Capítulo 2: PÉ NA ESTRADA
Nem me dei conta da decisão que acabara de tomar, mas nem todas as decisões que tomei na vida com toda cautela resultaram em sucesso para mim, não tinha nada a perder mesmo, então era hora de colocar o pé na estrada, rumo a Nova Esperança, o nome da cidade afinal podia representar um sinal para mim, era disso que eu precisava.
Apesar dos protestos infindos de minhas super amigas, arrumei minhas coisas o mais rápido que pude e em uma semana estava com minhas malas no carro, partindo para o interior e para uma vida nova também em Nova Esperança.
Depois de dirigir por cerca de cinco horas, cheguei enfim a meu novo endereço. Como eu esperava, pouca coisa havia mudado desde minha última visita. Nova Esperança era uma cidade pacata, pela forte presença de imigrantes europeus, as casas tinham uma arquitetura clássica, que lembrava o estilo holandês, com casas estreitas e com dois andares no mínimo, dando um charme especial naquela atmosfera de clima ameno e povo tranqüilo caminhando pelas ruas, caracterizando o cenário bucólico de minha infância.
Como orientada pelo Daniel, segui para o prédio da secretaria de cultura, onde ele trabalhava. Na verdade não era um prédio, era uma casa antiga, com um grande jardim à sua frente, varanda espaçosa, localizada no fim da rua central da cidade. Logicamente a chegada de alguém “estrangeiro” à cidade chamou a atenção dos funcionários da secretaria de cultura, ao me dirigir a senhora alva de olhos verdes, sentada atrás de uma mesa, já senti o que me esperava ali:
- Bom dia, eu gostaria de falar com o Sr. Secretário, Daniel Rosembaur.
- Bom dia, quem é você?
Meio surpresa com a “sutil” curiosidade da mulher que eu julgava ser a secretária do Daniel, fiquei sem graça mas respondi:
- Alexandra Castro, uma amiga.
- Então é você!
A senhora levantou-se imediatamente da cadeira, abraçando-me como se recebesse uma velha conhecida, em seguida berrou:
- Dandan meu filho, a Alex chegou! Desculpe Alexandra, mas você está com fome, deve estar cansada da viagem, perdoe-me devia ter adivinhado que era você, mas só esperávamos sua chegada para a segunda-feira.
Constrangida com a repentina intimidade demonstrada pela mulher, eu apenas sorri enquanto reconhecia o Daniel saindo de uma sala com um sorriso largo e os braços abertos em minha direção:
- Sardenta!
Daniel estava bem diferente do que eu me lembrava, desde nosso reencontro há cinco anos atrás. O jovem franzino e alto, deu lugar a um homem de músculos mais definidos, e o óculos elegante deu-lhe um ar intelectual, a pele clara , os olhos azuis e os cabelos com poucos fios brancos, transformou-o num homem bonito e atraente, bem parecido com um galã de cinema europeu. Abraçou-me com a saudade sincera de um amigo verdadeiro, aquele acolhimento para mim gerou em mim o sentimento que tinha tomado a decisão certa em aceitar o convite.
- Fez boa viagem Alex?
- Sim amigo, fiz, obrigada.
- Berta, vou levar Alex para se acomodar, está tudo pronto lá?
- Está sim Dandan, tudo como você pediu. Espero que você goste Alex.
- Obrigada. – respondi ainda tímida.
Daniel me conduziu até a casa que preparara para me instalar. Um agradável sobrado a algumas ruas dali. Os tijolos vermelhos, e as janelas brancas já conquistaram minha simpatia, esbocei um sorriso quando meu amigo apresentou-me a minha nova residência:
- Espero que você goste Alex da sua nova casa.
- Tenho certeza que vou gostar Dandan.
Daniel foi me ajudando com as malas e entramos no sobrado. Decoração caprichada, e uma sala de visitas após um rol de entrada equipado com sofás quadriculados, e uma poltrona aconchegante perto de uma lareira. Ao lado um pequeno corredor que dava acesso a uma sala de jantar conjugada com a cozinha, na lateral uma porta que dava acesso a um lavabo. Depois da cozinha outra porta separando do que seria uma área de serviço que era praticamente o tamanho do meu apartamento inteiro na cidade. O quintal ainda abrigava uma mesa e bancos de madeira debaixo de uma mangueira frondosa. No primeiro andar, meu quarto, espaçoso, com um banheiro enorme, provido com uma banheira com formato clássico, antigo, as cortininhas do box davam o charme. No sótão, Daniel montou um pequeno escritório, o que achei um gesto a mais de carinho, a vista do sótão era linda, minha mesa ele posicionou diante da janela que me mostrava a paisagem de um dos lagos da cidade, cercado por árvores altas e vistosas.
