Ana Clara

Eu precisava mesmo tentar saber de onde vinha àquela vontade quase com vida própria de querer provocar Samantha. Eu poderia ter sentado em outra cadeira com a Pamela, ou até mesmo ter ido embora, mas não consegui.

Ela olhava para a minha “amiga” com um ponto de interrogação enorme e isso me divertia horrores.

- Aqui senhoritas... Uma água de coco, duas caipirinhas e um suco de cupuaçu. – o garçom, que não parava de olhar para Melissa, colocou os nossos pedidos na mesa.

- Se sai cara... Ela gosta de mulher. – Melissa levou a mão à boca, sufocando uma risada, quando a loira terminou a frase.

- Me desculpe... – o rapaz saiu, totalmente sem graça.

Samantha me olhou de sobrancelhas erguidas.

- Gostei dela... – Pamela piscou para Sam, que me lançou um sorriso convencido.

Tive de morder a língua para não dizer bobagem.

- Vocês são namoradas? – a morena perguntou para Melissa, que imediatamente olhou para Sam.

As duas gargalharam.

- O que eu disse de engraçado? – eu também esperava por uma resposta, mas deixo claro que é por pura curiosidade.

- Melissa e eu somos como irmãs. Ela é doida pela minha prima, que tá afim dela, mas namora um carinha aí... O de sempre... – ela deu de ombros. - Mas, e vocês?

Era a minha oportunidade.

- Estamos nos conhecendo... – segurei a mão de Pamela, que pareceu estranhar.

Nos conhecemos há pouco mais de duas horas e era claro que ambas as partes não estavam interessadas em nada sério, porém o espirito que me conduzia a sempre querer deixar a loira a minha frente nervosinha, falava mais alto.

- Estão é? – ela cruzou os braços. – Rapidinha você...

- Sabe como é... – pisquei para ela.

- Você não presta, garota... – ela me apontou o dedo. – Me agarrou naquela calçada e agora, em menos de sete horas, aparece com outra...

- Eu te agarrei? Até onde eu vi, você ch*pava a minha língua como se quisesse arranca-la... – acusei de volta.

- Meninas... – Mel tentou dizer algo.

- Eu não fiz por querer! – ela disse entre dentes.

- Não estou entendendo nada... – Pamela cruzou os braços.

- Eu não queria fazer nada daquilo! – a loira levantou.

- E você acha que eu sim? – ergui as sobrancelhas.

As pessoas ao redor nos olhavam com curiosidades.

- Tô sobrando... – Melissa levantou. – Só não se matem...

-Vou com você! – Pamela levantou, seguindo Melissa.

- Viu o que você fez! – apontei o dedo na cara da loira.

- Eu fiz? – gargalhei. – Você quem começou!

- Vou embora! – ela me deu a costa, acreditam?

Olhei para a mesa e joguei uma nota de cinquenta reais.

- Espera aí! – a puxei pelo braço. Estávamos em frente à um bar fechado e o movimento era quase inexistente.

- O que você quer? – ela bufou, me deixando irada.

A razão? Não faço ideia.

- Eu odeio essa sua arrogância... – os olhos dela estavam com um brilho diferente.

- Não diga... – em um movimento rápido, ela me segurou pela blusa e me prensou contra a mesa de bilhar.

Fiquei perdida, não sabendo como me esquivar.

- Vamos ver o quanto disso é verdade...

 

Samantha

Não sei o que deu em mim, mas quando percebi, já estava escorando Ana Clara em uma mesa de bilhar. Eu estava tão irritada e ao menos entendia o motivo.

Respirei fundo, encarando aqueles olhos verdes que nos faziam perder a noção de tudo.  A vontade de beija-la foi gritante e foi o que fiz.

Colei a minha boca na sua de forma bruta. No começo queria apenas irrita-la, mas ao sentir sua boca se entreabrir  para receber minha língua, esqueci completamente do real motivo daquele ato, segurei sua nuca para aprofundar ainda mais o contato.

Um gemido me escapou quando ela ch*pou minha língua. Passamos a travar uma guerra para ver quem dominava mais. Eu tinha de admitir, estava sendo uma disputa gostosa e eu poderia passar o resto da minha vida perdida ali, beijando aquela boca que me roubava a sanidade.

Eu estava vergonhosamente molhada.

Quando o ar se fez necessário, desgrudamos as nossas bocas e ficamos nos olhando, ofegantes.

 Colei a minha testa na dela, querendo entender o que estava acontecendo comigo.

- Não disse? É sempre você que me beija primeiro...

Ela gargalhou, me fazendo voltar a realidade.

- Isso foi só pra te provar que eu te beijo a hora que eu quiser. - não iria ficar por baixo. Ana Clara ergueu as sobrancelhas. O sorriso debochado sumiu.

Ela me empurrou, desfazendo qualquer contato entre nós.

