Laura

    - Mãe, você falou com a mamãe?

    Olhei para a Diana que sussurrou com a unha do polegar entre os dentes. Sei sobre o que ela fala, mas resolvi me divertir com o seu nervosismo.

    - Falar o quê? Eu tinha alguma coisa para falar com a sua mãe? - Segurei o riso.

    - Eu não acredito, mãe! Poxa, pedi tanto para você conversar com ela.

    - Diana, do que você está falando? Você me pediu alguma coisa?

    Minha filha mordeu os lábios de nervoso e ameaçou levantar do sofá, mas eu a segurei impedindo a sua saída.

    - Pedi sim. É sobre passar o próximo final de semana em Angra com o João. Mas você vai falar, não vai?

    - Filha - eu não resisti e gargalhei. - Eu não esqueci.

    - Ah, mãe. Não acredito que você estava zoando com a minha cara - Diana fechou a cara.

    - Só queria que você falasse e insistisse no assunto. Parece até que você não quer ir passar um final de semana com o João em Angra.

    - Eu quero muito. Mas com a Marina morando fora, a dona Camila resolveu ser minha protetora 24 horas. Fica difícil a minha situação.

    - Não seja dramática, Diana. Sua mamãe só quer o seu bem, meu amor. Mas eu conversei com ela sobre Angra.

    - Então? Posso ir?

    - É claro que pode, Diana.

     Diana deu um gritinho de felicidade e se jogou nos meus braços me fazendo deitar no sofá para me abraçar.

    - Obrigada, mãe! Sabia que você iria convencê-la. Você é o máximo, te amo.

    - Está bem, tudo bem. Agora sai de cima de mim porque você está me sufocando. Onde já se viu uma garota de quase 1,70 se jogar assim em cima de uma senhora?

    - Oh, senhora, desculpe-me. Devo chamar um geriatra?

     Diana é a minha cara, então devo ter irritado muito a minha mãe com essa expressão irônica que fez ao falar.

    - Mais uma piada e adeus primeira vez com o namorado.

    - MÃE! - Diana ficou vermelha.

    - Diana, você pode conversar sobre qualquer coisa comigo ou com a Camila. Tudo bem, a Camila pode ser mais travada nesse assunto, ela está demorando perceber que vocês cresceram. Mas se você quiser conversar sobre isso, por favor, que seja com a gente. Estamos aqui para apoiar todas as suas decisões.

    - Eu sei, mãe. É que você me pegou de surpresa. Na verdade, nem sei se vai rolar alguma coisa. Eu não quero criar expectativa, sabe? E nem ele quer forçar nada. Conversamos que se rolar vai ser legal, mas nada de ir só para isso.

    - Eu gosto do João, ainda mais agora. Já faz um bom tempo que vocês têm saído e ele parece te respeitar mesmo.

    - Ah sim, ele me respeita muito. 6 meses de namoro já.

    - Um marco incrível para os jovens hoje em dia. Só pelo amor de Deus, leve camisinha e use! Eu não quero ser avó tão cedo.

    - Pode deixar, dona Laura. Nada de netos e geriatra.

    Revirei os olhos para aquela cara debochada da minha filha.

    - Mais uma vez falando em geriatra e você nunca mais vai sair de casa.

    Diana tapou a boca e saiu de fininho. Quando chegou nas escadas, gritou "GERIATRA" e correu para o seu quarto.

    Eu só consegui dar risada e pensar em um jeito de fazer aquela moçoila me respeitar.

...

    - Pode desligar o tablet, amor. Marina acabou de me mandar uma mensagem dizendo que saiu com o pessoal da turma dela.

    Deitei na cama e vi a cara de preocupação da minha Camila olhando para a tela do tablet. Já passa das onze da noite. Marina sempre faz chamada de vídeo às 22:00.

    - Saiu para onde? Caramba, por que ela não mandou mensagem para mim? Eu já estava preocupada.

    - Porque você iria ligar imediatamente para ela e saber quem são os amigos, qual o local que ela vai, que horas vai voltar.

    - Vai me dizer que você não fica preocupada?

    - Muito. Mas ela sabe se cuidar. Além disso, tem que ter a vida particular dela, sair com os amigos, se divertir. Marina tem juízo.

    Camila desligou o tablet e o colocou em cima da mesa de cabeceira.

    - Você está certa - minha mulher olhou curiosa para a minha fala. - Você está certa sobre a Diana. Ela realmente nunca transou.

    - Eu te falei! Eu conheço as minhas filhas. Diana é romântica, está esperando a primeira vez dos sonhos.

    - Ah, sei lá. Ela anda com esse garoto para todo canto. Achei realmente que já tivesse rolado.

