Ação e Reação por Alex B
Capítulo Único - Parte II
Acordei com a claridade que atravessava as cortinas. Meu relógio biológico dizia ser por volta das seis horas da manhã. Era sempre esse horário que Sarah levantava para se arrumar para o trabalho e eu acordava junto. Me virei na cama procurando por seu corpo para me aconchegar e começar meu dia olhando naquela imensidão verde que eram seus olhos, mas encontrei nada.
Apenas o travesseiro gelado assim como o lençol do seu lado que estava frio.
Sentei na cama confusa. Ela havia ido embora sem se despedir? Reparei que o lençol era em um tom de rosa claro. Sarah sempre teve essa excentricidade por usar apenas lençóis brancos.
Foi então que a realidade me atingiu.
Sarah não estava em casa. Não tem estado por quase três semanas agora. Dois dias depois que saiu de casa eu fui às compras e adquiri lençóis de várias cores. Era o meu ato de libertação.
Ao menos, foi o que eu tinha pensado que estava fazendo.
Os dias foram passando e sua ausência se tornou incômoda. Se eu conseguisse ser sincera comigo neste momento, diria que sua ausência estava se tornando insuportável.
Mexi em meus cabelos, cocei os olhos e suspirei. Hoje eu assinaria o divórcio. Uma decisão que eu havia tomado depois de muito pensar. Não fora uma escolha impulsiva. Era o melhor para nós. Era o melhor para mim.
Levantei e fui ao banheiro tomar meu banho matinal. Depois, já com o roupão, fui até o closet. Metade dele estava vazio. Eu ainda não havia mexido em nada, era Sarah quem tinha muitas roupas, as minhas estavam confortavelmente organizadas na minha parte. Mas especialmente hoje, aquele vazio me deixava com um aperto no coração.
Talvez hoje, a sua falta esteja me afetando tanto, porque deixará de ser uma situação temporária para firmar-se como uma situação permanente.
E doía pensar nisso.
Doía pensar que nossa história estava se encaminhando para o fim.
Peguei na mão uma blusa de manga cumprida xadrez azul. Não era minha. Eu sabia que Sarah havia deixado de propósito, eu sempre usava aquela sua blusa. Levei ao meu rosto e tentei sentir seu cheiro. Mesmo que fraco, ainda estava ali.
Terminei de me arrumar e desci para o café da manhã. Esperei Anna servir meu suco de laranja.
- Bom dia, Olívia.
- Bom dia, Anna.
Anna nos acompanhou desde quando mudamos para essa casa. Uma senhora de meia idade que tratávamos mais como da família do que outra coisa. Peguei uma torrada e passei geleia de amora. Olhei para a mesa e vi que a garrafa de café estava lá.
- Anna, já lhe disse que não precisa fazer mais café. Apenas Sarah gostava.
Ela me olhou com pesar antes de recolher a garrafa.
- Dona Olívia, eu poderia fazer uma pergunta?
- Claro. O que foi? – Perguntei tomando um pouco do suco.
- É hoje que irão assinar o divórcio?
- Sim, logo após o almoço.
Ela assentiu e fez menção de que iria se retirar. Antes que chegasse na cozinha eu falei.
- Sarah e eu... não estava dando certo mais. Ela estava vivendo para a empresa e eu... eu não consigo mais suportar isso. Então, enquanto ainda há respeito, o divórcio foi o melhor caminho.
Anna parou no meio do caminho, virou-se para mim e disse com a voz suave.
- Minha avó dizia sempre para mim e meus primos. Onde há amor, há uma segunda chance.
- Eu dei muitas chances a Sarah! Ela não mudou... é como se estivesse longe por muito tempo. Tempo demais.
Anna sorriu para mim.
- Talvez ela não queira mais estar longe.
Eu a observei seguir seu caminho para a cozinha. Anna adorava Sarah. Isso provavelmente não a deixava perceber que aquele relacionamento não estava mais fazendo bem para nenhuma da duas. Terminei meu suco e me levantei. Eu ainda tinha que trabalhar.
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Um frio cortante dominava o campus da Columbia University. Todo ano, nessa época, a cidade de New York era tomada por neve e um frio de congelar o próprio inferno. Meu casaco falhava miseravelmente em sua função de me manter aquecida, por essa razão, após muita insistência, eu usava por cima o sobretudo de Sarah.
