Capítulo 20 A Surpresa
Era só uma intensa e inoportuna impressão ou o mundo começou a girar rápido demais? Em meio a uma respiração audivelmente entrecortada, Cosima questionava seu controle e seu equilíbrio no exato instante em que percebeu a aproximação dela... ‘’Delphine...’’ O que ela estava fazendo? Numa intrigante fração de segundo, a já densa atmosfera daquele ambiente se eletrificou de uma maneira impossível e completamente excitante.
Assim que se despediram da Professora Bowles e as portas do elevador começaram a se fechar, Delphine parecia simplesmente não ter mais controle sobre seu corpo, sobre suas vontades até então, tentadoras e proibidas. Um misto de assombrosas e ansiadas sensações a açoitavam por inteiro naquele momento. Ter visto a forma insinuante de Marion para cima de Cosima; ser invadida por um esquecido gosto de fel em sua boca, provocado por uma surpreendente pontada de ciúmes e, como se já não tivesse sido o suficiente, ter sido presenteada com a inesperada visão de uma Cosima ciumenta e incomodada, acabou sendo demais até mesmo para seu poderosíssimo autocontrole. A imprevisibilidade de toda aquela situação foi uma potente e incontrolável catálise.
Desejo. Tesão. Obsessão... Nenhuma dessas sensações era realmente capaz de definir o que impelia Delphine em direção a Cosima que, mesmo não sabendo explicar, esperava por ela. Era uma atração sobrenatural... um magnetismo ancestral. O poderoso e avassalador desejo que as consumia não dominava apenas seus corpos... Ele energizava e vibrava em cada detalhe de suas almas. Ali, presas naquele minúsculo e eletrizado espaço, nada mais poderia separá-las. Nada.
Mergulhada no verde brilhante e ardente dos olhos de sua orientanda, Delphine sentia-se tomada por um violento arrebatamento, impetuoso e inevitável, fazendo-a abdicar de qualquer lógica e sanidade que ainda lhe restavam, concentrando 100% de toda a sua atenção apenas na mulher diante dela. Definitivamente, Cosima não era qualquer uma.
Hipnotizada pela presença de sua orientadora, Cos sentiu como se seu corpo descolasse do chão assim que enxergou tudo que a mística galáxia presente no olhar de Delphine revelava. Não conseguia entender a maneira absurda com que seu corpo e sua alma reagiam a ela e, muito honestamente, ela nem se importava mais. Foi tomada pela colossal e sensual energia que emanava daquela poderosa mulher, pensando que desfaleceria ali mesmo quando a viu seguir em sua direção. O que aquilo significava?
Aumentado ainda mais o bolo crescente em seu estômago, Cosima assistiu incrédula e ansiosa a PhDeusa apertar calmamente o botão que travava o curso do elevador, fazendo-o parar subitamente enquanto a observava com uma chama escura e cintilante nos olhos. ‘’Puta.que.pariu.’’ Os movimentos dela eram vagarosos e calculados, porém, em cada mínimo gesto, havia uma urgência contida, latente e pulsante... Exatamente como a calmaria que antecede à tempestade. Decidida, Delphine foi aproximando-se com uma lentidão enlouquecedora, como um elegante felino, um predador cercando sua caça, fazendo-a recuar instintivamente, obrigando-a a colar as costas contra o frio metal.
As pontas dos dedos de Cos já estavam embranquecidas devido a força com que apertava a barra do suporte do elevador. Ela podia jurar que seu corpo estava sendo – deliciosamente - comprimido pela energia que as separava, sentindo uma atrevida gota de suor escorrer em sua nuca. Em toda a sua vibrante existência, jamais havia vivenciado uma sensação de expectativa tão poderosa como aquela! Suspirou profundamente assim que abandonou os olhos de Delphine tão somente para encarar a perdição que era a boca dela e que, para tentá-la ainda mais, estava sugestivamente entreaberta. Sentiu os joelhos fraquejarem e o meio de suas pernas latejar... Aquela mulher era simplesmente demais, em todos os possíveis sentidos que a palavra abrangia.
