Capítulo 27 - Acidentes de Percurso
Depois de três meses em meio aquele povo completamente apaixonado por plantas e bichos, era praticamente impossível não ter sido contagiada pelo entusiasmo coletivo, que surgia a cada nova trilha e a cada nova descoberta. De certa forma eu já nem detestava tanto aquele lugar, mas ainda mantinha todos os meus sentidos alertas, pois eu sabia muito bem o quanto aquele lugar poderia ser perigoso e tudo que eu menos precisava era perder mais alguém pra aquele lugar.
Tentava não demonstrar cansaço, mas Malu estava sempre atenta a tudo e a todos e em especial a mim, e já tinha notado que eu praticamente não parava mais no acampamento, saia com os meninos à noite e logo pela manhã com ela também. Acho até mesmo que ela percebeu certo temor em meus olhos em algumas situações, pois sempre perguntava e tentava saber mais sobre a minha vida ali, mas eu não estava preparada pra contar nada ainda, mas sei que uma hora eu teria que contar, mesmo porque não daria pra que eu protegesse todos e seria bom que eles também soubessem se defender.
Desespero, talvez não seja a palavra exata pra descrever o que senti quando ouvi os gritos de Malu no meio da mata, acho que por um momento eu senti todo meu mundo girar e quando corri pra onde ela estava e vi sangue, achei que meu mundo acabaria neste instante. Sei bem que não deveria ficar feliz, pois havia alguém machucado de verdade, mas o fato de não ser a minha doutora me causava um imenso alivio.
-O que aconteceu amor?
- Encontramos uma pequena picada na mata e resolvemos ver se achávamos algo interessante, mas Júlio acabou ficando com a perna presa em uma armadilha e eu fui ajudar e cai no meio de alguns espinhos.
Enquanto ela me explicava, Arthur que também estava próximo havia chegado e começamos a ajudar Júlio a liberar a perna da armadinha, uma coisa meio rudimentar, mas que na certa causaria muito estrago a um animal de pequeno porte que ficasse Preso. Apesar de aparentemente não ser algo tão grave ele sangrava bastante e a dor não permitia que caminhasse sem nossa ajuda. Malu estava meio em choque, mas tentava se manter firme pra dar força a Júlio. Usamos o material de primeiros socorros pra limpar os ferimentos e depois fomos pro acampamento, onde alguns dos rapazes que passaram a noite em campo ainda dormiam.
Apesar de não ser nada muito grave se ele permanecesse na mata as coisas poderiam complicar então Arthur decidiu que ele deveria voltar à cidade mais próxima do sítio e de lá decidiríamos o que fazer, pois apesar de termos imobilizado a perna dele e parecia sentir muita dor e poderia ter mesmo quebrado alguma coisa. O resto do grupo se reuniu e voltamos ao sítio, estávamos um pouco longe então foi uma caminhada extremamente cansativa, já era bem de tardezinha quando chegamos e eu levei Arthur, Malu e Júlio até o hospital da cidade.
Não era um hospital muito moderno nem nada, mas ao menos pra descobrir que além dos cortes ele ainda havia quebrado a perna não foi difícil. Depois de devidamente medicado o médico decidiu que seria bom que ele ficasse em observação aquela noite, já que na queda havia batido a cabeça. Ele estava inconsolável e tentava se mostrar forte, mas sabia que esse acidente o impediria de voltar a campo por um bom tempo.
-Me desculpe Malu!
Vi o olhar doce da minha doutora ao responder Júlio, como se fosse uma mãe ao conversar com um filho querido.
-Que isso rapaz, estávamos trabalhando e foi um acidente e se for analisar você me salvou de uma boa, só tenho mesmo que agradecer pelo cuidado que você tem quando vamos juntos a campo.
-Obrigado Malu. Mas e agora como será, precisaremos de alguém pra me substituir no período que eu não puder ir.
-Não se preocupe rapaz, Arthur te levará em casa amanhã assim que você tiver alta, um tempo com sua família irá ajudar a melhorar, mais rápido e na volta ele trás alguém pra dar uma ajudinha enquanto você descansa.
A medicação começou a fazer efeito e logo ele sentiu sono. Deixamos o quarto e ligamos pro povo que ficou no sítio, tiraríamos o dia seguinte de folga e Júlio e Arthur retornaria a cidade, e nos retornaríamos ao trabalho com cuidado redobrado, pois mais armadilhas como aquela poderiam surgir em nosso caminho e não gostaríamos de topar com mais surpresas desagradáveis, afinal meu coração não suportaria mais um susto daqueles, nem queria pensar no que faria se algo de mal acontecesse a minha doutora.
Decidimos ficar num hotel na cidadezinha mesmo, assim quando Júlio tivesse alta estaríamos por perto. Foi só quando chegamos ao hotel que o meu ritmo começou a desacelerar, notei que estava completamente suja de sangue e terra. Malu estava se recuperando do choque e foi tomar um banho, quase não conversamos desde aquele momento na mata.
-Amor vai tomar seu banho, você esta imundinha.
Ela disse com um sorriso tímido me tirando do torpor. Eu sentia a água em meu corpo, mas era como se minha mente estivesse completamente presa a um único momento, no qual eu encontrei Malu caída cheia de sangue. Como desejei que ela estivesse bem e todos os meus medos voltaram a surgir e mais uma vez eu senti ódio aquele lugar e se eu pudesse arrumaria minhas coisas naquele momento e a tiraria dali antes que algo pior viesse a acontecer. Deixei que as lágrimas que por muitos anos eu havia mantido presas em meu ser aflorassem e se misturasse a água que descia pelo ralo.
Tentei parecer tranqüila quando sai do banheiro usando apenas um robe, mas quando vi Malu deitada e constatei que o meu amor estava mesmo viva e segura a meu lado eu voltei a chorar e ela percebeu essas lágrimas.
-Amor o que foi? Ta sentindo alguma coisa?
Eu precisava de desesperadamente de seus braços me joguei na cama em busca de seu abraço, onde as lágrimas continuavam a cair sem que eu conseguisse dizer nada, ela percebeu que não adiantaria muito tentar conversar naquele momento e se limitou a me oferecer todo carinho que podia, acariciando meus cabelos e me mantendo firme em seus braços.
Deitamos e fiquei ali aninhada em seus braços parecendo uma criança, que soluçava ao chorar, e aquelas lágrimas pareciam queimar, pois o tempo que eu as havia mantido presas parecia tê-las deixado ainda mais ácidas e dolorosas. Chorei até adormecer naquele abraço sentindo seu cheiro e a ouvindo dizer que estava comigo e que eu poderia me acalmar. Malu era o meu mundo e que por alguns instantes eu corri o risco de perdê-la. Por quanto tempo a vida ainda brincaria daquela forma com meus sentimentos, até quando aquele lugar teria o poder de tirar as pessoas que eu amava de mim.
Fim do capítulo
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