Hanna
Era um final de tarde. Eu estava como sempre olhando o mar, como se precisasse daquele momento com a mesma necessidade que precisava respirar. O vai e vem da maré compassado em comunhão com a minha respiração deixava-me tranqüila, com uma sensação de paz incomum em outros dias.
A cor avermelhada do céu e os sons dos pássaros voando sobre minha cabeça fez com que despontasse em meu rosto um pequeno sorriso. Depois de tanto tempo sem fazer esse movimento tão simples, porém, tão pouco executado naqueles longos dias de verão, transmitia uma sensação de liberdade a um coração aprisionado como o meu naquele momento.
Fechei meus olhos absorvendo a energia que envolvia aquele lugar. Sentia necessidade de estar ali, como se tivesse um contrato com local e hora marcada para acontecer. Não entendia bem o significado de tal sensação até aquele perfume inebriar meus pensamentos.
Diante de mim, uma morena, baixa, cabelos cacheados, olhos castanhos de um olhar perdido. Olhava-me querendo, se possível, penetrar minha alma com seus olhos avaliadores, porém ternos, e com um fundo de tristeza sem o brilho tão familiar aos meus.
H- Como me encontrou?
D- Lugar preferido, lembra? Não foi tão difícil assim.
Nossos sorrisos se encontraram. Não eram de uma felicidade escrachada, eram contidos, cheios de significados, de reconhecimento, de pedidos mudos. Ela sentou-se ao meu lado, e como eu, absorvendo o que o lugar transmitia enquanto um silencio instalava-se entre nós. Não era algo incomodo, estava longe de ser isso. Parecia se fazer necessário, de alguma forma envolvente e com toda certeza, esperado. Nossa intimidade, não deixava que se transformasse em algo constrangedor para nenhuma de nós.
Olhávamos o mar sem piscar, como se com essa atitude pudéssemos perder algo incrivelmente importante que poderia acontecer a qualquer momento. Nossas respirações entraram num compasso mudo, nossos gestos eram contidos, somente o básico para se manter confortável em meio as pedras enquanto a água do mar batia com violência em nossa direção.
Ela me olhou com seus olhos de quem queria respostas mesmo sem ter feito perguntas. Era capaz de ver sua alma através deles. Daniele era assim, transparente como vidro, mas nunca previsível. Jamais soube o que esperar dela, nem nos momentos onde tudo parecia ter só uma direção, ela mostrava-me que estava completamente engana com seus argumentos e atitudes contrárias. Um paradoxo em forma de mulher, era assim que a via em sua total intensidade.
H- Você lembra quando nos olhamos pela primeira vez?
Dessa vez sorri mais abertamente. Primeiramente como não lembrar da lembrança mais terna que minha memória retinha dentro de si? Foi um momento mágico, como nos contos de fadas onde tudo parava enquanto o momento especial acontecia. Foi assim nosso primeiro olhar, e todos os outros que se seguiram. Ainda era, sempre iria ser.
D- Claro que lembro. Seu sorriso tão doce, e um olhar ainda mais meigo.
H- Estava morrendo de vergonha de você, ali, com esse sorriso sapeca e doce ao mesmo tempo. Fiquei encantada.
D- Pois é. O tempo passou tão rápido né?
Uma gaivota planava sobre nossas cabeças, logo depois pousou a metros de onde estávamos sentadas. Fiquei um tempo observando seus movimentos graciosos, cheios de vida. Ela estava sozinha, seu bando todo ainda pairava sobre nós, mas ela continuava ali, observando e sendo observada. Contemplei-a por alguns segundos, formulando uma resposta, antes de olhar novamente o horizonte, e responder a Daniele.
H- Sim. Pedimos tanto para que passasse logo, e no entanto, com o tempo, também se foi algo mais, algo que não deveria ter ido.
Então seu olhar perdido voltou a inquirir os meus. O castanho agora, estava opaco, sem a luz que resplandecia tudo ao redor. O vento bagunçava seu cabelo, e ela inutilmente tentava colocá-los para trás. Lembrei da primeira vez que eu vi essa cena e no quanto achei terna e linda.
Meu coração havia se enchido de amor, de alegria, e ela sorria como uma criança e nem fazia a menor idéia do que aquele sorriso causava em mim. Mas naquele momento, o sorriso era inexistente, seu olhar era vazio, e eu não consegui reconhecer a dimensão dos meus atos.
D- Onde foi que nos perdemos?
H- Será mesmo que nos perdemos?
D- O que quer dizer?
Suspirei. Não soube dizer se de medo ou de angustia, só sabia temer responder aquela pergunta. Ela ainda olhava-me, mas agora ansiosa, e eu não fazia idéia do que responder. Então desviei meu olhar, na esperança de assim, conseguir formular algo coerente, que condizesse com minha opinião. E por incrível que pareça, encontrei a resposta, olhando o mar, relembrando o momento que nos levou até ali.