Fugir ou se entregar? Dar vazão ao pulsante e desesperado desejo ou impedir a iminência daquele beijo tão ansiado? Antes mesmo que fosse possível ponderar a respeito, Delphine finalmente percorreu a pouca distância que ainda restava entre elas e, sem quebrar a força daquele olhar, lentamente colocou seus braços nas laterais da cabeça de Cosima, um após o outro com uma delicadeza enlouquecedora, espalmando as mãos no metal gelado... prendendo-a ali. A morena engoliu em seco, invadida pelo cheiro maravilhosamente límpido e sensual que a pele de Delphine exalava, inebriando e entorpecendo seus sentidos. A Deusa, por sua vez, sentia-se consumida pela vontade alucinante de tocá-la... toma-la para si ali mesmo, percebendo a força do seu desejo fluir por cada célula de seu corpo.
“O que você faz comigo, Cosima...?” Delphine questionava-se intimamente.
“Exatamente o mesmo que você está fazendo comigo, Delphine...” A resposta veio sem que palavras fossem necessárias. Novamente, aquela singular e inexplicável conexão que possuíam se fez presente, impossível de ser ignorada. Comunicavam-se através de olhares... Trocavam mensagens secretas entre o pulsar de suas respirações... Diziam tudo que queriam expressar em meio ao silêncio.
Consumidos pela excitação palpável entre elas, os olhos de Delphine lentamente percorreram a boca de Cosima, devorando-a, fazendo-a novamente engolir em seco e morder o lábio inferior com intensidade proporcional à luxuria que ardia no olhar de sua orientadora. A morena mordia com tamanha vontade que corria o risco de se ferir e, isso, Delphine jamais poderia permitir.
Como se uma avalanche de arrepios consumisse seu corpo, Cosima estremeceu por inteiro no instante em que sentiu os dedos dela tocarem seus lábios, fazendo com que seus olhos se fechassem e sua respiração falhasse, tamanha era a emoção que aquele simples toque foi capaz de proporcionar.
‘’Abra o olhos, Cosima!’’ Dessa vez, era ela própria dizendo a si mesma aquelas palavras, fazendo com que se lembrasse do delírio vivenciado naquela noite em seu chuveiro. Todavia, ela tinha a absoluta certeza do que encontraria assim que abrisse os olhos... Sabia que confrontaria a razão de toda aquela loucura e seu receio devia-se ao fato de ter a total clareza de que assim que o fizesse, não seria capaz de resistir a avassaladora necessidade que sentia de Delphine.
Porém, antes mesmo de ser capaz de abrir os olhos, foram os seus lábios que saíram do controle! Mais uma vez, foi inteiramente dominada pela sensação de estar flutuando assim que sentiu a pontinha do dedo polegar de sua professora passear lentamente por seu lábio inferior, percorrendo toda a extensão de sua boca. Um gemido baixo e rouco escapou ali e outra parte de seu corpo pareceu adquirir vontade própria... Sua língua imediatamente seguiu o rastro deixado pelo dedo insinuante de Delphine, quase sentindo o gosto deixado ali.
Uma lufada do hálito quente e impossivelmente delicioso de Delphine fez com que Cosima estremecesse completa e visivelmente. Era como se todo o seu corpo respondesse a cada comando implícito nos gestos dela e, como se todo aquele sufocante magnetismo já não fosse o bastante para enlouquece-la, sua sanidade foi totalmente aniquilada quando o som de uma cadenciada, provocante e deliciosa risada alcançou seus ouvidos. Cos necessitava olhar para Delphine... Ela precisava ser capaz de encará-la e então, prendendo a respiração, reuniu a coragem que precisava e vagarosamente abriu os olhos, deparando-se mais uma vez com toda a perfeição que aquela mulher representava, sendo novamente hipnotizada pelas duas pérolas negras que a devoravam. Delphine era definitivamente a mais bela criação das Deusas.
A loira também tinha os lábios entreabertos e a respiração ofegante, revelando que também estava prestes a ultrapassar todos os seus limites. A maneira que o corpo de sua orientanda reagia a ela era tentadora demais.
Cosima já não conseguia raciocinar com clareza e muito menos discernir o que poderia ou não acontecer ali. A distância que as separava era irrisória e praticamente inexistente, porém, seus corpos ainda não se tocavam. Elas sentiam o calor que fluía por suas veias, completamente em transe com a expectativa do momento, como se uma esperasse ansiosamente pela outra, esperando quem cederia primeiro, quem romperia a famigerada barreira do já super abalado bom senso. E aquela tensão, aquela gostosa apreensão e toda a energia que as cercava, eram quase tão poderosamente orgásticas quanto o próprio toque deveria ser.
