Alex olhava atentamente o recente boletim de seu pai e enquanto esperava o médico responsável tentava desvendar os termos desconhecidos nos exames.

- Para com isso, você vai estragar a embalagem – Eduardo tentava impedir a filha de abrir o envelope com os exames.

- Pai, eu estudei quase tudo isso na faculdade.

- Você é veterinária, Alex.

- E daí? Eu estudei do mesmo jeito.

- E daí que eu não sou um cachorro. Me devolve esse envelope – Eduardo sorria e  tentava tirar os papeis das mãos da filha que resistia bravamente.

-Eduardo? – Alex ouviu uma voz vindo timidamente da porta do quarto.

- Sou eu – Eduardo rapidamente se recompôs enquanto Alex ainda estava paralisada com o envelope nas mãos.

- Olá, eu sou Mariana. Sou cardiologista aqui no HBDF, vim ver como você está – A médica entrou segurando uma pasta com alguns resultados de exame de outros pacientes.

- Eu estou ótimo - Eduardo se apressou em responder.

- Eu não acabei de encontrar você lá embaixo? – Mariana perguntou olhando curiosamente para Alex.

- Provavelmente você viu minha irmã, somos gêmeas – Alex esclareceu a confusão e sentiu um aperto no coração. Precisava resolver as coisas com Natasha.

Alex com cuidado desamassou o envelope aberto e o entregou para a médica que atentamente avaliava os resultados.

- Eduardo, seus exames estão quase todos normais, algumas coisas ainda estão alteradas, mas nada grave. Eu vou te manter aqui em observação por mais 48 horas, depois disso venho fazer alguns novos exames e te libero, ok? – Mariana disse após fazer uma avaliação rápida em Fernando.

- Obrigado – Eduardo agradeceu aliviado.

- Você é filha dele? – Mariana perguntou interessada em Alex.

- Sou.

- Quero que fique de olho nele, vou deixar meu telefone com você e qualquer alteração você ou sua irmã podem me ligar, ok?

- Ok – Alex aceitou o pequeno papel que a médica lhe entregara.

- E avise sua irmã que está tudo bem com seu pai, ela parecia bem triste quando a vi.

- Pode deixar, vou avisá-la. – Alex agradeceu a atenção da médica e respirou fundo.

- Ela está a fim de você – Eduardo disse enquanto Alex guardava o papel com o número do telefone de Mariana no bolso da calça.

- Pai, pelo visto o infarto afetou os seus neurônios também. É óbvio que ela não está a fim de mim.

- Por que mais ela te daria o telefone dela? –Eduardo perguntou.

- Para ligar caso você tenha alguma alteração, como ela mesma disse – Alex respondeu sem prestar atenção ao que o pai dizia.

- Filha, esse é um hospital público, você acha mesmo que os médicos estão tão preocupados a ponto de passar o número de telefone pessoal para pacientes?

- Uau pai, eu pensei que havia herdado a falta de fé nas pessoas do lado da família da mamãe, mas acho que a parte do seu DNA é que foi a responsável por isso. Natasha vai ficar arrasada quando souber que você é um cético quando se trata do altruísmo das pessoas.

- Eu tenho fé nas pessoas, Alex. Mas você tem que concordar comigo, essa relação entre médico e paciente não é normal. Aquilo foi um flerte, eu não sou estúpido.

- Ok, definitivamente você foi afetado. Em primeiro lugar eu não sou paciente, e em segundo ela estava sendo gentil ao fazer o trabalho dela e em terceiro... – Alex estava pronta para negar que não havia sido um flerte, mas um estalo em sua cabeça a fez entender algo que há muito tempo rondava seus pensamentos. – Eu preciso ir.

- Onde você vai? – Eduardo perguntou sem entender a pressa da menina.

- Preciso encontrar a Natasha – Alex disse antes de passar pela porta.

A veterinária andou apressada pelos corredores do hospital procurando pela irmã.

- Gustavo, você viu a Natasha? – Alex perguntou ao encontrar o jovem empurrando uma senhora em uma cadeira de rodas.

- Acho que ela está embaixo das árvores do estacionamento – Gustavo respondeu depois de pensar um pouco.

- Nat – Alex chamou ao ver a irmã sentada com as pernas cruzadas na sombra de uma árvore. – Me desculpa. Eu sou uma idiota.

- Nisso você tem razão – Natasha levantou os olhos para a irmã que se sentava ao seu lado.

- Eu não devia ter dito aquelas coisas para você, fui imatura e...

