Capítulo 4: FESTA DO INTERIOR
A cidade estava linda. Decoração interiorana típica, palanque enfeitado na praça principal, povo alegre, bem vestido, a bandinha de música já animava o público, e perto da igreja várias barracas com comida regional foram armadas. Um parque de diversões também estava pronto atraindo centenas de crianças. O clima agradável da cidade contribuiu para o aspecto festivo e o humor de todos ali.
Daniel já estava na praça com alguns funcionários da secretaria de cultura quando cheguei. A Berta fez questão de me elogiar, o que claro levantou minha auto-estima, especialmente porque enfim as minhas calças 38 entraram no meu corpinho depois de meses de tentativas. Depois de alguns minutos de espera, a solenidade foi iniciada no final da manhã com a chegada do prefeito, discursos de autoridades até finalmente o Dan fazer seu pronunciamento, enfatizando o lançamento da Folha de Nova Esperança, nesse momento funcionários da secretaria de cultura além de mim e minha enorme equipe nos espalhamos entre a pequena multidão distribuindo os exemplares.
Não posso negar que me esforcei para ficar perto das pessoas que folheavam o jornal ansiosa pela reação delas. Insegura, não esquecia as palavras da minha ex-chefe ao me demitir, quando afirmou que eu não tinha vocação pro jornalismo. Meu editorial foi lido pelo Daniel no palco, o que me deixou particularmente nervosa, entretanto meu alívio se deu quando os aplausos tomaram de conta da praça.
Minha carreira como editora-chefe estava oficialmente lançada, a sensação de otimismo que me preencheu se tornou visível para minha equipe e especialmente para meu amigo Daniel que me abraçou, demonstrando todo seu orgulho. Diversas atrações da região se apresentaram no palco armado, enquanto as pessoas caminhavam pelas ruas em festa. Daniel me apresentou ao prefeito, a vereadores, todos me parabenizando pela qualidade do jornal.
- Pronto amiga, agora começa nosso trabalho de fato! Correr atrás de notícias, e próxima semana lançar outro número, quero cobertura completa da festa heim! – Disse Daniel animado.
- Pode deixar amigo, minha equipe já está por aí trabalhando.
- Vamos almoçar na casa do prefeito, depois encontramos o Diego e o resto da turma no Aconchego, para nossa festa de verdade.
- Aconchego?
- Sim, é um hotel fazenda, perto da serra, você vai gostar de lá.
E assim aconteceu, para cumprir o protocolo, almoçamos na casa do prefeito da cidade, homem muito simples, assim como sua família, extremamente popular, mas muito culto, nossa conversa sobre grandes escritores foi bastante agradável, especialmente por que o Sr. Joaquim Lopes não poupou elogios para o editorial que escrevi. Depois do almoço seguimos para a serra, para o tal hotel fazenda Aconchego, onde a turma de amigos do Dan estava reunida numa comemoração mais íntima.
O clima serrano do hotel fazenda era maravilhoso, perto de um lago, uma palhoça com uma grande área para churrasco abrigava a turma animada do Dan, todos que estavam na noite que os conheci, e mais alguns rostos conhecidos da secretaria de cultura, inclusive parte da minha equipe do jornal.
O Beto já estava com o violão na mão, tocando seu repertório de muito bom gosto, Leandro fez aquela festa ao me rever, parecia um amigo de longa data, e logo tratou de me deixar a vontade entre os que já estavam lá enquanto Daniel ia ao encontro de Diego que estava numa cachoeira perto dali.
Há muito tempo não me sentia tão leve, dei boas risadas com meus mais novos amigos, já nem me chocava mais com os selinhos trocados entre Clara e Isabelle. No final da tarde, o filho do dono do hotel, namorado do Beto, chegou oferecendo um passeio a cavalo pelos campos da fazenda. Não sei de onde me veio a inspiração de aceitar o convite, afinal há mais de 15 anos não montava. Talvez tenha sido o excesso de otimismo que aquele dia estava me proporcionando.
