Minha vida estava de cabeça pra baixo. Meu namoro, quase noivado de 5 anos tinha acabado oficialmente. Eu sabia que não conseguiria tirar a Bia dos meus pensamentos tão cedo.

Uma pessoa como ela, que marca tanto a vida da gente não da pra ser esquecida da noite pro dia, e ela me mostrou isso quando foi procurar o seu primeiro amor. Ela sempre amou a Natália e mesmo depois dos 5 anos que ficamos juntas ela nunca a esqueceu.

Quando a Bia voltou para o Brasil atrás da Natália eu mergulhei de cabeça no trabalho, queria dar um tempo de relacionamentos, mulheres. Eu precisava pôr minhas ideias no lugar.

Mesmo sendo “trocada” eu nunca consegui sentir raiva da Bia, afinal, não da pra mandar no coração não é verdade?

Eu já estava alguns meses aqui na África, meu trabalho como Neurologista estava ótimo, mesmo com baixos recursos eu tentava fazer milagres com os pacientes que chegavam até mim.

Mesmo me dedicando inteiramente ao trabalho e aos pacientes eu sentia falta de conversar com alguém, eu tinha alguns colegas, mas nenhum que me trouxesse segurança para contar sobre a minha vida e desabafar.

Depois de alguns dias uma nova médica estava chegando para substituir o Pediatra que tinha ali, mas já estava voltando para o seu país.

Quando ela chegou fiquei sabendo que ela também era brasileira e fui toda animada conhece-la.

Ela era muito simpática, logo quando chegou já conversava com várias pessoas. E não da pra deixar de falar que ela era linda. Aparentava ter uns 25 anos, tinha a altura mediana, pele branquinha, parecia uma boneca, os cabelos negros eram bem presos em um coque que deixava ela com um ar sexy. 

Ta bom, eu sei que ainda estou sofrendo pela Bia, mas gente, essa mulher era um espetáculo e não tinha como não babar nela.

Cheguei mais perto dela para eu me apresentar e quando seus olhos se encontraram com os meus ela não os tirou mais de mim.

Veio me acompanhando até que eu me aproximei dela.

- Muito Prazer, sou a Neurologista, Camila Toledo.

- O prazer é todo meu, sou a nova Pediatra, Natacha Ribeiro. – disse com um sorriso lindo vindo me dar dois beijinhos.

- É bom tem alguém do Brasil aqui. A vezes me sinto meio excluída.

- Seria um crime te excluir de alguma coisa. – não pude deixar de ficar sem jeito com o comentário.

- Vem, vou te mostrar hospital e depois a pensão onde ficamos.

Mostrei a ela todos os lugares do nosso hospital improvisado em um estádio de futebol que estava abandonado. E depois fomos para a pensão, já que estava ficando tarde.

- Bem, pelo visto o pediatra que trabalhava aqui antes dividia um quarto com outro médico. O lugar é pequeno e não da pra ter um quarto para cada pessoa. Você vai ter que dividir um quarto com alguém.  - eu

- Não tem problema nenhum, não ligo pra luxos. Bem, eu não conheço quase ninguém por aqui ainda, fica difícil escolher alguém para eu dividir um quarto, você já deve dividir com alguém não é?

- Na verdade não. Se você quiser, pode ficar comigo. Que dizer, dividir o quarto comigo.

- Ótimo.

Entramos e ela já foi desfazendo suas malas. Tirou um porta retrato e colocou em cima da escrivaninha, na foto estava ela e uma outra mulher, muito bonita também. Poderia ser sua amiga ou namorada, não sei.

Ela ficou um tempo olhando para a foto e parecia triste.

Nem quis perguntar sobre a tal mulher da foto, podiam ser más lembranças e eu nem tinha intimidade com ela ainda pra isso.

- Então Camila, como você veio parar aqui?

- Bem, quase a mesma coisa que você. O antigo neurologista daqui se aposentou e me convidou para assumir o seu lugar. 

- Me convidaram também, confesso que fiquei assustada no começo, mas eu amo crianças, não é a toa que virei pediatra, até comecei minha carreira na cardio, mas as crianças me encantaram mais e eu sei como as crianças daqui precisam de ajuda.

- Tenho certeza que você vai adorar estar aqui.

- Já estou adorando – ela me olhava com um olhar intenso que desarmava qualquer um

- Err... Então... Vamos jantar? Todos já devem estar no refeitório.

- Só se for agora! Estou morrendo de fome, aquela comida de avião não é das melhores.

