O que me machuca é não beijar você.
Nos dias seguintes Natasha se empenhou em conhecer os pontos da cidade que ainda não conhecia. Sempre que podia ela saia da aula e ia explorar algum lugar, Alex tinha medo e se recusava a ir. Outro dia Natasha fora assaltada ao sair de um parque.
Se não fosse por Júlia, Alex teria se perdido todos os dias antes de finalmente chegar em casa.
Alex acompanhava Júlia ao treino e em troca a jogadora a deixava em casa. Não moravam exatamente perto uma da outra, mas Júlia gostava de acompanhar a menina e muitas vezes fazia um caminho mais longo só para ficar mais tempo ao lado dela.
O único problema era que às vezes Gustavo aparecia no treino e insistia em acompanhar as meninas. Nesses dias Júlia fazia questão de fazer o trajeto mais curto. A garota ainda não entendia o que estava sentindo, mas sabia que queria mais daquilo. Quando estava perto de Alex ela se sentia completa e ao mesmo tempo anestesiada para as coisas ruins. Ela precisava urgentemente descobrir o que significava aquilo.
No mês seguinte, Alex já conhecia todos os caminhos possíveis da escola até sua casa, mas ainda ia assistir aos treinos de Júlia e essa ainda a acompanhava.
– Natasha me disse que você se perdeu no shopping ontem, não confio em seu senso de direção – Júlia disse quando Alex sugeriu que já aprendera como chegar em casa. – Vou continuar te trazendo até você me provar que não vai sumir.
Alex não reclamou, afinal também adorava a companhia de Júlia.
A canadense sentia que havia alguma coisa acontecendo entre elas, sabia que Júlia a olhava de uma maneira curiosa e sentia um frio na barriga crescer sempre que estava ao lado dela. Natasha não tocara mais no assunto e Alex achou melhor não pedir a ajuda da irmã, ela era um pouco intensa e tinha a tendência de ignorar as descobertas e partir logo para a ação.
– Alex, está me ouvindo? – Júlia perguntou ao chegarem à porta da casa da menina.
– Desculpa, eu viajei – Alex respondeu voltando a si. Estava pensando em como seria o beijo de Júlia. Já a vira beijando Gustavo e às vezes se pegava imaginando o que faria se estivesse no lugar do rapaz.– Vamos entrar?
– Não posso. Eu tenho que organizar a festa de final do mês. Era isso que eu estava dizendo.
– Festa de final do mês?
– Sim, todos os meses o Conselho dá uma festa para estreitar os laços entre os alunos. Na verdade é só uma desculpa para arrecadar fundos para a reforma da quadra e da biblioteca. É lá no ginásio mesmo, os alunos do primeiro ano cuidam da decoração. Preciso voltar para supervisioná-los.
– Você quer ajuda?
– Não, eu quero saber se você quer ir comigo – Júlia disse sem pensar. – Não ir comigo, mas ir. Eu estarei lá então você não irá comigo – burra, burra, burra, Júlia mentalmente se xingava e quanto mais falava mais nervosa ela ficava. – Só quero saber se você quer ir. Não ir comigo, entendeu?
Alex achou graça da situação, mas não riu da garota. Já estivera no lugar dela.
– Quando e que horas? – Alex perguntou tentando não criar expectativas. Desde o assalto de Nat, seu pai as proibira de sair durante a noite.
– Amanhã às 20h.
Antes que Alex pudesse pensar em responder, Natasha abriu a porta e apareceu sorridente.
–Festa? É claro que nós vamos – disse passando o braço pelo pescoço de Alex.
– Além de um rastreador, você também colocou uma escuta no meu celular? – Alex perguntou com os olhos semicerrados assim que Júlia virou as costas.
– É óbvio que não. Quem faria uma coisa assim? – Natasha entrou dançando e deixou Alex falando sozinha do lado de fora.
No dia seguinte, Alex se arrumava para a festa sem nenhuma pretensão. Já Natasha parecia ter saído direto da festa de entrega do Oscar.
– Ah não. Você não vai sair comigo vestida assim – Natasha encurralou Alex que usava uma calça jeans e seus tênis surrados se uso diário.
– Por que não? – Alex não via o que havia de errado com sua roupa. – Eu me visto assim todos os dias.
– Exatamente! Hoje pede alguma coisa diferente, little sis – Natasha a fez sentar na cama enquanto vasculhava seu armário – É uma festa. Sua primeira festa desde que chegamos aqui.
Após alguns minutos e muitas roupas espalhadas depois Natasha finalmente se convenceu de que estavam prontas. Vestiu Alex com um vestido curto preto que deixava seus ombros de fora.
– Onde vocês pensam que vão? O que eu disse sobre sair durante a noite? – Eduardo, o pai das gêmeas acabava de entrar em casa e afrouxava a gravata enquanto abria a geladeira. – Natasha, você foi assaltada ontem em plena luz do dia. Que tal se cuidar um pouco mais?
– Pai, foi há duas semanas e não foi um assalto. O idiota só me mostrou uma arma e eu entreguei meu celular – Natasha não se deixava intimidar “só” pelo fato de ter uma arma apontada para sua cabeça. Alex temia que a coragem da irmã a colocasse em perigo.