Eis que meu contato com o campo foi iniciado, montei no cavalo, e segui com Beto, Leandro, Tarcísio o namorado do Beto e a Luísa. Tudo estava muito tranqüilo, até que, excessivamente confiante com meu bom desempenho na montaria, acelerei o galope, e como era de se esperar dada minha destreza sempre “impecável”, perdi as rédeas do animal, quando enfim as tive de volta, puxei o arreio com força e fui lançada por cima do cavalo, caindo por cima de um amontoado de ração.
A última imagem que tenho lembrança foi a vista de cima enquanto eu era lançada pelo ar. Ao cair e bater a cabeça, desmaiei imediatamente. Segundo o relato das testemunhas a queda teria sido cômica se não fosse a apreensão que todos sentiram ao me verem cair inconsciente. Chamaram Diego a fim de que ele como acadêmico de medicina, desse as orientações corretas diante do meu estado. Em pouco tempo, Daniel conseguiu que uma ambulância me removesse dali, a essa altura eu já esboçava alguma consciência, percebia que eu estava sendo conduzida numa maca para um veículo, mas não conseguia abrir os olhos, e mesmo ao conseguir, não via as coisas com nitidez.
Não sei exatamente em que momento, nem quanto tempo depois, mas minha consciência retornou aos poucos, e a primeira imagem embaçada que identifiquei diante de mim foi a do rosto de Marisa bem próximo do meu, sua voz que tanto mexeu comigo tinha um som incompreensível, deduzi que pudesse ser algum delírio meu, ou alucinação sei lá... O fato é que fui apertando os olhos e gradualmente minha visão ficava mais nítida, e tive a certeza, não era delírio, Marisa estava ali na minha frente.
Vestida num jaleco justo, cabelos presos, Marisa me perguntava:
- Alexandra? Você está me ouvindo?
A voz parecia tão longe, e responder era difícil, mas Marisa insistiu:
- Alexandra, você está no hospital, sofreu uma queda, se você estiver me entendendo, aperte minha mão.
Segui a orientação de Marisa mesmo não entendendo o porquê dela estar ali, após apertar a mão dela, escutei alguns burburinhos de comemoração, e aos poucos eu começava a voltar a minha consciência, abri os olhos e vi claramente em volta de mim o Dan, Diego, Beto, Leandro e Luiza, além de Marisa ao meu lado.
- Consegue falar Alexandra? – Perguntou Marisa.
- Sim.
Notei o suspiro aliviado de todos na sala quando falei.
- Vou fazer algumas perguntas a você. Qual o seu nome completo? – Perguntou Marisa.
- Alexandra Alcântara Torres.
- Que dia é hoje?
- Não faço a menor idéia... Sei que hoje é sábado, e estamos no mês de maio, mas o dia não lembro.
- Onde você mora?
- Em Nova Esperança, interior do estado.
- Você sabe quem é o presidente do Brasil?
- Deeer, claro né, sou uma jornalista, não ia saber disso? Luiz Inácio da Silva. O interrogatório terminou? O que mais você quer saber de mim Marisa?
Notei o espanto de todos quando me dirigi a Marisa pelo nome dela.
- Calma Alexandra, essas perguntas fazem parte do exame neurológico, você sofreu um trauma na cabeça, esses testes são protocolo.
- E quem é você pra fazer esses testes comigo?
- Sua médica Alexandra, estou de plantão hoje aqui na urgência.
Que idiota eu sou! Claro que ela era médica! Chefe do departamento de ciências da saúde, era isso que estava escrito na placa na porta da sala dela na universidade. Completamente constrangida pela minha estupidez, não consegui me desculpar, notei um sorriso de canto de boca em Marisa, e fui salva daquele momento mico pelo Dan que se aproximou de mim falando:
- Sardenta você me mata do coração assim! O que deu em você pra sair galopando daquele jeito?
- Dandan aquele cavalo era maluco! Tudo bem que me empolguei, e perdi as rédeas também... Mas que ele era maluco, isso ele era!
Todos riram do meu jeito desajeitado de me justificar, inclusive Marisa, e foi ela mesma que falou em seguida:
- Bom, você aparentemente está bem, mas para nos assegurarmos vamos fazer uma tomografia cerebral, e um raio x do seu tórax.