- Era o que você queria ter dito? – Natasha interrompeu.

- Não! É claro que não, Nat. Foi um impulso idiota, fiquei irritada quando você disse que fujo das coisas.

- Você foge.

- Tá legal, eu sei que eu fujo – Alex disse revirando os olhos. – Eu fujo muito, e eu acabei de perceber que eu só faço isso porque eu não consigo ser você.

- O que você disse? – Natasha perguntou confusa sem saber se havia entendido direito.

- Nat, você é a pessoa mais incrível que eu conheço. Apesar de sermos fisicamente iguais, nós somos completamente diferentes, e por toda a minha vida eu quis ser igual a você. E eu sempre me frustrei porque por mais que tentasse, eu sempre acabava fazendo escolhas que me levaram a caminhos sombrios e tortuosos, caminhos estes que eu só consegui seguir porque apesar de tudo eu sempre tive você como minha estrela guia.

- Sis, isso é ridículo. Você sempre foi a gêmea certa. Nunca existiu nada que você não pudesse fazer.

- Não, Nat. Sempre que alguma coisa ruim acontece comigo a primeira coisa que eu penso é no que você faria se estivesse no meu lugar. E eu me frustro por não ter a sua coragem e determinação de encarar as coisas e fujo quando me vejo obrigada a aceitar que eu não consigo ser você.

- Você ficou maluca, Alex? Eu tomo decisões corajosas e faço escolhas ousadas porque nunca fui obrigada a tomar essas decisões, eu sempre fui livre para fazer escolhas estúpidas. Diferente de você eu nunca me vi entre a cruz e a espada. Eu pude fazer escolhas inconsequentes e arriscar viver como meu coração pedia porque eu não tive nenhum trauma me lembrando do quanto a vida pode ser cruel e as pessoas más.

- Você e suas escolhas ousadas são a minha inspiração porque você inspira pessoas. E eu só me dei conta disso quando a médica me deu o telefone dela, e os olhos dela imploravam para que eu entendesse o recado e te passasse o número.

- Espera um pouco, do que você está falando? – Natasha perguntou confusa – eu não conheço nenhuma médica.

- Longa história, você despertou algum tipo de atração súbita e excêntrica na médica do pai. – Alex resumiu – E foi aí que eu me dei conta de que é isso que você causa nas pessoas. Até mesmo nas que não te conhecem. Sua presença nunca passa despercebida, nem mesmo quando você está sentada embaixo de uma árvore em um estacionamento de hospital.

- Eu não causo nada nas pessoas, sis – Natasha ainda não entendia muito bem o que Alex estava querendo dizer.

- Você trás o melhor delas à tona. Nat, você desperta o amor nas pessoas. E nem sempre é o amor romântico, é o amor pela vida, pela liberdade, pela apreciação das coisas simples, o amor por elas mesmas.

- Obrigada, eu acho – Nat agradeceu sem jeito. Ouvir aquelas coisas de Alex era estranhamente incomum.

- Eu é que tenho que agradecer, Nat. Eu só consigo estar aqui hoje porque eu tive você como exemplo, e mesmo sem nunca ter conseguido ser metade da pessoa que você é eu sobrevivi. Eu tenho um trauma gritando no meu ouvido, mas felizmente eu tenho você gritando do outro lado. Você me fez sobreviver para me dar a chance de fazer escolhas diferentes.

- Você sabe que se fosse só um pouquinho mais igual a mim nós já teríamos matado metade da família de ataques do coração, não sabe?

- Provavelmente seríamos órfãs antes dos 12 – Alex concordou e puxou a irmã para um abraço. – Me desculpa as coisas horríveis que te disse mais cedo.

- Me desculpa por pegar tanto no seu pé, eu só quero que você seja feliz. A minha vida não tem sentido quando a sua também não tem.

As irmãs ficaram abraçadas em silêncio por um tempo.

O que vai fazer em relação a Júlia? – Natasha quebrou o silêncio enquanto enxugava as lágrimas que insistiam em cair dos olhos de Alex.

- Vou conversar e pedir a opinião dela antes de decidir qualquer coisa sozinha. – Alex respirou fundo. Aquela era uma atitude que não estava acostumada, mas era o que precisava fazer.

- Essa é minha garota – Natasha exultou.

- Acho que tenho que te dar isso – Alex tirou do bolso o número de telefone de Mariana e entregou para Natasha.

- Obrigada – Natasha agradeceu com um sorriso maroto. – Talvez eu ligue para perguntar se a doutora precisa dos meus serviços.

Fim do capítulo