imensamente o seu carinho!
Também seguimos agradecendo e todos e a cada um que nos lê, vibra e sofre com a gente!
Deliciosa leitura a todos vocês.
Ps: Sugerimos que sempre procurem ouvir as músicas citadas nos capítulos.
Capítulo 23 A Hora das Bruxas (Parte 1)
O crepúsculo da sexta-feira já caia sobre a agitada cidade de Istambul, formando um belíssimo mosaico no céu sob o qual aquelas duas mulheres pareciam se misturar à multidão de turistas e passantes daquela histórica construção.
- Jamais me cansarei dessa cidade! – Delphine suspirou profundamente enquanto contemplava o belíssimo pórtico de acesso ao interior daquele prédio impressionante. – A Hagia Sophia é um dos principais símbolos de uma das civilizações mais extraordinárias que existiu. – Ela explicava enquanto caminhava ao lado de Helena, que aparentava não estar tão confortável quanto sua chefe. - ... Foi construída entre os anos de 532 e 537 pelo Império Bizantino, para ser a catedral de Constantinopla. - Prosseguia com um tom honroso e admirado.
– Apenas imagine o quanto de história tem nessas paredes... – Acariciava a esplendorosa arquitetura de uma das imponentes pilastras que adornavam a entrada. – Sob nossos pés... – Tanto o seu tom de voz como sua caminhada eram carregados de uma reverência polida. – E, é claro, sobre nossas cabeças. – Ergueu os olhos em direção à abóboda gigantesca e encantadora que havia sido pintada em magníficos tons de azul, formando e dando vida à mandálas incríveis e lindíssimos.
As belezas do lugar eram inegáveis e Helena havia se esforçado, porém, não conseguia acompanhar sua amiga naquela singular apreciação histórica, tanto por ser uma judia dentro de um templo mulçumano, como pelo motivo que as levou até aquela cidade. Logo, tanto ela quanto Delphine, foram lembradas da verdadeira razão pela qual estavam ali, assim que avistaram uma mulher de postura firme caminhando em direção a elas, saudando-as com o característico gesto da Ordem.
- Sila! – Del estendeu uma das mãos para cumprimentá-la. Sila a cumprimentou de volta, repetindo o gesto com gentileza. – É muito bom revê-la, mesmo em circunstâncias desagradáveis. – A mulher assentiu levemente com a cabeça.
- Igualmente, Senhora Cormier. – Respondeu já virando-se para Helena e saudando-a, entretanto, o entusiasmo não estava mais lá. – Helena. – Assim que se entreolharam, Sila voltou a atenção para a loira. - Não esperava você aqui, Delphine. Não pessoalmente, quero dizer. – Encarou Helena novamente, claramente projetando um olhar preocupado a ela. A morena limitou-se a dar de ombros, já que ambas sabiam que, de fato, era muito arriscado expor a Mestra da Ordem em uma missão como aquela, todavia, também sabiam que não adiantava contrariar as decisões dela.
Para Delphine, aquela era uma missão de extrema importância para a Ordem, mas não só isso. Aquele momento também representava uma espécie de fuga de toda a loucura e confusão que haviam invadido sua vida. Desde a inesquecível noite em que Cosima quase esteve em seus braços, ela não conseguia mais evitar que seus pensamentos fossem dominados por ela... Que seu corpo exigisse o dela. Sabia que aquele desejo só aumentaria e tinha a assustadora ciência de que estava se entregando rápido demais... Sem cuidado, sem juízo e sem a menor vontade de se conter. Também sabia que essa poderosa e inexorável força que a impelia em direção a sua aluna poderia desencadear a ruína de todos os planos da Ordem caso Cosima não fosse quem dizia ser. Porém, a cada instante, duvidava ainda mais do suposto perigo que sua orientanda poderia representar.
Tudo o que vinha sentindo, corroborava para isso. Toda a sua vasta existência e experiência sempre a alertaram para desconfiar de qualquer um que tentasse se aproximar dela, mas, inexplicavelmente, Cosima ultrapassava – estraçalhava - qualquer barreira que ela pudesse erguer. Não obstante, o que muito a assustava era a absurda facilidade que Cosima tinha de sobrepor toda a resistência friamente construída; de despi-la com a poder do pensamento. Suspirou angustiada e impaciente... ‘’Quem é você, Srta. Niehaus?’’ Encarou Helena. Sabia que sua amiga certamente ainda buscava alguma informação, qualquer resquício que pudesse interligar sua aluna a seu inimigo imundo e inescrupuloso. Sua Protetora era altamente eficiente em suas investigações e métodos e o fato dela ainda não ter encontrado nada que incriminasse Cos, deveria – precisava -significar alguma coisa.
- Os carros estão à nossa espera na parte de trás do museu. – Informou Sila enquanto entregava um tablet para Helena, contendo uma série de informações que haviam sido coletadas para que aquela operação fosse bem-sucedida. – Não me parece nada bom... Nossa agente infiltrada nos informou que algo grande está sendo preparado para amanhã.
Delphine e Helena se entreolharam com assombrosa sincronia. Haviam chegado à mesma conclusão. Seja lá o Lamartine estivesse planejando, ele sadicamente desejava que acontecesse no momento exato em que estivessem no baile. Internamente, Delphine deliciou-se com aquele cenário. Com o passar dos anos, seu rival tornava-se cada vez mais previsível, ou, no mínimo, estava fingindo muito bem. Ela sabia que também não poderia descartar a possibilidade de que ele estivesse dissimulando aquilo tudo, uma vez que chave para o sucesso que a Ordem vinha alcançando ao longo dos anos, devia-se à sua capacidade de antever todo e qualquer passo que aquele lunático poderia traçar. Era um eterno e doentio tabuleiro de Xadrez e ela já não aguentava mais esperar pelo tão ansiado Xeque – mate.
As três cruzavam as dependências da Catedral Santa Sofia sem maiores dificuldades, visto os poderes concedidos pelas credenciais de Sila Ylmaz, que pertencia à polícia secreta turca e que, por força do destino, era membro da Ordem. Assim que chegaram aos fundos do museu, identificaram quatro SUVs pretos que aguardavam a chegada delas. Várias mulheres encontravam-se paradas diante dos veículos e, à medida que notavam a aproximação de Sila e Helena que caminhavam à frente, as saudavam com o tradicional e marcante gesto da Ordem. Entretanto, assim que avistaram a terceira figura que ainda descia os últimos degraus da longínqua escada, não conseguiram esconder a palpável expectativa e incredulidade ao finalmente entenderem de quem se tratava. Ela! A Toda Poderosa, temida e destemida, Delphine Cormier! Líder da tão almejada e impressionante Ordem de Labrys. Era ela quem iria assumir as rédeas do poderoso Exercito de Artêmis naquela missão.
Ali, encontravam-se 10 das melhores integrantes do Exercito. Impressionavam pelo porte físico imponente e definido, destacando-as onde quer que estivessem. Eram todas ex-agentes ou ex-militares de diferentes nacionalidades e que foram habilmente treinadas por Helena e Siobhan, justamente para missões como aquela. Estavam vestidas com roupas escuras, porém, nada que pudesse de fato identifica-las, uma vez que aquela missão era completamente clandestina – e altamente necessária.
Assim que Delphine as alcançou, a atmosfera do ambiente pareceu se eletrificar. À medida em que passava por elas, recebia os cumprimentos entusiasmados e reverenciais, como se as guerreiras daquele exército tivessem recebido algum tipo de dose extra de energia! Seu olhar confiante as enchia de coragem, fazendo com que a encarassem em retribuição com os olhos carregados de uma extrema devoção. Delphine gostava do que via ali. Do que era capaz de sentir na energia que pulsava daquelas mulheres. Fazia muito tempo que não participava diretamente de uma operação como aquela e, segundo Helena, o momento não era o mais indicado e interessante para um retorno como aquele. Porém, essa sabia que seria impossível impedi-la e, secretamente, estava feliz em tê-la ali.