    - Tivemos nossa primeira noite em Angra, lembra?

    - Como esquecer daquele dia especial? Eu estava louca para fazer sex* com você, mas morrendo de medo do que ia acontecer. Aquela noite seria especial, eu sabia disso. Foi surpreendente quando você apareceu no meu quarto, não esqueço da sua pele quente roçando na minha.

    - Quando, toda carinhosa, perguntou-me se eu queria tanto quanto você, achei tão cuidadosa. Tão linda. Eu nunca tinha sentido o que você me proporcionou naquela noite.

    - Eu sinto as mesmas sensações até os dias de hoje, meu amor.

    Aproveitei que sua coxa estava exposta e passei a mão com carinho. Olhei em seus olhos que já se comunicavam com os meus pedindo para eu avançar um pouco mais. Desejo. Amor e desejo misturados. Não demorou para que os lábios carnudos de Camila procurassem pelos meus. Mesmo depois de anos, o beijo ainda consegue me fazer ter borboletas no estômago e pedir por mais.

    É fascinante poder amar a Camila como se fosse a primeira vez. Eu esquecia de tudo. O mundo pode acabar que vou continuar amando essa mulher até que eu sinta as suas pernas bambearem e veja o brilho no olhar junto com seu melhor sorriso.

Camila

    Laura entrou no palco da livraria pisando firme e com um sorriso de nervoso que eu conheço muito bem, tentou parecer relaxada, mas falhou.

    Flashs brilharam sobre ela, o que a fez ficar com cara de desespero. Laura lutou para não ser famosa, mas não pode evitar de ter um fã clube que adquiriu pelas suas obras lançadas nos últimos anos. Além dos livros de sua quase autobiografia, minha esposa lançou outros dois de ficção.

    Olhei para a entrada da loja quando entraram Patrícia, Vero e meu sobrinho lindo. Elas acenaram para mim e eu aproveitei que estavam todos prestando atenção nas respostas da Laura para sair despercebida. Os alunos da Laura, que formavam boa parte dos seus fãs, não podiam me ver que pediam selfies ou me paravam para conversar.

    - Atrasadas - cumprimentei as duas e me agachei para dar um beijo no Caíque.

    - Verônica que atrasou, como sempre. Como a Laura está? - Patrícia olhou preocupada para a amiga.

    Minha irmã revirou os olhos e pediu licença para levar o filho até o espaço das crianças.

    - A Laura está bem. Olha para ela, sem graça diante de tamanha exposição como sempre, mas sabendo que é o trabalho dela. Veja, quando perguntam dos outros livros, responde com desenvoltura. Mas do novo ela fica sem graça.

    - Acho que ela está procurando por você, Cah.

    Patrícia tem razão. Laura está olhando de um lado para o outro, tentando encontrar alguém.

    Resolvi voltar para o lugar que eu estava antes e Patrícia me acompanhou. Assim que a Laura pousou o seu olhar sobre mim, sorriu.

    - Cada palavra que está escrita neste livro é endereçada a apenas uma pessoa. Exceto os agradecimentos que incluo mais gente. Mas o que quero dizer é que por mais que eu tenha a minha vida discreta, não poderia deixar de marcar uma data especial para mim. Hoje faz 22 anos que conheci o amor. Há vinte e dois anos eu demorei para abrir os olhos ao acordar, estiquei meu corpo o máximo que pude e o sol do Rio de Janeiro invadiu o meu quarto como se estivesse iluminando a minha vida. Praguejei aquele dia que pensei que seria chato. Um dia pode mudar tudo nas nossas vidas. Basta apenas um minuto para você ganhar o mundo ou perdê-lo. Eu tive essas duas coisas no mês de outubro. Mas vamos nos atentar primeira a coisa boa. Vinte e dois anos atrás, conheci a mulher da minha vida. A mulher que é o motivo do meu sorriso, o motivo da minha risada e também, às vezes, o motivo do meu choro. Não, não é um amor perfeito. Eu sou cheia de defeitos, ela também tem os seus, então por que nos cobraremos um amor perfeito? Pensamos que encontraríamos a perfeição, só que ninguém avisou que o amor não é um sentimento pleno, puro e que ele sozinho não basta para ser feliz. Cada dia que vivemos em busca de um amor perfeito, não percebemos que estávamos com inimigos ao nosso redor, não percebemos que estávamos nos afundando ao cobrar algo que não podíamos alcançar. Precisou chegarmos ao fundo do poço para perceber que só o amor não basta. É por isso que infelizmente eu não posso comemorar 22 anos juntas, apenas 22 anos que nos conhecemos. A bem da verdade é que vivemos separadas por quase longos 10 anos. Sim,  metade desse tempo tivemos que esconder o nosso amor e fingir que não existimos uma na vida da outra.

