– Natasha, me conta agora o que você fez com esse cachorro – Alex disse perdendo a calma. Não acreditava que a irmã havia sido capaz de ultrapassar os limites assim. – E que história é essa de panfletos? Onde você arrumou panfletos meus?

 – Eu vou te explicar e você pode me agradecer depois – Natasha disse com cinismo.

– Natasha! O Paçoca, o que você fez com ele?

– Nada! Eu só coloquei um spray relaxante no apartamento da Júlia. Um amigo veterinário me recomendou. Ele me garantiu que as pessoas costumam usar isso quando vão levar animais em viagens ou para terem uma noite de sono tranquila sem ninguém arranhando a porta. É totalmente homeopático, nenhum pelo desse imundo vai cair. E os panfletos eu mandei fazer um tempo atrás, você precisava de publicidade e eu só quis ajudar. Eu carrego os panfletos comigo e distribuo nas boates que eu toco. De onde você acha que seus clientes surgem?

– Como você colocou um spray na casa dela? – Alex perguntou exasperada, porém um pouco mais calma. Conhecia esse spray e sabia que não era tóxico, ela mesma já o recomendara em algumas ocasiões.

– Comprei um uniforme em uma loja de roupas esportivas no Brás e me identifiquei como colega de time na portaria. O porteiro me deixou subir e eu arrombei a porta com um grampo. A Júlia precisa se mudar para um prédio com um sistema de segurança melhor. No seu condomínio não tem um apartamento vazio? Você deveria conversar com ela sobre isso. São Paulo é uma cidade perigosa e nunca se sabe que tipos de malucos estão soltos por aí…

– Você tem ideia da besteira que você fez? Eu quase pedi exames de sangue para o cachorro. Ia submetê-lo a um procedimento estressante totalmente desnecessário.

– Sis, eu não sou idiota. Eu sabia que você cuidaria disso. O imundo só está sonolento, é óbvio que você percebeu isso. E além do mais eu tomei providências para que nada acontecesse com o pulguento. Caso você não saiba eu não sou exatamente uma fã do Instituto Royal.

– Que providências? Lara está metida nisso com você?

– É claro que não. Eu não arriscaria o emprego da menina. Como você pode dizer que é minha irmã e ainda assim achar que eu sou capaz de fazer algo que prejudicasse alguém que eu gosto ou algum desses peludos fedorentos? – Natasha perguntou ofendida.

– Você é incontrolável! Eu nunca sei o que esperar de você – Alex se defendeu com um pouco de culpa. Natasha era maluca, mas nunca havia feito nada que não fosse para o seu bem.

– Espere de mim alguma atitude para te ver feliz, pois é só isso que eu tenho feito – Natasha disse zangada. – E eu te conheço o suficiente para saber que você nunca será feliz se tiver que passar por cima do bem-estar de qualquer outro ser.

– Nat, me desculpa – Alex suspirou e se desculpou reconhecendo que pegara pesado com a irmã.

– Tudo bem, a gente conversa depois. Preciso me preparar para ir tocar.

– Nat – Alex chamou, mas a irmã já havia desligado.

A menina xingava baixinho quando Lara se aproximou com cautela e Alex lhe contou tudo o que havia acontecido.

– Posso dispensar o pessoal do laboratório? – Lara perguntou receosa, temendo uma explosão de Alex.

– Sim, por favor – Alex disse calmamente. Uma de suas qualidades como chefe era nunca descontar suas frustrações nas pessoas erradas. – Na verdade deixa que eu faço isso, pode ir para casa.

– Tudo bem, vá para casa também, você precisa descansar.

– Não, eu vou passar a noite aqui.

– Alex, você não precisa fazer isso. O Paçoca está bem, vá ao seu encontro com a Emma e amanhã explique o que aconteceu para Júlia, ela vai entender.

Alex perdeu a cor. Mais uma vez havia se esquecido completamente do encontro com Emma.

– Eu disse que cuidaria dele – Alex falou com a voz baixa. Sabia que desmarcar outra vez com Emma custaria muito caro, mas não podia desapontar Júlia. Prometeu que passaria a noite com Paçoca e faria isso. – Está tudo bem, pode ir. Até amanhã.

– O que você quer que eu diga para Natasha? – Lara perguntou demonstrando fidelidade com a chefe e Alex sentiu-se agradecida.

– Só tente mantê-la entretida, amanhã ela já vai ter se esquecido de que está brava comigo.

– Isso eu consigo fazer – Lara respondeu animada.

– Lah, eu sei que você está feliz, mas não crie expectativas. Eu amo a Natasha e ela é a melhor pessoa do mundo, mas também é muito intensa e movida pelo prazer. Eu gosto muito de você e odiaria te ver machucada.