- É preciso mesmo doutora? – Perguntou o Beto.
- Sim é.
- Não vai doer nada Alex, tira essa cara de espanto! – Diego disse apertando minha mão.
Diego e Dan ajudaram a me transferir para a maca, e Marisa fez questão dela mesma me levar até o setor de imagens do hospital. Meu comportamento beirava o ridículo, deitada olhava para cima observando Marisa empurrando aquela maca, e ao notar que ela desviava o olhar para mim eu fechava os olhos rapidamente, como se fingisse dormir.
Chegando enfim para fazer os tais exames, Marisa me deixou sozinha, o que claro me assustou, obrigando-me a falar:
- Você vai me deixar sozinha aqui?
- Ué, pensei que você estivesse dormindo. – Marisa falou sorrindo.
Fingi ignorar o comentário irônico de Marisa e insisti:
- Você vai me deixar mesmo sozinha nessa sala branca e fria?
- Nossa que dramática! Tem certeza que você é jornalista? Tem talento para atriz... Já para amazona...
- E você tem certeza que é médica? Tem talento para humorista!
- Eu que não vou ficar aqui nessa sala com uma criatura tão mal-humorada assim!
Marisa saiu da sala me deixando irritada. Entrei naquele tubo que era o tal tomógrafo, ansiosa, ouvi a voz de Marisa me pedindo:
- Não se mova Alexandra, não vai demorar muito.
Em outro momento eu pensaria que era mais uma alucinação ou delírio meu, mas se assim o fosse, não era bem isso que eu ouviria... Os minutos ali naquela posição pareceram uma eternidade, até enfim a plataforma se mover e eu reencontrar Marisa do meu lado:
- Você teve muita sorte, eu não estava lá para lhe salvar dessa queda, mas os sacos de ração protegeram essa cabeça dura que você tem, não há lesão no seu cérebro.
Mantive meu bico qual menina mimada fazendo birra. Recusei ajuda dela para me levantar, tonta acabei caindo mais uma vez nos braços de Marisa, por alguns segundos nossos olhos se encontraram, parecia que uma força me atraía para os lábios daquela mulher ainda mais linda tão de perto.
- Estava me perguntando quanto tempo mais ia demorar até você cair nos meus braços de novo...
Nosso momento de intimidade foi interrompido pelo técnico de radiologia que já me aguardava no setor de raios-X, já trazia uma cadeira de rodas, não era mais necessária a maca. Marisa continuou me conduzindo, e pra contribuir para meu momento constrangimento total, fui obrigada a tirar a parte de cima da minha roupa para realizar o exame, na frente de Marisa.
- Não precisa ficar tímida Alexandra, não há nada aí que eu não tenha visto antes.
- Hã! Como assim?
- Alexandra eu precisei examinar você, esqueceu?
- Então você se aproveitou de mim enquanto eu estava inconsciente para tirar minha roupa?
- Alexandra assim você me ofende! Sou médica! Vou chamar um colega para atender você. Célio quero um raio X de tórax posterior, anterior e de perfil, por favor, leve-a ao ambulatório depois que concluir o exame, o Dr. Marcos a atenderá.
Marisa saiu da sala antes que eu pudesse me desculpar ou relutar qualquer coisa. Percebi o quão mal educada e desagradável eu estava sendo, ao voltar para o ambulatório, não encontrei Marisa me esperando, outro médico me informou que os exames não revelaram qualquer fratura, orientou que eu mantivesse repouso, prescreveu um analgésico e me liberou.
- Então vamos sardenta! Hoje nós dormimos com você, vamos cuidar dessa paciente. – Disse Daniel.
- Não é necessário Dan...
- Claro que é! Você vai ficar sob nossa observação. – Afirmou Diego.
Ainda frustrada por não rever Marisa, saí do ambulatório procurando entre as pessoas transitando no hospital, a médica que me atendeu, em vão, Marisa parecia ter evaporado dali. Beto e Luisa nos acompanharam até minha casa, o Leandro já estava nos esperando, sempre divertido, preparou um cartaz de boas vindas todo enfeitado com a foto de um cavalo e o colou na porta do meu quarto.