Isso a deixava apenas com uma blusa de manga comprida. A cena chegava a ser ridícula. Eu com tanto casaco, mal conseguindo andar pela grossura dos mesmos e Sarah apenas com seus jeans e blusa, naquele ar gélido.
- Sah, pegue seu casaco. Você está, claramente, passando frio.
- Não precisa e já estamos chegando na sua casa. Não se preocupe comigo.
Eu bufei levemente frustrada. Fazia dois meses que estávamos juntas como um casal e Sarah, assim como foi em nossa amizade, sempre me colocava a frente de suas próprias necessidade. De certa forma acabava me incomodando, pois eu também me importava com ela.
Após mais quinze minutos de caminhada chegamos ao meu apartamento. De bom grado, fomos recebidas pelo ar quente e aconchegante. Pendurei nossos casacos enquanto Sarah me aguardava.
- Você sempre deixa o aquecedor ligado? – Perguntou. Me virei e peguei em seu braço, entrelaçando-os e nos guiando na direção da cozinha.
- Em dias como esses sim.
Sarah sentou em uma cadeira da mesa que fica na cozinha. Abracei-a por trás e beijei sua bochecha.
- Aceita chá para tomarmos? Ou prefere chocolate-quente?
- Huum... – Ela entrelaçou nossos dedos. – Você não tem café?
Eu dei uma leve risada antes de responder.
- Preciso comprar urgentemente uma cafeteira. Minha namorada é uma viciada em cafeína. – Dei um selinho antes de me afastar. – Vou ao apartamento de Emma pegar a dela emprestado e já volto. – Ela se levantou assim que terminei de falar.
- Não precisa, Ollie. Só vai dar trabalho. Eu aceito o chocolate-quente.
- Não custa nada. Emma está em casa nesse horário. Já volto.
Sarah ainda suspirou contrariada. Mandei um beijo no ar antes de sair do apartamento. Emma era minha amiga e vizinha desde o começo da faculdade. Nos demos bem logo de cara e desde então saiamos juntas e ficávamos no apartamento uma da outra. Estávamos, inclusive, considerando dividir um apartamento para reduzir nossos gastos. Emma já dividia o apartamento, mas a menina iria trancar a faculdade e voltar para a cidade natal.
Bati duas vezes na porta e ouvi a voz de Emma pedindo para aguardar um momento. Logo mais a porta foi aberta.
- Hey, você! – Fui recebida por um sorriso e um abraço.
- Yep, eu mesma. – Sorri. – Vim pedir um favor, você me empresta sua cafeteira?
Ela me deu um olhar safado antes de responder.
- Sarah está no seu apartamento?
- Está. – Respondi e tinha certeza que havia corado. Emma riu.
- Entre aqui, vou pegar.
Entrei no apartamento e a acompanhei até a cozinha.
- Anny não está aqui? – Perguntei por sua colega de apartamento.
- Não. A última mensagem que me mandou falava que estava presa na secretaria do curso.
- Entendi.
- Então... Sarah irá passar a noite no seu apartamento? – Ela se encostou no balcão e cruzou os braços, seu sorriso permanecia no rosto.
- Não sei... Provavelmente. Não temos aula amanhã, minha aula de sábado foi cancelada.
- Esse namoro está cada vez mais sério hein.
- Sempre foi sério. Sarah... ela é incrível. – Sorri.
- E você está mais do que apaixonada! Seus olhos se iluminam com porcarias de estrelas toda vez que fala dela.
Sorri tímida, colocando meu cabelo atrás da orelha. Era verdade, eu estava mais do que apaixonada por Sarah. Emma pegou a cafeteira e me entregou juntamente com o que era preciso para preparar o café.
- Não tenha pressa em devolver. Fique com ela no fim de semana ou até quando Sarah estiver aí.
- Obrigada, Emma!
- Não há de quê. Precisando é só dar um toque. Agora se não se importa. Vou me arrumar e sair a procura de alguém para passar o meu fim de semana.
- Irá sair nesse frio? – Perguntei surpresa.
- Claro! Hoje é sexta-feira e não sei se percebeu, diferentemente de você, eu não tenho alguém, portanto, irei à caçada.
- Bem, nesse caso, boa sorte!
- Não preciso de sorte, sou suficientemente gostosa! – Falou indignada.
- E convencida. – Completei rindo sendo acompanhada por ela.
Assim que retornei ao meu apartamento encontrei Sarah no meio da sala segurando meu livro aberto em suas mãos. Ela se virou para mim.