Naquele instante, ela teve uma poderosa amostra do efeito extraordinário que a presença de Delphine causava naquelas mulheres e, essa energia seria mais do que necessária naquela missão. Sila fez um sinal para que todas se aproximassem do ponto onde estava.
- Delphine e Helena irão no terceiro carro comigo. – Sinalizou Sila. – Cada carro seguirá pelas rotas já previamente estabelecidas e aguardará a chegada dos demais. Vamos esperar o sinal de nossa agente infiltrada para podermos entrar. Lembrem-se: é necessário aguardarmos o cair da noite para que possamos agir. – Ela repassava as últimas instruções enquanto trocava olhares com Helena e Delphine, esperando o sinal de aprovação de ambas para que prosseguisse com as orientações.
- Senhoras... – Delphine tomou a palavra. O tom de voz era firme e explicitava um magnetismo e altivez invejáveis. – Sei que não é necessário reforçar o quanto esta missão é essencial para a Ordem, porém, gostaria que mantivessem algo igualmente importante em mente: Para além das diretrizes da Ordem, existe a vida daquelas mulheres... Das mulheres que necessitam da nossa ajuda... Nossas irmãs! – Delphine impunha tanta confiança em suas palavras que, inevitavelmente, envolvia ainda mais aquelas mulheres com a certeza do sucesso daquela operação. – Elas precisam de nós, e nós estamos aqui por elas. – A troca de olhares era de uma força e cumplicidade incríveis e era evidente o entusiasmo regrado à cautela. Aquelas mulheres sabiam que não seria uma missão fácil.
- Sábias palavras! – Helena cochichou enquanto entravam no carro designado à elas. – Você estava sentindo falta disso, não é mesmo? – Delphine a olhou muito intensamente e, o fervor em seus olhos evidenciava a quão empolgada estava por estar ali.
O pequeno comboio prosseguiu unido uma boa parte do caminho e, em determinado ponto do trajeto, os quatro carros se espalharam no intuito de não atraírem demasiada atenção à medida em que se aproximavam de seu destino.
Delphine percebeu a mudança na paisagem, onde os prédios modernos que se misturavam a antigas construções, começavam a dar lugar a uma atmosfera mais residencial e, partindo do pressuposto do ostensivo luxo daquelas construções, tratava-se de um bairro mais abastado. As construções começaram a ficar ainda mais escassas e espaçadas umas das outras, o que certamente lhes conferia bastante privacidade.
O carro que carregava a Mestra da Ordem do Labrys parou na base de uma pequena subida. Delphine olhou rapidamente ao redor e imediatamente notou o quanto aquele local era isolado. “Continua estupidamente cauteloso, não é, seu escroto?” Observou Sila contatar via rádio os demais carros que já estavam posicionados, sinalizando para que a motorista retirasse o carro da estrada.
- O que você está fazendo? – Delphine indagou com incredulidade e impaciência. Sila encarou Helena como se pedisse ajuda e essa, compreendeu o que precisava fazer.
- Não podemos arriscar que o nosso carro seja visto, Delphine. Vamos escondê-lo sob as arvores... Não é nada demais. – Mentiu descaradamente enquanto autorizava o movimento. Del segurou as têmporas por um breve segundo, controlando a vontade de socar sua Protetora. Não era possível que Helena realmente achava que ela cairia naquela conversinha.
- Helena, eu sei o que você pretende fazer e já deixo claro que não adiantará. Eu irei com vocês e não quero mais nenhuma surpresinha ou reclamação em relação a isso, estamos entendidas? – Rebateu com a autoridade e imponência que lhe eram tão características. Encarou sua amiga com dureza no olhar, se fazendo entender – e muito bem, diga-se de passagem. Sem quebrar o contato visual com a morena, dirigiu-se à sub-chefe daquela missão. – Sila, esconda o carro, mas informe à toda a equipe que eu irei com vocês... Ficou claro? – A mulher no banco da frente retesou o corpo e concordou de imediato.
- Sim, Sra. Cormier! – Respondeu sem aparentar contestação alguma e, um
- Você é impossível, Delphine! – Helena quase cuspiu entre os dentes e jogou-se contra o encosto do banco, ciente da sua impotência diante daquela poderosa e geniosa mulher. A loira limitou-se a revirar os olhos! Quando é que Helena pararia com aquela pirraça?
Del solicitou o tablet com as informações e passou a analisa-las enquanto esperavam o sinal para agirem. Se indignava com cada detalhe contido naqueles arquivos! Eles revelavam mais uma armação torpe de Lamartine e seus homens. Inevitavelmente, lembrou-se da ultima vez que esteve “em campo” em uma das missões contra seu inimigo e do desfecho desastroso daquela operação. ‘’Desgraçado...’’ Fechou os olhos com pesar, rememorando as perdas sofridas naquela ocasião. Para qualquer outra pessoa, aquela seria uma lembrança de um tempo distante, quase perdido. Mas, para ela, não. Para ela, a sensação era recente, insistente, como se tivesse acontecido há poucos dias atrás. O tempo era algo muito relativo para ela. A tensão dentro daquele carro já ganhava um aspecto sufocante quando uma voz irrompeu no ambiente.
- Sinal verde, equipe! – A voz eletrônica saindo do rádio a trouxe de volta. Ao longe, Delphine ouviu o cantar de pneus, anunciando que a ação havia sido iniciada. Assistiu Sila e a motorista abandonarem o veículo e se posicionarem próximo a ele. Assim que fez menção de sair do carro, foi impedida por Helena.
- Coloque isso antes! – O tom derrotado de sua amiga a comoveu. Helena oferecia a ela um colete à prova de balas, o qual Delphine encarou e imediatamente, esboçou uma careta.
- Sabe que não preciso disso, Helena. – Afirmou impaciente. – Além do mais, nem é noite de eclipse! – Piscou um dos olhos para a amiga.
- Eu sei, Delphine... Mas essas mulheres não sabem disso. – Helena rebateu como se aquilo fosse ridiculamente óbvio. - Quer que todas aqui descubram a verdadeira natureza da Toda Poderosa Mestra da Ordem? – Ela tinha razão. ‘’Inferno!’’ A contragosto, a loira tomou o colete das mãos de sua segurança e o colocou por sob o blazer preto e impossivelmente elegante que usava.
- Ainda não é o momento... Ainda não. – Delphine resignou-se enquanto finalizava a vestimenta do colete.
- Então, vamos logo com isso! – Helena indicou com um gestou de cabeça para que Delphine saísse do carro enquanto engatilhava sua arma.
Silenciosamente, as quatro mulheres puseram-se a subir a ladeira em estado máximo de alerta. Assim que alcançaram o topo, encontraram uma enorme propriedade que possuía um luxuoso casarão no centro. Tiros ecoavam ao longe e isso fez com Helena se prostrasse à frente de Delphine, praticamente prensando-a contra uma árvore. Aquele era seu instinto de proteção em ação. Ouviam com atenção as últimas orientações de Sila, certificando-se de que poderiam adentrar ao local. A noite caía com rapidez e tudo prosseguia conforme o planejado.
Acenou para as duas mulheres que estava mais atrás e as quatro puseram-se a andar mais despreocupadas. Um segundo depois, mais tiros foram disparados e, dessa vez, infinitamente mais próximos ao pequeno grupo, alertando-as por completo. Helena virou-se para as árvores que ladeavam aquela estrada em tempo de observar três homens caindo ao chão.
- Abaixem-se! – Helena ordenou às demais, que a obedeceram e se colocaram sob a proteção das árvores. – Merda! – A morena resmungou em tom de cochicho. Um pouco mais além do local em que estavam, um vulto pode ser visto, potencializando os sentidos e o foco de Helena. Preparando-se para o embate, um assovio agudo fez com que aquela poderosa mulher relaxasse em sua postura de ataque. Delphine e Sila cerraram seus olhos e mal acreditaram no que viam! Passando, calma e imponentemente entre as arvores, caminhava Siobhan Sedler, vestida completamente de preto e empunhando um moderno rifle M21 semiautomático de longo alcance.