Fomos pro refeitório e todos já estavam jantando. A Natacha se sentou ao meu lado.

- Quem é aquela mulher? – Natacha

- Sabe que eu ainda não sei o nome dela, sei que ela é cardiologista daqui.

- Já reparou que ela fica olhando pra cá de vez enquanto?

- Sério? Nem tinha notado.

É claro que eu tinha notado, isso acontecia frequentemente, ela sempre ficava me encarando, mas nunca veio falar comigo. Da ultima vez que fui falar com ela, ela foi extremamente arrogante, então nem tentei mais, mas tinha alguma coisa nela que mexia comigo, não sei explicar o que era, mas sempre que nossos olhares se cruzavam meu coração batia mais forte.

- Camila?

- Oi...

- Ta viajando por onde? Esse pensamento ta longe hein rs

- Desculpa, eu estava distraída.

- Distraída com a cardiogatona?

- Quem?

- Acorda Camila, aquela mulher linda ali que estava te olhando e você ficou ai babando.

- Ta maluca? Não tem ninguém aqui babando.

- Então eu posso convidá-la pra sentar aqui?

- O que?

- É, ela esta ali sozinha e tem lugar na nossa mesa.

- Err.. 

- O que foi?

- Nada, não tem problema em ela vir aqui.

Ela nem falou nada, se levantou e foi falar com ela. Depois as duas voltaram para a nossa mesa.

- Com licença? – ela disse se sentando na minha frente

- Toda.

- Bem, acho que somos as única brasileiras daqui né. - Natacha

- Acho que sim. – eu

- E por que vocês já não se falavam antes? – Natacha

- Não sei, na verdade eu nem sei o nome dela. – eu

Ela deu um sorriso de lado, estendeu a mão pra que eu apertasse.

- Julia.  – apertei a mão dela e completei.

- Camila.

- Eu sei o seu nome.

- Pronto, todas já nos conhecemos agora.

A Julia não tirava os olhos de mim e a Natacha já tinha notado.

- Err.. Eu vou ao banheiro. Já volto. – eu disse me levantando

Fui ao banheiro, lavei o rosto, fiquei andando de um lado pro outro. Aquela mulher tinha algum poder sobrenatural sobre mim. Eu ficava nervosa só com a presença dela. Sem contar com aquele jeito arrogante dela que me irritava.

Eu estava apoiada na pia olhando para o espelho, quando ouço a porta se abrindo e a imagem da Julia aparecer no reflexo no espelho.

Ela não falou nada, só me olhou, lavou as mãos e passou uma água no rosto e eu fiquei acompanhando cada movimento que ela fazia.

- O que foi? – Julia

- Nada.

- Esta olhando o que então?

- Eu?... Er... Nada.

- Hum. – ela deu um sorriso sarcástico

Eu estava nervosa e nem sabia disfarçar.

Ela veio se aproximando, eu estava de costas para o espelho, acompanhando seus movimentos. Chegava cada vez mais perto e me olhava nos olhos. Eu já sentia sua respiração bem perto da minha que estava descompassada.

- Sabe, você é ainda mais bonitinha assim de perto.

Eu não conseguia falar nada, só fiquei olhando pra ela, com a respiração rápida

- Ta nervosa Camila?

- Nã... Não.

- Hum, achei que eu te deixava nervosa.

- Não deixa. - Mentiira

Ela foi se aproximando ainda mais, deu uma mordida na minha orelha, me arrepiei na mesma hora e ela notou e sorriu.

- Julia. O que você ta querendo?

Ela deu mais um daqueles sorrisos sarcásticos, pôs uma mão na minha cintura e outra na minha nuca. Me prensou na pia e me deu um beijo de tirar o fôlego.

Gente, que beijo... Era de deixar qualquer uma maluca, era um beijo tão envolvente, forte, com desejo. Nem sei quanto tempo ficamos naquele beijo, quando nos separamos eu já estava sem fôlego.

Olhei pra ela e ela estava com uma cara muito sexy, se aproximou de mim novamente e deu uma mordida no meu lábio e saiu. 

Sim, ela saiu, simplesmente saiu e me deixou ali sem nem saber o que pensar.

Fiquei ali com a maior cara de tapada, totalmente desconcertada. 

- Ai Camila, onde você ta se metendo heim? Já não basta sofrer por um amor que não é seu, agora tem que arrumar um caso maluco desses?