- To Kill a Mockinbird?* Eu li esse livro no meu segundo ano. (* N/A: Nome em português: O Sol é para Todos)
- Sim, é um dos clássicos obrigatórios no Ensino Médio e meu trabalho da semana. Tenho que fazer uma resenha dele contextualizando com o período atual nas questões do racismo e injustiças.
- Vou querer ler sua resenha depois.
- Não sei se será algo interessante para se ler.
Ela se aproximou de mim.
- Tudo que você escreve é interessante.
Colocou a mão em meu rosto fazendo uma carícia e em seguida me puxou para um beijo. Não resisti com o tanto de carinho que aquele beijo transmitia e acabei suspirando por me sentir tão amada por ela.
Separamos nossos lábios e sorrimos.
- Vou preparar seu café. – Ela assentiu e me acompanhou de volta a cozinha.
Depois de um tempo estávamos as duas envoltas de almofadas e uma coberta no tapete da minha sala. Eu com meu chocolate quente e Sarah com seu café puro. Assistíamos a um filme qualquer que passava na TV. O filme era dispensável. O que era importante ali era a companhia.
Sarah me deixou aconchegar em seu corpo, me abraçava enquanto bebericávamos nossas bebidas e conversávamos sobre diversos assuntos. Nossas conversas sempre fluíram com muita facilidade, assim como meu riso que era fácil em sua presença.
Não demorou para que a TV ficasse esquecida e nossas bebidas fossem deixadas de lado para dar lugar a beijos quentes e sussurros que apenas nós compreendíamos. Uma noite cheia de paixão e promessas de um amor.
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Estacionei meu carro no lugar reservado aos professores. Desliguei e observei o prédio a minha frente. Sua arquitetura imponente. Era uma escola de prestígio, onde filhos de pessoas importante estudavam.
Emma havia conseguido essa vaga para mim. Sorri ao pensar em minha amiga de longa data e quem tem sido meu suporte nesse momento difícil de minha vida.
O movimento de alunos já estava intenso. Peguei minha pasta no banco do motorista e assim que desci do carro já fui cumprimentada pelos alunos que passavam próximo. Sorri em retribuição. Eles traziam alegria aos meus dias tristes.
O sinal tocou indicando que havia cinco minutos para todos estarem na sala, inclusive eu, o que me fez perceber que estava em cima da hora. Apertei o passo.
Assim que cheguei na sala, dei bom dia e ouvi o coro em resposta.
- Muito bem, pessoal! Todos terminaram de ler Hamlet?
Ouvi algumas respostas afirmativas, outras vacilantes e outros alunos desviaram do meu olhar. Ah, alunos, alunos!
- Bom, vamos ver se leram mesmo. – Comecei a andar por entre eles. – Alguém se habilita para começar a exposição do que entendeu da obra?
Alguns alunos levantaram a mão. Olhei para eles. Apesar de pouco tempo com a turma eu já conseguia identificar particularidades de cada um. Andei mais um pouco e observei Robert, um menino alto e magro que sentava no fundo da sala. Era tímido, mas eu já havia lido seus textos e sabia que precisava de um pequeno incentivo para descobrir seu próprio potencial. Ele não havia levantado a mão.
- Robert, se não se importa, poderia começar a exposição para a turma?
Seus ombros se encolheram e ele apertou a caneta que segurava. Olhou para mim como que suplicando para que eu mudasse de ideia. Sorri para encoraja-lo e indiquei a frente da sala. Ele pegou sua folha e suspirou, caminhando até a lousa.
Sentei em uma cadeira vazia e fiquei atenta a sua apresentação. No começo foi um pouco evasiva e confusa, perdido um pouco em suas próprias palavras e timidez, mas em determinado momento ele se livrou das amarras do nervosismo e deu vazão ao seu entusiasmo, ainda que contido, sobre a obra. Foi uma bela apresentação e uma pequena conquista pessoal para mim. Algo do qual adoraria compartilhar com Sarah.
Meu sorriso se desfez ao me dar conta que não a encontraria em casa hoje. Nem hoje e em nenhum dia futuramente. Disfarcei o que sentia e continuei minha aula.
Após a segunda aula eu tinha um horário vago até a seguinte. Por conta disso resolvi passar esse tempo na sala dos professores. Estando lá, permiti relembrar meus momentos com Sarah. Eu sabia que o dia todo seria assim, então deixei que as memórias viessem à tona.