Em poucos segundos, ela alcançou aquele pequeno grupo de mulheres, porém, Siobhan encarava Helena com uma cólera absurda, fuzilando-a com o olhar e obrigando-a a recuar até topar com um tronco de uma árvore qualquer.
- Onde você estava com a cabeça quando resolveu trazê-la aqui? – Cuspiu entre os dentes praticamente urrando de raiva enquanto apontava para Delphine sem tirar os olhos de Helena, que tentava desafiá-la, porém, sem sucesso algum. O antebraço de S pressiova seu pescoço e garganta e nenhuma das mulheres presentes ali, ousou se interpor entre elas. – O seu dever é PROTEGÊ-LA! E não trazê-la à campo para uma porr* de operação como essa! Qual é o seu problema? Você enlouqueceu? – S quase cuspia no rosto de Helena, tamanha era a proximidade em que se encontravam.
- A culpa foi minha, S! – Delphine se manifestou com autoridade, porém, visivelmente alarmada com aquela situação. – Solte-a, agora! – A antiga Protetora da Ordem parecia nem ouvir o comando de sua Mestra e continuava a pressionar a garganta da morena. – Siobhan... – Delphine quase pronunciou letra por letra. – Eu mandei soltá-la... Agora. – Baixou o tom de voz, fazendo com que S sacudisse a cabeça e fechasse os olhos como se algo mais forte do que ela a influenciasse, obrigando-a a acatar aquele comando. Com nítida relutância, soltou o pescoço de Helena, que levou as mãos a garganta e tossiu um pouco.
- Droga, S! Eu... – Helena interrompeu bruscamente sua fala já partindo para cima dela, alcançando o rifle que repousava pendurado no ombro no ombro de S e, sem tirá-lo dali, girou o corpo de Siobhan e improvisou um apoio para a arma, tão somente para abater mais dois homens que se aproximavam! Tudo aconteceu com tamanha rapidez que nenhuma das mulheres ai conseguiu sequer mover um único músculo, incluindo Delphine. – Você deixou dois passarem, hein! Está ficando velha, S, minha querida! – Helena a provocou, já recuperada.
- Sorte a sua eu não ter ouvido o que você disse! – S a repreendeu enquanto mexia em seu ouvido direito, que estava momentaneamente surdo em detrimento do estrondo do disparo.
- Esses homens não estavam na lista que nosso contato nos enviou... – Sila quase sussurrou, totalmente ofegante e com a voz entrecortada. Siobhan a encarou com o olhar novamente em chamas, quase cinicamente.
- Não estavam por que faziam parte de uma armadilha. – Rebateu S enquanto recarregava o rifle. Voltou-se para Helena. – Fui informada sobre isso pouco depois de vocês partiram. Uma das minhas fontes interceptou a informação. – Continuou. O tom de voz era resoluto e firme. - Seu “amiguinho” está atrás de você! – Jogou um aparelho celular para Helena que, assim que destravou a tela, viu uma série de fotos do que parecia um esquema de vigilância montado para pegá-la. Fechou os olhos por breve segundo, catalisando o que aquilo significava.
– De alguma forma, eles sabiam que viríamos... Estavam esperando por nós, por mim... – Assim que abriu os olhos, Helena encarou Sila com uma intensidade indescritível. Antes que qualquer uma ali pudesse prever o que aconteceria, em uma fração de segundo, a morena sacou uma adaga que trazia na cintura e a lançou em direção a Sila, acertando o tronco da árvore onde a mulher estava encostada, quase cortando lhe o rosto. – Sua... POR QUE? Por que você fez isso? Como pôde trair a Ordem? – Questionava com fervor e ódio no tom de voz, acompanhados pela dureza e pesar emanados pelo seu olhar. Logo ela, que havia sido uma de suas melhores pupilas.
- Sua traidora! – Helena não compartilhou da resignação de S e partiu para cima da mulher turca que não nada conseguia dizer, apenas arregalava os olhos enquanto algumas lágrimas começavam e escorrer.
- Eles estão com a filha e o marido dela. – Delphine finalmente se fez ouvir em meio àquela loucura toda. Estava de pé, olhando para a mulher que a encarava com assombro e total incredulidade. Assim como as demais integrantes do Exército de Artêmis, ela também já tinha ouvido falar das incríveis e surreais habilidades da Mestra da Ordem, mas jamais havia presenciado. Ver a demonstração de tamanho poder era impressionante demais e era ainda mais inevitável esconder sua admiração. Essa só aumentava a cada segundo transcorrido, juntamente com o sufocante pesar por ter traído a Ordem
– Eles a ameaçaram... Ameaçaram a família dela. – Choque, medo, expectativa e admiração... Tudo na mesma atmosfera. Delphine encarou a motorista do carro que estava um pouco mais afastada do pequeno grupo. Com um gesto de mão, solicitou o rádio com o qual Sila se comunicava com as demais. – Atenção, aqui é Delphine Cormier – Um segundo antes de continuar, Del encarou Helena. - Solicito que façam prisioneiros. Repito, não eliminem todos. – Sila e a motorista pareceram não entender aquele comando, porém, Helena e S sabiam exatamente o que significava. Trocaram olhares carregados de uma certa intensidade e expectativa. Ansiavam e temiam o que estava por vir.
Logo, as cinco mulheres estavam cruzando o imenso jardim daquela propriedade, passando em meio aos corpos caídos ao chão. Alguns mortalmente feridos, mas a maioria dos homens ali estava apenas desacordada. Para a felicidade e extremo alívio de Delphine, nenhuma integrante de sua equipe estava gravemente ferida, o que certamente conferia um imenso orgulho a Siobhan.
Antes de adentrarem ao interior da casa, Delphine parou e respirou profundamente, sentido o sangue correr mais rápido em suas veias, exatamente como se preparasse seu espirito para o que poderia encontrar lá dentro. Sabia do que os homens de Lamartine eram capazes e, infelizmente, não estava enganada. O luxo da entrada e do salão principal daquela mansão serviam apenas de fachada para a real função daquele local asqueroso. No andar de cima, existia uma série de quartos que eram usados para a prática sórdida da exploração sexual e da prostituição. O ar era pútrido e pesado, exatamente como Jonh.
O ódio e o desespero as consumiam a medida em que avançavam nos quartos. Encontraram várias jovens mulheres acuadas, muitas delas acorrentadas às camas ou vivendo em condições desumanas. Delphine cerrava os punhos e os dentes a cada centímetro avançado. Lamartine era, com absoluta certeza, a personificação do mal e do sadismo. Em um dos quartos, três estavam acorrentadas a pia do banheiro e balbuciavam palavras em idiomas diferentes.
- Duas delas são lituanas e a outra é de algum país da Europa oriental. – Afirmou uma mulher de cabelos castanhos que logo se identificou como sendo a infiltrada da Ordem ali dentro.
- Muitíssimo obrigada por sua contribuição, Angela! Sua ajuda foi essencial para que essa operação acontecesse. – Siobhan a cumprimentava, mas o tom de voz era derrotado. Aquele ambiente tinha a capacidade de drenar qualquer energia e esperança no coração de alguém. – Angela... - Delphine a chamou com doçura, encarando-a profundamente. Del sentiu um arrepio invadir lhe a espinha, estremecendo com o que viu através dos olhos daquela pobre mulher. Todo o terror e depravação vivenciados ali enquanto ela precisou se submeter às barbáries dos homens de Lamartine, e acima de tudo, dos “convidados”, como eram chamados aqueles que “consumiam” os serviços oferecidos em casas como aquela.
Incapaz de se conter, Del a abraçou com a profunda compaixão, levando a Angela ás lágrimas. Silenciosamente, Delphine tranquilizou aquela mulher, como se a abraçasse por dentro, tentando tirar um pouco do absurdo peso que ela carregava, tomando-o para si.
Assim que a soltou, a mulher a encarava com um semblante mais leve e menos dolorido, até mesmo exibindo um discreto sorriso nos lábios. Entretanto, Delphine encolheu os ombros e apenas suspirou resignada enquanto virava o rosto, cerrando os olhos.