Meus novos amigos foram super atenciosos e fofos comigo, Leandro preparou o jantar e comemos todos juntos no meu quarto. Diego e Dan ficaram para dormir comigo depois que os outros foram embora, demorei a pegar no sono lembrando o meu reencontro com Marisa, não só pelo meu comportamento infantil, mas também por que a imagem dela linda, cuidando de mim, a lembrança do seu cheiro, da sua voz, tiravam minha paz de uma maneira inexplicável e inédita para mim.
A noite foi longa, meu corpo doía sofrendo os efeitos da queda, acordei com o café na cama trazido por Diego, e com um convite do Dan:
- Está se sentindo bem?
- Sim meu amigo, estou bem, vocês dois são enfermeiros maravilhosos!
- Então ótimo, vamos sair um pouco e aproveitar o sol que abriu hoje. – Convidou Dan
- Mas vamos pra onde Dandan?
- A minha sala está promovendo um churrasco no clube da cidade, para arrecadar uma graninha para nossa festa de formatura, vai ter uma banda de pop rock, outra de pagode, enfim, vai ser legal. – Esclareceu Diego.
Não havia como recusar o convite do meu casal de amigos. Pouco antes do almoço, saímos com destino ao clube da cidade.
O clube estava lotado, a banda de pagode já animava os convidados. Diego muito popular me apresentou a vários colegas, a maioria não era de Nova Esperança, a cidade universitária, atraía gente de todos os estados. Estava tudo muito tranqüilo para mim, apesar de ainda experimentar dores no meu corpo conseqüentes da queda no dia anterior. Para sacudir minha auto-estima, ouvi boas cantadas dos acadêmicos de medicina, entretanto, eu sequer dei importância, eles inexplicavelmente não despertavam meu interesse.
Duas horas depois de chegar a festa, fui até o banheiro, cheio de acadêmicas de medicina retocando a maquiagem, algumas já bem animadas pelo álcool, trocavam suas impressões sobre a festa e os meninos de lá. O chão escorregadio contribuía para esbarrões na saída dos boxes, em um desses incidentes a porta do box veio direto na minha cara e junto com ela uma mulher tropeçando caindo nos meus braços.
Nem pude acreditar quem estava ali mais uma vez face a face comigo, os mesmos olhos hipnotizantes, o perfume cítrico: Marisa.
- Quem é mesmo que tem um ímã para mim?
Eu disse arrancando um sorriso tímido de Marisa. Os segundos de troca de olhares foram interrompidos por uma garota indagando:
- Dra. Marisa, desculpe-me escorreguei e empurrei a porta, machuquei a senhora?
- Não machucou não graças a cobertura da imprensa...
Sorri com a brincadeira de Marisa, enquanto observava o olhar cheio de volúpia da tal garota para Marisa. Não sei por que aquele olhar da garota me incomodou, a tal ponto que dessa vez fui eu a interromper:
- É melhor você ter mais cuidado, poderia ter causado um acidente desagradável.
- Claro, mais uma vez, desculpe-me professora.
A garota saiu do banheiro deixando a sós eu e Marisa:
- Então doutora, será que nossos papéis estão se invertendo e agora sou eu a lhe salvar de quedas?
- Se você não estiver montando um cavalo...
Fiz careta para ela o que despertou um sorriso descontraído, deixando-a ainda mais linda.
- Então, como você está se sentindo? Alguma dor?
- Sinto dor no corpo, especialmente nas costas, mas nada insuportável.
- Então você foi bem tratada suponho.
- É, os médicos de Nova Esperança parecem ser competentes...
Marisa sorriu balançando a cabeça positivamente, mais meninas foram entrando no banheiro quebrando aquele clima, disfarcei indo até a pia lavando minhas mãos sob o olhar atento da médica.
Pelo espelho continuei fitando o olhar de Marisa, notando a popularidade dela entre as meninas que entravam no banheiro, algumas a cumprimentavam até com um grau de intimidade maior, mas todas demonstravam respeito com ela.