– Não se preocupe comigo, eu sei o que Natasha pode me dar e o que ela não pode – Lara disse juntando suas coisas e guardando-as em sua bolsa. – Tenha uma boa noite. Deixei um pedaço de pizza para você na geladeira, use os talheres que estão na gaveta do meio. O Dr. Henrique chega em uma hora para cuidar dos cachorros em observação e a Dra. Nicole também vem olhar os dois gatinhos.

– Obrigada Lara, tenha uma boa noite.

– Ainda acho que você deveria ir para casa – Lara tentou uma última vez. – Com todo respeito, mas você está acabada.

– Obrigada por me lembrar disso – Alex riu diante da sinceridade da menina. – Vou aproveitar que estou aqui para conversar com os plantonistas sobre algumas questões de atendimento.

– Você quem sabe, chefe. Até amanhã, Alex. Coma a pizza.

– Pode deixar, obrigada.

Alex digitou uma mensagem desculpando-se com Emma e sentiu o estômago apertar. Não estava sendo justa com ela, mas prometera a Júlia que ficaria com Paçoca e mesmo sabendo que o cachorro não estava correndo nenhum risco, ela ainda assim queria ficar. O cachorro lhe trazia lembranças boas e de alguma maneira ela sentia-se conectada ao passado e a tudo que perdera.

Enviou também uma mensagem para Júlia a tranquilizando e ligou a TV para acompanhar o jogo. Os comentaristas falavam sobre os rendimentos de Júlia e a elogiavam, Alex não soube explicar, mas sentia algo parecido com ciúmes quando os comentários deixavam de ser sobre o jogo e passavam a ser sobre a beleza de Júlia.

– Babacas – Alex desligou a TV quando o jogo acabou com a vitória do Brasil. Um dos comentaristas não parava de dizer o quanto os olhos de Júlia também deveriam ser considerados parte da vitória.

No dia seguinte Alex sentia o corpo moído. No meio da noite Paçoca abandonara a caminha improvisada e tratou de se ajeitar no colchão ao lado de Alex. A veterinária lembrou-se de quando ele e Shoyu eram apenas filhotes e ela os mantinha escondidos em seu quarto.

– Você cresceu muito, garotão – Alex bocejou e fez carinho no cachorro que reagiu animado. – Nem parece aquela pequena bolinha de pelo que eu levei para casa. Muita coisa mudou desde então, não é mesmo?

Paçoca olhava com interesse para a garota e parecia entender o que ela dizia.

– Vamos ligar para sua mãe, ela deve estar preocupada com você – Alex levantou-se do colchão e se espreguiçou. Enquanto discava o número de Júlia no celular, ouviu um barulho na porta, pensou que fosse Lara abrindo a loja e não se preocupou.

– Alex?

– Emma? – Alex se assustou e desligou o telefone após chamar duas vezes. Depois do bolo da última noite não esperava que a garota a procurasse novamente.

– Desculpa entrar assim. Eu bati, mas acho que você não ouviu. Vim te trazer um café.

– Obrigada – Alex agradeceu surpresa. O cuidado de Emma a comovia. Algumas vezes sentia que devia abrir novamente o seu coração para a ex-namorada canadense, talvez aquilo fosse a coisa certa a se fazer. – Como você entrou?

– Você me deu uma chave de emergência, não lembra?

– É verdade – Alex disse estendendo a mão para aceitar o café que a outra lhe oferecia. – obrigada pelo café e mais uma vez me desculpe por ontem. Surgiu uma situação emergencial e eu tive que ficar aqui com o cachorro que estava em observação.

– Tudo bem, não se preocupe com isso. Pelo menos estou vendo você agora.

Emma sorria para Alex quando ouviram novamente a porta se abrindo. Desta vez era Lara que vinha acompanhada por Natasha.

– Me desculpa, eu não deveria ter me metido – Natasha se jogou nos braços da irmã e a abraçou. – Espero que o pulguento esteja bem.

– Paçoca está ótimo, vai ficar melhor quando você parar de chamá-lo de pulguento. E desculpe-me também, eu exagerei um pouco.

Emma observava a conversa atentamente, mas não se pronunciou.

– Lara disse que você passou a noite aqui, nós te trouxemos café.

– Obrigada – Alex pegou o copo das mãos da irmã. – Acho que hoje é o meu dia de sorte.

– Alex, tem alguém batendo na porta – Emma avisou após Alex bebericar o café que Natasha lhe trouxera.

Lara se apressou em abrir a porta e Júlia entrou na clínica.

Também com um copo de café nas mãos.

– Acho que agora é a hora perfeita para você me agradecer – Natasha sussurrou no ouvido de Alex.

– Acho que meu corpo não está preparado para tanta cafeína – Alex devolveu o sussurro.

– Tenho certeza que o problema aqui não é o café, mas sim o excesso de ex-namoradas no mesmo ambiente – Natasha disse olhando para Emma e Júlia que se encaravam curiosas. – Aceite o café, você vai precisar, little sis.

Fim do capítulo