- Você é a garota mais idiota que eu já conheci. - ela falou, me encarando com fúria.

- Não mais que você. - estava tão próxima ao rosto dela, que podia sentir sua respiração. Tratei de me afastar antes de beija-la novamente e constatar o que a infeliz tinha dito.

- Já acalmaram o tesão reprimido? – olhamos para o lado e Melissa sorria, com os braços cruzados sobre o busto, acompanhada de Pamela.

- Não me enche. - passei por elas, indo em direção ao mar. Precisava acalmar meu corpo, pois ele ainda sentia as sensações causadas por aquele maldito beijo.

- Que droga, Samantha!

Mergulhei de roupa e tudo na água salgada. Queria mesmo que aquele banho levasse consigo todas as malditas coisas que aquela ruiva do inferno me fez sentir. Fazia tanto tempo que uma garota não mexia tanto assim comigo, mas Ana Clara era do tipo que só queria brincar e eu que não seria seu brinquedinho.

- Ruiva do inferno! Eu não vou cair na sua... De jeito algum!

Mergulhei mais uma vez, sentindo o sol misturado com o vento beijar a minha pele. Sai da água, sentando na areia. Olhei para o horizonte, desejando sumir por algum tempo.

- Vou ficar aqui com você, loira nervosinha... – Mel sentou ao meu lado, com um sorriso acolhedor.

- Você tá tão perdida quanto eu, mas mesmo assim está aqui... – ela pousou a cabeça em meu ombro.

- Vou te responder a coisa mais clichê, porém verdadeira desse mundo... – ela me deu um soco forte.

- Ai...

- Amigos são pra essas coisas...

 

Camila

Eu sabia que já não era a mesma. Tinha a noção que algo havia mudado, mas não estava sabendo lidar com todas essas sensações. As palavras de Nick não me deixaram nem por um segundo. Melissa, ela bagunçou com a minha vida e agora, aqui estou, sem a menor ideia do que realmente era o correto.

Vini, ele deu um grande passo por nós e não merecia nada daquilo. Eu estava desesperada e aceitei a minha derrota emocional. Jogada no carpete, olhava para o teto branco. Fazendo o impossível para não chorar.

Por que era tão difícil?

Peguei meu celular, procurando algo para me distrair. Brinquei com um joguinho, entrei em minhas redes sociais, olhei foto por foto em minha galeria e parei em uma registrada há poucos dias.

Na imagem, Sam, Mel e eu.

Dei zoom, olhando para o sorriso bonito de Melissa...

“Como nunca notei o quanto ela é linda?”. Contornei, com a ponta do dedo, sua imagem.

- Posso conversar com você?

- Ai!

- Meu Deus, eu não queria te assustar, Camila... – passei a mão sobre a testa, onde o maldito celular caiu.

- Tudo bem, Sofia... – sentei, esperando a dor amenizar.

- Vou buscar gelo...

- Não! Tá tudo bem... – chamei, antes que ela saísse. – Sobre o que quer falar?

Olhei para ela, que mirava algo no chão. Acompanhei o seu olhar e arregalei meus olhos. O celular ainda mostrava a foto que há pouco, eu admirava.

Merda!

- Sobre ela... – Sofia apontou para o meu celular.

Ela fechou a porta e calmamente sentou na beirada da cama.

- Sente algo pela Mel, Camila? – ela foi direta. Me encarava, sua expressão demonstrava seriedade.

O que eu diria?

- Eu estou confusa, Sofia. – franzi o cenho. – Não tô conseguindo lidar com tudo que estou sentindo...

- E o que está sentindo? Camila, eu daria a minha vida pela minha filha. Conheço Melissa com a palma da minha mão. Ela tem sentimentos fortes por você e tá sofrendo. – Sofia espalmou as mãos sobre as coxas descobertas. – Eu não quero ver a minha menina dessa forma... Então, se acha que não pode corresponder aos sentimentos dela, seja direta...

- Mas, eu gosto dela, Sofia... – a frase saiu engasgada. A mulher a minha frente ergueu as sobrancelhas. – Não tá sendo fácil pra mim também. Eu sempre desejei estar com o Vinicius. Suportei muitas coisas por esse amor que não podia acontecer... Mas, um dia ele surge, dizendo que fez uma loucura por nós... Eu pensei que iria pular de felicidade, mas não foi assim... – meus olhos ardiam. – Não foi assim porque eu, mesmo não querendo admitir, já havia deixado Melissa entrar... – levantei. – E não pense que não sofro junto... A tua filha me deixa doida, Sofia, e isso é demais pra minha cabeça...

Ela também ficou de pé e a seriedade, antes estampada, deu lugar a uma expressão mais doce.