Delphine hesitou ao máximo em abandonar os olhos de Cosima, porém, precisava focar no que seus dedos estavam fazendo... Necessitava certificar-se de que sua tarefa seria perfeitamente bem realizada e, com a cara mais deliciosamente sacana que alguém poderia demonstrar, delicadamente limpou a pequena porção de um fino pozinho de cor marrom claro que estava depositada no canto da boca de sua orientanda, fazendo-a pensar que derreteria bem ali, louca de desejo, assim que a viu levar os próprios dedos à boca, sorvendo o conteúdo que ela havia tirado do canto de sua boca. Com a outra mão, Del pressionou o botão que destravava o elevador, colocando-o novamente em movimento.
- Amêndoas... Hum... Dacquoise?[1]- Indagou. Cos foi bruscamente surpreendida por aquelas palavras, parecendo não compreender o que Delphine estava falando. – Aqui está, mais um pouco da “prova do crime”. – Apontou com escancarado divertimento no tom de voz enquanto alcançava a fina barra da blusa de Cosima, revelando um pouco mais do farelo de bolo que havia encontrado no canto da boca dela. Só então, a morena compreendeu ao que ela se referia. O leve soar da campainha do elevador a acordou do extasiante delírio em que havia mergulhado.
Delphine ainda tocava levemente o topo da blusa de Cos e, intimamente, lamentava profundamente que aquela pequena viagem tivesse chegado ao fim, mesmo sabendo que era necessário. Professora e aluna sabiam que deveriam sair daquele pequeno e sufocante espaço e que precisavam seguir com as corriqueiras tarefas de orientar e ser orientada, porém, era inevitável perderem-se uma na outra.
A loira tinha ido para cima de Cosima com a clara intenção de toma-la para si ali mesmo, mandando pelos ares qualquer lógica ou bom senso. Cada fragmento seu desejava desesperadamente sua orientanda, deixando-a perigosamente em chamas. Delphine sentia seu íntimo pulsar como há muito não acontecia, entretanto, assim que chegou a insignificantes milímetros de Cosima, a conexão aconteceu e ela pôde mergulhar na mente de sua aluna, quase involuntariamente, sendo capaz de vislumbrar, mesmo que por um breve instante, o mais profundo íntimo dela. O que Del pôde sentir ali, na essência de Cosima, a tocou de uma forma tão intensa que a fez ter a certeza que não deveria toma-la daquele jeito. Não de qualquer jeito, como normalmente faria e já havia feito com outras mulheres ao longo de sua existência.
Sentia que deveria merecê-la, conquistá-la e ser conquistada para muito além da carne e do sex*. Não, Cosima jamais poderia ser tratada como um prêmio a ser alcançado. Estava muito mais para uma dádiva a ser merecida.
Ainda assim, Delphine sabia que era de carne e osso, apesar de muitos duvidarem disso. E ali, ainda aproveitando os instantes finais daquela deliciosa proximidade, ousou.
Com o álibi de limpar o restante do farelo existente ali, Delphine novamente a tocou, mais firme e incisivamente, percebendo a evidente alteração na textura da pele de Cosima, que respondia àquele toque arrepiando-se por completo. Estava ciente que empurrava sua orientanda à beira daquele abismo, impelindo-a a seu limite. A agonia dela se fez ainda mais evidente quando Delphine foi presenteada com uma visão que abalou toda a sua recém adotada postura.
Por sob a leve blusa que Cosima usava, a protuberância de seus seios capturou toda a atenção de Delphine, já que eles involuntariamente estavam denunciando... não, GRITANDO o estado em que estava deixando aquela pobre mulher. E os dois pontos salientes dos mamilos enrijecidos de Cosima, obrigaram Delphine a engolir em seco e a levaram a ir mais além.
Cosima sentia todo o seu abdômen se contrair e espasmos serem anunciados, mas nada poderia prepara-la para o que sentiria. Ter os dedos de Delphine tocando sua pele, mesmo que tão sutilmente, era algo que ela não conseguia descrever, porém, o que a outra mulher fez em seguida, a lançou num desespero avassalador.