- Eu sei que você gosta dos banheiros de Nova Esperança, mas você ainda vai passar muito tempo por aqui? – perguntou Marisa.
- Se a medicina não der certo, definitivamente você deveria tentar a carreira de humorista.
- Você nem imagina quantos talentos uma boa médica tem que ter...
Fui me afastando em direção à porta de saída, enquanto Marisa me seguia:
- Vou voltar para festa, meus amigos devem estar preocupados, achando que caí de novo.
- Posso acompanhar você? Cuidados médicos... Só uma precaução, no caso de algum cavalo ou amontoado de ração aparecer pelo caminho...
- Tudo bem doutora, só por isso...
Saímos do banheiro e caminhamos pelo clube, meio tímidas, pelo percurso Marisa parou diversas vezes para cumprimentar alunos, até encontrarmos Diego e Dan:
- Dra. Marisa! Sabia que a madrinha de nossa turma ia aparecer! – Exclamou Diego.
- Claro Diego, faz parte das minhas obrigações.
- Viu que cuidamos direitinho da Alex? Do jeito que a senhora pediu! – Diego disse inocente.
Estranhei a colocação do Diego, especialmente quando notei o Dan apertando a mão do namorado enquanto Marisa arregalava os olhos. Fingi nada ter percebido, deixando que eles se confiassem na minha famosa distração.
- Então doutora há algum problema se eu beber uma cervejinha? – Perguntei.
- Claro que não Alexandra. Mas não exagere...
- Então eu vou pegar pra você sardenta! Vamos Diego. – Disse Dan.
Fiquei na companhia de Marisa, enquanto o casal se afastava, e o assédio das alunas dela me incomodava de uma maneira insana. Minha cara de poucos amigos foi notada pela própria Marisa:
- Aconteceu alguma coisa Alexandra?
- Não, por quê?
- Esse bico aí... Roubaram seu doce?
Não sabia sequer o que responder a Marisa, ainda bem que Diego e Daniel apareceram de volta com as cervejas me salvando daquela saia justa. Manter-me perto de Marisa o resto do dia foi difícil, ela era requisitada constantemente nas rodinhas dos alunos, até mesmo para dançar com alguns deles. Meu humor ficou tão alterado que no meio da tarde pedi ao Dan que me deixasse em casa.
- Mas sardenta, por quê?
- Estou com dor no corpo Dan, quero descansar.
- Tudo bem então... Vou avisar ao Diego que estou indo te deixar, vai pro carro e me espera lá.
Sai do clube em direção ao estacionamento, buscando no olhar a localização de Marisa, para minha tristeza não a encontrei. Encostei-me no carro do Dan aguardando-o, quando o meu celular tocou, era a Renatinha. Fofocamos por um tempo colocando os assuntos em dia, naturalmente não deixei de contar minha aventura eqüina, distraí-me no papo e nem notei o tempo passar, nem muito menos estranhei a demora do Daniel, ao desligar o telefone ouvi a voz tão familiar nos últimos dias:
- Fugindo moça?
Era Marisa, me surpreendendo ao meu lado, com um sorriso diferente, igualmente lindo, mas seu olhar tinha um brilho incomum, ao notar a aproximação dela percebi o forte hálito de álcool, logo deduzi que a respeitada médica já tinha bebido demais.
- Não estou fugindo não doutora, estou indo para casa descansar, esse churrasco está me deixando exausta.
- Mas a festa está apenas começando Alexandra...
O brilho do olhar de Marisa tinha um quê de malícia, me dando a certeza que a abordagem dela era um flerte descarado o que provocou em mim reações confusas de medo e satisfação.
- Para você está mesmo animada a festa... Mas para mim, não estou vendo nada muito interessante.
- Jura que não está vendo nada interessante?
Inesperadamente, Marisa colocou-se de frente para mim, encostando suas mãos no carro, envolvendo-me entre seus braços. Nervosa com a proximidade do corpo de Marisa, eu gaguejei para responder:
- Eu... Eu quis dizer que... Que... Não estou me divertindo tanto quanto você.