- Como sou egoísta... Perdoe-me, Camila... – e em um ato totalmente inesperado, ela me abraçou forte e eu me segurei a ela como se minha confusão pudesse ficar mais suportável. – Pensei tanto em minha filha e não tive a sensibilidade de pensar que você também está sofrendo...

- Me desculpe por isso, Sofia... Juro que...

- Shhh... Vamos fazer assim, tenta dizer a Melissa o que me disse... E eu prometo que vou tentar ajudar em algo... – me afastei para olha-la.

- Ajudar? – ela sorriu, passando a costa de sua mão em meu rosto molhado.

- Gosto muito de você, Camila, e se você e a minha filha se acertarem, eu ficarei muito feliz. – Sofia depositou um beijo sobre a minha testa. – Pode contar comigo...

- Obrigada, Sofia... – me senti mais leve. A sensação era boa.

- Tô interrompendo? – Sam entrou.

- Já estava de saída... Pense no que conversamos... – Sofia piscou para mim e saiu do quarto, fechando a porta.

- O que houve? – Samantha sentou na beirada da cama.

- Você tá fedendo a cerveja, Sam... – ela rolou os olhos.

- Tomei apenas duas... Ou cinco, sei lá. – ergui as sobrancelhas. – O que a Sofia queria com você?

- Mas, você é muito fofoqueira... O que deu em você ontem à noite? Ana Clara e você não se desgrudaram e ainda estavam pagando um micão... – lembrei das doidas gritando que eram o Batman.

- Não faço a menor ideia, priminha... Juro que bebi apenas um gole e depois, tudo parecia mais colorido.

- Cadê a Melissa? – Sam sorriu de lado.

- Quando vai dar um pé na bunda do sem sal e cair no brejo? Se bem que, você deu um belo passo ontem à noite... – a idiota gargalhou.

- Palhaça! Quem tem teto de vidro, não fica jogando pedra no de ninguém... – Sam me olhou de forma debochada.

- Do que tá falando?

- Ana Clara, é obvio. – Sam se jogou na cama.

- Não sei do que tá falando... – dá para acreditar na cara de pau?

- E se eu te disser que ontem você gritou pra todo mundo que a Ana Clara era a sua namorada? – Sam ficou imediatamente de pé.

- Eu não fiz isso! – ela me apontou o dedo.

Gargalhei.

- É claro que fez... Pagou tanto mico. – exagerei um pouquinho. – Pergunte a quem quiser...

- Que bosta! – ela bateu na própria testa. – Eu... Beijei ela...

Arregalei meus olhos.

- Sem efeito do álcool? – minha prima baixou a cabeça.

- Não sei o que me deu, Cami. Aquela diaba me deixa louca...

Sentei ao lado dela e antes que eu pudesse dizer algo, alguém bateu na porta.

- Desculpem interromper... Mas, a sua mãe tá na linha, Sam. – Melissa me olhou fixamente.

Senti meu coração se agitar fortemente. Involuntariamente, um sorriso se formou em minha face.

- Ju... Volta aqui! – o grito de Micaela fez o contato visual ser interrompido.

- Vamos descer? – Sam não esperou resposta e saiu me puxando, junto com Melissa.

 

Melissa

Descemos as escadas praticamente arrastadas pela maluca da Sam.

Cássia, Paloma e Emi já estavam na janela, espiando a discussão entre Micaela e Juliane, que batiam boca na varanda.

- Você não vai ligar pra sua mãe? - Camila perguntou a Sam, assim que chegamos ao último degrau.

- Vou primeiro ver a confusão, depois eu ligo. – ela falou, nos puxando para perto das outras curiosas.

- O que houve? - Sam perguntou, empurrando as outras sem a menor delicadeza.

- Ei, chegamos primeiro. - Cássia falou, disputando o lugar na janela com Samantha.

- Gringa folgada... – Emi reclamou.

- Parece que a tia Ju pegou uma mensagem no celular da Mica. - Paloma respondeu, parecendo querer ver o circo pegar fogo.

- Amor, é uma amiga da faculdade. - Micaela tentava se explicar. – Não precisa disso tudo...

Camila e eu nos olhamos, para depois sorrirmos.

Preciso dizer que fiquei toda abobalhada?

- Uma amiga muito assanhada! Te chamar de gostosa, na maior cara de pau. - Juliane estava com uma cara de dar medo. – Eu posso te chamar de gostosa... Se eu pego essa fulana, quebro ela no meio...

- Quem diria! Jamais imaginei ver uma cena de ciúme da mulher mais pegadora de Belém. - Emily comentou, em um sussurro e gargalhou.

- É como dizem...  Há uma primeira vez pra tudo... – Samantha falou, se achando uma sábia.

A dona da razão.

- Eu sou o Batman! – Paloma gritou, nos fazendo gargalhar.

- Eu quem sou! – Cássia respondeu.

Elas jamais deixariam o mico que Sam e Ana, pagaram ser esquecido.