Após limpar o ultimo resquício daquele pozinho, e antes de abandonar aquele contato, aquela perdição de mulher desceu sua mão, fazendo com que – sem querer (oi?) – três de seus dedos roçassem levemente um dos mamilos de Cosima, que precisou unhar uma de suas coxas para não gritar.
"Ela realmente quer o meu fim!” – Constatou Cosima, erguendo levemente a cabeça e encostando-a no metal com os olhos cerrados.
Delphine se afastou um pouco e educadamente indicou com uma das mãos a passagem para fora do elevador. Ela tinha uma expressão agora indecifrável para Cos, que a invejou naquele momento, visto que tinha a certeza de que em sua cara estava estampada toda a agonia que sentia, sentindo o rosto em chamas e respirando com dificuldade.
Mover-se pareceu uma tarefa hercúlea, porém, ela sabia que precisava sair dali.
“Um perna de cada vez, Niehaus!” “Vamos, você consegue”. E com uma dificuldade surreal, descolou suas costas da parede do elevador e tentou se organizar, ajeitando suas roupas e tratando de evitar os olhos da loira que certamente estavam sobre ela.
Pôs-se a andar com fingida firmeza e quase titubeou quando percebeu que Delphine não a alcançou, preferindo vir mais atrás, literalmente varrendo o corpo de Cosima de cima a baixo, só então podendo contemplar com detalhada inspeção o quão provocante ela estava.
“Certamente, foi de propósito.” Se deliciou.
Ela estava “casualmente” vestida com uma saia que parecia ser constituída por vários retalhos de couro de diferentes cores e de tamanho questionável para qualquer pessoa, menos para Delphine, visto aquela peça lhe permitia enxergar muito mais das belíssimas pernas de sua orientanda, já que estavam a mostra sem nenhum tipo de meia, uma vez que o dia estava estranhamente agradável. Vestia uma leve blusa de cetim azul de alcinhas, indicando que não vestia um sutiã por baixo, fato esse já muito bem constatado pela loira - e de uma ótima maneira, por sinal. Calçava lindas botas pretas de cano médio e trazia um estiloso casaco de lã vinho nos braços. Os dreads estavam soltos e balançavam a medida que ela andava, num rebol*do espontâneo e hipnotizante para Delphine.
Quando ela achou que já estava extrapolando em sua inspeção, tratou de ultrapassar sua aluna, um pouco antes de avistarem os demais Semideuses do lado de fora da sala de sua sala.
Cosima percebeu como a postura de todos ali se modificou no instante em que viram a figura de Delphine se aproximando. Ela era tão intimidante assim? Pelo menos com ela, as reações causadas pela outra não tinham a ver com medo, era muito mais... assustador e intimo.
- Boa tarde a todas e todos! – lhes sorriu cordialmente, o que causou evidente espanto em todos ali. – Peço desculpas pequeno atraso, mas tive um pequeno contratempo no elevador. – Cosima freou seus passos nesse exato instante, fazendo com que todos a olhassem curiosos. Ela balbuciou alguma coisa, porém, logo foi “socorrida” por Delphine. – Esqueci minha valise em outro andar e fiz com que a Srta. Niehaus me acompanhasse até lá para pegá-la. – Girou a maçaneta e entrou em sua sala, evidenciando que aquela breve explicação bastava.
Marc olhou para Sophie e balbuciou um “Mas que porr* é essa?” obtendo como resposta um “Não faço ideia!”. Todos deram de ombros e se entreolharam.
Os cinco se dirigiram para uma sala conjugada àquela primeira e Cosima os seguiu, questionando-se em como não havia prestado atenção naquele espaço quando estivera ali das outras vezes. Cada um puxou uma cadeira e ela percebeu que não lhe sobraria uma e, quando fez a menção de procurar alguma, sentiu uma leve pressão na parte de trás de suas pernas. Delphine estava lhe oferecendo uma cadeira com educada reverência.