H- Lembro do momento quando olhamos o mar pela primeira vez. Sempre amei o mar, e sempre amei você. Mesmo sem saber te amei no primeiro minuto. Consegue lembrar que mesmo com aquele monte de gente ao nosso redor, nossas mãos se encontraram e de repente era só nós?
Ela tentou sorrir, mas foi em vão. Seus olhos diziam a confusão de sentimentos que havia dentro de si. Eu temi o real significado desse ato. As poucas vezes que a havia visto assim, algo muito grave havia acontecido e ela não soube lidar com a situação. E nessas poucas vezes, a única ferida, era ela. Eu temia por isso.
D- Não, você não me amou, você amava outra.
H- Não. Eu não amava outra, eu estava apaixonada por outra. Amor, só senti por você.
D- Onde isso se encaixa como resposta a minha pergunta?
H- Não posso perder aquilo que está em mim. Sabe por quê? Por que não se perde o que nunca saiu do nosso lado.
D- Não sei se consigo entender onde você quer chegar...
Eu respirei o mais fundo que podia. Absorvi nos meus pulmões além da necessidade primária de ar, a certeza que precisava deixar claro meus sentimentos por ela. A culpa pelo fim era minha, os erros e as consequências era um fardo que carregaria, até o dia da minha redenção. Se não conseguisse deixar claro naquele momento, talvez não tivesse oportunidade de ver isso acontecer.
H- Sempre te amei, mesmo ainda sem rosto e a km daqui. Confundi pessoas achando que eram você, a pessoa fazia meu coração pulsar mais forte, e quando finalmente te conheci, não consegui reconhecer que meu sentimento havia enfim uma ganhado uma face. Não até ter aberto mão do seu amor.
D- Sabe que não vejo da mesma forma que você vê.
H- Sempre soube, e não esperava que fosse diferente. Meu amor por você sempre foi além da beleza, das idéias, das diferenças.
D- Por que então tomou aquela decisão?
H- Eu não sei se tomei alguma. Acredito que se tivesse mesmo tomado uma decisão, provavelmente, não estaríamos aqui, agora, tendo essa conversa.
D- Você foi covarde.
Suspirei novamente enquanto abraçava meu corpo em sinal de proteção. Como que com esse gesto, pudesse me proteger da verdade dos meus atos. O fato de admitir meus erros, não impedia o meu medo de reconhecê-los diante da mulher que eu amava e mais magoei.
H- É. Eu sei. Vou ter que lidar com a consciência dos meus atos até o último dia da minha vida.
Nos olhamos ao mesmo tempo. Eu buscava reconhecimento, aquele olhar acolhedor, que dizia com o seu brilho a intensidade do meu amor por mim. Procurava perdão, entendimento as atitudes que levaram-me até ali. Mas de repente seus olhos não brilhavam mais, e seus cabelos, não balançavam contra o vento como antes. Era assim, quando a consciência dos meus erros invadia-me, e eu a tinha tão perto, que percebia que só a perderia para eu mesma..
D- O que vai ser daqui pra frente?
H- Eu não sei... Sabe, chega a ser irônico o fato que eu não sei como vai ser a minha vida sem você. A ironia vem que sendo você a pessoa mais importante da minha vida, fiz algo tão horrível e te perdi por causa disso.
Alguma nuvem encobria o céu naquele momento, e no horizonte o sol começava a se esconder. A olhei sem que ela percebesse, e vi seus olhos úmidos. Os meus também vertiam água, e só pude perceber quando escorreram pelo meu rosto. Tentei a abraçar, mas no meio do caminho, eu hesitei. Aquele sentimento de culpa, não deixa-me seguir o movimento, e não restou outra alternativa do que novamente abraçar meu corpo em sinal de proteção.
D- Eu ainda te amo, apesar de tudo...
H- E eu também te amo, acho que até ainda mais.
D- Então porque a gente...
H- Não!
D- Por que...
H- Não faça isso com você, eu não posso permitir... Olha só, quero que você entenda que o mais quero nesse mundo, é você de volta pra mim, mas antes eu preciso merecer esse amor, entende? Eu te magoei demais, fiz você sofrer e sofri cada segundo por isso. Eu não quero mais isso, não quero mesmo ser o motivo do seu sofrimento.
Fim do capítulo
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rafaKiyoko
Em: 07/09/2017
lindo conto... Simples. Apenas a vida como ela é.. Cheia de erros e chance para crescer. Parabéns amei.
Resposta do autor:
Obrigada! Eu o adoro pq é literalmente real, a questão do tempo. As coisas acontecem assim e quis transmitir isso.
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