Fiquei falando comigo mesma, quando atestei que isso estava estranho, joguei uma água no rosto pra tentar esfriar o que o beijo da Julia acendeu e voltei pra mesa.

Ela e a Natacha conversavam sobre alguns pacientes.

- Nossa, Camila. Onde você estava? A Julia foi e voltou do banheiro e você ainda não tinha voltado.

- Err... eu fui na rua pegar um ar.

- A ta. Senta ai, estamos conversando.

A Julia estava se divertindo com a situação, me olhava com aquele sorrisinho que já estava me irritando.

Elas conversavam, mas eu estava tão atordoada com o que havia acontecido que não tinha cabeça pra conversar sobre aquelas coisas, então resolvi ir pro quarto.

- Eu vou pro quarto, depois a gente se fala Natacha.

- Tudo bem.

- Boa noite, Camila, foi um prazer te conhecer melhor. – Julia

E la ficou eu com a maior cara de tacho do mundo né. Ela é maluca ou o que? Me esnoba, me beija, me esnoba e agora vem com essa? 

- Boa Noite, Julia.

Quando cheguei no quarto fui direto pro chuveiro. Aquela mulher ia me enlouquecer, quem ela pensa que é pra fazer isso comigo? 

Quando sai do banheiro a Natacha estava sentada na cama arrumando algumas coisas.

- O que você achou da Julia? - Natacha

- Arrogante.

- Mas por que? Eu achei ela tão simpática.

- Só se com você. Ela deve me odiar ou algo assim, não nos demos bem.

- Eu heim.

- Vamos dormir? Amanha temos que acordar muito cedo.

- Tudo bem.

Dormimos na mesma cama, já que só tinha uma cama de casal, mas não, não aconteceu nada, também não sou uma maníaca sexual.

No outro dia acordamos cedo, tomamos café e fomos pro hospital. O resto do dia eu não via nem a Natacha, nem a Julia “graças a Deus”.

No fim do dia a Natacha chegou no quarto toda eufórica.

- O que foi? - eu

- Você não vai acreditar. - Natacha

- Experimenta me contar primeiro.

- A Julia me disse que ficou com uma médica daqui.

- O QUE?

- Eu não sabia que ela gostava de mulheres, na verdade a gente tem que conversar sobre isso, mas depois eu te falo.

- E o que ela falou?

- Ela não disse quem era, só disse que pegou uma médica daqui.

- Desgraçada. – eu disse baixinho

- O que você disse? – Natacha

- Nada não. Essa Julia é meio perturbada, deve ser invenção dela.

- Duvido muito. Conversei com ela e ela me disse que era verdade. 

- Hum.

- Camila, você não tem preconceitos com isso não né? Sei la, eu não te conheço direito ainda e já to falando dessas coisas.

- Claro que não, Natacha.

- Que bom. Então já quero deixar claro que eu sou lésbica.

- Eu sei. – eu disse rindo

- Como você sabe?

- A gente sempre sabe não é?

- Não me diga que você...

- Sim, eu também sou.

- Meu Deus, mas o mundo é gay e eu não sabia.

- Pra você ver.

- Você namora? – Natacha

- Não. – foi inevitável lembrar da Bia, meu olhar triste me entregou

- Mas pelo jeito namorava.

- Sim, namorei por 5 anos, mas ela sempre amou outra e a pouco tempo atrás ela me deixou pra ficar com ela.

- Nossa. E você deixou assim fácil?

- E eu ia fazer o que? Viver com uma pessoa que ama outra. Não da né. Quero que ela seja feliz, ela é muito especial, você iria adorá-la.

- Poxa, que barra.

- E você namora?

- Terminei meu namoro a pouco tempo. Eu estava sofrendo muito, aconteceram umas coisas na minha família e esse emprego caiu do céu, pra poder fugir disso tudo.

- Posso perguntar o que aconteceu com a sua família?

- É uma longa história, mas resumindo, eu namorei por 3 anos e morava junto com a minha namorada, mas ninguém da minha família sabia da minha sexualidade, terminamos o namoro numa boa, por que não estava mais dando certo. Um dia uma prima minha levou uma garota em uma festa de família e falou pra todo mundo que elas estavam namorando.

- E qual o problema?

- O problema é que toda a família começou a falar dela e repreende-la e eu não deixei barato. Comprei a briga dela e me assumi pra minha família também. Ai você já imagina o clima que foi né. Minha tia expulsou a minha prima de casa e ela veio morar comigo. Quando vim pra ca, deixei ela e a namorada morando no meu apartamento.