- Dandan está tudo mais que perfeito!
- Ah sardenta! Que bom que você gostou! Berta fez algumas compras para você, mas como não conhecíamos seu gosto não compramos muita coisa, mas ao menos café eu lembrava que você gosta, que tal tomarmos um agora para colocarmos o papo em dia? Eu mesmo faço enquanto você toma um banho, deve estar cansada depois de dirigir por tanto tempo.
- Ótima sugestão Dandan.
Meu banho foi demorado, ao descer encontrei uma mesa posta, além do café, Daniel preparou panquecas, e as recheou com geléia:
- Que homem prendado meu Deus! Quer casar comigo?
Daniel sorriu e puxou a cadeira para eu me sentar como um perfeito cavalheiro. Depois de escutar o que acontecera comigo, ele tratou de me animar, explanando quais seus planos para o jornal:
- Alex, minha pretensão é realizar algo diferenciado. Não é só uma publicação interiorana falando das notícias da cidade e da região, quero fazer desse jornal um espaço de cultura e arte, por isso quero que integre a participação das escolas, e da nossa universidade.
- Acho uma proposta inovadora e desafiadora amigo, e estou animada para começar. Quero me reunir com a equipe o quanto antes, e começarmos com todo gás para publicar o primeiro número rapidamente.
- Ótimo! Preciso de uma edição piloto para o final da próxima semana, para articular patrocinador.
- O quê! Próxima semana? Está louco?
- Seu primeiro desafio amiga... Vou reunir a sua equipe e hoje no final da tarde você já os conhecerá.
O café delicioso e as panquecas preparadas desceram amargos, tamanha foi minha preocupação com o prazo que meu novo chefe acabara de me dar. Como combinado no final da tarde, cheguei à secretaria de cultura para conhecer minha equipe. Berta já foi me avisando:
- Estão na sala do Dandan querida, pode entrar, esperam só por você.
Ao entrar na sala, deparei-me com quatro pessoas e o Daniel, cordialmente cumprimentei a todos depois que meu amigo me apresentou, sentei-me em volta da mesa ali disposta e perguntei:
- Então, os outros demoram a chegar para iniciarmos a reunião?
- Outros? Que outros Alex? – Indagou Daniel.
- O resto da equipe Daniel.
Daniel sorriu, fez uma careta e respondeu:
- Querida, esta é toda sua equipe.
Arregalei os olhos e pelo susto acabei derramando o copo d’água em cima dos papéis sobre a mesa.
- Essa é Fernanda, vai trabalhar como repórter. Artur nosso fotógrafo. Luiza, diagramadora e revisora e o Marcos que vai te ajudar na edição, pesquisa, e em tudo mais que for preciso, é nosso estagiário.
- Mas Daniel, só um repórter?
- Não se preocupe Alexandra, nessa cidade não acontece muita coisa, eu dou conta. – Disse Fernanda sorrindo para mim.
Todos da minha grande equipe pareciam animados, e nem um pouco assustados, isso de certa forma me motivou. Definimos uma pauta para nossa edição piloto, já que a cidade se preparava para comemorar a semana do município, nossa edição especial ia retratar toda história, além de enfatizar seu desenvolvimento e prospecções. De acordo com a pretensão do meu chefe e amigo, sugeri que fosse feito na semana um concurso de redações no ensino fundamental e médio nas escolas públicas sobre a cidade, poesias talvez, para publicarmos.
Já a noite concluímos nossa primeira reunião. Daniel me esperava na porta da secretaria com um convite:
- Alex, hoje é sexta-feira, ninguém merece passar uma noite de sexta em casa...
- Qual a programação?
- Aqui não tem muitas opções, então, vou te apresentar a melhor de hoje, vamos?
- Sim vamos!
O lugar não era muito convencional, no percurso já percebi isso, seguimos por uma estrada de terra por cerca de meia hora, chegando numa espécie de chácara, ao entrarmos pelo portão, o aspecto era de um barzinho normal, estava lotado, as mesas estavam espalhadas dentro da casa e pelo jardim, ao final um palco com uma banda tocando rock dos anos 80, gente bonita e descontraída, desenhavam um agradável cenário para diversão.