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Apertei a campainha de casa. Sarah estava ao meu lado ajeitando seu sobretudo cor preto e sua touca cinza na cabeça. Suas mãos, envoltas em luvas amarelas, estavam inquietas enquanto seguravam as sacolas de presentes. Eu havia dado aquelas luvas a ela como uma brincadeira dizendo que eram seu presente de natal, eram luvas cujo adjetivo que facilmente a descreviam seria... Brega. No entanto, Sarah era uma pessoa tão simples que ficou sinceramente contente com o presente, e completou dizendo que amarelo era a cor favorita de sua avó. Eu quase não consegui segurar minhas lágrimas diante de seu gesto puro.
Esse ano passaríamos o primeiro natal juntas com minha família e Sarah tem estado inquieta desde então.
- Amor, não precisa ficar nervosa. Você já conhece minha família, não há nada de novo. – Tentei conforta-la.
- Eu sei, Ollie. Só que é Natal. É uma data importante. Tem certeza que sua mãe vai gostar do casaco que compramos?
- Ela vai amar, fique tranquila, querida. – Falei sorrindo e acariciando seu rosto.
Foi nesse momento que a porta se abriu revelando a figura masculina de minha família. Meu pai estava com um sorriso contagiante.
- Finalmente as mocinhas chegaram!
Ele logo puxou Sarah para um abraço apertado mal dando tempo para a coitada respirar, em um legítimo abraço de urso. Assim que soltou minha namorada foi minha vez de receber o carinho de meses acumulado devido a distância da faculdade.
- Vocês estão lindas! Mas venham, entrem logo, saiam desse frio! – Falou pegando as malas da minha mão.
- Obrigada, papai! – Passei por ele e esperei por Sarah.
- O senhor também está muito elegante.
- Ora, achei que tivesse deixado claro da última vez que poderia me chamar apenas pelo nome, Sarah.
Observei as bochechas de minha namorada ganharem uma tonalidade de vermelho a mais e não era devido ao frio.
- Tem razão, George. Me desculpe.
Mal penduramos nossos casacos e minha irmã, agora com seus recém completados dezesseis anos, apareceu na sala.
- Sarah!! – Chelsea foi abraça-la. – Quanto tempo sem vir aqui.
- Pois é, a faculdade sempre aperta final de semestre.
Logo depois foi a vez da minha mãe nos recepcionar com muitos abraços e beijos. Foi uma noite cheia de conversas e risadas. Eu estava feliz por Sarah estar ao meu lado e por minha família se dar tão bem com ela. Apesar da insegurança da minha namorada, todos gostaram de seus respectivos presentes.
Após a ceia, troca de presentes e uma conversa casual perto da lareira, eu e Sarah subimos para meu quarto. Sentei na beira da cama enquanto tirava meus sapatos. Sarah foi até a mala e tirou um envelope de lá. Sentou ao meu lado e me entregou o envelope.
- Seu presente de natal, amor! – Falou sorrindo.
Eu peguei curiosa para saber o que era. Assim que abri dois ingressos do musical O Fantasma da Ópera caíram em minhas mãos. Eu quase não acreditei no que estava vendo. Eram ingressos com lugares excelentes e eu havia comentado com Sarah em como eu tinha vontade de assistir havia tempos, fascinada pelos espetáculos que aconteciam na Broadway.
- Sarah eles são... – Eu ia dizer que eram caros. Extremamente caros devido aos lugares. E eu não queria nem pensar em como ela fez para paga-los. Mas assim que olhei em seus olhos, vi sua expectativa com minha reação, sua felicidade contida para que eu gostasse do presente, o brilho no seu olhar. – Incríveis. Eu nem sei o que dizer. – Puxei ela para mais perto de mim. – Obrigada, amor! Eu amei. – Aproveitei e beijei-a.
- Minha felicidade é ver você feliz. Farei de tudo sempre para lhe dar o melhor. – Suspirou - Talvez, nesse momento, eu não tenha muitas condições, mas um dia eu vou ter e lhe darei a vida que merece.
Segurei seu rosto perto do meu, juntando nossas testas e deixando nossos lábios próximos.
- Eu só preciso de você para ser feliz. Entenda isso.
Beijei-a novamente para que entendesse que falei sério, a única capaz de me fazer feliz e me sentir completa era Sarah. Ela era minha outra metade. Me dar conta disso não foi assustador como pensei que seria. Na verdade, foi libertador.