Marisa não se intimidou com meu sarcasmo atrapalhado, manteve-se perto de mim deixando-me com a respiração ofegante e o coração acelerado. Minhas pernas tremiam, e não conseguia desviar meu olhar do dela.
- Acho que podemos deixar as coisas mais justas e você se divertir um pouco mais, você está precisando... Vem comigo?
Ela fez um movimento com a cabeça e puxou minha mão gelada:
- Eu não posso, o Dan vai ficar preocupado, ele vai me deixar em casa.
- Não se preocupe, já avisei ao Daniel que eu te levaria em casa.
Não contestei em segui-la, exceto quando notei Marisa cambalear ao andar:
- Tenho uma exigência doutora...
- Estava demorando... Pois não donzela!
- As chaves do carro! Eu dirijo, você não está em condições de dirigir.
- Mas você não sabe o caminho!
- O caminho você pode ensinar...
- Adoro ensinar...
A malícia na voz suave de Marisa, agora tinha um teor absurdamente sensual que me arrepiava inteira. Entramos no carro, trocando olhares, o meu tímido, o de Marisa era quase indecente.
- Siga a estrada principal, na primeira bifurcação dobre a esquerda. – orientou Marisa.
Apenas balancei a cabeça positivamente e segui a orientação de Marisa que me olhava fixamente, me deixando mais nervosa:
- O que foi Marisa?
- O que foi o que?
- Está me olhando assim... Está com medo de que eu bata seu carro?
- A minha menor preocupação nesse momento é com meu carro...
Nesse momento, Marisa tinha um sorriso arrebatador, com muito sacrifício mantive minha concentração no volante, mas quando ela roçou o dorso de sua mão macia no meu braço, senti meu corpo estremecer. Ruborizei, respirei fundo, que espécie de energia tinha aquela mulher que deixava minha sensibilidade tão evidente?
- Está tudo bem Alexandra?
- Han?
- Perguntei se está tudo bem... Você parece nervosa...
- É que... Sou fraca...
Marisa sorriu discretamente, como se saboreasse uma pequena vitória e avisou:
- Dobre aí a esquerda e siga pela trilha da estrada de terra.
Dirigi por alguns minutos pela estrada de terra, até encontrar um portão de madeira.
- Pare aqui, esta é minha casa.
Marisa desceu do carro e abriu o portão. Entrei com o carro avistando uma casa de campo requintada, com um alpendre espaçoso, à frente um jardim muito bem cuidado, e toda propriedade era cercada de árvores frondosas. Desci do carro encantada com a paisagem, ainda sem saber o que eu fazia ali.
- Venha Alexandra, entre na minha humilde residência.
Tímida, coloquei minhas mãos nos bolsos de frente da calça e segui Marisa até o interior de sua casa. Contemplei a decoração rústica, mas elegante. Marisa convidou-me a sentar no sofá espaçoso e confortável e sentou-se ao meu lado.
Notei Marisa se aproximar de mim, e fiquei apavorada. Quando ela passou a mão pelo meu cabelo e deixou sua boca quase colada na minha, inventei de sentir sede... Se bem que minha boca estava mesmo seca, sedenta de algo que nunca desejei tanto: os lábios de uma mulher.
- Quero água! Você pode me dar água?
Meio frustrada Marisa se afastou e respondeu:
- Claro.
Marisa levantou, e eu a segui até a cozinha, bebi o copo d’água com uma voracidade desconcertante. A dona da casa não só me observava, ela me devorava com os olhos. Não tardou mais concretizar o desejo evidente. Marisa se aproximou de mim, pressionando-me contra o balcão da cozinha, acariciou meus cabelos, e tomou minha boca com sofreguidão, me deixando sem forças, sem qualquer defesa no beijo mais excitante que experimentei em toda minha vida.
Seus lábios eram os mais quentes que me beijaram até aquele dia. Um beijo perfeito, na intensidade, na velocidade... Nem muito molhado, nem seco, sua língua parecia massagear minha libido tamanha era a excitação despertada naquele momento.
