Capítulo 44
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 44
Daniela encontrou-se com as amigas na praça e embarcaram no carro ainda sem saber qual o destino tomariam.
-- Não estou entendendo, Dani. A Roberta não esteve no hospital e nem no funeral? Aonde se meteu essa criatura? -- perguntou Bianca.
-- Não tenho certeza, Bianca, mas que tal começarmos pela fazenda do vô Timóteo?
-- Será que a Roberta fez isso? No lugar dela teria passado primeiro no hospital.
-- Eu também, porém, Roberta tinha contas a acertar com o passado. Talvez por isso seu coração a tenha guiado até a fazenda.
Daniela ligou o ar-condicionado, ajeitou-se no banco e fixou os olhos na estrada. Estava um dia muito quente, com a temperatura acima dos 38°.
A estrada que levava a fazenda de Timóteo era de terra batida e florestada densamente em ambos os lados. Daniela apertou as mãos no volante, tentando controlar o carro da melhor maneira possível.
Erva-mate, milho e trigais, plantados na encosta das montanhas, exibiam um verde viçoso e rico que se misturavam com muros de pedra, casas de fazenda e velhos celeiros de pequenos agricultores.
-- Essa estrada está precisando de um trato, né Dani? -- o carro sacolejava fazendo Bianca balançar.
-- A estrada e muitas outras coisas. A empresa cresceu, trouxe empregos, mas percebi que os pequenos agricultores e a agricultura familiar, estão abandonados a própria sorte.
Logo chegaram a fazenda dos Pauly. Daniela olhou rapidamente na direção da propriedade. A casa que já tinha sido o lar e a fortaleza de uma família feliz e unida, já não existia. Em seu lugar, havia um amontoado de escombros, ruínas.
-- Você lembra, Bianca? Da poesia: A Saudade da Pátria e da Infância, de Cassimiro de Abreu? -- Daniela perguntou com certa tristeza.
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
-- Esse é só um trecho, mas transmite muito do que estou sentindo.
A fazenda dos Pauly ficou para trás e a estrada tornou-se menos esburacada, apesar de ainda apresentar muitas subidas e descidas, ao longo da margem do rio.
-- Caramba! É terra que não acaba mais -- disse Bianca, inclinando-se em todas as direções para enxergar melhor.
À distância, os raios brilhantes e amarelos do sol iluminaram a imponente Vargas S.A.
-- A empresa fica entre as duas fazendas?
-- Por isso a nossa fazenda e a fazenda do vovô, eram tão importantes para eles.
A estrada seguia costeando a propriedade dos Vargas. Por trás dos altos muros, a estrutura de concreto e vidro brilhava sob os raios do sol.
-- Mesmo impedidos de crescerem para os lados, eles construíram uma gigantesca empresa, não é mesmo? -- disse Bianca, maravilhada com a visão.
-- Passando por cima dos pobres agricultores da região -- Luiza espreguiçou-se esticando os braços para cima -- Falta muito?
-- Estamos chegando -- Daniela deu uma rápida olhada no espelho retrovisor, ligou o pisca-pisca e entrou a direita. Dentro de poucos minutos parou diante do casarão do vô Timóteo.
-- Que triste! -- Luiza foi a primeira a sair do carro -- Gostava muito do seu Timóteo.
-- Vovô era um cara legal, pena ter expulsado a Roberta de casa -- Daniela falou com uma pontada de mágoa em sua voz -- Mas, agora não adianta ficarmos lamentando o que passou, imagino como deve ter sido difícil para ele também.
-- Ser lésbica já não é fácil, mas ser lésbica numa cidade pequena é ainda mais difícil. Aqui todo mundo se conhece, todos sabem quem são os seus pais, os seus irmãos, onde estuda ou onde trabalha -- Bianca encostou-se no carro e ficou olhando para a casa.
-- Aqui todos tem tempo para ficar comentando sobre a sua vida. Ainda bem que a Roberta não se deixou abater e usou a discriminação para se tornar mais forte. Ela nunca deixou de ser ela mesma só porque alguém falou ou comentou, sobre ela.