De longe Daniel acenou para alguém em segundos um jovem bonito se aproximou, não devia ter mais de vinte e dois anos, músculos bem definidos mas não exagerados, não era alto, e os traços do seu rosto moreno eram de uma beleza encantadora, especialmente seu sorriso que se abriu sincero para mim:
- Alex, este é Diego, meu namorado.
- Muito prazer Diego. Ops... Seu o quê Dandan?
Não consegui disfarçar minha surpresa, apertando a mão do rapaz, arregalei os olhos e quase me engasgo com minha própria saliva. Daniel sorriu, e Diego também.
- Dan, não é assim que se faz esse tipo de revelação, sua amiga ficou assustada.
- Gente me desculpe, não tenho nada contra, só me pegou de surpresa a revelação...
Muito constrangida tentei remendar minha reação, caminhamos até uma mesa onde outras pessoas estavam sentadas, entre os dois que me abraçaram na tentativa de me deixar à vontade. Na mesa, todos bebiam, riam de uma maneira leve, ao notarem nossa chegada, as atenções se voltaram para mim, quando Daniel me apresentou:
- Pessoal essa é a Alexandra, podem chamar essa sardentinha de Alex, chegou hoje à nossa cidade, vai ser a editora chefe do jornal que vamos inaugurar. Minha amiga de infância!
- Oi gente. – Falei tímida.
Gentilmente um dos rapazes, deu seu lugar na mesa, oferecendo sua cadeira:
- Sente aqui conosco Alex, seja bem vinda a nossa máfia! Muito prazer eu sou Leandro.
Sorri agradecida o gesto do rapaz negro que usava um cavanhaque charmoso e cabelo cheio de estilo, que lembrava um cantor de reggae. Sentada, fui escutando o Diego anunciar o nome das outras pessoas da mesa.
- Alex esse cara chato ali no centro da mesa é o Mário, vizinho a ele a santa da namorada que agüenta ele a Lígia; perto dela as fofas Clara e Isabelle, Paulo e Luís, aí do seu lado: Danielle, Luíza e o Beto.
Todos sorriram uns mais simpáticos que outros, mesmo assim me senti acolhida. Não tive coragem de perguntar se haviam ali mais casais “especiais”, apesar de vir de uma cidade grande, meu meio sempre foi hetero demais, temi não saber agir naturalmente, puro preconceito confesso. Diego e Daniel se esforçaram para me integrar nos assuntos, falando do relacionamento deles e da vida deles na cidade.
- Sou estudante de medicina Alex, minha família é super tradicional, e pelo fato do Dan ser uma pessoa pública, não tivemos como esconder nosso relacionamento por muito tempo. Mas procuro evitar o choque das pessoas, e nos refugiamos nesses lugares alternativos. Essa chácara é de um casal de amigas nossas, artistas da região sempre promovem eventos aqui, acabou sendo um espaço nosso se é que você me entende.
- Mas então, se trata de um bar gay? – Perguntei constrangida.
- É um bar de gente inteligente Sardenta... Nem todos aqui são gays, mas gostam de boa música, curtem dança, teatro e um clima agradável aqui têm tudo isso. – Respondeu Daniel.
A noite seguiu leve, senti falta das minhas amigas, àquela altura a Renatinha já estaria bêbada se queixando pelo tanto de homens lindos acompanhado de outros igualmente atraentes. Basicamente fui uma boa ouvinte na mesa, o Leandro tinha um astral maravilhoso e me arrancou muitas risadas enquanto Danielle tratava de aumentar o teor alcoólico do meu sangue me trazendo bebidas diversas.
O intervalo da banda deu lugar a uma apresentação acústica do Beto, a mesa toda se converteu rapidamente no fã clube particular do rapaz magro de aparência nerd da turma. Já meio tonta pedi licença e fui até o banheiro, mal sabia eu o que representava o banheiro em um “bar inteligente” como definiu meu amigo. Ao abrir a porta me deparei com duas mulheres trocando um beijo quente encostadas no espelho, não notaram minha presença, por um momento hesitei em entrar em um dos boxes andando para trás, visivelmente perturbada com a cena, e tonta, tropecei em um tapete, e fui salva de uma queda por braços firmes e ágeis.