Siobhan acenou negativamente com a cabeça. Detestava vê-la passar por aquilo, mas sabia que não havia nada que pudesse fazer para impedi-la. Estarrecida e admirada, e Helena mal acreditou no que viu. Nunca havia testemunhado nada como aquilo antes, apenas já tinha ouvido falar desse incrível, porém igualmente terrível habilidade que Delphine possuía de “roubar” para e absorver a dor dos outros. A morena respirou fundo e não conteve uma quase imperceptível lágrima que insistiu uma cair. Não conseguia mensurar a inimaginável dor que deveria existir dentro dela. Limpou um dos olhos rapidamente.
- Ninguém sabe, Helena... Ninguém sabe. – Siobhan a tocou nos ombros, como se lesse o pensamento da companheira, embora ela não tenha feito isso de fato. Delphine reafirmou a postura e seguiu em frente, imediatamente seguida por Helena e S. Del ia entrando em cada cômodo, cada maldito quarto, acalentando e suavizando o coração daquelas mulheres, aliviando suas dores. Não que ela as curasse ou as fizesse esquecer do que viveram ali, mas ainda assim, era capaz de diminuír o pesar e o imensurável tomento vivenciado ali, oferecendo serenidade.
Em um dos últimos cômodos, encontrou um grupo de quatro agentes detendo um homem que apresentava alguns ferimentos no rosto e estava de joelhos como uma agente de cada um dos lados. Assim que ela entrou naquele quarto, as quatro mulheres a saudaram com o gesto característico e honroso da Ordem, o que fez com que o homem cuspisse em um claro sinal de desdém. Delphine apenas o olhou com uma expressão enigmática. Enigmática demais.
- Saiam todas. – Demandou! O tom baixo e cortante de sua voz era de arrepiar até o espírito de quem pudesse ouvir. Todas imediatamente saíram sem demonstrar protesto algum. Helena também fez menção em sair, mas foi impedida por S, que a encarou com dureza, balançando a cabeça negativamente. Siobhan queria que Helena assistisse o que estaria por vir, já que isso fazia parte da sua função agora.
O homem ali prostrado, ria debilmente, como se quisesse demonstrar que não tinha nenhum medo daquelas mulheres diante dele, mesmo sabendo que o seu destino já estava selado. Tentou transparecer algum tipo de superioridade que, ao contrário do que ele poderia imaginar, parecia agradar a Mestra da Ordem. Del o encarou.
- Você não tem medo de mim, não é? De nós? – Apontou às mulheres mais atrás. Ele voltou a cuspir, só que dessa vez, tentando inutilmente acertar uma delas. Del deixou um meio sorriso escapar. – Ótimo! Isso significa que você não é um mero serviçal do Lamartine. Não! Você deve ser alguém importante... Sr.. ? – Delphine cerrou levemente os olhos enquanto dava as costas para ele, trocando olhares com Helena e S. O homem já não sorria mais, parecia estar sofrendo algum tipo de asfixia.
- OSMAN! – Ele praticamente berrou, como se seu nome lhe tivesse sido arrancado da garganta. Helena arregalou os olhos.
- Muito bem, Sr. Osman... Eu me chamo Delphine. – O tom de voz continuava baixo e assustadoramente cadenciado. - E agora que já fomos devidamente apresentados... – Num movimento brusco, inesperado e impossível para a condição física em que se encontrava, o homem se pôs de pé. Tinha a cabeça violentamente virada para trás e os dois braços abertos, acompanhado dos olhos esbugalhados e do semblante aterrorizado, que indicavam o pavor que passava diante deles.
Helena assistia a tudo aquilo quase petrificada, alternando o olhar entre o homem que parecia agonizar em dor e tomento e sua chefe, que tinha o semblante tranquilo – até demais -, exceto por uma pequena ruga em sua testa. Seus olhos estavam fantasmagoricamente negros e um sutil movimento de seus lábios revelava o que ela estava fazendo. Em pouco mais do que 5 segundos, o homem vomitava o endereço onde a família da agente Ylmaz era mantida em cativeiro, não apresentando a menor resistência ao que quer que Delphine estivesse fazendo com ele. Assim que terminou de falar o que Delphine queria ouvir, Osman começou a tossir violentamente e a sufocar, sendo asfixiado pela própria língua, que enrolava dentro de sua boca. Delphine continuava impassível.
- Chega, Delphine! – Siobhan exigiu, mas a loira mal pareceu dar-se conta da presença dela ali, naquele momento. O homem já começava a revirar os olhos e mudar de cor, claramente no limiar entre a vida e a morte. – Eu disse CHEGA, Delphine! – Se impôs, colocando-se diante dela, obstruindo seu contato visual com a vítima. Delphine piscou duas vezes, como se retomasse o controle sobre si e, a escuridão que pareceu dominar aquele quarto deu lugar a uma fraca claridade, oriunda de um velho abajur que voltou a acender. O homem imediatamente caiu no chão, buscando o ar com evidente desespero enquanto Delphine encarava a mulher à sua frente de forma dura e colérica, todavia, não disse uma palavra sequer e encarou o homem uma última vez, já saindo do quarto a passos largos. Helena continuava estarrecida, mal sendo capaz de se mexer. Siobhan se aproximou.
- Entenda uma coisa, Helena...- Suspirou profundamente enquanto encarava a mulher mais jovem, ainda nitidamente incrédula, com o espanto cravado em sua expressão. – A nossa função enquanto Protetoras da Delphine, vai muito além de impedir ameaças externas a ela. – Helena a encarou, começando a compreender o que aquilo significava. S prosseguiu. - Como você acabou de perceber, ela é plenamente capaz de se proteger de quase qualquer coisa. – S a fitou com intensidade e compaixão, afastando-se dela. – Nossa maior missão é protege-la de si mesma, Helena.... – Disse enquanto ajudava o homem a se levantar, amarrando as mãos dele.
Helena não conseguia acreditar no que tinha acabado de presenciar. Já sabia de tudo o que Delphine já havia feito ao longo de sua existência, mas, poder testemunhar aquilo, daquele jeito, mexeu demais com ela.... Estranhamente, sentiu um misto de uma admiração ainda mais profunda, mas também, de... medo. Em seu íntimo, questionou-se se seria capaz de detê-la, de protegê-la quando verdadeiramente ela precisasse.
Voltou para o salão daquela casa e encontrou Siobhan parabenizando as demais agentes, orientando-as para a missão de resgate da família da agente Ylmaz que, segundo as ordens de Delphine, seria banida da Ordem sob ameaça de morte caso revelasse qualquer coisa sobre a mesma, sendo vigiada de perto para assegurar que isso não acontecesse.
- Tem certeza de que o banimento é o melhor caminho? - Helena a indagou enquanto tocava seu ombro. Delphine a olhou com uma expressão antes nunca vista por Helena. Algo parecido com um arrependimento profundo e muito dolorido. Aprofundou o olhar no dela.
- Ela merecia a morte, Helena... – A morena assustou-se com aquela afirmação. O que Delphine estava falando? Del continuou com um tom de voz contido, porém, levemente alterado. – Ela colaborou com uma armadilha para... Para... – Delphine parecia ter um bolo dentro da garganta. - Para matar você...! – Finalizou e rapidamente desviou o olhar, fixando-o em algum ponto para além da janela onde estava encostada. A morena engoliu em seco.
– Ele sabe que não pode me atingir diretamente, então... Aquele maldito quer ferir quem eu amo, Helena... Você não entende.... – Concluiu enquanto colocou-se a caminhar, deixando para trás uma Helena boquiaberta e profundamente tocada. Ela sabia que o amor declarado por Delphine não era aquela que mais desejava, entretanto, tinha sido o suficiente para que a poderosa chama que morava em íntimo, reascendesse com maior força, ainda mais agora tinha o seu alvo declarado. Iria se vingar de Paul Dierden.