Daniela e as amigas entraram no casarão e encontraram Roberta sentada no sofá com um porta-retratos na mão. Seu olhar saudoso percorria a foto até fixar-se na face jovial do pai. A foto era antiga, mas as lembranças do dia em que foi tirada, estavam tão nítidas em sua memória, que parecia ontem.
Roberta assim que sentiu a presença delas, levantou os olhos e sorriu.
-- Papai pediu perdão... e eu o perdoei -- uma lágrima caiu no canto do olho -- Ele aprendeu que "amor com amor se paga". Isso curou minhas antigas feridas.
Daniela olhou ao redor.
-- Vovô está aqui? -- com uma voz hesitante, perguntou a Roberta.
-- Ele está lá na cozinha preparando o café. Disse que ia preparar qualquer coisa para comermos. Mas, você sabe, ele é incapaz de fritar um ovo.
Bianca e Luiza estavam pálidas. Daniela engoliu em seco e sentou-se ao lado de Roberta no sofá.
-- Beta, o vovô faleceu ontem -- ela falou calmamente e um estranho silêncio pairou no ar por alguns segundos.
Roberta olhou para a porta da cozinha, depois de volta para Daniela.
-- Impossível, eu até lhe presenteei com um chapéu de peão -- a veterinária se levantou -- Vou falar com ele...
-- Roberta...
Ela fez um gesto tranquilizador para a sobrinha.
-- Tudo bem -- Roberta entrou na cozinha, Daniela a seguiu.
As duas pararam diante da mesa preparada para o café. O chapéu de peão colocado cuidadosamente no cabideiro.
Daniela chamou Bianca e Luiza e as duas apareceram na entrada da cozinha.
-- Sentem-se. Vamos tomar o café que o meu vovozinho preparou!
E foi a partir desse momento que Daniela surpreendeu-se recordando vivências através das quais podia ver os traços de bondade que existiam no rosto de Timóteo. Sentiu muita paz quando percebeu que perdoar era uma forma muito nobre de amar.
No velório.
Roberta ficou em silêncio enquanto seu olhar percorria o caixão, até fixar-se no crucifixo que estava na parede, e fechou os olhos em oração.
Vó Dinda contou que Timóteo não gostava muito de falar sobre o passado. Para ele, não deveria ser fácil admitir que estava arrependido, mas o sofrimento estava estampado em cada ruga de seu rosto.
Yasmin olhou o relógio e pulou da cadeira.
-- Não pensei que fosse tão tarde -- desculpou-se -- Vocês estão liberados.
Os fornecedores se levantaram e saíram da sala de reunião satisfeitos com as propostas apresentadas pela nova comandante da Vargas. A empresa precisava deles para manterem a produção em dia e, eles precisavam da Vargas para sobreviverem a crise do mercado nacional.
-- Eu ajudo a senhora -- ofereceu-se Mari, levantando-se também.
Mari era a nova secretária de Yasmin. Uma trintona agradável, dona de uns olhos azuis maravilhosos e um rosto bonito. Eficiente, inteligente, bom caráter. Ela tinha as qualidades que Yasmin desejava em uma secretária.
-- Por favor, Mari. Me chame apenas de Yasmin -- pediu com um sorriso simpático enquanto arrumava suas coisas sobre a mesa -- Quero apenas que você guarde esses papéis em meu escritório. Vou embora daqui mesmo -- pegou a bolsa e ajeitou no ombro -- Prometi a Débora que passaria a noite no apartamento dela.
-- Pode deixar comigo senhora Var... Desculpa... Yasmin -- Mari pediu sem jeito.
Yasmin riu e Mari riu junto.
-- Vou indo. Meus bebês já estão reclamando -- ela disse passando a mão pela barriga -- Nem nasceram e já são mimados e birrentos.
-- Boa noite, Yasmin!
-- Boa noite, Mari!
Seguindo Yasmin em direção ao elevador, tirou da cabeça facilmente todos os problemas relacionados a empresa e tentou concentrar-se na ideia de que faltava pouco tempo para o nascimento dos gêmeos. Estava ansiosa e muito feliz.
Mas, quando chegou no saguão, Yasmin viu imediatamente a sua felicidade indo embora.
-- Era só o que me faltava -- resmungou balançando a cabeça -- O que faz aqui Anita?