Afastei-me um pouco e sorri ao olhar para seus olhos verdes. Eles eram minha perdição.
- Agora. – Falei me levantando. – Sua vez de receber o presente de natal. – Sarah fez cara de confusa.
- Você já me deu.
- Ahh Amor! Não achou mesmo que seu presente eram as luvas? – Não esperei resposta. – Seu presente é este.
Tirei da mala uma caixa de veludo azul escuro e a entreguei. Sarah pegou me olhou relutante.
- Abra. – Incentivei-a.
Ela abriu e foi revelado um colar com um pingente de coração médio. Era algo bem delicado, mas o mais importante não era isso.
- Se eu fosse você eu abriria o pingente.
Ela assentiu e o abriu em sua mão. Em um lado do coração havia uma foto de sua avó, no outro uma foto bem antiga da mãe de Sarah segurando-a quando era apenas um bebê.
- Ollie... Eu... Meu Deus! - Algumas lágrimas escaparam de seus olhos. Eu calmamente as enxuguei e fiz um carinho em sua bochecha. – É lindo! Eu... Nossa... significa muito para mim.
- Pensei que gostaria de levá-las sempre com você.
- Obrigada, amor! De verdade.
Eu sorri e ela me deu um beijo. Passamos o resto da noite de natal uma nos braços da outra. Como era pra ser.
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O sinal tocou anunciando aos alunos que minha aula começaria logo. Era a última que daria no dia. Os alunos do primeiro ano foram chegando e assim que o segundo sinal tocou eu avisei que daria uma atividade em grupo e pedi para que formassem com até 4 pessoas. Distribui as folhas e expliquei o que deveriam fazer. Logo depois sentei em minha mesa e aguardei que terminassem.
Quando me dei conta já estava em meu carro dirigindo para casa. Assim que cheguei Anna já me esperava com o almoço pronto. Pedi para que servisse dentro de 15 minutos e subi para meu quarto.
Deixei minha pasta do serviço na cômoda e tirei meus sapatos. Caminhei até um porta-retrato que tinha e o peguei em minhas mãos. Sarah me abraçava e tinha um sorriso que cobria seu rosto. Minha mão estava em seu rosto e eu ria de olhos fechados. Era uma foto espontânea que tínhamos tirado. Ela havia falado alguma bobeira que não me lembrava, e minha intenção era fazê-la parar de falar pois eu já não aguentava mais rir.
- Eu estou tentando não te amar. Por que é tão difícil?
Falei para o porta-retrato.
Fechei meus olhos e deixei que uma lágrima escapasse.
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Eu estava sentada na cama, terminava de ler um clássico da literatura irlandesa, O Retrato de Dorian Gray pela terceira vez. Escutei o barulho da porta principal abrir. Fechei o livro e olhei o relógio ao lado da cama.
23:47
Pela quarta vez naquela semana Sarah estava me decepcionando. Escutei seus passos subindo as escadas, ela tentava não fazer barulho, mas sem sucesso. Abriu a porta do quarto devagar.
- Hey! Oi, amor! Não sabia que ainda estava acordada.
- Estava te esperando.
Ela deixou a pasta que carregava em cima da cômoda. Sentou na cama e tirou o sapato de salto alto que usava. Virou-se para mim e engatinhou até ficar próxima.
- Eu avisei que ia chegar tarde hoje. Tive que revisar o contrato que vamos fechar com uma fornecedora de Ohio, depois acabei perdendo a hora vendo o novo projeto de Marketing.
Ela inclinou o corpo para me beijar, mas eu desviei. Aquilo doía tanto em mim.
- Não, Sarah. Você não avisou que ia chegar tarde hoje. – Olhei-a.
- Eu te liguei no almoço. Pensei que havia te falado.
Eu continuei em silêncio. Ela me olhou com sua cara de desculpas.
- Eu tinha que revisar aquele contrato antes de vir embora. Me desculpe por não avisar.
Geralmente eu não resistia e a perdoava, mas Sarah tem feito tanto isso, que suas desculpas não têm sido o bastante. Não mais.
Eu apenas dei de ombros e peguei novamente o livro.
- Prioridades, certo? Devia ser um contrato muito importante, mais importante que ficar comigo.
Ela franziu as sobrancelhas.
- Nada é mais importante que você, Ollie. - Ela segurou minha mão. – Eu conheço essa blusa. – Riu referindo-se a sua blusa azul xadrez. – Sempre achei que ficava melhor em você mesmo.