Um pouco mais afastada das demais, Delphine resignava-se e sentia-se ainda sufocada acerca de tudo que estava acontecendo e do quanto duvidada se ainda teria forças para suportar aquela batalha tão antiga e dolorosa. Contemplava a expressão de vitória e alegria nos rostos das mulheres do seu exercito e o alivio estampado no rosto de cada uma das mulheres que foram salvas ali. Sabia que havia sido uma vitória significativa, mas que a guerra ainda estava longe de ser vencida. E que a próxima batalha seria travada dali a algumas horas, no tão ansiado Baile. Com esse pensamento em mente, seguiu o grupo das ultimas pessoas a saírem da casa, ainda parando na base da escada de acesso àquela famigerada e asquerosa mansão, agora totalmente mergulhada em profundo silêncio. Suspirou alto e deu às costas à entrada daquele local, decida a ir embora e deixar ali, todo o tormento daquela noite, mesmo sabendo que não seria possível.
“Socorro”
“Nos ajude, por favor!”
Delphine paralisou, sentindo o sengue congelar nas veias! Um frio cortante percorrer lhe as entranhas, reascendendo o pavor que circundava aquele lugar. Voltou-se para a casa e sem hesitar, subiu os degraus correndo, mergulhando na escuridão que havia lá dentro.
- Delphine? – Helena a chamou assim que parou sob a soleira da porta. – O que foi? – A observou andar pelo espaçoso salão com a cabeça levemente inclinada, como se tentasse ouvir alguma coisa
- O que está havendo? – Siobhan também as alcançou. Porém, ao contrário de Helena, rapidamente entendeu o que estava acontecendo com a poderosa Mestra e fez um sinal para Helena, solicitando silêncio absoluto assim que essa fez menção em falar novamente. Esperaram infinitos segundos até que a viram parar em meio a um leve tremor de seu corpo. Delphine cerrou os punhos e fechou os olhos com força.
- Crianças... – Sussurrou completamente chocada e enjoada. Prontificou-se a correr, adentrando mais profundamente à mansão.
- Ela disse “crianças”? – Helena perguntou a Siobhan, completamente horrorizada, que já acenava para que as demais retornassem e assim o fizeram, após deixarem os dois prisioneiros presos em um dos carros.
Delphine continuava balbuciando aquilo enquanto entrava de quarto em quarto olhando em todos os cômodos e banheiros. Ordenou que todas ali fizessem o mesmo, mas por mais que procurassem, não encontravam nada nem ninguém ali. Ela estaria enlouquecendo?? Não!
- Maldição... Tragam-no! – Exigiu. Helena e Siobhan se entreolharam visivelmente preocupadas. Assim que aquele homem foi jogado aos pés da poderosa Delphine Cormier, começou a chorar e a implorar por sua vida! A violenta energia que pulsava de Delphine era quase tocável.
- Se quer viver, me diga onde elas estão... Agora. – Estranhamente, ela não gritou, o que serviu apenas para apavora-lo ainda mais.
- E..eu... Eu não sei do... do que você está falando... Gaguejou com um filete de voz e com extrema dificuldade. Um imponente trovão ecoou lá fora e, novamente, o interior daquela casa pareceu ser invadido por uma escuridão absurdamente ameaçadora. Antes mesmo que Siobhan ou a própria Helena tivessem tempo de pedir que as outras mulheres saíssem dali, o homem foi mais uma vez erguido do chão, inesperada e violentamente, só que dessa vez, seus pés se elevaram alguns centímetros acima do piso de mármore, fazendo com que até a própria Siobhan não acreditasse no que seus olhos presenciavam. O capanga de Lamartine estava literalmente – e impossivelmente - suspenso no ar. O estarrecimento era unanime e palpável, sendo apenas entrecortado pelo característico som de um liquido atingindo o piso. O homem havia urinado nas próprias calças, tamanho era o terror que o consumia. Todavia, Delphine não mais perguntou nada a ele, apenas encarando-o com a mais sombria das expressões, dominada pela turva escuridão que dançava em seus olhos. Um segundo depois, o semblante trevoso transfigurou-se em algo ainda mais assustador, num misto de choque, terror e finalmente, uma cólera inumana e incontrolável.
Antes mesmo que qualquer um pudesse imaginar o que aconteceria a seguir, um estalo audivelmente horrendo se fez ouvir, seguido de um angustiante, desesperado e aterrorizante grito, assombroso o suficiente para embrulhar o estomago de quem precisou a cena. O homem ainda estava suspenso no ar, porém, suas pernas não se debatiam mais... O tilintar horrível de instantes atrás era a coluna do homem que havia sido triturada.
Ainda completamente enjoada pelo o que acabou de presenciar, Helena temeu que o pior acontecesse ali e reuniu forças para conseguir se mover novamente, tentando interceder pela miserável vida daquele homem que grunhia em completa e desesperada agonia. Olhou para as demais e focou em Siobhan, porém, todas pareciam paralisadas e o olhar de S evidenciava o pânico vivenciado por todas ali. Entretanto, estranhamente, o que quer que Delphine estivesse fazendo com elas, não funcionava e Helena, que parou bem diante dela, buscando seu olhar desesperadamente.
- Delphine! Olhe pra mim! – Segurou o rosto dela com as mãos, tentando força-la a virar a cabeça para ela... Tentando forçava e vê-la ali. – Delphine...! Por favor...! – A voz de Helena era puro desespero. Delphine parecia estar longe demais, perdida em alguma profundeza escura. Uma profundeza alojada em sua própria alma. Helena virou-se para o homem e constatou que ele não aguantaria por muito mais tempo. Então, sem pensar em mais nada e consumida por um último lapso de desespero em trazê-la de volta à realidade, em trazê-la de volta à luz... Ela a beijou!
Aquele beijo estava muito longe de ser como Helena tanto imaginou e desejou por incontáveis dias... Meses e anos. Era frio, distante e o sal de suas lágrimas o tornava ainda mais amargo. O contato de suas bocas não durou mais do que poucos segundos e, assim que Helena afastou seu rosto, descolando seus lábios dos dela, encontrou o olhar incrédulo e completamente indecifrável de Delphine que, assim que ouviu o som abafado do corpo do homem cair ao chão, compreendeu o que sua amiga acabara de fazer. Assim como ele, todas as demais também foram libertas da energia emanada por ela.
- Eu sei onde elas estão! – Sussurrou, arregalando os olhos e encarando sua Protetora com um misto de angústia e alívio no olhar. – E sei o que ele pretendia fazer com elas... - Correr em direção a cozinha que ficava naquele mesmo andar e. como se conhecesse cada metro daquele lugar, começou a empurrar uma estante lotada com panelas que caiam aos montes, causando um desagradável barulho. Por trás daquele móve,l havia uma porta metálica, fechada com um cadeado de segredo numérico.
Como já era esperado, a combinação para abri-lo também foi conseguida por Delphine, que logo abriu a porta e encontrou uma escadaria de pedras. Novamente e sem nenhuma hesitação, mergulhou escuridão adentro. Todavia, antes que pudesse avançar, foi impedida por Helena, que se colocou à sua frente com a arma em punho. Desceram cautelosamente e, antes de alcançarem o último degrau, Delphine apertou com mais intensidade o ombro de sua Protetora, que pareceu entender o que aquilo significava, já que no segundo seguinte, o faiscar de uma lâmina ecoou em sua direção, porém, graças ao alerta da loira, conseguiu se esquivar da faca que tinha sido empunhada para atingi-la. Com a agilidade que lhe é tão natural e característica, Helena imobilizou o agressor, derrubando-o e tomando a adaga de sua mão, lançando-a em direção ao segundo homem que estava mais ao fundo, ainda conseguindo disparar um tiro antes de cair ao chão.
Felizmente, o tiro foi a esmo e não atingiu ninguém. Delphine sentiu-se gelar com mera possibilidade de que Helena fosse ferida. Após aquele breve momento de ação, os gemidos e soluços infantis foram ouvidos, fazendo o coração de Delphine afundar no peito. Amontoadas num canto daquele ambiente, sobre um colchão imundo, havia um grupo de cinco meninas que não deveriam ter mais do que onze anos. Lamartine não tinha um único pingo de escrúpulo sequer!
