Ash ficou no hospital por duas noites, durante esse tempo permaneceu sedada, Leticia conversou com o neurologista sobre as circunstâncias do acidente. Entendendo o motivo da agitação da fotógrafa o médico preferiu que ela ficasse sedada nas primeiras horas.
Mesmo dormindo, durante o sábado e uma parte do domingo a fotógrafa recebeu visitas da família e dos amigos. Liz, Letícia e Hanna se revesavam, não queriam que Ash acordasse sozinha e confusa num quarto de hospital.Anne não voltou ao local, até pensou em fazer valer seu direito de esposa, mas acabou convencida por Kelly a deixar a poeira baixar, Ash estava sedada, quando a fotógrafa pudesse recebê-la elas conversariam, antes disso iria apenas criar confusão. A ruiva mais nova até tentou visitar a cunhada, mas como imaginou encontrou resistência da parte de Leticia e Liz, preferiu então seguir o conselho que deu á irmã, com a fotógrafa acordada pediria desculpas pelo seu silêncio, esperava conseguir o perdão da amiga.
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-- Não tem lugar melhor pra dormir não baixinha? - Liz estava cochilando debruçada na cama da amiga quando escutou a brincadeira partindo da voz rouca. Recebeu a notícia de que a medicação havia sido interrompida no início da tarde de domingo, o médico alertou que a morena poderia acordar a qualquer momento.
-- Ai minha amiga.Que bom ouvir tua voz, depois desse susto!
-- Liz!- Na euforia do despertar da morena a amiga esqueceu-se das costelas quebradas. - O que aconteceu?
-- Você não lembra de nada? - Secretamente Liz torcia para a amiga ter esquecido os eventos acontecidos minutos antes do acidente. Dizem que o que os olhos não veem o coração não sente, pensava que Ash sofreria ao saber da traição, mas com certeza não teria a imagem de Anne e Julia juntas.
A morena estancou, foi como se a pergunta de Liz acionasse um botão na sua memória e as lembranças vieram à tona todas de uma vez. A angústia de não saber nada sobre a mulher, a viagem de volta, a decepção de ver Anne naquela situação e o acidente. Sua primeira reação ao entrar no apartamento foi de incredulidade, não havia possibilidade da mulher com quem se relacionou por cinco anos fazer uma canalhice daquelas, qualquer uma poderia estar naquela cama com Júlia, mas não Anne, não sua ruiva. Saiu correndo do apartamento porque não queria ver o olhar de culpa de Anne, o de pena de Kelly, nem o deboche de Júlia, percebeu que a cunhada sabia de algo porque sua reação foi mais de indignação que de surpresa e se sentiu duplamente traída, Kelly sabia de tudo, porque então a deixou fazendo papel de trouxa por tanto tempo?
Quando entrou no carro queria apenas fugir de tudo, para onde não sabia, porém com certeza não queria ver ninguém, nem sua família. Estava muito envergonhada para encarar qualquer um deles. A última coisa que lembra foi de um veículo atravessando o cruzamento quando ela acelerava.
Liz nada pode fazer diante do pranto da amiga além de apoia-la, abraça-la e esperar que ela se acalmasse para comunicar ao neuro e aos demais sobre o despertar da fotógrafa. Todos foram ao hospital, Hanna, João, Rique e Kadu. Seu Bernardo e dona Maria, avós de Ash, também estavam na cidade, chegaram no sábado à noite para ficar ao lado da filha e das netas, seguiam para o hospital com Letícia.
A equipe médica realizou exames que comprovaram a ausência de sequelas na morena, portanto foi receitado apenas analgésicos para dor e repouso absoluto, como o médico havia previsto.Hanna avisou a Kelly sobre a alta da fotógrafa, que ocorreria na manhã de segunda, porém a moça não compareceu, enviou um buquê de girassóis desejando pronta recuperação.
Apesar de sempre se definir como uma pessoa chata e amarga, para os amigos e família, Ash sempre foi uma pessoa de sorriso fácil, humor bastante peculiar principalmente com Hanna que não escapa de suas "troladas" e muito protetora com os seus. Ela e Liz juntas é certeza de bagunça, não há ambiente que não fique leve com as duas "criançonas", por isso Letícia agradeceu aos céus justamente pela castanha estar com sua filha naquele quarto no momento do despertar, ela e Hanna não teriam estrutura para consolá-la nesse primeiro momento.