    Laura pegou o livro e o folheou.

    - E isso nos leva ao nome do meu livro: A Fortiori. Por mais que o amor seja um sentimento, um pouco de razão não faz mal para ninguém. A cada poesia nos leva a uma razão mais forte no final. A fortiori significa por uma razão mais forte. A minha história de amor tinha tudo para acabar em um dia no final do mês do outubro, assim como como começou. Mas por uma razão mais forte, hoje estamos juntas. O amor para virar ódio, basta negá-lo. Mas por uma razão mais forte, não conseguimos negá-lo. Imperdoável: essa palavra me perseguiu por anos. Eu não merecia ser perdoada, mas por uma razão mais forte consegui o perdão. Essa razão foi uma mistura de amor e coragem. Uma pessoa pode ser covarde e não viver um amor, mas tem que ter mais coragem ainda para dar a cara para bater e viver esse amor. Ainda bem que ela teve essa coragem. Que tivemos juntas. Ainda bem que eu posso dormir e acordar com aquela mulher que mudou a minha vida há 22 anos. O amor é um privilégio, não é algo mecânico que tem que acontecer na vida. Se você tem o privilégio de amar e ser amado ou amada, faça de tudo para que não se separe ainda gostando de quem você ama. Quem ler ‘A fortiori', vai entender. Eu errei. Meu passado é condenável. Eu não merecia ser feliz como sou hoje. A fortiori que é o amor, eu fui perdoada.

    Laura abriu o livro e Patrícia colocou um livro aberto nas minhas mãos.

    - Para finalizar, gostaria de ler uma frase que escrevi na última poesia do meu livro: "Vivo para fazer Camila feliz".

    Olhei para o livro que estava aberto na última página e confirmei o que estava escrito. Laura tinha assumido e eternizado o nosso amor em um livro.

    Coloquei o livro no meu peito e o abracei com as mãos. Senti-me amada. Mais de vinte anos depois estou em uma livraria. Um lugar que jamais imaginaria estar, mas ainda com a mesma mulher que fez o meu coração disparar na primeira olhada. Tudo que sempre mais desejei desde o nosso primeiro beijo.

    Laura me chamou com as mãos e eu me surpreendi quando ela agarrou minha cintura. Disse "eu te amo" sem som e abraçou-me. Olhei para ela sorrindo. Confirmamos o nosso romance de anos para todos.

    - Você lembrou da data de hoje? - Laura perguntou.

    - Claro, vida. Eu só não esperava que fosse tão bem homenageada com um livro. Você disse que eram apenas poesias bobas. Não me deixou ler nenhuma.

    - Eu queria te fazer uma surpresa.

    - Adorei, muito obrigada. Eu te amo, vida.

    - Eu também te amo, Camila.

    - Lindo, muito emocionante o discurso e essa troca de olhares, não é Di?

    Eu e a Laura olhamos surpreendidas para o lado. Diante de nós está a nossa Marina.

    - Marina! O que é isso? Você não deveria estar em Chicago?

    Laura não perguntou nada, apenas abraçou a filha. Minha mulher é dura na queda, queria deixar a Marina seguir o caminho dela, que é a dança, mas no fundo sente uma falta danada da filha.

    " - MÃES!!! EU PASSEI!!! A Joffrey Ballet enviou a carta!

    Vi a Laura despertar aos poucos depois de ter dado um salto na cama com a Marina gritando no nosso quarto.

    O que eu mais temia aconteceu, Marina foi aceita para a Joffrey Academy of Dance e vai cursar o ensino médio nos EUA, como ela já estava planejando. Minha filha vai para longe de mim.

    Quando voltei a consciência, Laura estava comemorando com a filha a chegada da carta. Desde o início, nas primeiras conversas, Laura apoiou completamente a ida da filha para umas das melhores escolas de balé do mundo. Marina sempre se dedicou a dança como ninguém. Será uma grande profissional.

    - E você, mamãe? Não está feliz?

    - É claro que estou, amorzinho. Que mãe não fica feliz quando vê esse sorriso lindo no rosto da filha?!"

    Demorei para acostumar com a ideia. Mas nada impediria a Marina de seguir o sonho dela.

    Lembrei-me de aproveitar a Diana mais um pouco. Eu pensei que ela faria o ensino médio junto com a irmã nos EUA. Eu e a Laura já estávamos planejando e nos preparando para a partida das duas, mas no fim Di nos surpreendeu e disse que queria ficar.

