Achei que a minha Bah fosse cometer três assassinatos ali diante daquela cena na sala, o meu, o da Anna e o do tal Beto. Eu sabia que a portuguesinha ia aproveitar a nossa ausência, eu só não sabia que seria tanto.

Mas ainda bem que a Bah me convenceu a ir até a casa dela na volta da viagem. Acho que se eu não estivesse lá naquele momento pra acalmar os ânimos a coisa ficaria bem pior, principalmente para o peladão.

Eu passei o resto do domingo tentando fazer o "meio de campo" entre a Bah e a Anna, mas acho que não tive muito sucesso, oh mulher cabeça dura essa minha. A coisa só não foi pior porque o almoço foi no Alê e depois elas vieram aqui pra casa.

No fim da noite, Anna aproveitou o banho da mãe para deitar com a cabeça no meu colo no sofá e desabafar um pouco:

– Cléo, você não acha que a mamãe exagerou um pouco? Poxa, eu sou maior de idade, me tirar os cartões e o carro tudo bem, mas ficar sem sair por um mês? Me sinto uma pré-adolescente. – ela disse resmungando.

– Pois olha que coincidência mocinha, você agiu como uma! Vocês namoram tem 3 meses e você já o enfiou dentro da sua casa sem a sua mãe ao menos o conhecer. Ela pegou foi leve com você. Se é minha filha, ia ficar sem tudo o que ficou e sem celular também. – respondi brava, mas fazendo cafuné.

– Ah mãe, a gente tinha bebido e acabou se empolgando. Eu jamais iria querer que a minha mãe descobrisse assim. Eu estava feliz porque a gente tinha decidido contar oficialmente, sabe? Mas eu fiz tudo errado não foi? – ela disse entre soluços.

– Você me chamou de mãe, é isso mesmo? – eu sorri. – Não faz tempestade em copo de água não. Sua outra mãe é agreste e digamos que você cutucou a onça com vara curta. Deixe a poeira abaixar e marcamos um almoço aqui em casa para que o rapaz se apresente, vestido desta vez.

– Ai... que vergonha nossa. – ela disse ensaiando um sorriso e cobrindo o rosto com as mãos. – É, mais pelo que vi a coisa também não ficou muito boa pra você não. Você não contou mesmo a ela, não é?

– Claro que não. – respondi. – Eu prometi a você. Mas agora vou ter que "rebol*r" pra fazer a minha noiva relaxar comigo de novo. Mulher é um bicho muito complicado minha filha querida.

A jovem finalmente relaxou no meu colo. Foi um dia duro e inesquecível para ela. Mas eu tinha certeza que daqui há uns anos nós iríamos rir de tudo aquilo.

– Pois é, dona Cléo, te vira com a mamãe agreste agora. – Anna disse sorrindo. – Mas brigada por ser a melhor amiga desse mundo.

Ela levantou e me deu um abraço forte e sincero. Eu sabia que ali estava selando um dos laços mais importantes e duradouros da minha vida. Anna adormeceu em meus braços e eu a ajeitei no sofá mesmo, cobrindo-a e depositando em sua bochecha um beijo de boa noite.

Chegando no quarto, encontrei a Bah de "bico" assistindo " O guarda-costas".

– Vendo um dos clássicos sem mim, amor? Que coisa feia. – fingi irritação.

– Te procurei depois do banho e te vi conversando com a Anna, aquela pirralha além de me aprontar uma daquela ainda roubou o colo da minha noiva no fim do domingo, brincadeira, né? Mas achei melhor não atrapalhar. Então vi um pouco de desenho com o Ju até ele dormir e estava zapeando na TV até encontrar esse filme aqui que nunca vi até o final. – ela me disse aparentando cansaço e um leve mau humor.

– Nunca? Que desperdício, vamos resolver isso agora mesmo. Sabia que até rabugenta você fica encantadora? Já conversamos sobre o lance da Anna, dê tempo ao tempo e ficará tudo bem. Ah... meu colo tá super disponível agora. A senhorita ainda está interessada? – disse deixando minha voz um pouco mais doce.

– Com essa sua voz ai não dá vontade de ver filme nenhum. Impressionante como você me faz esquecer tudo de ruim e focar só em você. Eu te amo demais, minha Cléo. – ela disse me puxando pra cama.

– A cada dia que passa eu amo mais você, Minha Bah. – respondi no intervalo de beijos que recebi.

E assim terminou o nosso fim de semana intenso. Cheio de beijo, abraço, carinho, risada, cafuné. Dizem que a felicidade está nas pequenas coisas, pois bem, a minha estava ali, nos braços da minha amada.

Os dias seguiram normais, fora o lance de nos casarmos no período de um ano. Eu disse isso muito sério, mas fiquei com a impressão de que a Bah levou na brincadeira porque ela não falou mais no assunto.

