Se alguém perguntar a Kelly onde encontrou tranquilidade para acionar a polícia, os bombeiros, os amigos de Ash e permanecer ao lado da cunhada durante o tempo de espera ela não saberia responder. A visão da morena desacordada sobre o painel do carro, a fronte ensanguentada, o desconhecimento do estado da outra era desesperador, mas ela jamais sairia do lado da morena. Ainda que suas pernas estivessem bambas de medo, permaneceria ali mostrando a amiga que ela não estava só.
Anne e Julia trazidas pelo grito de horror de Kelly também se juntaram a ruivinha no aguardo pelo socorro. Anne num misto de desespero e culpa sucumbiu ao choro ali mesmo na calçada, porém a caçula não se abalou para consolá-la, sentia que depois a ruiva iria precisar de apoio incondicional e ela não se negaria, porém no momento sua revolta impedia um gesto de carinho na direção da irmã.
Já na sala de espera estavam as duas sozinhas, Kelly não permitiria que Julia fosse ao hospital, sentia como se a presença dela fosse uma afronta a Ash acontecesse o que acontecesse a morena. Aceitar ou não a permanência de sua irmã ao lado da esposa convalescente caberia à família de Ash depois de descobrir as circunstâncias do acidente.
Enquanto Anne cuidava da papelada ela tentava entrar em contato com uma companhia de taxi aéreo para buscar a família da cunhada no hotel fazenda. Tinha certeza que quando soubessem do acontecido deixariam o local imediatamente. Como não tinha coragem de ligar diretamente para Hanna ou Leticia, no fundo a administradora se sentia um pouco culpada por trazer Júlia de volta à vida da mais velha, mesmo que nem em seus piores pesadelos cogitasse esse desfecho. Avisou João, que mesmo muito abalado se encarregou de avisar a mulher e a sogra e tranquilizá-las após notícia. Não entrou em detalhes, deixou o motivo do acidente para outro momento. Menos de uma hora depois entravam os três no hospital, junto de Liz que havia ido buscá-los no heliporto.
O agora advogado Rique e Kadu, a pedido de Kelly, se encarregaram de ir á delegacia com o motorista do outro carro envolvido no acidente, um taxista que estava voltando de uma corrida. O carro de Ash bateu na traseira, lado do passageiro, não houve outra vítima. Depois de resolver questões relacionadas com boletim de ocorrência e ressarcimento de danos, os dois também iriam ao hospital.
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-- Anne, por tudo o que é mais sagrado. Cadê minha filha? - Leticia muito nervosa abraçou a nora. Quando os quatro chegaram ao hospital, os médicos ainda não tinham dado um parecer sobre o estado de saúde da fotógrafa, notícia aguardada pelos amigos e familiares.
-- Como isso foi acontecer? Ash sempre foi cuidadosa no volante. - Hanna, amparada por João, não se confirmava de ter deixado a morena sozinha.
-- Calma meu bem, não adianta ficar remoendo o que poderia ter sido. Importante agora é torcer para que a colisão não tenha afetado Ash gravemente. - João ponderou.
Passou mais um tempo até que o neurologista apareceu com notícias.
-- Os parentes de Ashley Grace?
-- Somos nós. - Leticia se adiantou de mãos dadas com Anne e Hanna.
-- A paciente deu entrada com suspeita de traumatismo craniano. Através de radiografias e ressonância magnética chegamos ao diagnóstico de concussão e fratura na terceira e quarta costela, porém teve sorte em ambos os casos. A fratura da costela foi simples, sem comprometimento da respiração e sem lesões de órgãos internos. Serão necessários apenas medicação para dor, exercícios respiratórios e repouso de três a seis semanas.
-- E quanto á concussão doutor? Vai ter alguma sequela? - Anne perguntou aflita.
-- A concussão cerebral é uma lesão que afeta todas as zonas do cérebro e que altera temporariamente as suas funções normais. Avaliamos a gravidade da lesão e constatamos que se trata de uma concussão pequena, geralmente nesses casos os sintomas são leves e recomendamos apenas repouso absoluto, mas como não podemos garantir a ausência de sequelas Ashley terá alta somente depois de duas noites aqui no hospital, pois pode apresentar alguns sintomas como dor de cabeça, perda temporária de memória, tonturas e confusão, náuseas e vômitos, fala lenta ou alterada, cansaço excessivo, sensibilidade excessiva à luz, dificuldade para adormecer, mas não de forma permanente - O médico se despediu recomendando que todos fossem para casa repousar e retornassem na parte da tarde para as visitas. Antes permitiria que um familiar visse a paciente para que pudesse tranquilizar os demais, autorizou também a permanência de uma pessoa com ela no quarto. Não poderia liberar a entrada de tantos visitantes, pois a paciente havia sido sedada, acordou muito agitada.
Todos ficaram até que uma das três fosse ao quarto e visse como a fotógrafa estava de verdade. Leticia queria muito ficar com a filha, mas vendo a angústia de Anne optou por ver Ashley rapidamente, deixando a nora com ela no quarto, quando saísse seguiria com os demais para casa. Kelly, desde a chegada de Letícia e Hanna se manteve em um canto da sala a observar, agora que tinha a mãe e irmã da cunhada para tomar frente nas decisões e não precisava ser ou parecer forte, a adrenalina havia baixado, o alívio pela notícia de que a fotógrafa não corria risco de vida vinha em forma de lágrimas. Na outra extremidade Anne também chorava, mas num misto de arrependimento e medo do que poderia acontecer com Ashley e o casamento das duas. A preocupação da caçula era como os presentes receberiam a verdade. Era nítido o carinho da sogra pela sua irmã, tanto que Letícia abriu mão de estar com Ash para que Anne cuidasse da esposa. Que mãe faria isso se não acreditasse que a nora amava sua filha de verdade?
-- Espera Letícia, não sei se seria uma boa ideia eu ficar no quarto com Ash. A ruiva não sabia como a mulher iria reagir à sua presença, tinha medo de que ao acordar e encontra-la ao seu lado ela pudesse ficar agitada e piorar o estado, afinal nem os médicos tinham absoluta certeza de como ela acordaria.
-- Porque não? Com certeza Ash vai ficar feliz em acordar e te ver bem, ela saiu do hotel tão preocupada essa noite! Era a hora de ficar ao lado da irmã, Kelly levantou e segurou a mão de Ane em sinal de apoio.
-- Eu não consigo, me perdoa! A ruiva não conseguiu olhar nos olhos daquelas pessoas e dizer que havia traído a esposa, nem que a morena a viu na cama com outra. - eu a...amo Ash, se pudesse voltar atrás... teria feito tudo diferente. Chorava e todos se entreolhavam diante das duas irmãs sem entender o que estava acontecendo Eu... a Júlia...
-- Desgraçada, eu não acredito nisso. Liz avançou sobre Anne, sendo seguida por Rique e Kadu Olha na minha cara agora e diz que você não traiu Ash! Que esse acidente não foi consequência de tua traição o silêncio de Anne foi sua confissão de culpa. Eu vou quebrar tua cara! Como você pode ser tão cínica, mentirosa. Os meninos, que estavam mais próximos, se puseram entre Liz e as irmãs do Prado.
-- Basta! Letícia se pronunciou Meninos levem Liz ao refeitório para tomar uma água um café, se acalmar. Voltou-se para Anne - Vou ver como Ashley está e quando eu voltar não quero te ver aqui entre nossos entes queridos. Respeite a minha vontade. Se quando acordar ela decidir te perdoar, não me resta nada além de acatar a decisão de minha filha, mesmo sentindo que ela estará desperdiçando sua vida com alguém que não merece, mas nesse momento e enquanto ela não tiver o poder de decisão eu não te quero entre nós e espero que respeite minha vontade. Letícia se dirigiu até o quarto para ver como Ashley estava, voltaria para tranquilizar os demais e assim que todos deixassem o hospital ficaria com a filha até a noite, quando Hanna dormiria com a irmã. Diante da cama do hospital, olhando para a filha imaginou como ela acordaria, certamente a dor nas costelas, o nariz quebrado e a testa cortada, seriam o de menos. Para a ferida que ficaria aberta e doeria por mais tempo os médicos não conseguiriam receitar analgésicos.

