CAPÍTULO 1: Lenços e ansiolíticos à cabeceira.
Qualquer ser vivente que se arrisca nessa história de relacionamentos sabe perfeitamente do que vou falar. Seja como for o início de uma relação: poético do tipo conto de fadas moderno, casual como as comédias românticas de sessão da tarde, inusitada do tipo os melhores amigos que se descobriram apaixonados ou até mesmo pouco convencional como os namoros virtuais que alcançam a vida real, “o felizes para sempre” em algum momento vai soar como uma grande piada de mau gosto.
Para quem acredita na teoria e frases prontas acerca de uma metade perfeita que vai se encaixar com você numa sintonia ideal e a partir daí você se torna a protagonista de uma grande história de amor, sinto muito informar: você está errada! Na verdade nem sinto muito, é quase com prazer com que venho tirá-la desse mundo de ilusão.
Convido você a entrar no meu quarto agora e dá uma rápida espiada ao que se resume o chamado romance ideal quando ele se transforma na nova versão da guerra fria na qual as ameaças de armas nucleares são fichinha diante das trocas de farpas e provocações entre duas pessoas que só conseguem enxergar os defeitos uma da outra até uma delas dá seu golpe final e certeiro aniquilando o mais frágil, lançando-o a um quarto escuro, repleto de caixas com tarja preta, caixinhas de lenços macios, um controle remoto e um celular no silencioso.
Ok. Você pode estar agora fazendo mil deduções a meu respeito. No mínimo o adjetivo de mal amada ou um coitadinha já veio à sua cabeça nesses três primeiros parágrafos. Eu também pensaria isso. Os poucos amigos que ainda suportam se arriscar a me visitar já estão no penúltimo estágio da epopeia que é ajudar uma amiga a sair da fossa de uma dor-de-cotovelo. Aliás, nunca entendi essa expressão dor de cotovelo. Alguém aí já teve dor em um cotovelo? Eu me lembro de ter batido um cotovelo na porta de casa e deu aquele choquezinho na hora e pronto, passou! Mas a dor de um fim de relação não é só um choquezinho e “passa gelol que passa!” ou um “tomou doril que a dor sumiu”. Penso que dor-de-cotovelo deveria se chamar cólica renal, essa sim incomoda, lhe suga as forças, lhe incapacita e tudo que você é deseja é uma boa dose de analgésico e anestésico na veia para apagar e só acordar quando aquela dor já tivesse sido extirpada.
Se você ainda não sofreu desse mal, ao menos já esteve no papel de bom amigo que apoia outro amigo nessa situação. A propósito, falei dos estágios que os amigos atravessam nessas circunstâncias? Hoje acredito que não se sofre sozinho uma dor de amor, ao menos se você é uma pessoa normal e tem no mínimo um amigo com o qual você pode desabafar. Pois bem, os meus amigos se encontram no penúltimo estágio.
No primeiro estágio eles abrem os braços, oferecem o colo, se tornam inimigos mortais daqueles amores que te feriram e exaltam suas qualidades (algumas que você não sabe onde eles encontraram) e se desmancham em fofuras com você. No segundo estágio eles te chamam para afogar suas mágoas, e tudo que conseguem é mais uma noite te consolando quando seu porre chega à fase do gem*ndo e chorando nesse vale de lágrimas e ainda precisam segurar sua cabeça no sanitário quando “Hugo” sobe pelo esôfago loucamente. No terceiro estágio eles já começam a te recomendar ajuda profissional, ou seja, terapia. Nesse estágio eles tentam te convencer que seu estado emocional deplorável tem um fundo patológico. Esse estágio antecede o penúltimo, no qual meus amigos estão agora. Neste, eles já fazem careta quando veem seu número no identificador de chamadas do celular imaginando que você ligou para contar que está mal por ter passado a tarde revendo as fotos da sua ex. Nessa mesma fase seus amigos já estão no final da cota de paciência, e o festival de fofuras dá lugar ao: “bicha sai dessa!”.
O grande problema é que esses estágios dos seus amigos não coincidem com os seus estágios de final de relacionamento que podemos comparar às fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. A incompatibilidade de estágios por vezes causa um mal estar entre você e seus amigos que só vai se resolver quando você estiver curada da dor-de-cotovelo aguda.
Analisando friamente, devo estar na fase da raiva. Ontem joguei fora os cartões, e as mensagens do celular com as declarações de amor que trocávamos ano passado. O próximo passo é deletar os e-mails fofos e excluí-la das suas redes sociais. Essa etapa é muito difícil. Você se sente tentada a bisbilhotar o perfil dela, vigiar o que ela tem feito, o que tem na sua mensagem pessoal do MSN, o que ela está pensando agora, e aí numa atitude mesquinha você começa a postar indiretas nas redes sociais como se isso fosse feri-la mortalmente.