A matriarca dos Vargas, calmamente, levantou-se da poltrona, mas manteve os olhos fixos em Yasmin.
-- Boa noite, Yasmin. Vim até aqui para falar com você -- disse Anita com uma risada tensa.
-- Então, aqui estou eu. Pode falar.
-- Preferia que fosse em um outro lugar -- o olhar de Anita continuava fixo em Yasmin -- Tem uma cafeteria aqui perto -- finalmente seus olhos desviaram em direção a porta de vidro.
-- Como você conseguiu?
-- Consegui o quê? -- o olhar voltou-se rapidamente para o de Yasmin.
-- Superar o que aconteceu com Luiz? Não sei como consegue continuar com esse sorriso na cara, sabendo que o seu filho morreu por sua causa.
Anita abaixou os olhos por um instante.
-- Não foi culpa minha.
-- Eu conheço você, Anita. Passei os últimos anos convivendo com sua família. Sei de tudo que você é capaz por causa do poder.
Anita ergueu os olhos novamente e sacudiu os ombros.
-- Não vim aqui para falar sobre Luiz -- disse ela, balançando a mão para mostrar a empresa -- Mas, droga, Yasmin, isso tudo pertence aos Vargas. Você sabe disso.
-- E continua pertencendo. Não continua? -- perguntou ela pensativamente -- Ou a Daniela não é uma Vargas? -- calmamente, ela disse.
Anita apoiou os dois braços na parede, balançou a cabeça e disse:
-- Pedro vai ser preso, ou quem sabe até morto. Você não vai fazer nada para impedir que isso aconteça? Você deveria se sentir péssima, afinal ele é o pai do seu filho -- Anita tonteou e Yasmin a segurou -- Obrigada. Eu me sinto melhor. Inclinou o corpo e encostou-se na parede.
-- Me sinto -- admitiu Yasmin -- Pelos meus filhos. Mas, droga, como posso perdoá-lo? Como posso conseguir fazer isso depois de tudo o que ele fez comigo e com a Dani?
-- Seus filhos? -- Anita olhou para ela surpresa. Não sabia que Yasmin estava grávida de gêmeos -- É mais que uma criança?
Yasmin balançou a cabeça lentamente.
-- Sim, são duas crianças.
-- Já sabe o sex*?
-- Ainda não -- disse Yasmin carrancuda, sem sorrir e mostrando não estar nem um pouco à vontade.
-- Você não poderá impedir que eu...
Anita começou, mas Yasmin interrompeu asperamente:
-- Com certeza, Anita, você não veio até aqui para falar sobre os bebês. Desembucha, logo!
-- Você é ótima em dizer isso, hein Yasmin? -- disse, sem conseguir evitar um sorriso irônico -- Tens razão.
-- Chega de ficar olhando para esses papéis -- disse Vó Dinda, com seu sotaque caipira -- O jantar está pronto e a mesa já está arrumada.
Daniela sacudiu a cabeça, fazendo seus cabelos loiros caírem sobre o rosto.
-- Está bem, não precisa ficar brava! -- concordou, sorrindo.
-- Obedeça à sua avó -- disse Bianca, frente a frente com um enorme prato com galinha caipira ensopada, aipim, sopa, carne assada e polenta. Tudo preparado pelas mãos angelicais da querida vovó Dinda -- Será que um dia eu vou amar alguém na mesma proporção que eu amo galinha ensopada?
-- Sente-se aí, menina -- ordenou a vó.
-- A Yasmin adoraria essa galinha ensopada -- disse Daniela, sorrindo -- Vó Dinda, o que a galinha faz quando está com febre?
-- Sei lá...
-- Bota ovo cozido.
-- Caso estivesse aqui, a Yasmin devoraria tudo em minutos. Ela parece o come-come do Jogo Pacman, lembra, Dani?
-- Lógico que lembro, Bianca! O Pacman ficava em um labirinto cheios de inimigos.
-- Coisa antiga isso, eu hein? -- Luiza resmungou e jogou os cabelos para trás -- Eu jogo Destiny: O Rei dos Possuídos.
-- Credo menina! -- vó Dinda fez o sinal da cruz -- Isso não é coisa de Deus.