- Vá tomar seu banho. – Quebrei o contato de nossas mãos.
Eu pude ver certa dor em seus olhos.
Os meus deixavam transparecer decepção. Ela suspirou derrotada e se levantou indo ao banheiro.
Estávamos por um triz e ela não conseguia ver.
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- Parece que o trabalho se tornou mais importante.
Falei novamente sozinha, olhando nossa foto.
Por diversas vezes eu sentia inveja de sua empresa, que a tinha sempre enquanto eu a esperava sozinha em casa. A secretária passava tanto tempo com minha mulher que eu tinha medo de que soubesse mais sobre Sarah do que eu mesma sabia.
Sarah foi aos poucos se afastando de mim, e eu não consegui impedir. Eu não conseguia lembrar em qual momento específico tudo começou a ruir. Acredito que foi algo que se acumulou durante o tempo e quando percebemos já era tarde.
O sentimento de me sentir deixada de lado por minha esposa era dilacerante. De me sentir sempre em segundo plano. De não me sentir mais amada como um dia eu já fui.
Era doloroso.
Mas eu me lembrava da última vez em que dei sua segunda chance.
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O Calor que fazia estava me obrigando a tomar um banho no meio da tarde. E foi justamente nesse momento que meu celular, o qual deixei em cima da cama, resolveu tocar. Imaginando que fosse Sarah decidi sair do banho para atentar. Um pouco atrapalhada, consegui sair do banheiro em nosso quarto e alcancei o celular antes que a pessoa do outro lado da linha desistisse da ligação.
- Alô? – Falei um pouco ofegante.
- Diga que me ama.
Como atendi rápido não vi quem era na ligação. Afastei o celular e o nome “Fabulosa” estava na minha tela.
- Sabe que te amo, Emma. – Falei rindo. – Aconteceu algo?
- Sim. E você irá me pedir em casamento quando eu disser.
Dei uma risada triste apenas por ouvir a palavra ‘casamento’.
- Bem, me dê a notícia e veremos. – Falei.
- Lembra do cliente que comentei com você? Aquele que é diretor de um dos melhores colégios dessa cidade?
- Diretor da Manhattan High School?
- Esse mesmo. Pois bem, ano passado ele me procurou e eu montei o projeto arquitetônico do novo prédio da escola. Ele voltou ao meu escritório essa semana e acabamos firmando um contrato em definitivo com o colégio. Todas reformar ou construções futuras serão feitas a partir dos meus projetos.
- Emma!! Isso é ótimo! Incrível na verdade! – Falei feliz por ela.
- Sim, sim, eu sei! Mas esse não é o foco da minha conversa.
- Ah sim, ok. – Sorri.
- Preste atenção. Conversando com ele hoje sobre liderança, gerenciamento de equipe e essas coisas, ele me disse que estava com um problema no quadro de professores, pois o professor de literatura pediu demissão para acompanhar a esposa que iria se mudar para a Califórnia.
A essa altura meu coração já havia disparado.
- Pois bem, a oportunidade estava estampada na minha cara e eu não costumo perder nenhuma. Resumindo, você tem uma entrevista com ele amanhã cedo.
Eu estava em choque. Tanto que não conseguia falar.
- É nessa hora que você diz me amar, agradece aos céus por eu ser sua melhor amiga, dá seu grito histérico, essas coisas sabe?
- Emma!! Oh Meu Deus!! Eu não acredito. É sério isso?
- Claro que é, e eu sou lá de brincar com coisa séria? – Eu ia falar, mas em seguida ela mesma emendou. – Tá eu realmente brinco, mas nesse caso eu falei sério! Entenda que você ainda não está contratada, é uma entrevista. Mas eu tenho fé em você, sem contar que seu currículo é de dar inveja.
- Eu nem sei como agradecer, Emma! Isso é maravilhoso! Eu mal posso acreditar.
- Pois acredite. Agora fiquei aí na sua histeria que eu tenho um cliente para receber em dez minutos. Depois nos falamos. Beijos!
- Ok. Muito obrigada, Emma!! Beijos.
Desliguei a ligação e me joguei na cama gritando em felicidade.
Eu estava há tanto tempo querendo voltar a dar aula. O episódio da minha saída no meu antigo emprego havia, de certa forma, me traumatizado. Entretanto, nos últimos meses, eu estava realmente considerando voltar para a sala de aula. Essa entrevista era a chance que eu precisava.