Depois dos exames o medico permitiu que os entes fossem ao quarto para ver a paciente, primeiro dona Letícia com seus pais que não permaneceram muito tempo, dona Maria passou mal, resultado da tensão desde o momento que foi avisada do acidente com a neta. A mãe da morena se despediu prometendo voltar depois que sua avó ficasse tranquila. Rique, Kadu e João também passaram para ver a amiga e distraí-la um pouco da sua dor e logo depois voltaram para casa. Liz deu um beijo na morena e a deixou na companhia de Hanna.
-- Ash, você sabe que eu te amo, não sabe? Você é a minha pestinha preferida, minha única irmã, eu vou estar sempre do teu lado, a qualquer hora. - Hanna não conseguia tirar da cabeça o acidente, acreditava que a irmã havia tentado suicídio, chegou a ter pesadelos durante a noite com essa possibilidade. Não suportaria ver a irmã sofrendo o que a mãe sofreu. - Quando você se sentir só, não importa a hora, o dia, nem o lugar onde esteja. Me chama e eu vou correndo pra você.
-- Eu não tentei me matar, não teria coragem, sei o que vocês sofreriam - Ash conhecia a irmã suficiente pra saber o que passava na cabeça de Hanna. - Apesar de agora desejar não ter acordado. Seria tão mais fácil,, não doeria da forma como está doendo. Como faz pra parar essa dor que parece esmagar meu coração? Cada vez que fecho os olhos, a imagem de Anne e Julia nuas no sofá me assombra. Será que um dia eu vou conseguir arrancar esse amor que eu sinto por ela do meu peito?
-- Ai meu amor! Se pudesse eu tiraria toda essa sua dor. - Hanna abraçou a irmã tentando conforta-la, imaginava como a vida era irônica, Ash se resguardou tanto pra não sofrer a dor da traição e justo quando abre seu coração, cai nessa armadilha do destino.
Depois da alta Ash foi para a casa de Hanna. A loira junto a Letícia e Liz não a deixaram sozinha um momento. A mãe das garotas optou por ficar com Ash, apesar da idade avançada de Bernardo e Maria, deixou a cargo dos dois a administração da confecção da família.Quando Letícia se recuperou da depressão, voltou para o interior na propriedade dos pais e montou com a ajuda deles uma pequena fábrica de calcinhas onde costuravam ela e a mãe. Trabalharam duramente até conseguirem capital para conquistar um espaço maior e uma equipe para para ajudar nas encomendas. Foram dois anos de luta árdua, com a ajuda das meninas, até conquistarem uma pequena clientela na feira livre da pequena cidade, desde então nunca mais pararam, se tornando referência na produção de underwear masculina e feminina e moda praia. Se Letícia precisasse sair as duas mais novas se alternavam nos cuidados com a morena.
Ashley não achava ânimo para realizar a mais simples das ações cotidianas, a cada dia sentia mais raiva e mais saudade da ex mulher, apesar de não terem se separado de fato, não via mais a ruiva como sua esposa, era como se aquele casamento feliz tivesse acontecido em uma realidade paralela, onde ela já não encontrava lugar. Ainda não havia se encontrado com Anne, a entrada da ruiva foi proibida na casa de Hanna a pedido seu, pois não se sentia preparada para estar frente a frente com a empresária.
Durante um tempo também não quis falar com Kelly, não viu com bons olhos o silêncio da ruiva menor, sentia como se elas todas estivessem conspirando e rindo pelas suas costas, surpreendentemente foi Liz quem abriu seus olhos para a injustiça que estava cometendo com a ex cunhada. Apesar da rejeição da fotógrafa a ruivinha não deixou de buscar notícias da amiga, isso acabou a aproximando mais de Hanna e fazendo com que Liz revisse seus conceitos sobre a moça.
-- Fico tão feliz que você não tenha decidido me tirar da tua vida. - Kelly abraçava a fotógrafa, no seu primeiro encontro após o acidente.