-- A vó tem razão, Luiza -- Daniela também fez o sinal da cruz -- Ela deveria jogar o Baleia Azul, né vó?
-- Esse, me parece bem melhor -- disse a idosa ingenuamente.
Risos.
-- Na minha época não tinha baleia-azul... era vaca amarela. E o único perigo era comer a bosta dela -- disse Roberta sorrindo -- Desculpe, escapou.
-- Bem que você gostava, né Dani? Agora fica me esnobando só porque conheceu a rainha dos comprimidos.
-- Me identificava com pessoas problemáticas -- Daniela sorriu para Luiza com carinho -- Gata, falando sério, a sua vida está cheia de problemas, você levou sorte em livrar-se de mais um.
-- Quem é essa rainha dos comprimidos que a Luiza está falando?
Daniela olhou para Roberta. Sem saber se falava, ou não, a verdade.
-- Ela se chama Yasmin -- disse Roberta -- É uma longa história mãe. Que tal se deixarmos para amanhã? Hoje estamos todos cansados, foi um dia cheio de fortes emoções.
-- Você tem razão, minha filha -- A idosa levantou-se -- Vou limpar a mesa.
-- De jeito nenhum! Jamais permitirei que depois de tudo, a senhora ainda faça esse serviço -- Daniela abraçou e beijou os cabelos brancos da vó Dinda.
-- Obrigada, minha neta.
-- A Bianca e a Luiza é que vão fazer.
-- Essa mulher só pode ser louca -- disse Paula, indignada -- Imagina, procurar você para pedir uma coisa dessas?
-- É minha mãe, mas eta mulherzinha, cara de pau! -- Matias pegou um petisco que Vinícius lhe ofereceu -- Já estamos casados querido, portanto, não há mais necessidade de me impressionar fazendo essas comidas maravilhosas.
Vinícius jogou um beijo para ele.
-- A propósito -- continuou Matias -- Você escorraçou a minha mãe lá da empresa, não é mesmo?
Yasmin se manteve em silêncio.
-- Yasmin? -- Paula Olhou-a nos olhos e ergueu as sobrancelhas com aquele jeito de quem esperava por uma resposta nada agradável.
Caso tenha alguma pendência, você deve praticar o perdão, o pedido de perdão e o arrependimento. Por exemplo, supondo que se trate de um espírito que, em vida, nos fez muito mal, e após a morte ainda nos persegue. Perdoe esse espírito do mal que ele te causou, e diga que ele está livre para ir. No caso do espírito ser alguém que, em vida, foi maltratado por nós, peça perdão pelo que você fez, e diga-lhe que se arrepende de seus atos. Caso você não consiga perdoar e não se arrependa dos seus atos, encerre o exercício, pois não é possível se realizar esse experimento quando ainda guardamos mágoas, ódio, ou qualquer sentimento negativo diante daquela pessoa. Em suma, diga a ele o que gostaria de dizer, sempre tomando por base o perdão, o arrependimento e o autoperdão. Seja um pedido de perdão ao espírito, seja perdoando o espírito pelo mal que fez a você, seja perdoando a si mesmo pelo mal que praticou. Se você perceber que o espírito o acusa ou ataca de alguma forma, projete nele energias de amor, perdão, e envolva-o em luz.
Créditos:
https://hugolapa.wordpress.com/2014/01/24/encaminhando-espiritos/
Fim do capítulo
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NovaAqui
Em: 30/04/2017
Vandinha!
O que esse remédio de verme quer com Yasmin? Espero que essa mãe louca não tente alguma coisa ruim
Que bom que eles se perdoaram
Estava com saudades dessa doidinha
Abraços fraternos procês!
Resposta do autor:
Olá NovaAqui. Tudo bem?
Anita não desiste nunca.
Beijos. Paz e Luz.
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Mille
Em: 29/04/2017
Ola Vandinha
Saudade dessa turma ;)
Anita é uma cobra e creio que deve ter proposto um absurdo a Yasmim.
Dani matando a saudades da avó, da cidade o tempo que passou com a família e amigos.
Bjus e até o próximo
Resposta do autor:
Oi Mille.
Voltando pra ficar.
Beijos, minha querida.
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