Nossos lábios se afastaram lentamente, minhas pernas tremiam, e minhas mãos suavam, a respiração quente de Marisa na minha pele provocava em mim uma sensação indescritível de ansiedade misturada a um desejo incontrolável de me jogar nos braços dela e me perder outra vez na sua boca. E como se entendesse o que meu corpo clamava, Marisa segurou minha nuca puxando minha boca para perto da sua, beijando-me com volúpia.
O beijo não deixava espaço para qualquer reflexão, palavras, me entreguei como se fosse o último momento da minha vida. Marisa me conduziu pela casa sem cessar o beijo, me jogou no sofá, e sua língua roçou pelo meu pescoço, colo, despertando meu gemido. Minhas mãos pareciam cumprir a obrigação de explorar aquele corpo tão quente e delicioso. A maciez da pele de uma mulher para mim nunca me inspirou sensualidade, mas os movimentos de Marisa sobre mim roçando nossas peles era o momento mais prazeroso na minha vida até então.
As mãos de Marisa por baixo da minha roupa eriçavam cada pedaço do meu corpo, e nossos beijos eram cada vez mais intensos, e eu não podia acreditar que estava nos braços de uma mulher me derretendo de tesão.
Mas meu famoso talento para confusão deu seu ar de sua graça finalmente... O zíper da minha calça ficou preso no cinto da Marisa, e tentando me desvencilhar, acabei provocando nossa queda no chão.
- É... Estava demorando... Nós duas juntas e nenhuma queda... – Disse Marisa esfregando a mão na cintura.
Sorri escondendo meu rosto entre minhas mãos:
- Desculpa Marisa, eu sou muito desastrada mesmo...
Marisa abriu aquele sorriso que me desestruturava... Aproximou-se mais uma vez de meus lábios, beijando-me suavemente:
- Onde foi mesmo que paramos?
A voz de Marisa bem perto do meu ouvido era suficiente para acender meu desejo, quando estava me entregando em um outro beijo, senti minha perna tremer sem parar:
- Alexandra... Está vibrando...
- Está sim... Está tudo vibrando mesmo...
- Alexandra, estou falando do seu celular no bolso, está vibrando...
- Ah!
Sorri sem jeito, pegando meu celular no bolso, era Daniel, tinha que atender.
- Oi Dan.
- Alex, onde você está?
- É... Estou... Estou...
- Você está com a Marisa?
- Sim...
- Amiga preciso dela, o Diego bebeu demais, passou mal, mas não posso levá-lo para o hospital, o pai dele está de plantão hoje.
- Onde vocês estão?
- Na minha casa, venham logo!
- Estamos indo.
Expliquei a situação a Marisa, que se apressou em pegar sua maleta, e seguimos para a casa do Dan, a fim de atender seu namorado. No percurso não trocamos nenhuma palavra, mas meu corpo ainda queimava de desejo olhando para Marisa concentrada mexendo nos itens da sua maleta de médica.
Chegamos à casa do Dan, Diego estava desmaiado, depois de examiná-lo constatou que não era nada grave, Marisa administrou uma ampola de glicose, em minutos Diego já dava sinais de consciência, nos tranqüilizando.
Deixamos a casa do Dan, eu um pouco constrangida, pelo olhar do meu amigo para nós duas. Marisa me deixou em casa, e na porta me senti como uma adolescente que saía com um carinha pela primeira vez, em dúvida sobre como me despedir dela, na verdade, queria mesmo era convidá-la para entrar, e naquele silêncio dentro do carro, falamos ao mesmo tempo:
- Boa noite.
Fiz menção de sair do carro, mas, minha vontade de beijá-la foi mais forte. Quando me aproximei dela, senti sua mão nos meus lábios:
- Não faça isso...
Estranhei e não nego, me irritei com o gesto dela, deduzindo que ela poderia estar arrependida pelo que aconteceu mais cedo entre nós. Não esperei justificativas, desci do carro furiosa, batendo forte a porta, deixando Marisa com cara de interrogação.
Fim do capítulo
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