Hanna não sabia o que pensar sobre a situação que acabara de se desenrolar diante dos seus olhos, como o casamento de sua irmã para todos sempre tão bonito virou esse tormento? Será que Ash assim com o a mãe tentou acabar com a própria vida? Não reconhecia aquela pessoa na sala de espera do hospital, aquela não era a mulher que dizia amar sua irmã, que planejou construir uma família com ela, não acreditava como alguém conseguia sustentar uma mentira por tanto tempo.
-- Hanna, não me nega o direito de ficar por perto. Anne ainda tentou insistir com a cunhada sobre permanecer no hospital, porém Hanna assim como a mãe não queria sua presença.
-- Vai embora, Anne. Eu nem sei o que aconteceu direito e já não consigo olhar na tua cara!
-- Vocês não podem me tirar daqui, é a minha mulher que está lá dentro. Eu só preciso entrar por dois minutos, para ver como ela está de verdade.
-- Você não acha muito tarde para lembrar que tem uma esposa?
-- Eu sei que errei, mas eu amo a tua irmã. Só eu sei o tamanho da dor e do arrependimento que estou sentindo agora, tenho certeza que Ash vai me dar uma chance e nós vamos reconstruir nossa felicidade. Eu estou sendo punida em dobro, pelo meu erro e o do teu pai, mas eu não sou ele, não abandonei a minha mulher... Anne não completou a frase, percebeu o peso do que disse apenas ao sentir o tapa que levara, apesar de ter jurado nunca mais apanhar depois da surra que levou do pai, não conseguiu sequer encarar a cunhada. Derrotada percebeu o que fez com sua própria vida, em menos de doze horas perdera o amor e o respeito da família que a adotou.
Kelly decidiu levar a irmã para casa. Não havia o que fazer diante da decisão da família de Ashley em afastar a irmã do hospital e ninguém poderia culpá-los, Anne pisou na bola e pisou feio. Ash ficaria bem no fim das contas, mas o desfecho poderia ter sido outro. E se a morena morresse? Como essa tragédia refletiria na vida de cada um?

-- Vamos mana, a sua permanência aqui não faz bem pra você nem pra eles. Você fica lá em casa comigo, toma um banho, tenta dormir.

-- Hanna, eu posso ligar? Saber como a Ash está. Não sei se tua mãe vai querer me ver no hospital. Perguntou receosa, mesmo que não tivesse acobertado a história da irmã com Júlia, se calou. Agora tinha medo de que os outros ficassem magoados também com ela.
-- Claro, você é bem-vinda aqui. Obrigada pelo carinho que tem tido com Ash e por permanecer do lado dela essa madrugada. Eu gosto muito de você viu? Da pessoa que se tornou. Lembra disso, independentemente de qualquer coisa. - Hanna falou enquanto abraçava a ruivinha.

Pela primeira vez, Anne sentiu inveja da irmã.

Fim do capítulo