Ter um amigo para compartilhar seus pensamentos homicidas nesse instante é fundamental. Mas, como meus amigos estão na fase que já descrevi todos meio que me evitaram hoje, e numa coincidência incrível não há nenhum amigo de confiança on line, será que me bloquearam? Que seja! Vou enfrentar isso sozinha. All by myself!
E por falar nisso, a trilha sonora ajuda nesse processo. Acabei de criar minha playlist para esse dia, na qual Adele é o carro chefe. Acho que essa está minha única parte boa da dor-de-cotovelo, por que com ela, a gente sente vontade de sofrer por amor só para que as letras tenham sentido na sua história.
Pois bem, ouvindo “Set fire in the rain”, estou me livrando das memórias virtuais de Beatriz. Um ano e meio de relacionamento, e a vaca surge me dizendo que precisa de um tempo para ela mesma. Ela só se esqueceu de acrescentar que o tempo para ela mesma incluía mais alguém na cama com ela. Bem que eu desconfiei daquela amiga de infância do interior: Alicinha. Não dá pra confiar em alguém que sorri pra você todo tempo. Alicinha era tão simpática e solícita comigo, que cheguei a acreditar quando ela me dizia que Beatriz era como uma irmã para ela. O amor fraternal das duas mostrou sua face incestuosa no final de semana que viajei para visitar meus pais na serra.
Beatriz me recebeu na volta com uma DR épica, o tempo para ela mesma resultou no conclusivo “pé-na-bunda”, essa expressão eu entendo muito bem e concordo, por que o impacto é bem semelhante. Para coroar o chute no traseiro, Beatriz ainda me revelou sua mais recente descoberta: sempre foi apaixonada por Alicinha, e o reencontro foi mágico para elas. Minha perplexidade era tanta ao ouvir tais palavras que meu impulso foi rir, a propósito, esse é um traço singular na minha personalidade, eu sorrio quando estou apavorada, na verdade, tenho ataques de riso quando nervosa. Ainda tive que ouvir de Beatriz algo que só na cabeça doente dela amenizaria sua sacanagem comigo:
- “Estou sendo honesta com você por que acho que você merece isso de mim, é uma questão de respeito”.
Respeito? Acho que meu português está ultrapassado. Desde quando dizer a verdade sobre trair a namorada com a amiga é uma questão de respeito?
Pois bem, mandei Beatriz à merd* com sua honestidade e respeito por mim. Amaldiçoei até a quarta geração dela, e usei os piores insultos para denegrir ela e Alicinha. Claro que fiz tudo isso só mentalmente, enquanto ela destilava sua honestidade falando do quão especial eu era e o quanto queria minha amizade para sempre. Placidamente desejei boa sorte para ela e seu novo amor eterno de infância, enquanto minha mente fértil esganava seu pescoço.
Para quem entende esse universo lésbico, sabe que um ano para duas sapas é praticamente uma vida. Por isso, acabar uma relação para a maioria é o momento: meu mundo caiu. As mais dramáticas encarnam até mesmo o rímel borrado pelo mar de lágrimas, o cinzeiro ao lado da cama com um litro de vodca, lenços de papel e ansiolíticos a postos. As mais comedidas como eu, se satisfazem com os lenços de papel e os ansiolíticos, e no máximo arriscam algumas caixas de chocolate, que serão o que terei de mais prazeroso por um bom tempo.
As férias de julho acabaram, e faz mais de um mês que Beatriz me deixou, e ainda não sei como enfrenta-la no mesmo departamento da faculdade na qual lecionamos. E para completar o cenário das piores perspectivas, ela é minha chefe no departamento de ciências médicas, ou seja, não posso me dar ao luxo de hostiliza-la.
Felizmente minha vida profissional é bem menos desastrosa do que minha vida pessoal. Por isso, voltar às aulas pode representar a passagem pro meu próximo passo do luto: a barganha. Quem sabe trocando o trabalho por uma vida social eu consiga mais sucesso não é?
As disciplinas que leciono não são as mais atrativas do curso de medicina, mas me orgulho de ser uma das professoras mais queridas pelos alunos. A prova disso é que nos quatro anos que estou nessa faculdade, fui homenageada por quatro turmas de bacharéis. Sou simplista quando digo que minhas disciplinas não são as mais atrativas, na verdade elas são consideradas as mais chatas dos semestres básicos e o terror do último ano. Por minha formação de biomédica, leciono farmacologia, e por minha dedicação à pesquisa, coordeno e ministro as aulas de metodologia da pesquisa científica e trabalho de conclusão de curso, o temido TCC.