No dia seguinte, na hora marcada eu estava no colégio. Apesar de um pouco nervosa, a entrevista foi super tranquila e me senti confiante. Devido a situação excepcional da proximidade do retorno das aulas, ele ficou de me dar uma resposta em três dias.
No entanto, assim que cheguei em casa meu telefone tocou. O próprio diretor havia me ligado para dizer que o emprego era meu. Eu definitivamente tive que me sentar para receber a notícia.
Meu impulso era de ligar para Sarah e contar a novidade. Mas me contive. Eu queria contar pessoalmente, sentir seus braços em um abraço após dar a notícia.
Por esse motivo resolvi organizar um jantar romântico. Havia tempos que não tínhamos um momento mais íntimo e senti na situação a chance ideal. Dispensei Anna e os demais empregados e eu mesma preparei o jantar. Fiz a comida predileta de Sarah e devido ao tempo curto acabei encomendando a sobremesa de um restaurante.
Preparei a mesa de jantar com velas e algumas pétalas de rosas porque eu mesma gostava desses detalhes. Eu me sentia tão feliz que por pouco eu não andava pulando.
Às 20:00 estava tudo pronto. Eu usava um vestido preto e salto alto. Havia feito um penteado diferente no cabelo e usado o perfume preferido de Sarah em mim. Ensaiei de diversas formas como daria a notícia e imaginei sua reação quando soubesse. Sarah sempre havia me incentivado e quando tive que sair do meu emprego eu tive certeza de que aquilo havia atingido tanto ela quanto me atingiu.
Sarah havia prometido parar de chegar tarde em casa, mas eu sabia que era ela perdia a noção do tempo quando estava concentrada. Por isso não me preocupei quando o relógio marcou 20:40.
Às 21:25 eu resolvi ligar para o seu celular, entretanto deu fora de área. Imaginei que estivesse sem bateria, portanto, liguei para seu escritório, mas caiu na secretária eletrônica. A secretária certamente já havia ido embora e Sarah não costumava atender telefonemas fora do expediente, apesar de sempre estar por lá.
Ainda assim, dei mais uma chance. Sentei-me na mesa e aguardei.
Quando o relógio marcou 22:40 as velas já haviam terminado de queimar. O que me deixou em uma escuridão na cozinha. Eu suspirei e segurei meu choro.
Às 23:10 minhas lágrimas já desciam livremente pelo meu rosto, borrando a maquiagem que fiz com tanto capricho. Levantei-me da mesa e segui para meu quarto. Algo dentro de mim mudou naquele instante. Eu havia tomado minha decisão.
Sarah chegou em casa 00:16. Eu não havia conseguido dormir pensando em mil coisas e ao mesmo tempo em nada. Acompanhei toda sua rotina em silêncio, ouvindo os sons até que ela se deitasse.
Senti sua hesitação em me abraçar ou não para dormir. Essa hesitação era comum e dependendo do dia ela tomava coragem e me abraçava na cintura encaixando seu rosto em meu pescoço para dormir. Hoje era um dia desses. Ela colocou devagar sua mão envolta de minha cintura e se aconchegou em mim.
Quando percebi que estava próxima, comuniquei-a da minha decisão.
- Sarah, eu quero o divórcio.
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Fazia trinta e oito minutos que eu estava dentro do carro observando o prédio a minha frente. Eu sabia que não haveria volta assim que eu entrasse no prédio para assinar os papéis do divórcio.
Mas eu não conseguia me mover.
Eu estava atrasada, no entanto era como se eu estivesse petrificada. Minhas mãos estavam no volante e eu via meu celular no banco do passageiro recebendo a terceira ligação do meu advogado.
Fechei meus olhos tentando ter um momento de paz.
Eu só queria voltar ao começo de tudo.
Só que eu não podia. A vida só segue um curso e é sempre para frente.
Desde o momento em que sai do carro até o momento em que me sentei na cadeira da sala, era como se eu estivesse no automático. O único momento de emoção que tive foi quando encarei aqueles olhos verdes e vi todo o sentimento que emanava deles. Eu sentia o mesmo.
Sarah me olhou durante todo o tempo e eu não conseguia retribuir seu olhar por mais de alguns segundos, pois, se o fizesse, eu sabia que iria fraquejar.
- Vocês...vocês podem nos deixar sozinhas por um minuto? – Senti uma eletricidade passar por todo meu corpo. O que ela estava fazendo?
