Lentamente a claridade do dia invadiu o apartamento, iluminando as malas já prontas aos pés da cama. Lutando contra a sua própria vontade, Laura esboçou levantar, mas foi presa em um abraço da ainda semiadormecida Sam.

- Está cedo ainda – resmungou. – Cadê meu café?

Laura apenas sorriu. Virou-se, deu um beijo em sua testa, respirou profundamente junto ao pescoço da loira. Sentiu os braços que a envolviam a apertarem.

- Hum! Assim fica difícil sair da cama – foi ainda mais apertada. – E de fazer o seu café... – como mágica, foi libertada imediatamente.

Saiu da cama rindo. Tropeçou na mala e para não cair, foi tentando se equilibrar até se bater contra a parede do banheiro.

- Mala nojenta! Se jogou na minha frente – resmungou irritada.

Nem olhou para a cama onde Sam gargalhava até as lágrimas. Lágrimas que logo já não eram de hilaridade...

- Mala nojenta... – repetiu baixinho.

Quando Laura saiu do banheiro, Sam já não estava na cama. Ouviu barulho na cozinha e foi para lá.

- Café completo, por favor. Odeio comida de avião – brincou enquanto abraçava Sam por trás e beijava sua nuca.

- Ai, ai... – suspirou. – Desse jeito você não vai pegar avião nenhum hoje, grandona!

- Quem disse que eu quero? – perguntou virando a loira para um abraço. Notou os olhos marejados, que faziam os verdes dos olhos ficarem parecidos com um lago na floresta. – Mas você é linda de qualquer jeito!

Sam se recostou no seu peito, soluçando baixinho.

- Você tem mesmo que ir, né? – perguntou pela enésima vez.

Laura a puxou para si, esticando o braço para desligar o fogo.

- Namorar no fogão pode ser perigoso – disse, batendo a mão no roupão de Sam que estava meio chamuscado. – Uau! Eu sabia que era quente, mas não a esse ponto! – brincou. Sam riu e limpou os olhos ao mesmo tempo.

- Vou ter que melhorar o meu seguro... Só me dá prejuízo!

Aproveitaram que tinham ainda um bom tempo, já que o voo de Laura sairia no começo da tarde, para conversarem, namorarem.

Sam contou histórias de sua infância, das brigas que tinha com a molecada na

rua, da falta de relacionamento com seu pai, que se escondeu no trabalho quando sua mãe morreu. Laura quis ver uma foto dela e Sam pegou sua carteira, onde guardava uma.

- Oxe! Como não está aqui? – estranhou, tirando tudo o que tinha lá dentro. –

Esta foto nunca saiu daqui...

Laura pegou uma outra foto que achou ali, espalhada no sofá junto com os documentos, cartões, dinheiro...

- Uh! Foto nossa! Que linda! – tinham tirado aquela foto no dia que levaram os sobrinhos de Laura na praia.

- Verdade, eu valorizei a foto – Sam comentou falsamente distraída, enquanto revirava a bolsa. – Que coisa de louco! Onde será que deixei?

***

Ao meio dia Letícia e Gilberto chegaram para buscar a filha, que insistia para Sam não a acompanhar ao aeroporto.

- Se você for eu vou chorar a viagem inteira... – argumentou Laura, já se esforçando para se conter.

- Se eu não for, vai demorar uma hora e meia a mais pra te ver de novo... – contra argumentou Sam.

Enquanto Gilberto descia com a mala, Letícia cutucou:

- Demorou cinco anos pra ela voltar da última vez que foi embora chorando daqui... E quando voltou nem veio matar a saudade da família. Preferiu ficar...

- Mãe! – Laura a interrompeu zangada. – Quer me esperar lá embaixo, já estou descendo.

- Não vai demorar, hein. O avião não te espera... – olhou para Sam profundamente. – Saudade dói... – comentou antes de sair e fechar a porta atrás de si.

No elevador, pegou sua bolsa, abriu-a e retirou a carteira de dentro. Olhou no pequeno espelho que ficava abaixo do fecho e com a ponta da unha, puxou um papel que havia ali embaixo... Olhou demoradamente para o rosto ali impresso.

- Saudade dói demais... – suspirou fechando a carteira e a jogando novamente na bolsa.

***

Depois de alguns minutos, as duas desceram de mãos dadas e entraram no banco traseiro do carro.

- Se você não fosse tão chata, Letícia, eu ia estar cinquenta reais mais rico agora. Sabia que a loira ia levar ela no bico – Gilberto comentou rindo.

- Hunf! Apostas... – resmungou. – Você se concentra ai e dirige, que se for feito lesma igual veio, a gente não chega hoje no aeroporto.

- Implicante!

- Careca!

Alheias às picuinhas dos dois no banco da frente, as duas estavam abraçadas, respirando o mais próximo possível da pele da outra, como se tentassem guardar todas as nuances, cheiro, calor, textura, sabor...

- Eu vou por óculos escuro pra olhar no retrovisor – brincou Gilberto. Mas só

Letícia o ouviu. E olhou para ele com uma significativa sobrancelha levantada. – Aff!

Quando chegaram no aeroporto, Gilberto e Letícia foram na frente, levando a mala. Enquanto as duas caminhavam abraçadas.

- Despedidas são foda, né! – Laura comentou.

- Lau...

- Hum?

- Você... Vai voltar mesmo, não é? – Sam tinha parado e confrontava os olhos azuis.

- Prometo, Sam. Eu vou só levar o tempo necessário pra encerrar tudo e logo volto.

- Lau, eu... Confio em você, sabe disto, não sabe?

- Sei sim. E não se preocupe, meu amor. Eu não vou te decepcionar... – selou a promessa feita entre seus olhares com um abraço apertado, destes que não dá pra saber qual coração é que se sente.

- E quando você voltar...

- Ai a gente vê como vai fazer, se vou ser sua assistente, ou se te carrego comigo pro meio do sertão, pros países vizinhos...

Sam riu.

- Estou pensando é no duelo com tua mãe. “Larga ela forasteira, a filha é minha”,”mas a mulher é minha” – imitava golpe de espadas enquanto interpretava o diálogo com a sogra.

Como se adivinhasse, ou ouvisse, nesse momento Letícia virou para trás e encarou Sam com um olhar enigmático. Mais um para a coleção que tanto intrigava as duas namoradas.

- Sabe que às vezes mainha me assusta com essas olhadas pra você, né?  

- O que eu posso fazer se não consigo controlar meu encanto? As mulheres da família Sanchez são muito atraídas por mim.

- Oxe! Papo mais besta!

- Larga mão de ser ciumenta, Lau. Sua mãe só estava olhando se eu não estava amassando sua roupinha. Ou se você pegou a lancheira – provocou.

Assim, entre brincadeiras e algumas lágrimas disfarçadas, o horário de partir chegou. Laura se despediu e caminhou de costas... Até tropeçar no penúltimo passageiro e o derrubar. Ela o ajudou a levantar com um sorriso amarelo, pedindo desculpas...

Olhou uma última vez para trás e deu um último aceno antes de partir. Com a firme intenção de estar de volta naquele aeroporto no mês seguinte.

Assim, como se pudesse impedir a mão do destino de agir por conta própria.

Fim do capítulo