Liz: Era impossível duvidar diante da mulher abraçada a mim, que ali se tratava de outra pessoa que não fosse minha irmã. Há dias vinha pensando sobre essa confusão acerca do desaparecimento e suposta morte de Lara. Era muito suspeita a verificação dos fatos através do advogado de nosso pai e eu tinha medo de confirmar minhas desconfianças, pois meu pai passaria de um covarde que se escondia atrás do preconceito, para um homem sem caráter, capaz de provocar tanto sofrimento em nome dessa covardia. -- Me perdoa, por favor. Se eu tivesse uma mínima desconfiança que fosse, te procuraria por todos os cantos. – Planejava ser forte quando nos encontrássemos, para analisar a situação com calma, mas frente a frente com Lara, as coisas tomaram uma proporção diferente, tudo que eu queria era falar sobre o que aconteceu, fazê-la entender que eu já não era aquela garota imatura que desejou sua morte anos atrás. - Não sabe o quanto me torturei pensando que você tinha morrido abandonada, sem o apoio de ninguém. -- Calma meu bem. Eu estou aqui. – Me abraçava forte. -- Promete que não vai embora, que isso tudo é real. Eu não aguentaria acordar amanhã e descobrir que minha irmã continua em alguma cova rasa no fim do mundo. -- Liz, amor. Vamos para casa, vocês precisam conversar e o saguão do aeroporto não é o melhor lugar. – Kelly falou chamando nossa atenção. - Vocês ficam lá em casa? -- Não. – Denise respondeu – Ficaremos num hotel perto da Vibe’s. Vocês podem nos dar uma carona até lá? Precisamos fazer o check-in, deixar as malas. -- Mas, eu falei que vocês poderiam ficar na nossa casa, não precisavam de hotel, pensei que teríamos tempo para nos conhecer Lara! -- Teremos, mas por enquanto é melhor cada uma ter o seu canto. Quem sabe depois? Ficarei aqui alguns dias, nos veremos bastante, tudo que quero é matar a saudades de uma vida inteira sem minha irmã. -- Levamos vocês ao hotel e esperamos que tomem um banho, se não se importarem. Nossa diarista preparou um jantar de boas-vindas a meu pedido. -- Ela sempre usa essa carinha de gato de botas quando quer convencer as pessoas a fazer algo? – Lara me perguntou. -- Sempre. É a arma secreta que ela usa para me fazer de gato e sapato, mas eu amo essa ruivinha! Ao estacionar Lara nos dispensou, alegando que chegaria em nossa casa de taxi depois de se acomodarem no hotel. -- Vocês deixam o endereço e depois pegamos um taxi, não é justo com Anne ficar a nossa espera. Ela, assim como nós, deve estar cansada da viagem, precisando de uma ducha. -- Não custa nada esperar... -- Vamos Liz. As meninas precisam se preparar com calma. Além disso Lara tem razão, Anne também precisa descansar da viagem. - Kelly ponderou- Deixa te passar nosso endereço. Fomos para casa de Anne. Admiti a contragosto que Lara tinha razão, não seria justo .com minha cunhada fazê-la esperar. XXXXXXXXXXXXXXXX Lara: -- Você bem que podia ter convidado a ruiva pra vir aqui com a gente. -- Deixa de ser sem vergonha Dê, pensa que eu não te vi secando a mulher no saguão, acho que até ela percebeu. -- Vai dizer que não a achou linda? - perguntou. -- E sexy. Não é uma mulher que passa despercebida. -- Mas teu coração, já está ocupado... -- Você vai para o banho primeiro ou eu vou? - Claro que percebi sobre o que ela estava falando, mas preferi me fazer de desentendida e não entrar no assunto "Ashley", sabia que cedo ou tarde nos encontrarìamos, mas por enquanto pretendo focar em Liz. Denise foi se preparar para irmos á casa de minha irmã e eu fiquei esperando. Diante da sacada do quarto de hotel lembrei de dias atrás quando Denise questionou meus sentimentos em relação a Ashley, porque para mim foi tão fácil perdoar Liz e não conseguia procurar a morena, na hora não pude responder, mas agora, vendo a cidade e pensando na distância tão pequena que nos separa, sei que o tempo fez bastante diferença. Com Ashley as coisas ainda estão recentes. Dói lembrar aquela noite quando decidi falar sobre mim, poderia me calar e ter uma noite de sex* casual, mas ela era especial e senti necessidade de ser sincera. Jamais imaginei uma carga de preconceito tão grande vindo de alguém que parecia tão livre de tabus, além do mais, eu vi desejo em seus olhos e foi tão carinhosa. Ingenuamente pensei que contar minha vida seria o primeiro passo para construirmos algo especial, mas ela me lembrou da forma mais dolorosa, como algumas pessoas ainda conseguem ser tão cruéis em relação ao diferente, mesmo formando parte de uma minoria. XXXXXXXXXXXXX -- Por que eu nunca soube dessa tua irmã? - Anne perguntou à cunhada. -- É uma longa e complicada história. Anos de equivoco que só teve fim com a participação de Ash. Vem pra casa conosco e te contamos tudo. - Liz convidou, mas a morena recusou. Sabendo do convite para que Lara e Denise se hospedassem com a irmã e cunhada, Anne pediu a Kelly para providenciar uma diarista que organizasse o apartamento do Café Vila. -- Vou ficar no meu cantinho, aproveito para matar as saudades de casa. Vejo vocês amanhã cedo. - Beijou a cabeça da irmã e afagou os cabelos de Liz, todavia antes que a ruiva menor arrancasse com o carro fez a pergunta que sufocou desde a hora que colocou os pés na saguão do aeroporto. - Ela está com alguém?