Todas as mulheres ali presentes nitidamente chocaram-se com a cena. Como aquele canalha era capaz? Apesar de estarem acostumadas a resgates daquele tipo, nunca haviam encontrado crianças tão pequenas. Eram crianças, pelo amor de Ártemis!
Como se toda aquela doentia e cruel situação já não fosse suficientemente absurda, Delphine se sentiu quebrar em mil pedaços, cerrando os punhos e o maxilar ao constatar um sórdido e perverso traço comum em todas as crianças ali: Os cabelos loiros e a tez impecavelmente branca.
- O sadismo daquele monstro não tem limites...! – Delphine cuspiu entre os dentes. – Ele pretendia... – Engoliu em seco, sentindo um bolo formar-se em seu estômago. – Ela iria leiloar essas meninas! Leiloar a virgindade delas... – Todas ali estremeceram diante daquela informação. Era perversão demais.
Mesmo assustadas, as meninas foram finalmente retiradas daquela prisão e, todas, sem exceção, lançavam olhares agradecidos para Delphine, menos a última delas. Essa permaneceu imóvel, encarando sua salvadora com seus grandes e redondos olhos azuis. A pequena criatura não tinha mais do que sete anos, era magra e aparentava uma fragilidade assustadora. Certamente, os maus tratos vividos ali prejudicaram seu desenvolvimento, fazendo Delphine duvidar se até mesmo ela sabia falar ou se possuía algum comprometimento cognitivo. Contudo, para sua total surpresa, a garotinha correu em sua direção, fazendo a Toda Poderosa ajoelhar-se para recebe-la em seus braços.
Delphine não entendia bem por quê fez aquilo, mas permaneceu ajoelhada, com a pequena garotinha em encolhida em seu abraço. Podia seria seu coraçãozinho batendo acelerado, mas, ao contrário das demais, ela não chorava e nem se desesperava, apenas enfiav* ainda mais a sua pequena cabeça sob o queixo de uma atônita Delphine, se aninhando nela.
- Ei... Está tudo bem agora! – Sussurrou com surpreendente ternura, tentando tranquiliza-la. Sem desfazer o abraço, a garotinha não dizia nada, apenas afastou seu rosto para encarar Delphine com os intensos e profundos olhinhos azuis.
“Obrigada por nos salvar”. Delphine sentiu-se congelar, arregalando os olhos em seguida. Helena e Siobhan, que assistiam aquela cena inesperada e estranhamente promissora, se entreolharam, percebendo que algo acontecia ali. Somente então, a menina focou sua atenção às demais ali presentes. Quando seus olhos encontraram os de Siobhan, a poderosa mulher ruiu em lágrimas, assustando e sobressaltando uma ainda mais confusa Helena.
“Eu sabia que você viria” A garotinha falava diretamente para Delphine, que via, ouvia e sentia, mas não acreditava. Aquela pequena menina também era capaz de estabelecer aquela sobrenatural conexão com ela.
- ... Que você viria me ajudar.. – Alternava a comunicação oral como seus pensamentos, que só eram captados por Delphine. Ainda incrédula e estarrecida, quis testar a menina em seus braços.
“Como você sabia que eu viria?” Delphine a perguntou sem que palavras fossem necessárias.
- Eu sonhei com você. Eu sonhei que você vinha! – A pequena respondeu verbalmente, deixando que um brilhante sorriso imperasse nos pequenos e inocentes lábios.
Delphine, Helena e Siobhan... As três mulheres se entreolharam com profundo significado e, naquela singular troca de olhares, perceberam que estavam diante de uma criança especial. Delphine encarou S, que ainda enxugava as lágrimas de outrora. Essa, lhe acenou com um acolhedor sorriso e cheio de expectativa.
- Sim, Delphine... Ela é especial. – S concluiu, recebendo a pequena garotinha que lhe fora entregue por Delphine. A menina relutou em deixar os braços que lhe acolhiam, porém, acabou cedendo. – Ei, mocinha corajosa, qual é o seu nome? – S interagia com ela. - Eu me chamo Siobhan, mas pode me chamar de Sra. S! – A menina sorriu ainda um tanto desconfiada, mas a cumprimentou. – Oi, Sra S! - Todas já estavam deixando aquele porão para trás.
- Meu nome é...- A pequena hesitou e olhou para trás, como se pedisse permissão a Delphine para prosseguir. Del fez um gesto suave para que a garotinha continuasse, transmitindo confiança a ela, que continuou. - ... Meu nome é Emanuelle...
Como se o mundo ao seu redor tivesse momentaneamente desaparecido, Delphine paralisou no exato instante em que ouviu aquele nome... Involuntária e inevitavelmente, pensou em tudo o que ele representava... Todo o peso que carregava. ‘’Como isso é possível?’’ No segundo seguinte, as outras duas mulheres perceberam o que aquilo poderia significar para ela.
Seria uma feliz coincidência ou mais um capricho do destino? Teriam de esperar para descobrir, porém, uma coisa elas tinham como certeza: Precisavam ficar atentas àquela pequena menina. Precisavam observa-la, protegê-la e compreendê-la.
- Precisamos sair daqui, Delphine. – S a alertou, incentivando-a a continuar. – Logo a polícia chegará. O jatinho está pronto e nos espera no aeroporto. Delphine apertou os olhos, sentindo o tremor que percorria seu corpo.
- Isso precisa ter um fim, S! – Disse em um tom cansado, exaurido e quase derrotado.
- E terá, minha querida... – Ponderou suas próximas palavras. – E ele pode estar muito mais próximo do que imaginamos.
Delphine pareceu não dar muita importância àquela fala de Siobhan e prosseguiu em direção às escadas. Entretanto, o mesmo não aconteceu com Helena. Aquelas palavras acionaram um pequeno alerta dentro dela. Alguma coisa estava para acontecer.
******
Cosima encarava aquela extraordinária peça de roupa que estava pendurada na porta de seu closet. Há horas que vinha arrumando qualquer atividade para fazer, no intuito de ocupar sua acelerada e ansiosa mente. Chegou a até mesmo, retirar todas as louças dos armários para lavá-las, mesmo elas já estando perfeitamente limpas! Demorou-se um tempo literalmente inacreditável trabalhando em uma ordem de tamanho e cores para organizá-las de forma “harmônica”- claro! Ligou para todos os amigos possíveis e até mesmo para sua mãe, tão somente para ser monossilábica com absolutamente todo mundo, já não estava nem um pouco interessada no teor daquelas conversas. Só queria – desesperadamente - que sua mente fosse ocupada por qualquer outra coisa que não fosse ou a lembrasse dela.
“Delphine...” Sussurrou em pensamento e em seguida verbalizou, desejando-a mais do que tudo. – Delphine... – Sobressaltou-se com o leve estrondo de alguém batendo na porta.
“Que estranho...”. Assim que a abriu, deparou-se com um rapaz simpático e jovial, que trazia em mãos um elegante pacote, cuidadosamente embrulhado.
- Srta. Cosima Niehaus? – O jovem indagou, fazendo Cosima confirmar com um suave aceno de cabeça enquanto recebia o pacote em mãos. – Assine aqui e aqui, por favor. – Ainda sem entender bulhufas do que aquilo se tratava, o fez com certo receio e despediu-se do rapaz. Assim que fechou a porta e começou a caminhar, parou no meio de sua sala no instante em que encontrou a delicada etiqueta que pendia do pacote. Escrito em sutis e imponente letras douradas, lia-se Prada. ‘’Mas o que...?’’
-Wou! – Mesmo para ela que se considerava uma leiga no que dizia respeito à moda, sabia que aquela era uma marca renomada e de absurda elegância e visibilidade, além de caríssima, é claro! Questionou-se se aquilo era realmente para ela enquanto sentava-se em seu pequeno - não mais odiado – sofá, depositando o pacote sobre a mesa de centro, encarando por alguns instantes.