Nova troca de olhares entre os Semideuses ali e novamente todos focavam em Cosima. Aquilo já estava incomodando e tal situação só piorou quando Delphine trouxe a sua cadeira indicando claramente onde a posicionaria. Os demais se apressaram em se afastar o máximo possível dela, quase se amontoando de um dos lados daquela mesa redonda. Já estava sendo patético! E como se quisesse repreender seus colegas, assim que Delphine sentou-se, Cosima tratou de aproximar a sua cadeira da dela, encarando seus amigos com evidente reprovação e esse, a olharam totalmente surpresos. Porém, não foram os únicos... Um lindo e misterioso par de verdes olhos a encaravam com uma divertida curiosidade e, com um manear leve de cabeça, Delphine agradeceu aquele pequeno gesto.
E logo, todos ali trataram de focar em suas atribuições.
Era inegável para qualquer um naquela sala que o clima daquela sessão de orientações era completamente diferente das anteriores. Tudo era mais suave e tranquilo, e por vezes todos ali eram surpreendidos por uma deliciosa risada proferida por Delphine, ao ponto de começarem a questionar toda a mística da crueldade, frieza e dureza. Ela estava sendo quase gentil.
Para a sorte de Cosima, todos estavam tão intrigados com o comportamento de sua orientadora que mal prestavam atenção nela e na forma abobalhada com a qual ela se pegava admirando Delphine e toda a sua natural segurança e domínio dos mais variados temas. Ao ponto que mal conseguiu se conter em determinado momento em que Delphine pontuava acerca dos tipos de armas utilizadas pelo exercito alemão durante a Segunda Guerra Mundial.
- Será que existe alguma coisa nesse mundo que você não saiba? – Cosima disse como se houvesse esquecido que haviam outras pessoas naquela sala além delas. Delphine a lançou um olhar curioso e indicou com os olhos os demais que também a encaravam surpresos com o “você” utilizado naquela frase.
"Merda, Cosima!” se repreendia. “Ela é sua professora! Ela é sua Orientadora!”
Mas a tensão recém-criada foi surpreendentemente quebrada pelo sorriso divertido de Delphine que fez com que, surpreendentemente, todos ali mudassem seus semblantes e logo a acompanhassem num riso descontraído e relaxado.
- Claro que sim, Srta. Niehaus... Porém, me interesso por tudo que possa envolver os trabalhos de meus orientandos. – divertiu-se – E se tem algo que carrego do que minha mãe me ensinou, é de que todo o conhecimento possível nunca é demais – Cosima, se sentiu tocada pela referência tão intima que sua professora fez, contudo, se incomodou com a mudança em seu semblante. Assistiu um duro pesar pairar sobre aquele rosto tão adorado e sentiu uma vontade louca de lhe confortar. – Portanto, lhe recomendo o mesmo. – Disse, tentando dissipar aquela sombra que teimava em querer tentar envolve-la. – Nossa! Olha a hora! – Assustou-se quando olhou para seu relógio e constatou que já passava e muito das 19h, horário previsto para o término daquela reunião.
Os Semideuses pareceram tão surpresos quanto ela, já que realmente não haviam percebido o transcorrer das horas dada a atmosfera surpreendentemente agradável que experimentaram. Puseram-se a reunir seus materiais enquanto combinavam onde iriam jantar.
Propositadamente, Cosima organizava seu material com escancarada lerdeza, desejando ser a ultima a sair daquela sala na clara tentativa de ficar sozinha com Delphine, que também aplicava certa dose de manzanza ao organizar sua mesa e checar algo em seu celular.
- Cos, você não vem? – Amélia a chamava pouco antes de cruzar a porta. – Eu e o Marc vamos naquele mexicano que você nos indicou.
Cosima tentou pensar rápido em uma boa desculpa para escapar do tentador convite dos amigos, mas, novamente foi salva por Delphine.
- Desculpem, já ia me esquecendo de avisá-los. – Interrompeu. – Os demais já foram? – Questionou.
- Gente, voltem aqui rapidinho. – Marc os chamou. Logo, Sophie, Louis e René voltaram intrigados e entraram na sala receosos.
- Não sei se vocês já ouviram algum comentário a respeito do Baile Beneficente que será realizado no próximo sábado. – Delphine os informou e, assim que constatou as interrogações pairando nos rostos de seus orientandos, prosseguiu
– Vejo que não. Pois bem, gostaria de convidar a todos e todas para essa seleta ocasião, onde a Universidade irá homenagear um de nossos maiores benfeitores e que acabou de se tornar o Ministro da Educação e Cultura da presidência. O Sr. John Lamartine. – Delphine tentou evitar ao máximo deixar transparecer em sua voz todo o desconforto que sentia ao pronunciar aquele nome, usando de todo o seu autocontrole para não deixar que Cosima percebesse algo.