-- Não vou negar que fiquei muito magoada contigo,ainda estou, você também participou de tudo isso, ainda que não quisesse me machucar, teu silêncio doeu em mim.
-- Eu sei e mesmo que não faça diferença preciso te contar minhas motivações. - foram até o sofá onde Kelly tomou as mãos da amiga e começou a se explicar.- Ash, você sabe como eu fui egoísta, mimada e preconceituosa a vida inteira. Incontáveis vezes humilhei, destratei e ridicularizei minha irmã. Muita gente pode pensar que agi puramente influenciada pelos meus pais, mas eu sei que muitas vezes quis punir Anne por ter me "abandonado" sozinha na casa deles.- Ash escutava o relato da ex cunhada recordando quão detestável a menina foi durante seu primeiro encontro, Kelly estava tão diferenre que às vezes esquecia as circunstâncias nas quais se conheceram. - Quando descobri o que meu pai planejava naquela noite não pensei em um lugar mais seguro que o abraço de minha irmã, mesmo não sabendo se ela aceitaria esse papel. Ela não apenas aceitou como me acolheu e trouxe para sua vida e por consequência vieram pessoas como vocês. Todos colaboraram para que eu fosse quem sou hoje, Anne me deu a família que nunca tive: você, meus avós. Ash, esse tempo todo eu fiquei dividida entre vocês duas, minhas imãs, porque eu te amo como a uma irmã, mas Anne me deu tudo e eu tenho uma dívida enorme de gratidão com ela, não me sentia no direito de te contar.
-- Eu sei, eu também te amo, você é minha caçula. -As duas com olhos marejados reconheciam todo o carinho que existia naquela relação -Me dá um tempo, sei que vou te desculpar, ainda é difícil estar por perto. Você me traz lembranças daquela noite e ainda é o retrato da tua irmã- tocou o rosto da pequena ruiva - os mesmos olhos, tão verdadeiros que há tempos eu não via nela, difícil ficar perto agora, mas eu nunca poderia te odiar. - Terminaram aquela conversa com um abraço longo que selava sua amizade.Enquanto Kelly sentia como se tivesse tirado um enorme peso das costas, estava feliz por saber que Ash não a tiraria de sua vida, a morena pensava se algum dia seria capaz de perdoar também a ruiva mais velha.
Kelly respeitou a vontade de Ash e não impôs sua presença física nos primeiros dias depois da conversa, porém não deixava a morena esquecer que estava ali por ela fosse numa ligação ou mensagem. As duas não mais conversaram sobre Anne ou do acontecido, a ruivinha decidiu que não falaria de uma para outra, apesar dos diversos pedidos de sua irmã e de ver nos olhos da fotógrafa o desejo de saber sobre a ex. Caso decidissem voltar seria por iniciativa delas, definitivamente não se me teria nesse assunto.
Dois meses depois Ash decidiu voltar pra casa onde vivia com Anne, Letícia ainda permaneceu alguns dias com ela, mas teve que voltar para assumir a confecção e Liz se mudou para a casa da morena. Não foi fácil, Anne estava presente em todos os lugares, como um fantasma a lhe assombrar. Às vezes chorava de tristeza, de saudade, queria bater na ruiva, outras vezes sentia ímpetos de ligar pra ela e implorar que voltasse pra casa, mas logo lhe vinha a mente Anne e Júlia juntas e ela reprimia esses impulsos. Numa dessas crises de choro e revolta decidiu que estava na hora de colocar um ponto final na história, pedir o divorcio, temia por sua sanidade, porém, para isso, precisava ficar frente a frente com ruiva,apesar de continuar não estando preparada para encontrá-la. Escolheu uma tarde de domingo, quando Liz e Hanna estariam em casa para ampara-la e ligou para a ruiva pedindo que fosse até sua casa.
-- Ash, que bom que você ligou! Já tava enlouquecendo de ansiedade.
-- Precisamos conversar, voce pode vir aqui amanha á tarde?
-- Claro. Tenho tanta coisa pra te falar...
- Amanhã. Te espero ás 15. - Desligou antes que a ruiva insistisse em estender a conversa. Estava tão afetada apenas por ouvir sua voz calorosa ao telefone, que já não tinha tanta certeza de sua decisão.

Fim do capítulo