“Será possível? Não seja tola!” Assustou-se com a ideia que se formou em sua cabeça.
- Não pode ser... Será? – E como uma criança que acaba de ganhar um presente- surpresa, tratou de abri-lo não mais com cuidado, e sim com demasiada pressa dado o tamanho de sua ansiedade. Era uma belíssima caixa de cor pérola, contendo na tampa novamente o nome daquela marca, para garantir a sua autenticidade. Com evidente reverência, Cosima a abriu, encontrando um maravilhoso e absurdamente elegante par de sandálias de salto alto num tom dourado fosco, como uma série de pequenos e perfeitos cristais que percorriam a pequena e delicada tira que cercaria seus dedos. Era espetacularmente linda e combinava perfeitamente com o seu vestido.
No fundo da caixa, um pequeno cartão dobrado repousava, elevando sua ansiedade a níveis astronômicos! Cosima pode ver que havia algo escrito a mão nele. Hesitou em pegá-lo três vezes, não sabendo ao certo o que esperava encontrar, embora só fosse possível saber se o lê-se. Respirou fundo e o tomou em mãos, abrindo com os dedos.
“Já que a Srta. não me permitiu presenteá-la com o vestido, aceite esse humilde agrado como prova de meu carinho e rebeldia. Não aceito devolutivas.’’
Com amor, Marc Pinot!”
Maravilhada, Cosima riu da brincadeira do amigo, porém, secretamente, sentia-se frustrada e um tanto decepcionada, até com raiva de si mesma por achar que aquele presente poderia ter vindo de Delphine.
- Você é uma tola, Cosima! – Sorriu com ironia e tratou de experimentar a sandália na clara tentativa de praticar a hercúlea tarefa de permanecer de pé sobre aqueles finíssimos saltos. Caminhou com demasiado cuidado e parou diante do espelho, encarando sua imagem que definitivamente parecia mais esguia e elegante, visto a sua “nova” altura.
Já havia cogitado em não ir para aquele baile um milhão de vezes, mesmo já tendo gasto uma pequena – grande - fortuna em seu vestido. Sentia-se altamente receosa em relação a como iria reagir a ela. A como se comportaria novamente ao lado de Delphine, lamentando não ter podido encontra-la e nem falar com ela desde aquela madrugada em sua calçada. Para sua total frustração, Delphine viajou ainda na quinta-feira pela manhã e provavelmente só retornaria pouco antes do baile, perdendo até uma reunião de orientação na tarde de sexta-feira.
Desejava poder conversar com ela, olhar para ela... tocá-la... Somente para tentar conseguiria entender toda a loucura de tudo o que estava sentindo. Todo a avassalador arrebatamento que dominava! As palavras dela, ditas com tamanho fervor e voracidade não saiam de sua mente.
“Eu vou esperar você, Cosima”. Elas soavam como uma doce e velada promessa, mas ainda assim, ela a desejava mais do que qualquer coisa. Recriminou-se por todas as dezenas de vezes que tomou o celular em mãos e não ligou para ela, na imbecil expectativa de que deveria ser Delphine a fazer aquele primeiro contato. Ansiava em poder conversar com ela, sabendo que no baile de logo mais isso seria praticamente impossível, já que Delphine seria uma das anfitriãs e ela, apenas uma entre centenas de convidados.
“Como você é idiota, Niehaus!” Praguejou, encarando sua imagem no espelho. Tomada pela vontade de ouvi-la, retirou o celular do bolso e selecionou a letra D na agenda. Assim que localizou o nome tão desejado, parou com o polegar no ar.
“Eu quero, mas... eu devo?”
******
As primeiras horas da noite de sábado chegaram carregadas de uma expectativa que há muito ela não sentia. Enganava-se achando que toda àquela avalanche de sensações e emoções, devia-se ao tão ansiado e temido encontro com seu grande inimigo. Deixou a Turquia com aquele pensamento fixo em sua mente, porém, à medida em que se aproximava de “casa”, seu pensamento vacilou, demorando-se num lugar já absurdamente familiar para ele.
“Cosima...” – Praticamente cantou aquele nome em tom de adoração. Delphine sentia seu peito doer como há muito tempo não sentia; a confusão que permeava sua cabeça, torturavam sua alma e seu coração. Pelas deusas, até quando?
Estava dividida. Exatamente como se estivesse parada diante de uma encruzilhada, vendo-se obrigada a decidir um rumo, um caminho... um amor. Uma certeza a consumia cada vez mais... A de que estava diante da maior escolha de sua vida.
Além disso, ter encontrado aquela garotinha daquela forma, justo daquela maneira, despertou algo em seu íntimo; uma espécie de alerta. Como um inquietante sinal, anunciando que alguma coisa poderia estar na iminência de acontecer.
Delphine perambulou por sua biblioteca escura, iluminada apenas pela belíssima e encantadora lareira que existia ali. Estava de volta à sua imponente mansão, que ficava mais afastada da cidade. Decidiu ir para lá assim que chegou de viagem, sentindo que precisava estar onde mais iria sentir-se segura e protegida. Estava em casa. Uma música suave tocava em seu moderno aparelho de som que reproduzia um de seus discos de vinil favorito. Claro! Nesse quesito - e não somente nesse - Delphine era charmosamente tradicional e saudosista.
Aproximou-se do aparelho e segurou nas mãos a capa do álbum Blue de Joni MitchelI, maravilhosamente autografado pela própria cantora. Del suspirou nostálgica. Aquele era um dos muitos tesouros que ela mantinha somente para si. Leu a dedicatória que também havia ali e sorriu alegremente, tão somente para deixar-se preencher pela angustia que a consumia, cantarolando a estrofe final da música que tão brilhantemente, nomeava aquele álbum.
“(...) Blue, here is a shell for you / Aqui está, uma concha para você
Inside you'll hear a sigh / Dentro dela, você ouvirá um suspiro
A foggy lullaby / Uma frágil canção de ninar
There is your song from me / Essa é a sua canção, de mim para você”
Ergueu a agulha que dava vida à melodia e, com desconcertante maestria, escolheu a próxima canção, soltando o braço de sua vitrola com extremo cuidado e carinho. Segundos depois, os acordes de sua canção preferida começaram a ecoar pela silenciosa mansão, graças ao magnifico equipamento de som instalado ali, que permitindo ela pudesse ser ouvida em quase todos os cômodos daquele imenso casarão. A ‘’velharia’’ e o moderno dialogavam-se com exuberante perfeição no que dizia respeito aquela mulher.
E, compartilhando da agradável companhia que a música lhe prestava, começou a perambular pela casa.
And all the house lights left up bright / E todas as luzes da casa brilham
I'm gonna blow this damn candle out / Vou soprar esta maldita vela para fora
I don't want nobody comin'over to my table / Eu não quero ninguém vindo na minha mesa
I've got nothing to talk to anybody about / Eu não tenho nada a falar sobre qualquer coisa
All good dreamer pass this way someday / Todo bom sonhador passa por isto algum dia
Hidin' behind bottles in dark cafes/ Amanhece caído num escuro café
Dark cafes / Café escuro
Only a dark cocoon before / Só a escuridão
I get my gorgeous wings / Antes de ganhar minhas asas maravilhosas
And fly away / E eu voarei por ai
Only a phase, these dark cafe days / Só uma fase, estes dias de cafeterias escuras
A PhDeusa cantava alto e quase debilmente, tamanha era a emoção que transbordava ali, sentindo cada palavra daquela canção. As últimas estrofes a alcançaram no exato instante em que chegou em seu closet. Precisaria sair em pouco mais de duas horas para o famigerado e tão ansiado Baile e nem mesmo havia escolhido o vestido que usaria. Parou diante de um cabideiro de onde pendiam uma séria de belíssimos, estonteantes e caríssimos vestidos, caracterizados pela sobriedade de seus tons negros. Delphine os encarou.