-- Anne... -- Tudo bem. Boa noite meninas! Kelly imaginou que a irmã tivesse superando o passado, se sentiu secretamente feliz diante da não citação da morena durante o encontro no aeroporto até a chegada em casa, pois suspeitou que Ash já não nutria o mesmo sentimento pela irmã, percebeu nos olhos dela por duas vezes. Adorava a morena, mas Anne era sua irmã e não gostaria de vê-lá se humilhando por um amor que a fotógrafa parecia não sentir mais. XXXXXXXXXXXXX -- Mais tranquila agora amor? - Liz estava na cozinha fazendo um molho de maracujá para regar o salmão grelhado quando Kelly a abraçou por trás, depositando beijos em sua nuca. Lara e Denise já estavam a caminho e o porteiro de sobreaviso. -- Não. - Segurou os braços da nova e estreitou o abraço. - Acha que ela irá gostar de mim? -- Quem não? - Risos. -- Essa amiga dela, acho que conheço de algum lugar. -- Desde que não seja uma ex peguete, tudo lindo. - Fingiu ciúme. -- Tão boba você, mas eu te amo mesmo assim. Kelly fazia diminuir o peso do momento e Liz agradecia tê-la ao lado. A campainha tocou e as noivas foram receber as visitantes, mais uma vez Liz se emocionou diante de Lara que também não conteve a emoção por estar com a da irmã. -- Obrigada por me deixar participar de tua vida, isso significa muito para mim. - Denise que acompanhou toda a trajetória da amiga, não conseguiu se conter, conhecia o valor do gesto de Liz. Para a castanha aquilo poderia até ser alguma espécie de redenção, mas para a cantora era algo maior, durante muito tempo ansiou pelo amor da outra e o mínimo sinal de que a gêmea poderia amá-lá de volta trazia novas cores à sua vida. As quatro mulheres jantaram entre conversas sobre o estúdio, a boate, Kelly deu algumas dicas financeiras a Denise, de quem Liz lembrou como a trapezista que acabou ser tornando o motivo pelo qual Lara estava diante dela naquele momento. -- Quando insistia tanto para que fosse naquele circo nosso pai jamais imaginaria que vocês significaram tanto uma para a outra. - Já sentadas na sala de estar - Eu posso te dar um abraço? - Mesmo encabulada Denise concordou - Obrigada por cuidar dela, por ser a irmã que eu não fui, nem sei se um dia poderei agradecer por você ter permanecido junto de Lara. -- Não precisa agradecer. Eu amo muito a tua irmã. E pode acreditar, ela fez muito mais por mim. - Denise olhou a amiga de forma carinhosa por sobre o ombro de Liz. -- Eu tenho tanta coisa pra falar. Ainda não acredito que é você aqui. - se desvencilhou de Denise e foi ate Lara. -- Eu também quero te explicar o que acontecia comigo, pedir desculpas pela minha conduta no dia que sai de casa. Imagino que devem ter se sentido lesados, principalmente você e nossa mãe. Lara contou à irmã como se sentia desde a infância ate o dia em que encontrou coragem para sair de casa, falou de Laura, do relacionamento com Beth, da morte de sua musa e o acidente de Denise, que motivou sua volta para casa em busca da herança do avô para a cirurgia na bacia da amiga e como ela viveu se escondendo do pai por muito tempo. Liz contou sua versão da história, o assassinato que lhe marcou, busca por "Laura", a farsa de sua morte, a descoberta da bissexualidade do pai e os anos de remorso por ter abandonado a irmã. Através do depoimento Lara pode entender sobre a relutância da gêmea em acreditar na palavra de Ashley. Kelly contou sobre a possibilidade que levantaram sobre um exame de DNA nos momentos de hesitação. A cantora aceitou fazer o teste sem pestanejar, porém Liz descartou a ideia. Não havia mais dúvidas em seu coração. Foi uma noite esclarecedora não apenas para as gêmeas, depois de abrirem os corações, cada uma pode entender o que passava na cabeça da outra e se reconhecer como mulheres e irmãs que na vida cometeram erros e acertos, mas no fim prevaleceu o amor. Estavam mais que prontas para recomeçar. XXXXXXXXXX Ashley: Hanna e eu estávamos no shopping procurando algo para presentear Kelly. Pensei num relógio já que a ruivinha é colecionadora. Até chegarmos ali, havíamos percorrido algumas lojas, porém nada que nos agradasse como aquele kit de relógio analógico com mostrador azul, banhado a ouro branco. Depois de adquirir o item saímos em busca de um lugar para almoçar, quando a baixinha me surpreendeu com uma ideia pouco comum para ela. -- Vamos comer por aqui mesmo, estou a fim de um almoço bem calórico, Xtudo e refri. -- Seu desejo é uma ordem, mademoiselle! Fiz uma reverência exagerada e fui até o atendente pedir as iguarias, ao voltar me surpreendi com a mulher que cumprimentava Hanna com um abraço, mesmo de costas e com visual tão diferente eu a reconheceria em meio a uma multidão. Anne estava ainda mais linda do que conseguia lembrar. Não imaginei que sua presença ainda poderia me deixar abalada, mas deixou. -- Oi Ash!

Fim do capítulo