Um novo semestre sempre me empolga: novas turmas, novos projetos de pesquisa, no entanto, dessa vez a empolgação típica foi nublada pela tortura que será encontrar Beatriz. Especialmente por que a felicidade dela me revolta ao passo que minha ruína parece à mostra nas minhas olheiras e nos meus cabelos mal cuidados, minha pele opaca, praticamente uma antecipação da menopausa! Definitivamente, não vou dar esse gostinho a ela. O que me resta é reunir todas as minhas forças para clamar o socorro de Ed, meu amigo cabeleireiro.
- Oi Ed, sou eu.
- Fala mona!
- Preciso de você.
- Ai Luiza! Se for pra outra sessão de exorcismo da Beatriz, vou logo dizendo: estou de TPM, dou conta disso não!
- Cala boca biba! Preciso de seus serviços, tem uma horinha pra mim aí no salão?
- Claro que tenho, para você dou um jeitinho. O que você está pensando em fazer? Uma hidratação nessa juba que você deixando crescer pra pagar promessa?
- Ednardo Francisco! Ai que pessoa desagradável você é!
- Aiiiii! Quem é esse exu? Para de me chamar por esse codinome podreee. Desagradável é seu cover de Maria Bethânia! Chega a me dá taquicardia quando lembro...
- Deixa de drama, é seu nome no RG! E eu quero uma repaginada, algo moderno, mas nada tão moderno como o moicano do Neymar.
- Claro, não vou mudar você de Bethania pra Gadú não! Venha agora! Vou te fazer uma diva hoje!
Ed na verdade se chama Ednardo Francisco de Assis Souza. Ele tem razão de esconder o seu nome verdadeiro, resultado de um pai nordestino apaixonado por MPB que resolveu homenagear cantor cearense Ednardo, e uma mãe religiosa, devota de São Francisco de Assis. Chamá-lo pelo nome é apelar para a ofensa em qualquer conversa, entretanto é também a saída mais rápida para fazê-lo mudar de assunto. Preciso dizer que Ed é gay? Pois bem, ele é um dos amigos mais queridos que tenho e está incluso naquela lista dos amigos do penúltimo estágio. Ele trabalha em um salão metido a besta na zona sul da cidade, frequentar esse salão é o máximo de luxo que me permito, não sou das mulheres mais vaidosas, apesar de não fazer a linha motorista de Scania, não tenho muita paciência para esses detalhes do universo feminino como shoppings e dezenas de cremes, reniew, maquiagens e barangandãs.
Entreguei-me nas mãos de Ed que parecia estar preparado para uma dedetização ou para combater uma nova variedade do ebola.
- Ela chegou pessoal.
Ele me esperava no salão com sua equipe a postos, armados com tesoura e escovas, pincéis e bisnagas, pinças e cera quente, alicates e lixas, devidamente paramentados com avental, luvas e máscaras.
Minha primeira reação foi de pavor. Dei uma rápida olhada na porta de entrada de vidro calculando se ainda havia espaço e tempo para uma fuga espetacular. Mas, a equipe de Ed parecia treinada pela SWAT, foram mais rápidos isolando as saídas e me empurrando para a bancada de poltronas e espelhos.
- Ed que palhaçada é essa? Quando falei de repaginada eu estava me referindo a um corte de cabelo, não falava de uma operação para mudar o rosto e fugir do país!
- Eu me meto nas suas aulas? Eu dou pitaque no que você faz com aqueles pobres ratinhos brancos naquele laboratório? Eu me interfiro nas suas pesquisas? Hein? Não! A resposta é não! Então não se meta no meu trabalho queridinha!
- Eu tenho que me met*r! Esqueceu-se que a cobaia aqui sou eu?!
- Então entenda como um bem a ciência doutora! Alguém por favor, comece a fazer a limpeza de pele nela? Quem sabe ela se cale e nos deixe trabalhar com aquela máscara de concreto no rosto!
Ed estava certo. A tal máscara me fez mesmo calar a boca.
Fim do capítulo
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paulaOliveira
Em: 02/11/2021
Já gostei da pegada meio cômica, irei acompanhar.
Acarolinnerj
Em: 01/11/2021
Opa sou nova aqui...
Adorei sua forma engraçada de escrever esse primeiro capítulo.
Vou acompanhar sua história,gostei bastante.
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menteincerta
Em: 22/12/2017
Como é bom ver essa história online de novo! Adoro as trapalhadas da Lu hahaha
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Pipoca ramos
Em: 21/11/2017
QUE SAUDADES MEL!!!
MTO MTO MTO MTO MTO MTO MTO MTO MTO MTO MTO MTOOOOOOOOOOÓOOOOIOOOOIO OBRIGADO POR TER VOLTADO.
BJS SUCESSO PRA VC SEMPRE
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