- Sarah... – Falei na esperança de que não fizesse nada que tornasse aquele momento mais difícil para nós duas.
- É só por um minuto. – Senti sua súplica no pedido
Assenti para ela. Os advogados saíram da sala e eu observei os movimentos de Sarah.
- Eu só queria dizer que... Eu sinto muito. Por tudo.
Sarah tinha o dom de mexer comigo. Ela sempre teve esse dom. Desde o primeiro momento.
No entanto, tudo agora era tão diferente de antes.
- Me perdoe por fracassar naquilo que era mais importante na minha vida. Você.
- Agora é tarde para desculpas. – Falei com o pouco de voz que tinha.
- Eu sei... – suspirou. – Eu sei.
Observei ela assinar os papéis. Na minha cabeça eu via os momentos que passamos juntas, nossos risos, nossas alegrias, nossas lágrimas, dificuldades, superação, tudo até esse momento.
Esse momento que mudava tudo.
Mas, era tempo de mudar?
Sarah levantou-se e se aproximou de mim, depositando um leve beijo em minha testa acompanhado de um carinho.
- Seja feliz.
Minha mulher saiu da sala sem olhar para trás. Sem me dar a chance de me despedir daqueles olhos verdes que até então, me pertenciam.
Isso era injusto.
Todo esse momento era injusto.
Encarei os papéis a minha frente com a assinatura de Sarah.
Em um segundo podemos mudar o mundo. O nosso mundo. Eu sabia disso. Sabia que cabia a mim a decisão final.
Eu mal conseguia respirar. Eu só queria que Sarah me abraçasse e dissesse que tudo ia ficar bem.
Só que ela já havia ido embora.
Se você conhecesse o amor, deixaria ele ir embora?
Eu me levantei. Se eu estava sofrendo tanto com isso, algo não estava certo. Eu já não tinha mais certeza de nada. A única certeza que eu tinha era que precisava de Sarah. Porque eu ainda a amava. Porque quem merecia uma segunda chance agora era eu.
Sai da sala e corri até o elevador, passando pelos advogados que me olharam confusos. Se em dois segundos o elevador não abrisse eu desceria os 10 andares de escada se fosse preciso.
- Olívia. – Ouvi meu advogado me chamando e vindo em minha direção.
O elevador abriu as portas e eu entrei apertando o botão para que fechassem logo. Por pouco meu advogado não me impediu.
Encostei no fundo e sorri por um momento. Isso sim era o certo.
Demorou mais do que eu gostaria, mas consegui chegar ao Hall em tempo de ver Sarah sair pela porta principal.
Meu coração estava disparado.
Corri em sua direção rezando para que eu conseguisse alcança-la.
Empurrei as portas de vidro e a claridade do sol atingiu meus olhos no mesmo instante que gritei a pleno pulmões seu nome.
- Sarah!!
Assim que meus olhos se acostumaram com a claridade fui recepcionada pela imagem dela se virando para mim.
Sarah havia me escutado.
Ainda havia tempo para nós?
Fim do capítulo
Bom dia, Meninas!!
Assim como solicitado, esse capítulo trata da visão da Olivia sobre a situação.
Ele tem uma pegada diferente do primeiro capítulo e é bem maior, ainda assim, espero que gostem.
Minha ideia era ficar apenas com um capítulo, mas gostei de escrever esse até para dar uma ideia melhor do que a Sarah sentiu no anterior.
Comentem e digam o que acharam, toda opinião é bem-vinda!
Para minhas leitoras de With the Stars, logo mais estarei voltando com ela!
Um grande abraço!!
bjos
PS: Agora sim esse conto está finalizado kkk Sem mais capítulos.
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Suzi
Em: 12/04/2017
Emocionante demais, Lindo Lindo.
Todas que já passaram por uma separação em que ainda havia sentimentos demais sabem dar dimensão a este conto. Me perdi em pensamentos e recordações.
Dê uma delicadeza ímpar, um belo retrato.
Parabéns, amei cada frase.
Um abraço apertado,
Suzi
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Mille
Em: 12/04/2017
Olá Alex que alegria tê-la aqui e com a continuação
Como vi no primeiro capitulo havia amor entre elas, só que a Sarah tem que mudar deixar o trabalho e dar atenção a mulher. E ainda bem que a Olivia se deu essa chance de ser feliz, e não foi tarde.
Bjus, parabéns e até o próximo
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