Tinha cada vez mais certeza que ela não tinha nada a ver com aquele maldito, mas não poderia se dar ao luxo de se livrar de todas as dúvidas sem antes os confrontar. Colocá-los no mesmo ambiente que ela.
- Sendo assim, solicito que peguem os seus respectivos convites com Gracie até a sexta-feira. – Informou em um tom solene, o que evidenciava que o convite estava muito mais para uma intimidação. – E gostaria de revê-los em minha aula na quarta-feira. Tenho uma surpresinha para vocês. – Soltou essa ultima parte com um tom quase serelepe na voz, o que causou um misto de receio e ansiedade em todos, sabendo que não iria adiantar em nada questionarem do que se tratava! Ela certamente não iria dizer a eles. Então, saíram ainda sussurrando entre si, tentando conjecturar sobre o que se tratava a tal surpresa, mal dando-se conta de que Cosima não os seguiu.
Ela mesma não entendia muito bem porque havia se demorado ali. Apenas se deixou levar pela constatação da necessidade de estar perto dela, de respirar o mesmo ar, de sentir aquela inebriante energia que era emanada daquela criatura.
- Posso ajudá-la, Srta. Niehaus? – Delphine indagou com os olhos ainda focados no fundo de sua basta.
- Você não sente fome, Delphine? – Estranhou toda aquela ousadia, porém, vangloriou-se quando percebeu o leve tremor que percorreu o corpo de sua orientadora assim que ouviu seu nome ser proferido com incrível intimidade. Suspirou com intensidade e ergueu seu olhar vagarosamente, garantindo que a atmosfera daquela sala começasse a mudar.
- Será que isso é um convite para jantar, Cosima? – Não poderia ficar por menos!
E lá estavam elas, novamente perdendo-se naquele olhar que as aquecia de uma forma visceral e quase inacreditável, obrigando-as a buscar o ar com certa dificuldade. E essa deliciosa agonia atingiu níveis alarmantes em Delphine, assim que percebeu sua aluna se mover, caminhando em sua direção.
- Se eu dissesse que sim... Você aceitaria? – Cosima agia com afrontosa audácia, insinuante como poucas vezes ousava ser.
- Atrapalho alguma coisa? – A forçada sensualidade naquela voz causou um revirar de olhos de Cosima, que estava de costas para a porta, fazendo com que o sorriso de Delphine sumisse de seus lábios.
- Claro que não, professora! – Cosima disse, virando-se para encarar Marion com denotada seriedade na voz. – Eu já estava de saída.
"É oficial, eu odeio com todas as minhas forças essa mulher!” Cosima engoliu sua amarga raiva.
Olhou para Delphine e essa a encarava com denotada decepção em sua expressão. Novamente, pareceram se comunicar sem que palavras fossem necessárias e silenciosamente, decidiram que aquele jantar teria de esperar.
Cosima dirigiu-se até a porta e precisou controlar as suas reações quando viu que os olhos daquela mulher estavam pousados em algum ponto de seus seios.
- Com licença, professora! – Solicitou, olhando para qualquer lugar menos para a cara de pau dela.
- A vontade, Srta. Niehaus. – Encostou-se na lateral da porta, obrigando Cos a tocar nela para que conseguisse passar. Sentiu seu estômago embrulhar quando passou por ela e ainda de costas pôde ouvi-la.
– Delphine, minha querida... Estou aqui para retribuir o favor que você me fez e leva-la para jantar... – Cosima já estava no corredor e quase tropeçou ao tentar dar a meia volta para reforçar o seu convite, porém, hesitou.
"Ela é sua professora... PROFESSORA!” Esse pensamento a impeliu a dar passos rápidos em direção ao elevador enquanto realizava uma ligação.
- Oi, Amélia... O convite ainda está de pé?
******
Todos os Semideuses já estavam diante da sala de aula 5 minutos antes da aula começar. Inclusive Cosima, que estranhamente havia sido a primeira a chegar, ferindo seriamente a sua fama de Eterna Atrasada. Porém, a verdade era que ela estava ansiosa para saber qual seria a surpresa que Delphine havia lhes preparado, mas acima de tudo, precisava enlouquecidamente estar com ela.