No trabalho que as coisas não andavam muito bem e eu não sabia porquê. Na verdade, eu desconfiava, mas não quis acreditar.

Sabe como é empresa grande, né? Sempre um querendo puxar o tapete do outro. Desde que assumi a presidência os índices têm sido positivos. Mas é a primeira vez desde a fundação que uma mulher ocupava o cargo e isso gerou desconforto para algumas pessoas de altos cargos da empresa.

Além disso, desde que meu namoro começou a Bah fez questão de deixar claro pra empresa inteira que éramos um casal e até abusava um pouco do cargo de acionista para me proteger, como da vez que desmarcou uma reunião importante para que eu tirasse a sexta de folga.

Com essa brecha o conselho passou a questionar se o meu envolvimento amoroso com uma acionista não estaria comprometendo os interesses da empresa. No fundo era um machismo e um preconceito dos mais podres. Mas tudo muito bem velado.

Descobri com detalhes num almoço com Rui, grande amigo meu desde que eu entrei na empresa. Segundo ele mesmo, ele morria de amores por mim, mas como não lhe dei bola ele preferiu casar e ter 3 filhos com outra mulher, rs... ele era um amor.

Nos conselhos que Rui me deu, pediu para que eu estivesse atenta a todo e qualquer detalhe, pois estavam querendo a minha cabeça, era só eu vacilar.

– Clarice, será que não seria melhor abrir mão desse namoro e preservar o seu cargo? Porr*, você alcançou um lugar que todo mundo quer, seria besteira te tirarem do cargo assim. – ele disse enquanto tomávamos um chopp na frente da empresa.

– Tá, então porque eu sou mulher e alcancei a presidência da empresa e sou noiva de uma outra mulher que é uma das grandes acionistas de lá, os velhos machistas do conselho querem a minha cabeça? Pois que venham pra cima de mim. Não abro mão das coisas que acredito, tenho muito orgulho do que sou e do que vivo com a minha futura esposa. Dinheiro nenhum paga isso não, meu amigo. – disse a ele enquanto pedia a "saideira" pro garçom.

Aquilo tudo ficou martelando na minha cabeça. Eu sempre vou achar um absurdo a maneira pela qual algumas pessoas acham que podem "doutrinar" as outras segundo seus contextos e percepções.

Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que falar sobre isso com a Bah, mas ela já andava tão estressada com o sócio do escritório que fiquei com receio dela perder a mão com tudo.

Eu precisava dela do meu lado, sóbria e segura da nossa postura profissional e pessoal. Só precisava aguardar o momento certo e torcer pra ela que ela não soubesse dessa fofoquinha baixa nos corredores da empresa.

Anna acabou de me ligar e perguntou sobre um possível churrasco no fim de semana, pra Bah conhecer o Beto. Eu já havia oferecido, lembra? E eles fizeram questão de providenciar tudo. Eu achei ótimo. Faltava só avisar a Bárbara, ah... e isso ficou sob minha responsabilidade. A Anna só aprontava pra mim, oh portuguesinha ligeira.

Estávamos caminhando na praia no sábado a noite, quando ela puxou assunto:

– Amor, você passou a semana toda quase calada, parece triste. É alguma coisa com a gente? Com o trabalho? Com o Ju ou com a sua mãe? Sei lá, me deixe ajudar, me corta o coração te ver assim. – ela disse fazendo carinho na minha mão.

– Eita, quantas opções, rs... tá tudo bem, linda. Só estou cansada mesmo. As vezes queria tirar férias de mim e ser outra pessoa. Sabe? – respondi descansando minha cabeça no seu ombro.

– Desde que essa outra pessoa continuasse sendo a minha noiva linda eu nem ia me importar. – ela respondeu docemente.

– Mas é muito charmosa essa minha mulher. Por isso que eu te amo tanto. – suspirei – Ah Amor, Anna está organizando um almoço lá em casa amanhã pra gente conhecer oficialmente o Beto. Tudo bem?

– Aff, sério isso? Não sei se é uma boa ideia. Não começou bem, tende a não terminar bem. – ela resmungou.

– A gente também não começou do jeito certo. Quer dizer que temos uma tendência a não terminarmos bem? Já me avisa agora que eu paro de ver as coisas do nosso casamento. – pirracei pra cima dela.

– Nã... nã... não, Cléo, é diferente, é que... que... tá bom, você venceu vou desarmar em relação ao namorado da Anna e ver onde isso vai dar. – ela respondeu conformada.

Tomei minha noiva num beijo doce e calmo, eu só queria que ela soubesse que eu estaria ali ao lado dela, independente dos desafios que teríamos pela frente para enfrentar.

Fim do capítulo