- Poxa, sua família não é mole heim.

- Você nem imagina.

- Sua prima tem muita sorte em ter você.

- Eu fiquei bem assustada com a revelação dela. Ela sempre foi uma garota que pegava vários meninos e do nada ela aparece com uma namorada e ainda super apaixonada. Mas as duas são umas fofas, sabe aquele amor puro? Elas tem isso.

- Ah, que legal.

Conversamos mais um pouco e pegamos no sono, o dia tinha sido cansativo.

No outro dia, o movimento estava intenso. Havia tido um acidente a varias pessoas feridas estavam chegando.

Passei o dia cuidando dos traumas cranianos, quando uma pessoa que eu não esperava entrou no meu consultório. 

- Com licença Drª Camila.

- Drª Julia, entre.

- Tenho um paciente que deu entrada no meu consultório com Infarto do miocárdio, ele estava trabalhando em um andaime, caiu e ele bateu a cabeça, esta muito mal. Fiz uma tomografia e queria que você desse uma olhada.

- Claro, deixa eu ver. Sente-se.

- Bem, ele esta com um edema encefálico, vou receitar alguns remédios para ver se diminui, caso contrario encaminhe ele pra mim.

Prescrevi a receita e dei a ela.

- Obrigada Drª.

- De nada.

Quando ela estava saindo, se virou pra mim.

- Camila.

- Sim...

- Eu não falei pra ninguém que foi você que eu beijei.

- Tanto faz. – dei de ombros. 

Eu não queria demostrar fraqueza ou nervosismo na sua presença, por mais que eu já estivesse com o coração acelerado.

- Ok. – disse saindo da sala

Os dias iam passando muito rápido, eu e a Natacha nos tornávamos mais amigas a cada dia.

Em um fim de semana, estaríamos de folga e teria uma festa na cidade ao lado que outros médicos estavam organizando.

Eu não estava muito afim de ir, mas a Natacha insistiu tanto que não pude negar.

Chegamos la e tinha bastante gente. Era um salão de festas gigante, tinha um Dj tocando e as pessoas dançando, na maioria médicos, que nunca saiam da pensão e hospital então qualquer coisa que lembrasse diversão, era bem aproveitada.

Natacha já foi me puxando pro meio da pista e ficamos dançando. De repente a Julia aparece no nosso lado.

- Achei que você não viesse. – Natacha

- Eu tinha uns pacientes pra visitar, mas eu não perderia essa festa por nada. Ah, olá Camila. – Julia

- Oi Julia. 

Estávamos dançando as três, rindo, falando algumas coisas, e a Natacha foi ao bar buscar bebidas.

- Você esta muito tensa Camila, aproveita a festa. – falou no meu ouvido dando uma mordida na minha orelha, fazendo eu me arrepiar.

Ela dançava cada vez mais perto de mim. Virei o resto de vodka que tinha no meu copo. Se ela queria jogar, era isso que eu faria, vou entrar no jogo dela.

A Vodka já subiu a cabeça e começou a fazer efeitos quando eu me toquei que dançava com ela sem desviarmos nossos olhares.

Seu olhar parecia querer me devorar e eu provocava cada vez mais.

Quando ela chegava mais perto, querendo ter um contato maior eu me afastava sorrindo. Ela parecia me desafiar e ficamos naquele jogo de sedução.

Depois de um tempo a Natacha voltou com as bebidas. Me entregou a tequila que eu havia pedido e virei em um só gole.

A Julia acompanhou cada movimento que eu fazia e deu AQUELE sorriso filho da mãe que me irritava.

Falei no ouvido da Natacha que eu iria ao banheiro e sai, notei que a Julia ficou me encarando.

Entrei no banheiro e fui retocar a maquiagem, quando olho no reflexo, atrás de mim estava a Julia parada me olhando.

- Vai sempre me seguir quando eu for ao banheiro? Perdeu alguma coisa aqui? – eu

- Você acha que vai ficar assim me provocando a noite toda é? – Julia

- Eu estava te provocando? Não era minha intenção, eu só estava dançando. – eu disse rindo

Ela pareceu irritada e se aproximou me virando de frente pra ela.

- Pode esquecer o que você esta querendo fazer, por que não vai dar certo. – Julia

- Você ta maluca? Eu não estou querendo fazer nada.

- Mas eu estou...

Ela me segurou firme e me beijou daquele mesmo jeito da ultima vez, com desejo, fome.

Mas eu não cairia nessa novamente...

 

Fim do capítulo