Havia passado toda a terça-feira num mal humor insuportável, até mesmo para ela, distribuindo patadas para quem quer se aproximasse dela, sobrando inclusive para o pobre do Scotty e para a Izzy, que haviam ligado para ela super empolgados querendo informar que a Rabbit Hole havia sido indicada para um prêmio de uma revista especializada em Cafés de São Francisco. Nem mesmo essa notícia melhorou seu humor.
E esse, pouco havia mudado naquela tarde de quarta-feira.
- Nossa, Cosima! Que bicho lhe mordeu? – Sophie questionou.
- Deve ser TPM, não é, amiga? – Marc pousou a mão em seu próprio peito fingindo algum tipo de solidariedade ao estado da amiga, recebendo um olhar digno de gelar a mais calorosa das almas. Porém, Marc e os demais não desistiriam até conseguir arrancar um sorriso da sisuda Cosima.
- O que vocês acham da Professora Bowles?- Cosima interrompeu as brincadeiras dos colegas, que a olharam surpresos.
- Eu a acho charmosíssima! – Sophie se adiantou, piorando o humor de Cosima sem que a pobre moça soubesse.
- É uma professora brilhante, mas... – insinuou Amélia.
- “Mas” o quê? – exigiu.
- A melhor pessoa para lhe responder isso é o René... – Apimentou Louis. Cosima não compreendeu bem aquele tom utilizado e sabia que havia algo mais ali.
- Ah, gente... eu só sai com ela uma vez e nos SÓ jantamos, okay? – Defendeu-se o rapaz. – Me orgulho em não fazer parte de sua “coleção”.
Como boa entendedora, Cosima compreendeu a mensagem implícita na expressão “coleção”. Tratava-se de uma predadora. Questionou-se apenas se Delphine fazia parte dela e, para seu total desespero, a viu saindo do elevador lado a lado com Delphine, que parecia rir de algum comentário que Marion fazia ao pé de seu ouvido.
Cos bufou audivelmente, o que fez com que Marc, que estava mais próximo a ela, a lançasse um olhar curioso e seguisse a direção de seus olhos, que observavam às duas mulheres se aproximando. Inevitavelmente, deixou seu queixo cair. Cosima percebeu a expressão de seu amigo, que agora começava a mudar a expressão do choque para uma cara muito sacana. Cos apenas acenou negativamente com a cabeça enquanto ajeitava seus óculos, evitando olhar Delphine nos olhos quando essa se aproximou após se despedir de Marion com dois beijinhos em suas bochechas. Nem esperou a saudação de sua professora, dando-lhe as costas ao entrar na sala de aula.
Delphine tentou com todas as suas forças – e não são poucas – não gargalhar da reação quase infantil de Cosima. Cumprimentou os demais semideuses e parou assim que passou ao lado de Marc, que a encarava com um olhar ousadamente divertido.
“Merda, Cosima! Se controle!” Sorriu educadamente para ele. Entrou na sala por sua porta e insistiu em procurar os olhos de Cosima, mas não os encontrou, pois ela fazia questão de ignorá-la. :Ainda assim, aquele joguinho era delicioso demais e Delphine decidiu literalmente atormentá-la.
- Boa tarde a todas e todos. Gostaria de dar as boas vindas de volta aos meus orientandos. – Comentava enquanto desabotoava um charmoso sobretudo preto de couro. O detalhe é que ela o fez bem na frente da cadeira de Cosima, que não seria capaz de ignorar a impertinente transparência da blusa regata branca, que possuía alguns detalhes em renda, e a cava das mangas revelava parte do sutiã preto que vestia por baixo.
Cosima tentou focar apenas no pingente de um cumprido colar que pendia daquele pescoço perfeito, porém, assim que ela se virou, pensou seriamente em xingá-la ali mesmo, dado o ultraje do quanto aquela calça era colada ao corpo de sua professora, que calçava uma sandália de salto fino e detalhes sofisticados. E claro que a perfeição não seria completa sem os cabelos que estavam livres, leves e soltos.
“Tá bom! Já posso morrer?”
- Eles não sabem o porque foram chamados aqui! – Delphine estava estranhamente se divertindo. – Vamos coloca-los a par de nossos planos? – Eles se olharam temerosos do que poderia estar por vir.