    Para o desespero e orgulhoso da Laura, Diana quer cursar jornalismo. E a nossa menina tem talento de sobra. Pudera, teve quatro inspirações ao redor dela. Cabe a nós fazer a mesma coisa que fizemos com a Marina, apoiá-la em tudo.

    - Poxa, mamãe, vai ficar aí parada?

    Finalmente abracei a minha filha e em seguida nós quatro, eu, Diana, Marina e Laura, nos unimos em um abraço só.

    - Que surpresa é essa? Por que não avisou que vinha?

    - Não avisei porque queria fazer uma surpresa, oras. Até parece que eu perderia o lançamento de um livro da minha mãe. Pedi uns dias de folgas nas escolas e a minha irmã me ajudou com a surpresa.

    - Eu estou tão feliz! Amei a surpresa.

    A dona da editora nos interrompeu e pediu para que a Laura se dirigisse até a mesa para iniciar a sessão de autógrafos. Nos despedimos com um selinho rápido. Dei risada quando as primeiras pessoas da fila a deixaram sem graça com tanto de elogios.

    Minhas filhas foram cumprimentar a tia Patrícia que estava perto da mesa da Laura e eu resolvi procurar pela minha irmã.

    Não demorou muito, a encontrei de cabeça baixa com o livro da Laura lendo as primeiras páginas.

    - Já conseguiu ler quantas poesias? - Aproximei-me dela.

    - Li os agradecimentos dela e as duas primeiras.

    - Ah é? Ela agradece quem? Você?

    - Eu, os pais dela, os irmãos, as filhas, você e um enorme agradecimento a minha esposa.

    - Patrícia? Não me surpreende. Pati foi uma das maiores incentivadoras para que a Laura fizesse este livro.

    - Isso é verdade. Mas a inspiração foi totalmente você. Que declaração linda de amor.

    - Hoje, mais do que nunca, eu posso respirar aliviada.

    - Por quê? - Vero perguntou confusa.

    - Ainda bem que 7 anos atrás optei por viver com ela. Eu estaria muito arrependida se tivesse sido covarde de negar meus sentimentos e seguido com a arrogância de não a ter de volta. Tive medo de que as palavras da Heloísa se cumprissem. Guga também disse absurdos, foi o que mais me julgou. Mas até ele admite agora que fiz a escolha certa.

    - Vocês duas são tão felizes. Ninguém acreditaria que vocês passaram pelo que passaram antes. É nítido que hoje se amam mais do que antes. É o amadurecimento.

    - Descobrimos como ser feliz. O que a Laura fez não impactou nas nossas filhas, e esse era meu maior medo. Elas cresceram muito bem com a gente, são garotas maravilhosas. As coisas se encaixaram perfeitamente. É bom ter coragem de viver e assumir o amor.

Narradora

    Laura sorriu quando os primeiros acordes da música ‘Sorte' ecoaram na sua casa. No mesmo instante, Camila e Laura se procuraram entre os poucos convidados para o coquetel que prepararam na casa delas em comemoração do lançamento do livro ‘A fortiori'.

    Quando se encontraram, as primeiras palavras foram cantaroladas pela Laura no ouvido da Camila.

   - "Tudo de bom que você me fizer, faz minha rima ficar mais rara"

    O casal se esqueceu do mundo e começaram a dançar.

    Marina e Diana se cutucaram para que olhassem a felicidade das mães. Sorrisos sinceros estampados no rosto de cada uma. Elas se inspiram no amor da mães. Viram nos últimos anos cada dia que elas viviam o que foram impedidas de viver antes. Não havia sentimento de mágoa do passado. Camila e Laura conseguiram desmontar qualquer ruído que ficou e mostrou a elas a gratidão de ter tudo dado certo no fim.

    A mãe da Laura brindou com o marido olhando para o casal que dançava. Essa foi outra que aprendeu com os erros e encontrou na felicidade da filha mais velha a paz que precisava. Lívia e seu noivo curtiam a música de mãos dadas. Bento com a namorada grávida do seu primeiro filho sorria. Eles também admiraram a felicidade da irmã mais velha e aplaudiram no final da música o beijo que elas trocaram.

    Patrícia filmava tudo pelo celular. Verônica atrás com os braços envoltos em sua cintura sorria em cumplicidade com a esposa.

    - A nossa música - Laura raspou o a garganta com a voz embargada.

    - 22 anos te amando - Camila emocionou-se.

    - Obstáculos, ventos, trovões, palavras ditas, palavras não ditas, dúvidas... e estamos aqui. - Laura refletiu.

    - O amor foi feito para surpreender mesmo. O mais belo amor é aquele vivido e que tem história para contar.

    - Eu te amo e para sempre te amarei, Camila.

    - Eu também para sempre te amarei, Laura.

Fim do capítulo