“Será que alguns desses a agradaria?” Riu sozinha e somente consigo mesma, percebendo a deliciosa loucura que era escolher suas roupas conjecturando a opinião de Cosima. Escolheu um preto indescritivelmente sensual e que lhe deixava com as costas nuas. O havia usado pela última vez em uma premiação há alguns anos.
Colocou o vestido diante de seu corpo e se encarou em frente ao espelho; uma brisa mais fria invadiu o ambiente, fazendo com que algumas das roupas ali balançassem e se revelassem. Inesperadamente, uma pontinha de um vivo tecido vermelho lhe chamou atenção. Intrigada pela cor, caminhou até o cabide que acolhia aquela peça, deparando-se com um lindíssimo, exuberante e esquecido vestido vermelho. Lembrava-se de que o havia comprado em um atrevido impulso e jamais o havia usado. Não era afeita daquela cor... Era a cor que a fazia lembrar dela! Abraçou aquele vestido como se pudesse abraça-la e desceu as escadas, retornando para a biblioteca. O característico chiado evidenciava que o vinil havia chegado ao fim, obrigando-a a desligar o aparelho. Adorava o efeito que a música era capaz de proporcioná-la. Mesmo ali, tomada por uma poderosa angústia.... Mesmo ali, invadida pela dor das lembranças e pela saudade. Delphine fechou os olhos com força e pesar, sentindo que precisava externar aquilo de alguma forma. De qualquer jeito que fosse.
Encarou com o olhar emotivo e totalmente vulnerável o belíssimo instrumento que repousava ali. Um outro piano Fritz Dobbert de calda longuíssima. Caminhou lentamente em direção a ele e depositou ali o vestido que trazia em mãos. Abriu o tampo que protegia as teclas e dedilhou algumas notas soltas, verificando que a afinação ainda estava boa, quase perfeita, visto o tempo em que ele não era usado. Anotou mentalmente a necessidade de pedir a Helena que mandasse alguém para cuidar de seu piano. Posicionou-se de forma ereta, inclinou levemente a cabeça para trás e deixou que a primeira lágrima angustiada e dolorida escorresse em seu rosto.
Incapaz de evitar, deixou seu pensamento vacilar até ela. Dessa vez, não se tratava mais de Cosima, mas sim, de seu grande, verdadeiro e único amor.
“Será?” Uma segunda lágrima despencou de seu rosto, atingindo sua mão direita, que repousava sobre as teclas de maneira ansiosa e hesitante, exatamente ao mesmo tempo. Sentia seu coração acelerar e bater com gritante sofrimento.
- Meu amor, meu doce amor... Eu... Eu preciso de você... – As palavras eram um sussurrado pedido de socorro... Desesperado e amargurado, tão dolorosamente proferido que chegou a provocar um soluço em seu peito atormentado. Quase inconscientemente, deixou seus dedos vagarem por sobre as teclas, iniciando uma gentil e triste melodia, acompanhada por sua ressentida e melancólica voz. Ela cantava e tocava, despida de qualquer máscara que era obrigada a sustentar.
“(...) She's imperfect but she tries / Ela é imperfeita, mas ela tenta
She is good but she lies / Ela é boa, mas mente
She is hard on herself / Ela é dura consigo mesma
She is broken and won't ask for help / Ela está destruída e não pedirá ajuda
She is messy but she's kind / Ela é confusa, mas é gentil
She is lonely most of the time / Ela é solitária na maior parte do tempo
She is all of this mixed up / Ela é tudo isso misturado
And baked in a beautiful pie / E assado em uma linda torta
She is gone but she used to be mine / Ela se foi, mas ela costumava ser minha (...)”
- Você sempre será minha... Sempre será a minha vida... – Confidenciava entre as estrofes da música. Ali, em meio à pouca luz daquele lugar, o ambiente mal iluminado muito se assemelhava a sua alma, mergulhada em escuridão e permeada por uma fraca luz desde o momento em que a perdeu. Agora, as lágrimas caiam com dolorosa vontade, potencializando a colossal e angustiante dúvida que morava em seu coração, aumentando ainda mais o sentimento de impotência que a atormentava.
- Meu amor... Não sei mais se aguento esperar você... Não sei se posso mais suportar! Me ajude... – Ela Implorava... Com a alma escancarada, ela implorava.
“(...)It's not what I asked for / E isso não é o que pedi
Sometimes life just slips in through a back door / Às vezes a vida se esvai pela porta de trás
And carves out a person / E esculpe a pessoa
And makes you believe it's all true / E lhe faz acreditar que é tão verdadeiro
And now I've got you / A agora tenho você
And you're not what I asked for / E você não é o que pedi
If I'm honest I know I would give it all back / Se for para ser honesto, eu daria tudo de novo
For a chance to start over / Por uma chance de começar de novo
And rewrite an ending or two / E reescrever um final ou dois
For the girl that I knew / Para a menina que eu conhecia (...)”
- Sinto tanto a sua falta... Tanto! Por favor... Eu preciso saber, meu amor... – Quase soluçava, abrindo as comportas que guardavam seus desejos mais profundos. – Eu preciso saber...
“(...) Used to be mine / Costumava ser minha
She is messy but she's kind / Ela é confusa, mas é gentil
She is lonely most of the time / Ela é solitária na maior parte do tempo
She is all of this mixed up / Ela é tudo isso misturado
And baked in a beautiful pie / E assado em uma linda torta
She is gone but she used to be mine / Ela se foi, mas ela costumava ser minha (...)”
- ... Eu preciso saber se... – Fechou os olhos com intensidade, obrigando as últimas lágrimas a caírem assim que a última nota ecoou pelo ambiente, encerrando a música. - ... Se você está aqui... Se finalmente voltou pra mim! – Com dolorida dificuldade, conseguiu verbalizou o que tanto a afligia e machucava. Consumida por tudo que sentia, suplicou às estrelas e ao infinito.
– Se você está aqui, meu amor... Me ajude; Me ajude a encontra-la. Me ajude a ter certeza. Se é você, eu preciso saber... – Parecia uma completa tolice, uma total loucura, porém, se havia alguém que sabia que aquilo não seria impossível, esse alguém era ela.
- Por favor, minha vida... Me deixe saber se é você. Me dê um sinal, por favor...
A dor parecia não ter fim e um zumbido insistente se fez ouvir, resmungando no bolso de sua calça. Era seu celular. Incrédula, levou o aparelho até o ouvido.
- Alô... Cosima?
Como o golpe de misericórdia para tudo o que a invadia e corroía naquele momento, assim que proferiu o nome dela, tudo que Delphine ouviu foi o gélido e cortante encerrar da ligação.
Ela estava novamente sozinha.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
coraline
Em: 14/12/2017
Nossa essa fic é muito maravilhosa!
Vc escreve muito bem o psicológico das personagens e isso faz toda diferença em uma boa história. Morta de curiosidade para o próximo capítulo. Como faz?
Resposta do autor:
Ficamos estasiadas que estejas gostando de nossa história. Postamos sempre aos domingos a noite e caso queiras conversar mais sobre a história, basta me adicoinar no face:
https://www.facebook.com/profile.php?id=1223930183
Xeros
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Flavia Rocha
Em: 12/12/2017
Nossa, que leitura maravilhosa estou tendo com essa história.Este capitulo foi maravilhoso, toda história é... Estou louca pra saber o que vai acontecer nesse baile. Eu acho que esse inimigo (que eu esqueci o nome) é ruivo. Será que acertei? rsrs E a Shay vai viajar pra cidade dos apaixonados pra levar um pé na bunda? Será que a Cosima vai conseguir? Tô ansiosa pros próximos capítulos.
Tem algum dia da semana certo pra postar?
Orphan Black acho que vou assistir só depois de terminar essa história.
Vlw, autora. Boa semana.
Resposta do autor:
Oi Flavinha, que bom mesmo que estais gostando da nossa fic. Ele é escrita pensando nas leitoras. E a nossa PhDeusa arrebata corações. E sim, temos uma periodicidade com a qual sou bem chata.Sempre aos domingos. E assista OB sim. Tenho certeza que vais gostar. Xeros
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