Foi então que o silêncio foi quebrado pela voz de um jovem rapaz de cabelos louros que começava a ler trechos do que logo, todos ali identificaram ser parte do trabalho de René, alternando as citações diretas com opiniões pessoais acerca do tema. E assim que aquele rapaz terminou, uma moça em outro ponto da sala repetiu o gesto do rapaz e continuou a leitura. Logo, vários estudantes ali estavam apresentando, um a um, o que fora a atividade solicitada por Delphine. Uma detalhada análise crítica acerca dos trabalhos de seus 6 orientandos.
Todos, sem exceção, foram contemplados e escancaradamente elogiados, pontuados e ovacionados, causando um misto de constrangimento e orgulho em cada um deles. Muitas das observações apontadas demonstravam o quanto de jovens promissores a Professora Cormeir tinha em sua turma, o que certamente iria lhe proporcionar futuros orientandos de muito boa qualidade.
E, como não poderia deixar de ser, o trabalho de Cosima fora o mais brilhantemente apresentado, cabendo a três jovens mulheres essa tarefa. O orgulho transparecido em suas falas evidenciava o quanto estavam empolgadas com o tema que, curiosamente, não era o seu projeto de PhD, mas sim, o seu tema de Doutorado, que destacava a irmandade entre mulheres ao longo mundo contemporâneo.
“...Em detrimento e desconstruindo o que a sociedade patriarcal teima em erigir como sendo o comportamento competitivo entre as mulheres, aquelas pertencentes aos grupos e instituições – tão brilhantemente abordadas – nesse trabalho, nos mostram que a irmandade entre mulheres é o caminho para buscarmos uma sociedade mais harmoniosa e pautada no respeito mutuo entre cada indivíduo.”
Surpreendendo a todos, quem encerrou as apresentações comentadas dos trabalhos dos Semideuses foi ninguém menos que a PhDeusa, recitando de cor, o parágrafo final da tese de Cosima, fazendo com que essa finalmente voltasse a olha-lha nos olhos, completamente encantada com o que via e ouvia. E não era a única... Todos ali estavam estarrecidos com o poder que emanava de sua professora, uma vez que ela parecia brilhar enquanto recitava aquelas palavras, cativando, seduzindo, capturando todos naquela sala e, em retribuição, recebeu uma salva de palmas que fora iniciada por Marc e teve Cosima como a última a ovacioná-la, estando completamente enfeitiçada pelo poder que aquela mulher tinha sobre ela.
- Muitíssimo obrigada. – Del agradeceu com sinceridade – E espero que os meus orientandos tenham gostado e aproveitado essa breve rodada de análise sobre seus trabalhos. São eles quem merecem os seus aplausos. – Indicou com a mão que eles deveriam se levantar, o que fizeram com certa hesitação, mas logo acenavam para os demais com entusiasmo. Exceto Cosima, que ainda estava perdida, completamente entregue aos encantos de Delphine. O ela pôde sentir naquele instante, ia muito além de uma mera atração física. A sensação que imperava ali, era como se uma cortina começasse a se abrir em uma sala escura e uma luz se expandisse... Luz que havia sido desencadeada por Delphine... Luz que adentrava aquela escuridão, oferecendo a Cosima um rápido vislumbre de um sentimento que jamais conhecera, porém, era ao mesmo tempo, absurdamente familiar.
Assustou-se e recusou-se a verbalizar tudo que se descortinava diante de seus olhos. A sutil mudança naquilo que pensava sentir pela mulher diante de si. Finalmente, começou a encarar que ia muito além de uma simples admiração intelectual ou atração física.
E isso aconteceu no exato momento em que Delphine a olhou da forma mais pura, intensa e entregue que poderia ser humanamente possível. Não era luxuria pura e simples! Não era apenas o banal desejo pelo corpo de outra pessoa. O que poderia ser visto nos olhos de Delphine, era a mais profunda e adorada devoção. Tudo em Cosima clamava por ela.
Naquele momento único, mergulhada no turbilhão de sentimentos que faziam morada nela, Cosima deixou cair a primeira de muitas lágrimas que derrubaria por Delphine.
Glossário:
¹ Bolo à base de claras e farinha de amêndoas.
Fim do capítulo
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