Samantha apenas mostrou o dedo do meio.

- Quer saber? Se não acredita em mim, o problema é seu. - Micaela saiu, deixando Juliane falando sozinha.

- E ainda fica com raiva? Volta aqui! - ela saiu, literalmente, correndo atrás da namorada.

- Por que mulher sempre dá um jeito de mudar o jogo? - olhamos para Renato que vinha acompanhado de minha mãe.

- É um dom, papai... – Camila respondeu e as outras apenas concordaram com um acenar de cabeça.

- Filha? Posso falar um minutinho com você? - minha mãe se aproximou de mim, com um sorriso tímido.

- Claro, mãe!

Podia jurar que vi a dona Sofia piscar para Camila antes de sairmos. Isso me deixou ainda mais curiosa.

- Senta aqui. – ela pediu, assim que chegamos à varanda.

Fiz o que ela pediu.

- O que eu fiz agora? - perguntei sem entender o porquê da conversa.

- Calma! Você não fez nada. - ela sorriu.

- Vai falar sobre a Camila? – ela agasalhou a minha mão na sua.

- É exatamente sobre ela... – ergui as sobrancelhas, já prevendo o que ela diria. - Só queria te dizer que se você realmente gosta da Camila, vai em frente e não desiste.

Ok! Por essa eu não esperava.

- E o que fez a Senhora mudar de ideia? - precisava entender essa mudança de opinião. Ela era contra, não?! – Me disse para ficar longe da Cami...

- Eu te amo e quero sua felicidade, Melissa. – minha mãe passou a fazer carinho em meus fios que estavam soltos. – Entendeu?

Sorri.

- Obrigado pelo apoio mãe, mas acho que Camila não sente o mesmo por mim. – baixei o olhar para as minhas mãos. – Como a senhora mesmo disse, ela tem namorado...

- Tem certeza? - ela levantou minha cabeça, me fazendo olhar em seus olhos. - Já tentou perguntar a ela, olhando nos olhos dela? Filha os olhos são a janela da alma. Alguém já lhe disse isso? Pois eu digo... Chame ela para uma conversa aberta. Procure saber o que ela realmente sente... Talvez se surpreenda...

Ela beijou a minha testa e saiu, sem me dar a chance de dizer algo e me fazendo pensar em suas palavras.

- Sabe de uma coisa? Eu não tenho nada a perder. Minha mãe tem razão...

Falei para mim mesma, tomando uma decisão que já deveria ter tomado há muito tempo.

Entrei, procurando por Camila e a vi com as outras. Cheguei a sala e sem pensar duas vezes, puxei Camila pela mão.

- Preciso conversar com você. - ela me olhou sem entender nada, mas me seguiu sem contestar.

- É isso aí.

- Manda ver, Melissa!

- Mostra quem manda! – essa foi a Sam.

- Vai nessa!

 As meninas gritaram em coro.

Caminhei com Camila ao meu lado em silencio total. Andamos por poucos minutos, até chegar em frente a casa dos amassos. Eu estava muito nervosa, confesso e podia jurar que minhas pernas tremiam.

Nem preciso dizer que meu coração não parava quieto.

- Não vai dizer nada? – ela me encarou e eu me senti uma idiota.

Respirei fundo.

- Camila, eu sou completamente apaixonada por você... – as sobrancelhas dela se ergueram. – Desde aquele bendito jantar, não há um dia em que não pense em você... – me aproximei dela. Com as pontas dos dedos, toquei o dorso de sua mão. – Não há um único dia em que eu não me pergunte como deve ser a sensação de ser sua...

O meu coração estava na boca.

- Me mata te ver com o Vinicius... Eu disse a mim mesma que iria manter distancia, mas ai a gente se beijou e eu me apaixonei ainda mais... – pousei minha mão sobre o rosto bonito, de traços delicados e boca convidativa.

Ela me olhava fixamente.

- Eu preciso... Necessito saber, Camila... Você sente algo por mim?

Ela abriu a boca levemente, mas quando iria dizer algo...

- Quer dizer que eu não sou o único corno por aqui?

Olhamos para o dono daquela voz e não acreditei no que os meus olhos viam.

- Quem é você? – Camila perguntou diretamente para ele.

Ele soltou uma risada debochada, antes de responder.

- Eu sou o marido da Angélica, docinho. – os dois armários também estavam ao seu lado.

Aquele cara nos olhava com malicia.

- Já que pegou a minha mulher, acho que tenho todo direito de pegar a sua. – soltou uma risadinha. – Quem sabe não podemos nos divertir um pouco. Não é, docinho?

Ele olhou para Camila com o olhar carregado de segundas intenções e eu a coloquei atrás de mim, segurando firme em sua mão, dessa vez sem me intimidar pela forma que ele nos encarava.

 

 

Fim do capítulo