– Isso me parece muito com um assalto – Eduardo disse irredutível. – Meninas, aqui não é Toronto, vocês não podem sair perambulando por ai e ainda andando a pé.
– Então me dê um carro. Melhor ainda, dê um carro para Alex, ela dirige muito melhor do que eu – Natasha disse olhando para o relógio. A festa começaria em alguns instantes, se não conseguisse convencer seu pai teria que encontrar outros meios de sair.
– Natasha, a habilitação de vocês não é válida no Brasil e você sabe disso. Terá que esperar até completar 18 anos para dirigir aqui. Enquanto isso não podem sair sozinhas.
– Saia com a gente. Alex nunca mais vai se perder e você não precisará se preocupar se chegaremos seguras em casa. É o preço a se pagar pela segurança das suas filhas.
– Natasha – Eduardo coçou a cabeça cansado.
– Pai, eu e a Alex já somos as novatas esquisita. Os eventos escolares – Natasha propositalmente evitou a palavra festa. – Aão as nossas melhores chances de manter o mínimo de socialização nesse país.
Eduardo precisava admitir que Natasha tinha ótimos argumentos. Quem sabe um dia seria uma promotora, assim como ele.
Alex assistia a tudo calada. Ela e Natasha haviam tirado carteira há um tempo no Canadá, antes de tudo desmoronar em cima delas. Ela sentia falta de dirigir, mas ainda teria que esperar mais alguns meses para ter a CNH brasileira.
– Conversaremos sobre isso depois, Nat – Eduardo refletia. Sabia que não conseguiria segurar as garotas em casa, então era melhor que elas estivessem na companhia de um adulto, mesmo que isso significasse estar na companhia de adolescentes irritadiços.
– Ok, pense no assunto e conversaremos – Natasha puxou Alex pela mão. – Nós vemos mais tarde, estaremos em casa antes das duas. Tchau, pai. Amamos você.
E as gêmeas dispararam para fora antes que Eduardo pudesse dizer qualquer coisa.
– Você quer mesmo que ele saia com a gente? – Alex perguntou quando entravam em um táxi.
– É claro que não. Já basta você me seguindo como uma sombra. Amanhã ele já vai ter se esquecido dessa ideia.
– Muito engraçado, mas pelo que eu me lembro, EU é quem fui convidada para a festa. E você está indo como minha sombra.
– Não por muito tempo – Natasha deu um leve tapa nas costas do taxista e pediu que ele parasse em frente a um bar. – Vou descer aqui.
– Ah não, Nat – Alex reclamou com a irmã. – Não me deixe ir para essa festa sozinha.
– Hey, little sis, essa festa é sua. Não tem nenhuma jogadora de vôlei linda esperando que eu apareça lá. Beije a garota e aproveite a noite – Natasha disse batendo a porta do carro. – Quando acabar me ligue e eu te encontro para voltarmos juntas. Não faça nada que eu não faria. Te amo.
Ainda contrariada Alex seguiu até o ginásio da escola e entrou para festa.
Era uma típica festa de ensino médio. Música alta, luzes piscando e uma pista de dança.
– Você veio – Júlia abraçou Alex por trás e a garota sentiu os pelos do seu braço se arrepiarem.
–É claro que eu vim. A festa está linda, parabéns – Alex queria dizer que a garota também estava linda, mas se conteve.
– Vem, vamos dançar – Júlia puxou Alex pela mão e a levou até o centro da pista de dança.
Bebidas alcoólicas estavam proibidas, afinal era uma festa do ensino médio, mas metade dos estudantes entraram com garrafas de vodka escondidas sorrateiramente dentro das mochilas.
De tempos em tempos alguma amiga de Júlia lhe trazia um copo, fazendo com que a menina logo ficasse bêbada.
–Ela já bebeu o suficiente, obrigada – Alex não deixou que Júlia aceitasse mais um copo e o virou na lata de lixo.
–Deixa de ser careta, americana idiota – Laís, uma das amigas de Júlia a encarou com raiva.
– Sou canadense, e se ser careta é não deixar que a presidente do conselho entre em coma alcoólico no meio da pista de dança, então sou muito careta. Agora me dá licença – Alex pegou Júlia pelo braço e a levou para fora do ginásio.
– Isso foi irado, você é mais durona do que aparenta – Júlia disse com a voz trôpega sentando-se no meio-fio.
– Onde está o Gustavo? – Alex perguntou tirando o celular da pequena bolsa que Natasha lhe emprestara.
– Eu não sei, não quero saber – Júlia deitou na calçada alarmando Alex.
– Não faça isso – Alex levantou a garota e a colocou sentada. Abaixou-se para segurá-la ficando com o rosto em frente ao dela.
– Você é tão linda, Alex – Júlia passou a mão pelo rosto de Alex e fechou os olhos. – O que você está fazendo comigo?
–Evitando que você caia na calçada e se machuque –Alex disse discando o número de Natasha.
– O que me machuca é não beijar você – Júlia se aproximou e encostou a boca nos lábios de Alex.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]