- Bem a tempo donzela!
A voz era suave, o cheiro cítrico que eu senti me arrepiou, virei-me devagar ainda envolvida naqueles braços de pele macia e encontrei os olhos castanhos claros e brilhantes mais lindos que eu já tinha visto em toda minha vida.
Com algum esforço me coloquei de pé ficando de frente para uma mulher tão bela quanto o par de olhos que me encantou, no mesmo momento que o casal que antes se beijava, interromperam o beijo dando atenção às “intrusas” naquele banheiro.
- Você está bem? – Perguntou a mulher.
Balancei a cabeça afirmando que estava bem, fascinada pelos olhos castanhos brilhantes definidos por sombracelhas bem delineadas, boca bem desenhada, cabelos longos escuros e lisos, seu corpo, vestido num jeans justo e blusa decotada com uma jaqueta curta lhe davam um charme irresistível.
- Muito prazer, Marisa Becker.
Aquela mulher encantadora estendeu sua mão delicada para mim, inexplicavelmente nervosa retribui o gesto:
- O prazer é meu, Alexandra Castro
O aperto de mão firme me despertou uma sensação inédita, meu coração acelerou e minhas mãos suaram. Sem graça observei o casal de mulheres saírem do banheiro de mãos dadas, disfarçando meu nervosismo caminhei até a pia onde lavei minhas mãos, embaraçada pela vigilância daquela mulher incrível.
- Está bem mesmo Alexandra? Você me parece tensa... Posso ajudar?
- Estou bem obrigada Marina.
- É Marisa.
Ela disse com um sorriso absolutamente arrebatador.
- Desculpe-me Marisa... Obrigada pela gentileza, mas estou bem, só meio sem prática com bebida... Acho que já atingi meu limite por hoje.
Devo ter gaguejado em algumas palavras, mas no geral acho que me saí bem na desculpa. Sorri amarelo e saí pela porta esquecendo o motivo de ter ido até ali, apressada pela chegada de outras mulheres. No caminho de volta acabei percebendo que precisava mesmo usar o banheiro, voltei para lá, acabei tropeçando de novo na entrada e como se fosse uma grande piada do destino, outra vez caí nos braços de Marisa, dessa vez de frente, ficando a centímetros de sua boca absurdamente sensual.
- Acho que tem algum ímã te trazendo pra mim...
Marisa me disse isso de uma maneira tão doce que nem me assustei com o tom de flerte. Certamente em outra situação me chocaria diante da paquera de uma mulher, mas Marisa era tão feminina, que seria hipocrisia de minha parte dizer que não estava lisonjeada pela delicadeza daquela mulher comigo.
- Acho que é mesmo minha coordenação motora, na verdade a falta dela mesmo... Eu vivo tropeçando, me estatelando no chão, em parede...
- Então é melhor você me dar seu telefone, você vai precisar muito de mim...
Sorri encantada com cada palavra que Marisa falava, estava impressionada com o charme exuberante e feminino dela, nenhuma mulher me chamara tanto a atenção até aquele dia. Fui caminhando de costas até um dos boxes do banheiro enquanto Marisa saía. Voltei à mesa onde Daniel e Diego estavam já preocupados com minha demora.
- Onde você estava sardenta? – Daniel perguntou.
- No banheiro oras...
- Viu passarinho verde por lá? Aliás, passarinho meio difícil por lá não é... – Daniel disse segurando o riso.
- Encontrou alguma sandalhinha perdida por lá querida? – Perguntou Diego.
Olhei para meus pés sem nada entender, o que despertou a risada do casal. Não vou negar que passei boa parte do resto da noite procurando Marisa entre as mesas, sem sucesso. Os amigos do Dan pareciam ter uma fonte inesgotável de energia, altas horas da madrugada, ainda estavam no pique, dançando ao ritmo do rock da banda, ou até mesmo rindo uns dos outros e Marisa parecia ter evaporado entre as árvores dali.
Pouco antes do amanhecer Daniel resolveu vir embora, exausta dormi no banco traseiro do carro mesmo, nem percebi quando o Dan me colocou no colo e me deixou dormindo no sofá de minha nova casa.
Fim do capítulo
Gente, sou eu mesma, voltei :)
Amei a recepção, tenham paciência que postarei todos e o novo estou dando continuidade
Beijos
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